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Copa do Mundo

O DRIBLE ACABOU

por Leandro Ginane


A Copa do Mundo da Rússia chegou às quartas de final e deixou para trás grandes potências do futebol mundial. Alemanha e Argentina já voltaram para casa e a Espanha encerrou um ciclo de grandes jogadores se despedindo precocemente do torneio. 

Além da eliminação de possíveis candidatos ao título, há um fato marcante nesta Copa que tem chamado a atenção: a pouca quantidade de dribles por jogo. No entanto, a quantidade de passes aumenta e junto com eles a posse de bola e todas as demais estatísticas usadas atualmente pelos treinadores, que aproveitam e usam em suas entrevistas coletivas os números do jogo para justificar vitórias e derrotas. 

Além da matemática, virou moda também usar termos pouco conhecidos pelos torcedores comuns, como: 4-4-2 com flutuação dos externos, liberdade maior, cinturão de marcação mais adiantada, corta linha de passe, amplia área de atuação. 

Neste novo contexto, o velho e bom drible parece secundário nas táticas e entrevistas dos professores e há a sensação de que este recurso técnico, diga-se de passagem um dos mais bonitos do futebol, está se tornando uma espécie em extinção. Craques do passado usavam o drible com frequência e desmontavam defesas inteiras com ele. 

Nesta Copa do Mundo o refúgio da caneta, do lençol, da lambreta e do calcanhar está nos pés do Neymar, tão criticado pelos seus excessos, muitas vezes com razão, ele tenta a cada jogo fazer o inesperado. Arrisca lances que para muitos especialistas pode parecer provocação ao adversário, mas que demonstra a superioridade do seu talento. E foi em um toque genial como fazia Dr. Sócrates, que passou a bola de calcanhar e criou a jogada do gol contra o México nas oitavas de final da Copa do Mundo. Foi desta forma que Neymar desequilibrou. 

Há sobre ele uma patrulha constante e agressiva em relação ao seu comportamento com a bola e o que ele deve ou não fazer em campo. Parece um preconceito tácito por carregar a ginga e o improviso que contrapõem a ciência do futebol moderno. 

A cada jogo a patrulha repressiva fora de campo se agiganta contra os dribles do garoto bom de bola, sugerindo que se torne um europeu em campo, educado e tático, seus assessores o expõem e sugerem que Neymar é uma vítima perseguida por adversários e juízes, tornando-o uma presa fácil que demonstra ansiedade, modifica o cabelo e perde o controle.
 
Mas se ele deixar o cabelo de lado e continuar arriscando suas jogadas, a despeito de toda racionalidade que se tornou o futebol, pode se tornar o nome desta Copa do Mundo e fazer com que o drible volte a ser o protagonista da Copa e o Brasil, o país do futebol. 

Neymar não carrega a responsabilidade nas costas, mas o drible nos pés.

A ESCOLHA DO CAPITÃO

por Idel Halfen


Como todo evento de grande repercussão, a Copa do Mundo dá espaço ao surgimento dos mais variados tipos de especialistas, os quais opinam categoricamente sobre assuntos que vão desde os aspectos relacionados à modalidade propriamente dita, nesse caso o futebol, até temas que acabam se derivando do motivo principal.

Trata-se de uma excelente oportunidade para se adquirir conhecimentos sobre assuntos interessantes que, normalmente, não nos motivariam a conhecê-los com mais profundidade, visto a carência de tempo que o ritmo de vida nos impõe. Exemplifico aqui com as histórias das cidades russas, os hábitos locais e demais características do país e da população. 

Além da própria mídia, há também a possibilidade de se “instruir” com as conversas onde os conhecimentos são divididos.

Nessa toada também surgem temas onde, em virtude da suposta “facilidade” para se opinar, aparecem  “especialistas” da mesma estirpe dos que se erguem para discorrer sobre marketing, direito e até mesmo futebol. São “aqueles” que presumem que o “achismo” substitui os estudos e a experiência.


Uma das matérias que ficou bastante em voga foi a escolha do capitão para a seleção brasileira, surgindo até “catedráticos”, pasmem, em choro. Segundo alguns destes, o zagueiro Thiago Silva não poderia ser o capitão do time por ter chorado num momento de tensão na Copa passada. Argumentos que deixam evidente a convicção de não acreditar na possibilidade de recuperação e evolução das pessoas. 

Tais críticos deveriam ser questionados se o mesmo raciocínio poderia ser aplicado a eles. Será que dessa forma continuariam achando que alguma falha cometida por eles no passado os deixam incapacitados para funções similares no futuro?

Pior do que essa condenação perpétua é a confusão que fazem entre líder e capitão, aparentando ignorarem que a liderança é geralmente nata e que em certos grupos pode não até existir ninguém com essa capacidade, o que não significa que esse mesmo grupo deva ser regido de forma anárquica.

No mercado corporativo, ou mesmo em organizações esportivas, não é incomum encontrar  presidentes, diretores e gerentes que tenham galgado a tais posições sem possuírem as características tradicionais que se apregoam a  um líder. Nem por isso tais profissionais deixam de exercer bem suas atribuições. 


A mesma analogia pode ser aplicada à figura do capitão do time, lembrando que para as críticas fazerem sentido é imprescindível conhecer o escopo que se pretende para a função, o qual pode não ter como prioridade a liderança em relação aos pares, mas sim na representação junto à arbitragem ou mesmo aos demais comandos. Isso sem falar que de fora é quase impossível detectar o comportamento das pessoas em dado grupo, ou seja, um choro visto por milhões de pessoas pode ter um significado completamente diferente perante aos demais colegas com quem se convive.

Em outras palavras, o julgamento sobre a liderança advindo de uma reação em algum momento do passado e sem conhecer os bastidores não me parece razoável, até porque existem diversas formas de liderança.

Há ótimos líderes que falam, há ótimos líderes que calam. Há líderes que se emocionam, há líderes que são frios. A avaliação do que é melhor ou pior só pode acontecer dentro de algum contexto, ressalvando o dinamismo das situações.

FORÇA, ARLINDO!


Ontem, ouvindo uma das suas pérolas, que embalam points pela Copa, nos deu saudades do Arlindo. Poucos brasileiros são tão inspirados e sensíveis, como ele, a transformar em melodias as aspirações, dores e alegrias do nosso dia-a-dia. Seja ao lado do Sombrinha, um dia do Luis Carlos da Vila, foi de Madureira que ele alcançou e melhor interpretou a alma do nosso país.

A Copa do Mundo de futebol é a maior celebração da nação que melhor estendeu os ritos deste fascinante esporte. Sua miscigenação, sua diversidade, foi capaz de levar até suas periferias fábricas de atenuar desigualdades sociais. E onde tinha um terreno vazio, e bolsos dos seus pais tanto quanto, seus meninos humildes trataram de iniciar seu aprendizado rumo ao Barcelona, ao Chelsea, ao Paris St. Germain. Fora dele, meninos Arlindinhos, com os atabaques da resistência, tamborins e chocalhos sobrevividos do berço, elevaram o samba como a trilha sonora de uma arte praticada sem igual. E em um país tão desigual tem encontrado em seus meninos talentosos, dentro e fora de campo, um bálsamo de oportunidades contra o descaso. E a opressão.


Como muito dos seus fãs, temos recebido notícias desencontradas na mesma proporção em que paramos de receber suas melodias inspiradoras. Verdadeiras ou não, desejamos apenas que se recupere. E volte logo. Para que cada obra de arte dos nossos meninos, desta vez em gramados da Rússia, continue a ter o seu talento a resumi-las em canções. Um país que teve Pelé, e hoje tem Neymar, precisa de um Arlindo, como teve um Gonzaguinha, para encher o peito da sua gente e fazê-la acreditar, pelo menos em tempos de Copas do Mundo, que ele é bonito, é justo e um dia será igual.

AS COPAS SÃO PARA OS PERFEITOS, NÃO PARA OS DEMÔNIOS

por Paulo Escobar

Há uma inquisição por trás do futebol, que age nas entidades oficiais, nas mídias tradicionais e nas cabeças conservadoras daqueles que assistem e pregam essa crença moral e perfeita.

Através do futebol tentam moralizar a sociedade, através dele tentam nos dizer o que é certo e errado. Desde como jogar, como se comportar, até como agir dentro e fora de campo.

Para estes o futebol deve seguir conceitos morais de pureza, deve ser sacro, limpo de maus pensamentos. Para estes temos que ser Freis ou Santos para jogar ou torcer.

As Copas do Mundo são as verdadeiras reuniões de como há de ser bom e moral para estar nela ou estar presente em suas igrejas (digo arenas), ali somos ensinados em como agir e sermos Fair Plays. A mídia nos transmite os bons modos a nível mundial neste evento, todos os ensinamentos e doutrinas são transmitidas durante os jogos e comentários.

Ali não há lugar para aqueles que usam drogas, ou pelo menos se caçam os que são detectados e às vezes depende do país que se nasce ou o que o drogado pensa, nada de entorpecentes mesmo que toda essa pressão e em nome do espetáculo sejam necessárias as substancias para poder aguentar essa loucura toda. Afinal as crianças estão assistindo e há que deixar o bom exemplo, mesmo que essas crianças no futuro venham sofrer a mesma pressão e serão talvez aqueles que venham a usar as mesmas drogas também.


Maradona teve o erro de falar demais, de bater de frente com entidade moral que guia o futebol, a partir dali seus “erros” morais foram colocados a luz. Uma verdadeira cruzada para mostrar ao mundo que este ser profano era um verdadeiro “demônio” a ser combatido. A cada investida que Diego sofria, mais os imperfeitos gostávamos dele. Mesmo frequentando as Copas, era caçado e passou a ser o rei dos antidopings.

Alex, um gênio com uma qualidade incrível, da sua geração aqui no Brasil poucos fizeram o que ele fez, não ficou devendo a ninguém e inclusive até hoje poderia ser convocado. Mas Alex cometeu o crime de pensar diferente e isso não é bem visto no futebol.


Cantona teve a “maldita” ideia de chutar um fascista, de dar um golpe naquele que destilava seu veneno contra um estrangeiro, ou contra negros e gays, o futebol lhe cobra autocontrole e ser pacifico mesmo quando tocado no mais profundo e da forma mais desumana. A voadora foi à gota para os moralistas do futebol, pois não era só por aquele momento que Eric era um incomodo.


Djalminha maldito gênio da cabeça quente, não era o bom moço que poderia ser um exemplo a ser seguido pelas crianças. Como levar alguém sem etiqueta para estar na cita máxima da moral futebolística?

O que dizer do Chile, no qual toda uma geração foi punida pelo gesto do Rojas, que talvez cometeu o crime que mais se comete nos bastidores do futebol, ganhar a qualquer custo. Mesmo com todo o peso de um país que acabava de sair de uma ditadura militar e colocava sua esperança naquele time.

E quando alguns destes profanos e hereges do futebol conseguem entrar nestes encontros da moral futebolística, são observados o tempo todo nas suas ações e gestos, a mídia faz verdadeiras analises mais centralizadas nas vidas que levam. O futebol passa a ser um detalhe, o que importa é mostrar as vidas devassas e o que as crianças não devem fazer.

As Copas do Mundo não foram feitas para os maus rapazes, não foram pensadas para os contraditórios ou que pensem a sociedade de outra forma e nem para ex-pobres com manias de pobres. Assim como a igrejas não são para os demônios o futebol não é para os imperfeitos, as Copas são para os santos e deuses, pois eles possuem a perfeição, essa perfeição chata e impossível.

Eu prefiro os demônios do futebol, pois:

“A perfeição é o chato privilegio dos deuses” – Eduardo Galeano

 

 

Paulo Escobar

Maloqueiro, Varzeano, corre com o povo de rua e Sociólogo.

TRÊS VELHOS NA COPA DO MUNDO

por Claudio Lovato


São três velhos realizando seu sonho de meninos: ir a uma Copa do Mundo em terra estrangeira.

Três velhos que se conhecem desde a infância.

Passaram juntos pela experiência dos primeiros anos de escola, dos primeiros porres, dos primeiros namoros, dos primeiros empregos, e depois foram padrinhos de casamento uns dos outros e padrinhos dos filhos uns dos outros e por último se tornaram avós emprestados dos netos uns dos outros.

Três velhos que são irmãos desde sempre e para sempre.

Agora estão juntos no país distante onde acontece a Copa do Mundo.

A saber:

Já viram, no estádio, a poucos metros do campo, a Seleção empatar uma vez e vencer três.


Já tomaram um pileque cada um, mas combinaram que só um passaria do ponto de cada vez: lugar estranho, prudência máxima.

Um deles (sem influência da birita) aceitou que colorissem sua barba de verde e amarelo.

Um se perdeu dos dois outros numa suntuosa e gigantesca estação de metrô; só se reencontraram duas horas depois.

Um deles pegou uma gripe que quase o levou para o hospital.

Outro recebeu um bilhete escrito num guardanapo, com marca de batom (a assinatura era um beijo e um número de telefone), o que reforçou sobre sua fama de eterno galã.

Outro arranjou briga com um jornaleiro e, no mesmo episódio, tomou uma dura de um policial, sem fazer a menor ideia do porquêde tudo aquilo. (E decidiu que dali em diante não confiaria mais nas traduções do Google.)

Experimentaram todas as comidas que apareceram pela frente, colocaram flores no túmulo de um soldado morto na Segunda Guerra (um deles chorou ao fazer isso) e visitaram o museu mais espetacular que tiveram a oportunidade de conhecer.

Um deles está escrevendo um diário com o relato dos principais momentos da aventura que estão vivendo.

Outro decidiu que vai voltar com a família a esse país sensacional assim que possível. (E, de preferência,na companhia dos outros dois e suas famílias; já existe um início de pacto com relação a isso.)

No jantar, depois do quarto jogo, falaram da morte.

Da proximidade da morte. Da finitude da vida. Do que tempo que lhes resta. Do que ainda gostariam de fazer.

Depois, quando a conversa já estava ficando muito pesada, falaram da alegria de poderem estar onde estão, com as pessoas com quem estão, irmãos desde sempre e para sempre.

E então se congratularam por – acordo antigo firmado entre eles – se recusarem a abandonar o menino que vive em cada um deles e que os levará pela mão para a próxima estação, para o próximo jogo e para tudo o que estiver mais adiante.