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Copa do Mundo

O VALOR DE UMA COPA

por Gabriel Galo e Heraldo Iunes


Enche o meu saco essa história que “o país está uma merda, a economia fodida, tem ladrão pra todo lado e você preocupado com futebol”. É como se o futebol fosse SÓ para alienados. 

Os céticos dão seus ultimatos sectários, não notando que há no futebol uma saudável anormalidade que comove, sensibiliza e une às pessoas. E em campo estava a seleção brasileira, ainda que tal tenha menos importância que o Fluminense. 

Quando comecei a curtir a Copa do Mundo, que entrei na onda do verde e amarelo, o Brasil foi “despachado” pela Bélgica. Sexta foi fim de festa. 

Fui momentaneamente tragado por uma inércia paralítica provocada pela frustração, pela decepção e pela adaga afiada da realidade. Não deu e, agora, resta-me esperar mais quatro anos.

Torcer é o auto-engano disfarçado de esperança. Pode estar difícil, mas nada é impossível. 

Confesso que torci. E muito. Só que, no escanteio para a área, relógio ainda em aquecimento, o gol contra do para-sempre-amaldiçoado Fernandinho tirou o meu sossego. E na reprise do contra-ataque de almanaque anteriormente orquestrado contra o Japão, gritei para que marcassem o cara que vinha pela direita. Não fui ouvido e o tirambaço de De Bruyne levou-me a esperança. 

No apito final, o empate não veio e o sonho do hexa na Rússia estava morto. 

Uma Copa do Mundo vai muito além do resultado, é mais do que futebol. 


As pessoas se reúnem em torno de simbologias únicas. A questão não é ganhar, é viver a Copa. Ainda somos o país do futebol. Os melhores. Penta. Então, bastam os amigos para uma grande confraternização. “Vai ser na casa de quem?”… até às mulheres, que normalmente não são chegadas, se transformam em torcedoras loucas e fanáticas. A Copa do Mundo junta bons sentimentos e, por instantes, protege-nos das mazelas. Depois a gente vê se “o país está uma merda, a economia fodida, tem ladrão pra todo lado”.

E aí, aproveitamos o máximo o que ela representa. Jogo, ponto facultativo, alegria, união, cerveja, churrasquinho, ressaca. Bom demais.

A Copa do Mundo tem este peculiaridade: é de quatro em quatro anos e a gente nunca sabe ao certo quanto tempo a festa vai durar. Na sexta, a festa chegou ao fim. Decepção e tristeza. 

Lidamos com a perda de diversas maneiras. Observo nos meus Amigos as diferentes reações. Uns quietos, administrando a frustração. Outros blasfemando: dizem não ligar para o resultado, que a seleção não joga nada, enforcam Neymar e cia. Não só pelo álcool, mas estão todos emocionados. 

Aprendemos a nos defender das agruras da vida como podemos. Abster-se de emoções que nos apaixonam não é coisa boa, tanto pelo contrário. Na esteira da derrota consumada para a Bélgica, não teremos mais o feriado prolongado da terça-feira, os encontros obrigatórios com os amigos, todos vestidos de verde e amarelo, o ufanismo das transmissões passando por cada canto do Brasil, mostrando que podemos, sim, ser um. 


A rua vai voltar ao normal, as decorações serão guardadas – como acontece em aniversários, no São João, no Natal, no Ano Novo, em qualquer época de celebração.

Assimilo, com viés de desolação, que a dor maior não é da derrota em si, porque perder faz parte do esporte. Não houve humilhação, tal qual 2014. Sem muletas que nos escore, a dor vem do fato de que a realidade, mesmo deixada de lado, retorna. O fim de festa sempre vem. O que não nos impede de admitir que queríamos a fuga por mais um tempo, porque o prazer é libertador.

O que será então da próxima terça-feira, senão mais um dia comum na vida de todos nós? Algo insossa, sem surpresa, sem inesperado, sem magia? Ora, de terças-feiras ordinárias estamos fartos! E chego a ter pena de quem proclama ao vento que se recusa a viver intensamente a delícia que é este tal do futebol.

Pois, sim, concluo que o sonho do hexa, por hoje, “tem, mas acabou”. Amanhã volta. Só que esse amanhã dura longos quatro anos. Foi, digamos, apenas adiado, empurrado com a barriga. Vai ser guardado no porão da memória, cabendo a nós resgatá-lo, limpá-lo e exibi-lo como nosso. Em 2022, no Catar, estaremos quatro anos mais velhos, porém, da mesma forma, contagiados pelo clima de Copa, torcendo pelo Brasil, cantando o hino à capela, reunindo a galera, vestidos de verde e amarelo, rindo, chorando, cornetando e esperando que a festa dure por mais tempo. 

Ao menos até a final.

E O ÓBVIO OCORREU

por Ivan Gomes


A eliminação do selecionado da CBF da Copa da Rússia nas quartas de final perante a Bélgica não foi surpresa alguma para quem acompanha futebol no dia a dia. Sabíamos que o grupo convocado para disputa não passava de um time comum e sem apresentar um futebol envolvente. O Brasil foi só mais um na Copa. A eliminação não ocorreu antes pois o grupo da primeira fase era muito, muito fraco e nas oitavas pegou um time mexicano que joga no mesmo nível dos adversários anteriores.

No primeiro teste com uma equipe preparada, o time dirigido por Tite sucumbiu. Ao menos desta vez, não houve o vexame ocorrido há 4 anos na semifinal contra a Alemanha, o famigerado 7 a 1. Mas faltou futebol, muito futebol.

Talvez o que o Brasil e outras seleções sul-americanas precisam fazer é retornar ao futebol raiz. Nunca seremos europeus, eles que usem as táticas, os sul-americanos precisam voltar a ter orgulho de vestirem as camisas de seus países, jogarem com raça, vontade. O brasileiro precisa voltar a usar o que sabe melhor, o improviso, o drible.

Precisamos parar de apenas dar créditos somente aos atletas que desempenham suas funções em solo europeu. Esse lance de experiência mostra que não é fundamental para uma conquista. O fundamental é o atleta ser o que ele é e ter capacidade para desempenhar sua função da melhor maneira possível. É preciso parar de jogar a responsabilidade para um único atleta. É preciso parar com o ufanismo ignóbil de parte da imprensa.


Após a eliminação, só nos resta torcer para uma profunda mudança na estrutura do futebol brasileiro. O que precisamos é de uma direção séria, feita por pessoas que conhecem e gostam de futebol, que compreendam que o futebol é de todos que são apaixonados por ele e não de meia dúzia que somente pensa em faturar.

Talvez um dos primeiros passos seja a manutenção do comando técnico, deixar Tite trabalhar e montar uma equipe para futura disputa. Claro que seleção não é como clube, mas é preciso tentar. Mas, como dito anteriormente, além do Brasil, os sul-americanos precisam voltar a ser sul-americanos. A “europeização” sempre fez e sempre nos fará mal.

 

BRASIL DE 58 X BRASIL DE 70

por Émerson Gáspari


Aproveitando o privilégio de estar no Museu da Pelada, proponho aqui, vir à tona com uma das nossas maiores discussões em rodas futebolísticas, até hoje: qual das duas seleções brasileiras foi a melhor, na opinião de vocês: a de 1958 ou a de 1970?

Aposto que a maioria irá se decidir pela de 70, afinal de contas, sequer acompanhou a de 58, transmitida pelo rádio. Mas a dúvida persiste e tentar definir isso de vez me parece salutar, para jogar um pouco de luz num das maiores dilemas da história do futebol brasileiro. Futebol esse que anda difícil de engolir, ultimamente. 

Dia desses, minha esposa descia a escadaria daqui de casa e notou o televisor da sala sintonizado num São Paulo x Santos – completamente abandonado – enquanto eu me refugiava na sala de jantar, diante do computador, compenetrado. Daí me perguntou se eu não iria assistir ao futebol e lhe respondi que futebol mesmo, era o que eu estava vendo, ali: Botafogo x Santos, partida completa de 1964, no Maracanã. 

De um lado; Gylmar, Pelé, Zito, Coutinho, Pepe. Do outro, Manga, Garrincha, Nilton Santos, Jairzinho, Gérson (de topete!). Falando sério: dá pra comparar? Só me resta mesmo ser saudosista nesta vida, gente!

Aliás, quem frequentava meu sebinho no centro de Ribeirão Preto e curte futebol, sempre participou das acaloradas discussões promovidas por mim, com os colegas fanáticos pela bola. Numa delas, confabulamos a respeito da eterna celeuma de qual seleção brasileira foi melhor: a de 1958 ou a de 1970? 

A maioria dos meus amigos sempre defendeu que foi a de 70, até porque – no caso deles – era a primeira que haviam visto jogar e tal. O “grupo” seria melhor.

Eu sempre contra argumentei que seria a de 58 (inclusive tinha um belo pôster dela, publicado na antiga revista O Cruzeiro, colado na parede, ao lado de minha mesa).

E apresentava minhas razões, para justificar a dura escolha.


– Pessoal, mas o grupo de 58 tinha mais craques, individualmente falando: para mim, Gylmar, Bellini, Nilton Santos, Zito e Garrincha, eram superiores a Félix, Brito, Everaldo, Clodoaldo e Jairzinho, respectivamente. Já Djalma Santos (notem que preteri De Sordi), Orlando e Didi, mais ou menos empatariam tecnicamente com Carlos Alberto Torres, Piazza e Gérson. Apenas Tostão e Rivellino levariam boa vantagem – tecnicamente falando – contra Vavá e Zagallo. 

Pelé é um caso à parte e eu estaria blasfemando ao tentar cravar se o “Rei” foi melhor aos 17 anos, na Copa de 58 ou aos 29, na de 70.

Só que o pessoal não costumava entregar os pontos facilmente, nessas questões:

– Mas o grupo de 70 “mataria” o de 58, no preparo físico, Émerson.

E eu, bancando os primeiros campeões mundiais, respondia:

– Amigos, o máximo não é correr atrás da bola, é fazer a bola correr, como sempre defendeu Rivellino! Além disso, apenas o time de 58 teve dois gênios incomparáveis juntos: a dupla Pelé-Garrincha – que jamais foi derrotada, inclusive – o que por si só, já dá uma dimensão do que aquele selecionado seria capaz de fazer, num embate desses.

A turma não se dava mesmo por vencida, apontando então, a evolução do futebol, nos doze anos que separaram as duas seleções, como argumento.

Retruquei então que evolução nem sempre acontece. A seleção de 66 mesmo foi um desastre, regredindo em relação às de 58 e 62. O que dizer então, das que temos visto nos últimos anos?

É por isso que eu defendo tanto que Pelé e Garrincha – hoje, tendo a tecnologia e preparação física de última geração – continuariam sendo os melhores, estourados. Difícil seria ver os “craques” de hoje desempenhando o mesmo papel, sem tanta preparação física, no meio dos de antigamente, onde só feras jogavam! Alguns, não passam de craques “no marketing”. 

Mas levantei um ponto favorável à seleção tricampeã mundial, ao menos:

– Para mim, os maiores adversários das duas equipes foram equivalentes: Inglaterra, Peru e Uruguai em 70 eram tão complicados como URSS, País de Gales e França, em 58, a meu ver.

No empate contra a Inglaterra em 58, a seleção ainda não tinha sua formação definitiva, portanto não ponho na conta. Porém, acho que a final de 70 foi mais dura, pois os italianos, mesmo “faltando pernas”, eram superiores aos suecos, apesar destes jogarem em casa. 


Os demais adversários pouco puderam fazer diante do Brasil, na minha humilde análise. Desejaria mesmo, era ter uma opinião a respeito disso, de Pelé e Zagallo, que estiveram nas duas Copas. Eles sim; poderiam opinar com mais propriedade, acerca do assunto.

– E se jogassem uma contra a outra? – me perguntaram, de supetão. 

– Olhem, numa partida dessas, precisaríamos fazer um nivelamento no aspecto físico e tático, no equipamento esportivo (uniformes, bola, traves, gramado) e até nas regras, pois nem cartão amarelo em 58 ainda, havia. Estabelecendo-se isso, aí sim, poderíamos pensar no assunto. Colocá-los em choque direto assim, a seco, não sei… 

Meus amigos não deixaram por menos: foram logo me “intimando” com a proposta: 

– Você não é o “Poeta da Bola”? Que tal usar sua imaginação para isso? Você sempre escreve a respeito e publica em livros… tente aí, de cabeça, imaginar como as coisas poderiam ser, num confronto desses!

Ri daquela situação. Eu havia escrito uma série de livros, intitulada “Poetas da Bola”. Mas o título fazia referência à verdadeira “poesia” que os craques do passado, com os pés, escreveram nos gramados. Não que fosse pretensão minha, ser apelidado assim.

Topei de imediato! Comparar exige certos cuidados e considerações, mas seria um exercício criativo bacana com o nosso sagrado futebol brasileiro, pelo qual possuo o maior respeito. E comecei a descrevê-lo, de improviso (igual político fazendo discurso) tendo meus colegas por testemunhas:

Brasil-58 x Brasil-70 não se enfrentam em Estocolmo ou Guadalajara, mas no Rio de Janeiro, num Maracanã lotado, com público de quase 200 mil pagantes, como palco do maior tira-teima de toda a história do futebol brasileiro.

A seleção de 1958 pisa o gramado primeiro, com: Gylmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando e Nilton Santos; Zito e Didi; Garrincha, Vavá, Pelé e Zagallo. Téc.: Vicente Feola. O selecionado de 1970 vem a campo, com: Félix, Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gérson e Pelé; Jairzinho, Tostão e Rivellino. Téc.: Zagallo.

Carlos Alberto ganha o sorteio de capitães e o Brasil de 70 dá a saída: Pelé está com um pé sobre a bola, tendo Tostão a seu lado. O árbitro autoriza: está valendo!


Mas os primeiros campeões mundiais é que começam com tudo: logo roubam a bola e Didi lança para Garrincha. Daí para Pelé. Para Garrincha. Ele ultrapassa Everaldo pela direita e manda a bomba em cima de Félix. 

Até parece a estreia da dupla “Mané e Pelé” em Copas, diante da URSS. Escanteio batido e Brito alivia. Intercepta Didi. Daí à Garrincha. Para Pelé. Outra vez para Garrincha. Ele passa por Everaldo e Piazza e manda uma paulada que explode no poste esquerdo de Félix. 

Agora é Zito quem apara o tiro de meta e toca para Pelé. Para Garrincha. Mané devolve a Pelé, que da entrada da área, dispara um foguete no travessão adversário.

– Como demora este gol brasileiro, minha gente! – esgoela-se um locutor, numa das cabines de rádio do Maraca.

São três minutos. Tiro de meta interceptado. Bola para Pelé. Para Garrincha. Daí à Didi. E Vavá entra fulminante, para fuzilar Félix: Brasil-58, 1×0. Festa nas arquibancadas!
“Foram os três minutos mais inacreditáveis de toda a história do futebol” trará, no dia seguinte, a manchete da Gazeta Esportiva.


Mas o Brasil-70 é experiente e não se abala com gols tomados. E recomeça o jogo, na base da tranquilidade, tocando a bola.  De Pelé para Tostão, que retrocede para Clodoaldo. O qual entrega para Gérson. Este ultrapassa o círculo central e lança na direita para Jairzinho, marcado por Nilton Santos (que duelo!); a bola parece que vai sair, mas ele corre feito raio e antes que cruze a linha de fundo, centra-a com violência pelo alto, para a grande área. Pelé sobe mais que Orlando e cabeceia violentamente para o chão, Gylmar salta no canto, dando um tapinha nela, por baixo.  Caprichosamente, a bola sobe cheia de efeito, encobre o travessão e rola por sobre as redes. O estádio todo se levanta e aplaude a defesa monumental de Gylmar, após a cabeçada mortal de Pelé. 

Os minutos passam e com eles, jogadas de efeito se sucedem dos dois lados. Agora é mestre Didi quem faz um lançamento de 40 metros para Garrincha, que se livra de Everaldo e antes da chegada de Piazza, bate para o gol, no cantinho do gol de Félix: 2×0 para o Brasil-58, que começa com a corda toda.

A luta para conter Garrincha está terrível e enlouquece os rivais: Clodoaldo é obrigado a vir dar o primeiro combate, pois Everaldo é “tirado pra dançar” por Garrincha a toda hora e nem sempre Piazza chega a tempo, na cobertura. A famosa “fila” vai se formando. Gérson nem se mete: perece traumatizado pela final em que Flávio Costa o mandou marcar Mané e o Flamengo acabou destruído pelo “anjo das pernas tortas”.

Mas é justamente Gérson quem rouba uma bola de Zagallo, que estava recuado e a entrega rapidamente para Pelé. Antes da risca do meio-campo e pelo lado direito, ele enche o pé, a 64 metros de distância, disparando um chute por cobertura, ao notar Gylmar um pouco adiantado. O goleiro volta desesperado, acompanhando a trajetória descendente da esfera, que por fim, passa próxima do ângulo esquerdo de sua meta. Aplausos gerais!

Agora é Tostão que pela esquerda, luta contra Djalma Santos, Bellini e Zito, na grande área. Ele se desvencilha dos três e centra para Pelé, na marca penal. O negão vira o jogo para a direita. Jairzinho penetra e enfia o pé, sem dó: 2×1 no placar.

Explode a torcida brasileira! Por via das dúvidas, não há separação de torcidas, pois ninguém está ali para torcer por este ou aquele selecionado; é uma torcida unida, feliz.


Quase trinta minutos de jogo e Nilton Santos desce para o ataque, pela meia- esquerda. Ante a aproximação de Clodoaldo, ele toca para Vavá, que traz consigo a marcação de Brito. O “Enciclopédia” então, se infiltra na zaga adversária e pede a bola de volta, recebendo-a. Félix pressente o perigo e abandona sua meta, fechando em cima do lateral, mas é tarde demais: com um toque sutil, por elevação, Nilton põe a bola no ângulo: o Brasil-58  faz 3×1, aumentando vantagem, no marcador.  

São decorridos 37 do primeiro tempo, quando Jairzinho cai pela esquerda e estende um passe a Pelé, no meio. Uma vez mais, ele rola para a direita, de onde agora surge Carlos Alberto Torres, que bate de primeira, descontando para o Brasil-70.

Zito fica louco e distribui uma bronca em todos. Com os olhos, busca apoio de Vicente Feola no banco. Mas o flagra cochilando e desiste. O placar está 3×2, para “58”.  

No intervalo, a torcida canarinha continua a fazer muita festa e gente como Paulo Machado de Carvalho, João Havelange, Neném Prancha, Armando Marques, Leônidas da Silva, Friedenreich, Zizinho, Zico, Sócrates, Romário, Ronaldo Fenômeno, Mário Filho, João Saldanha, Nelson Rodrigues, Tim, Telê Santana, Orlando Duarte, Armando Nogueira, Luciano do Valle, Milton Neves entre muitos outros, circulam pelos camarotes e bastidores, comentando a respeito do maravilhoso espetáculo à que estão assistindo. 

Milton até arrisca escalar o “time dos sonhos” daquele encontro: Gylmar, Carlos Alberto, Bellini, Orlando e Nilton Santos; Gérson, Didi e Pelé; Garrincha, Tostão e Rivellino. Téc.: Zagallo.  Quando perguntado por Armando Nogueira sobre qual dos dois “Pelés” seria aquele da escalação, ele se sai com essa:

– Qualquer um, ora bolas… fica impossível decidir, porque se trata do mesmo sujeito!
Os escretes estão novamente em campo. Pedro Luís e Geraldo José de Almeida disparam a “metralhadora verbal” em seus microfones, narrando o segundo tempo. 


Zito toma uma bola de Clodoaldo e a enfia para Nilton Santos, que arranca. Já na altura da meia-esquerda, ele centra pelo alto. Pelé domina, dá um chapéu incrível em Piazza e bate antes que Brito chegue no “pé-de-ferro”: 4×2, para “58”.

Vibração intensa do público. O jogo é um delicioso desfile de craques imortais e suas jogadas maravilhosas, para os privilegiados que assistem tudo, das arquibancadas do estádio.

Extasiado, Sérgio Pugliese, do site Museu da Pelada, mal pode crer na magia que seus olhos veem e já sonha com resenhas que irá propor aos torcedores, no dia seguinte. Mas quando Vavá perde um gol feito, ele não perdoa, berrando:

– Poxa, esse até eu faria, Vavá! 

Do banco, Zagallo pede para que Rivellino acompanhe Zagallo (ele mesmo?!), quando esse fechar pelo meio. E para que Pelé ajude Gérson a dar combate no garoto Pelé, toda vez que ele quiser partir para o ataque. 

“É o lúdico elevado à máxima potência, rompendo com todos os limites do imponderável”, diz Nelson Rodrigues. 

Agora, Gérson lança pelo alto para Pelé, que está invadindo a área. O “Rei” salta e mata no peito; deixa a bola cair ao solo, troca de pé e fulmina Gylmar: 4×3, aos 22 minutos da etapa final.

Quanta gente boa reunida! Que privilégio poder assistir uma exibição de gala dessas!

Orlando sai jogando com Zito. O “Gerente” estende um passe à Zagallo, que é bloqueado por Gérson. A bola se oferece graciosamente à Didi. Ele a acaricia com o lado de fora do pé direito e – ato contínuo – desfere um chute cheio de veneno, lá da intermediária. A bola sobe muito, mas subitamente decai e, como se fosse teleguiada, entra no ângulo do arco defendido por Félix, que na vã tentativa de alcança-la, acaba abraçado à trave: 5×3 para a turma de “58”.

Faltam quinze minutos para o encerramento da partida. 


Tostão agora recua e cai pela meia-esquerda, enfiando um passe rasteiro e em diagonal para Pelé. Gylmar deixa o arco em desespero, Pelé finge que vai apanhar a bola e driblá-lo, mas ao invés disso, ginga o corpo e sai pela esquerda, fintando-o, enquanto a bola passa pelo outro lado, sem ser tocada. O “Rei” vai atrás dela, perseguindo-a e já dentro da grande área, bate cruzado, desequilibrado, enquanto Djalma Santos tenta salvar, tropeçando e caindo dentro do gol. A bola cruza toda a extensão da meta, passa ao lado pé da trave, e vai para fora. 

Delírio total no estádio! Nelson Rodrigues comenta que isso que aconteceu é algo só explicável pelo “Sobrenatural de Almeida”.  

Faltam pouco mais de dez minutos e o Brasil-58 continua na frente. Mas a Seleção de 70; começa a “sobrar” fisicamente em campo. 

Feola pede para que o time prenda a bola. Mas Garrincha parece não compreender e se põe a driblar todo mundo, inclusive os seus próprios companheiros. Quem entende o Mané? É o show, chegando ao requinte! Zito tem que dar uma bronca para que ele pare com aquela “palhaçada” toda. A torcida se diverte e agradece, aplaudindo os dribles “chaplinianos” do ponta, que faz Everaldo e Piazza se estatelarem às vezes, no chão.

Saldanha grita da geral para Zagallo mexer no time, pois “as feras” vão perder o desafio, desse jeito. 

O Velho Lobo saca Clodoaldo, recua Gérson para a posição de volante, traz Rivellino para a meia cancha ao lado de Pelé e coloca Paulo Cézar Caju para jogar enfiado, na ponta esquerda, na intensão do time agredir mais.

Numa tabelinha sensacional, Tostão é derrubado, próximo da meia-lua. A barreira de seis homens é formada, com Jairzinho posicionado ao lado da mesma. Rivellino corre e desfere sua “patada atômica”. De súbito, Jair se desloca e a bola passa exatamente no espaço vago, indo morrer nas redes de Gylmar: 5×4. 


O Brasil-70 parte com tudo pra cima! Já passamos dos quarenta e três minutos.

Caju desce pela meia-esquerda, esquiva-se de Djalma Santos, mas Bellini vem para o combate e ambos trombam. A bola sobra limpa para Gérson, que vem de trás, entrando na diagonal e acerta um chute violento, cruzado e rasteiro, no canto de Gylmar; é o empate: 5×5. 
Dez golaços num jogo só: meu Deus!

Mário Vianna (com dois “enes”) trila seu apito e encerra a partida (e que partida!). 
Aplausos calorosos que duram quase cinco minutos brotam de todos os lados do estádio. É o reconhecimento do torcedor, pelo legítimo e inigualável futebol brasileiro e seus craques. Muitos vãos às lágrimas nas arquibancadas e um coro de quase 200 mil vozes toma conta do estádio: BRA-SIL! BRA-SIL! BRA-SIL! 

Gérson e Didi trocam camisas, cada qual elogiando a técnica de bater na bola do outro. Zagallo passa pelo banco adversário e cumprimenta o técnico Zagallo, dizendo que quando encerrar a carreira vai querer seguir a carreira de treinador também, feito ele. 
Garrincha, alheio a tudo, deixa o gramado abraçado a Nilton Santos, convidando o compadre para irem juntos à Pau Grande; caçar passarinhos e jogar uma pelada com os amigos dele, marcada para o dia seguinte, que será de folga. 

Gylmar e Félix conversam sobre a complicada tarefa de se enfrentar tantos craques em campo e da real impossibilidade de impedi-los que façam muitos gols. 

Carlos Alberto Torres felicita Djalma Santos, que está sendo abraçado por Rivellino. 

No círculo central, uma cena chama a atenção de todos: o veterano Pelé abraça o jovem Pelé e o cobre de elogios: 

– Você é único, garoto! Ninguém nunca conseguiu ser coroado “Rei” no futebol com apenas 17 anos, “entende”?

O menino, chorando copiosamente, tomado pela emoção, agradece e retribui:


– Obrigado, mas o senhor é que é demais: nunca vi, na vida, alguém marcar mil gols! 

Todos os jogadores se confraternizam no gramado, enquanto a torcida brasileira, orgulhosa, começa a invadir o gramado. Dali a pouco, Tostão está quase sem roupa, arrancada pelos torcedores, que agora carregam seus ídolos nos ombros, numa inusitada volta olímpica. 
Um pódio é providenciado, junto à lateral do campo, onde João Havelange aguarda os atletas das duas seleções, para a cerimônia de premiação. Apenas Paulo Cézar Caju se mantém à distância e com o braço direito levantado e o punho cerrado, executa a característica saudação dos “Panteras Negras”, evocando a luta contra o racismo e  sendo efusivamente aplaudido por toda a torcida, pelo seu gesto contestador.

Havelange então recebe os atletas que sobem, um a um, cumprimenta-os e finalmente entrega a Taça Jules Rimet nas mãos dos capitães Bellini e Carlos Alberto Torres, os quais, juntos, levantam aquela deusa dourada magnífica, inigualável, sob um foguetório enlouquecedor e inesquecível que colore os céus da “Cidade Maravilhosa” e desse país tão abençoado pela magia de seu futebol. O país do futebol. 

A COPA DO MUNDO LADO B

por Mateus Ribeiro


Imagina só se antes da Copa, alguém te falasse que Croácia, Rússia, Inglaterra ou Suécia iriam ser finalistas. Você provavelmente deixaria a pessoa falando sozinha, ou iria a chamar de louca. Confesso que faria o mesmo.

Porém, essa é a realidade. Quatro times que não estavam cotados no início da Copa possuem chances reais de disputar a final contra algum medalhão. É bem verdade que a Inglaterra já foi campeã, que a Suécia já foi finalista, que a Croácia fez uma ótima campanha 20 anos atrás, e que a Rússia é a dona da casa (e a torcida está sendo um grande fator). Mas de maneira nenhuma dava pra cravar alguma dessas quatro seleções como possíveis finalistas.

É claro que todas chegaram entre as oito com total merecimento. Seja pela aplicação tática sueca, seja pela entrega dos jogadores russos, seja pela surpreendente renovação inglesa, seja pelo talento dos croatas, todas essas seleções merecem todo o mérito.


E esse lado da chave é a tônica da Copa, a mais “lado B” dos últimos tempos. Se já não bastasse Holanda e Itália de fora, vimos a Alemanha sendo eliminada (e acabando com o bolão de meio mundo) na primeira fase. Além disso, tivemos a Rússia goleando na primeira rodada (era a Arábia, mas a Rússia marcar cinco gols sempre será surpreendente), e depois eliminando bravamente a sonolenta Espanha. De esperado nesta Copa, acredito que só a campanha do Brasil, e a vaca deitando para as duas “seleções de um homem só”, e vocês sabem de quem estou hablando, ó pá!

Do outro lado, temos times mais tradicionais. O Brasil, que tem a maior camisa do futebol mundial, França e Uruguai (dois dos maiores traumas do Brasil em Copas) e a Bélgica, que pode complicar também.


De qualquer forma, se não for Brasil x Suécia, a final será inédita. Dificilmente teremos um campeão inédito, mas seria legal ver, por exemplo, a Croácia campeã. Ou a Bélgica, ou a Suécia. Em um futebol que anda tão monótono, tão monopolizado, essa Copa, que para alguns está sendo tratada como bizarra, é um sopro de esperança. Da mesma forma que seleções com menos cartaz estão chegando longe nesta Copa (coisa que já aconteceu em outras edições, mas em 2018 tudo parece estar de cabeça pra baixo), espero que a Champions League, por exemplo, deixe de ser um clubinho fechado entre Real Madrid e seus amigos.

Eu, como amante das terceiras músicas dos lados B dos discos de vinil, estou curtindo demais esses resultados alternativos. E você, qual a sua opinião?

O AMOR É AO MEU PAÍS

por Zé Roberto Padilha


A cada quatro anos é assim: a ficha, para todo mundo da bola só cai mesmo durante as oitavas de final. Quando esta fase se inicia, e favoritos já arrumaram suas malas de volta e as lágrimas correram por olhos abertos, e fechados, dos que a deixaram, um soldado uruguaio, relembrando Obdúlio Varela, dá carrinhos de cabeça nas chuteiras adversárias e, outro, mexicano, chuta um Neymar abatido no chão, redescobrimos que por ali não se disputa uma Champions League. Ou o mundial de clubes.

A defesa intransigente é pela nação, não por clubes, e aí os valores são invertidos. Na Rússia, temos assistido, todos os dias, que patriotismo não é dinheiro. É amor ao seu país. E neste contexto, onde a segurança das fronteiras é mais importante que a habilidade de cada um defensor, você descobre que Filipe Luis pode ser mais importante que um Marcelo na defesa do Brasil.


A história das Copas tem sido assim. Exaltava-se o poderio do esquadrão húngaro, imbatível em 1954, mas quem levou a taça para casa foi a Alemanha. Nossa seleção de 1982 encantou o mundo nos gramados espanhóis, mas foi a Itália que se fechou sua retaguarda e, sem encantar ninguém, se impôs a todas as nações. E nem preciso relembrar 1950, quando os artistas da casa perderam a batalha para um time de guerreiros oriundos da fronteira ao lado. Quando toca o hino nacional e o juiz apita, é uma nação que entra em campo, não um exército “mercenário” recrutado a peso de ouro pelo Barcelona, Real Madrid e Bayer de Munique ao redor do mundo. Daí vale o coração, não mais a quantidade de euros que carregam no bolso.

Tudo começou durante a Revolução Francesa. A defesa dos ideais de emancipação havia gerado, no interior da coletividade francesa, a criação de um novo e poderoso cimento social que proporcionou o surgimento de uma verdadeira religião nacional. A defesa do interesse comum contra os interesses particulares, o compartilhamento de ideais de fraternidade, igualdade e liberdade fomentaram uma forma virtuosa de pertencimento nacional. O princípio da nacionalidade, o ser parte de um Estado Nacional, envolveu pela primeira vez as massas. E ele, mais do que nunca, está presente nesta Copa do Mundo.


E neste cenário de oportunidades iguais, onde não há mais reis absolutistas no comando, como Cristiano Ronaldo e Lionel Messi, que Fágner se supera e não nos deixa sentir saudades de Daniel Alves, é justo que a democracia construída pelos franceses, não mais com Danton ou Robspierre, mas com Mbappé e Paul Pogba, continue a dar exemplos aos poderosos. E mereça participar da festa maior do futebol mundial.