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Copa do Mundo

“ETERNO 7X1”

por Émerson Gáspari


Gostaria de começar pelo fim. De um período sublime, de alegrias, vitórias, craques maravilhosos, futebol bonito. O qual durou 44 anos e cinco títulos mundiais, nos tornando conhecidos, temidos e admirados mundialmente.

Mas isso foi entre 1958 e 2002 e esse tempo agora parece existir apenas para os saudosistas. Alguns deles, feito eu, que não se conformam com a mediocridade futebolística exibida há tempos, pela Seleção Brasileira.

Analisar o que ocorre, exige um olhar mais profundo e abrangente.

Comecemos pela velha teimosia de “europeização” do futebol brasileiro.

Em Copas passadas, já tivemos de tudo: técnico apregoando futebol-força, copiando esquemas defensivos, usando três zagueiros, extinguindo pontas. Uma série de invencionices tidas como evolução e que por estarem em voga no Velho Continente, logo se tornavam “coqueluche” (para usar um termo da minha época) por aqui.

Mas depois do penta, a coisa ficou mais séria e nosso futebol só fez regredir.

Seleções formadas exclusivamente por brasileiros no exterior, atletas saindo de baciada, técnicos partindo para se aprimorar lá fora, mídia destacando futebol europeu, campeonato brasileiro por pontos corridos e muitos casos de corrupção.


Pior: a formação do atleta em escala industrial, tirando do jovem criatividade e irreverência, prendendo-o a modelos de fora, onde drible é recurso raro e obediência tática se sobrepõe a talento. Estatura e físico valendo mais que ginga e picardia. O progresso ceifando campinhos de várzea, substituindo-os por escolinhas de futebol que ensinam o “evoluído” modelo europeu. O maldito modelo europeu.

Estão matando a essência do futebol brasileiro. Seria como tirar um índio de seu habitat natural e impingir-lhe a usar sapatos, terno, celular, óculos, como se isso fosse o correto. Ao perpetrar na cabeça do brasileiro que deva se comportar em campo como o europeu; tolhemos seu talento nato, engessando nossos times e selecionados.

Não foi diferente nessa Copa. Estava na cara que seria assim!

Em 2010, após o fracasso da Seleção de Dunga, me perguntaram em qual lugar eu achava que o Brasil iria terminar no Mundial seguinte. Cravei: “Terceiro”.

Após a “Família Scolari” apanhar em casa de 7×1 dos alemães e de 3×0 dos holandeses, nem isso. Acabamos em quarto lugar, mesmo.

A desculpa esfarrapada na época para isso foi a contusão de Neymar.

Pois me repetiram a pergunta, questionando-me sobre 2018. Cravei: “não passa do quinto jogo!”. E não é que acertei em cheio, dessa vez?

Agora, já me questionaram novamente, em relação a 2022 e sabem o que respondi?

“Prefiro nem dizer!”. Porque sinto que não vem coisa boa por aí.

E olhem que fazer previsão quatro anos antes envolve uma série de coisas a serem analisadas e ninguém – muito menos eu – tem bola de cristal, por mais que entenda de futebol. Só que a experiência nos dá conhecimento e certa segurança ao afirmar isso.

Não se trata de pessimismo: gostaria de estar aqui, afirmando que jogamos bem, ganhamos o hexa merecidamente e que nosso futuro é muito promissor. Mas não é.

E quando vejo torcedores “nutelinhas” (para usar uma gíria deles, agora) pedindo continuidade nesse trabalho, respaldados por uma mídia que defende Tite como se fosse nosso salvador, aí sinto que estamos realmente perdidos.

Essa mídia que a partir de 1980, quando os craques começaram a deixar o país, passou a transmitir futebol italiano, espanhol, inglês, francês, alemão, javanês e virou as costas para os times do interior, para os estaduais que foram minguando, desde então. 

E o torcedor? Preferiu assistir jogos na poltrona, abandonou a arquibancada e deixou os filhos serem induzidos a torcerem por clubes estrangeiros. O torcedor está cego!

Tanto, que não percebe que seus programas de futebol foram invadidos por uma leva de outros esportes e até por games! E quando a mídia fala de futebol, então…

Muitas matérias rasas, sem profundidade, até mesmo na imprensa escrita.

Ao invés de cobrirem uma partida, agora elegem um “personagem” alheio e gastam tempo com ele. Ou soltam pérolas do tipo: …“em Oeste, Oeste 0 x 2 São Caetano”.

Durante as Copas, só piora: é repórter que não domina o assunto futebol e erra três vezes um mesmo termo ou é flagrado ao celular, quando chamado no “link”. É repórter que fica nervosinho, quando questionado pelo nível fraco das perguntas em coletivas. Ou comentarista “médico” afirmando, enquanto Neymar saía de maca sem mexer as pernas após uma joelhada nas costas, que não era grave, que ele treinaria normalmente e iria enfrentar a Alemanha sem problemas. Locutor que desconhece impedimento e até aquele que precisa transmitir jogo quase afônico. 

Matérias dantescas como das cocadas ou das coxinhas com nomes de jogadores, a do cabelereiro do ídolo, a da precária higiene nos banheiros dos trailers dos turistas na Copa ou ainda, sobre quantos assovios o treinador deu no Mundial.

Nunca vi tanta gente deslocada, despreparada e diria até, excessiva numa cobertura. 

A cobertura virou circo. Dos horrores. E o torcedor não enxerga isso.

Prefere ver batida de tambor nos intervalos ou comentários de “experts” em futebol, como cantoras, atores, dançarinas, modelos…


Saudades das crônicas de Nelson Rodrigues e João Saldanha. Das narrações de Geraldo José de Almeida ou Luciano do Valle. De uma mesa-redonda com Armando Nogueira e Orlando Duarte. Quem viveu essa época sabe bem do que estou falando.

Mas voltemos ao cerne da questão: essa geração “7×1” e a filosofia que insistem em querer manter, levando nosso futebol à ruína.

E não é só o nosso: o futebol sul americano de uma maneira geral, está assim.

A Argentina não ganha uma Copa desde 1986 e nenhum torneio importante desde 1993. O Uruguai não vence o Mundial desde 1950, aqui no Brasil.

Já se foi o tempo em que a Copa mostrava alternância de campeões, entre Europa e América do Sul. Nesse século, o trio exportador de “pé-de-obra barata” só obteve um título com o Brasil (2002), um vice com a Argentina (2014) e um quarto lugar com o Uruguai (2010). Em 2018, ninguém beliscou nada. Estamos em processo de “corrosão”.

Os três precisam de medidas para proteger seu futebol, diante do poder financeiro que impulsiona o europeu. Talvez reivindicarem à FIFA, a proibição de transferência de atletas antes dos 21, 23 anos. Fere princípios do cidadão? Estudemos alternativas que possam legalmente chegar perto disso. O que não podemos é ter casos como o de Messi, desde os 14 anos na Europa e que jamais atuou pelo campeonato argentino.  

Precisamos criar fórmulas que nos possibilitem ter um campeonato como o mexicano, rico, com média de 40 mil pessoas por jogo, com seus principais jogadores atuando lá. Não dá mais pra permanecer como está!


É feito a Seleção Brasileira, meus queridos: não dá mais para usarmos o modelo que está aí. Não deu certo. Não comecemos em cima do que fracassou, até para que isso não se torne um “eterno 7×1” para nós. Se profeta eu fosse, diria ao torcedor: “não vos iludis com falsas promessas, lembra-te dos que entregaram regiamente seu suor e sua alma para nossa glória e desse modo, nosso campo não se fará terra devastada”.

Primeiro tivemos a invasão dos “professores de educação física”, como sempre cita o PC Caju. Depois, veio a “escola gaúcha”, que está aí. Nada contra, ela até nos deu o penta e somos gratos por isso. Mas não dá mais. Precisamos recuperar a essência do futebol brasileiro, resgatar nossas origens, jogar como sabíamos.

Não adianta o “coach” afirmar que não irá tirar o drible e a criatividade de um jogador, se todos os outros jogam engessados, no padrão europeu. Onde já se viu prender o centroavante feito pivô, apenas para abrir espaços para quem vem de trás, gente?

“Ah! Mas o Tostão fez isso em 70”, dizem imprensa e a torcida, ensaiadas. Tá! Serginho fez o mesmo em 82 e lembram no que deu? Querem comparar os dois com Tostão?

“Mas o Tite tem crédito, a Seleção evoluiu, só perdeu dois jogos!”. Tá! Dunga também e vocês acham que com ele o time evoluiu? Além do mais, evoluir em relação aos 7×1 é quase que uma obrigação. Pior ou igual a aquilo, não seria possível.

“Mas ganhamos as Eliminatórias com um pé nas costas!”, cheguei a ouvir por aí.

E ela lá serve de parâmetro para Copa do Mundo? Por acaso a das Confederações, na qual goleamos a Espanha na final em 2013, serviu de parâmetro para a Copa, no ano seguinte? Ou mesmo a conquista da medalha de ouro em 2016, nas Olimpíadas?

Um monte de torcedores faz coro com a imprensa esportiva, pedindo que o Tite fique porque sabe montar um grupo, e é um bom “gestor de pessoas”, usando para isso, sua costumeira verborragia. Oras, precisamos é de um treinador, não de um gestor!

Sabem o que ocorre? É que depois dos tais 7×1, ninguém queria segurar a “batata quente”. E o Dunga e depois o Tite seguraram. Tiveram méritos, mas já tiveram suas oportunidades. Passou! Repetir Tite dará frutos parecidos com a repetição de Dunga.


No caso do Tite, ele chegou respaldado pelos bons resultados à frente do Corinthians, não há dúvidas. Porém, nem assim impediu o vexame dessa Copa, já que o selecionado foi mal convocado e acabou ficando mal escalado.

Mas como não apanhamos de goleada, muita gente diz “tudo bem”. Tudo bem?

Pois é aí que está: o que mata é também essa visão tacanha de que a Copa é antes de tudo um evento e que não dá pra ficar ganhando sempre; há concorrentes diretos que às vezes merecem mais, além do que o futebol mudou, não podemos comparar com o de antigamente e blá, blá, blá…

Você ouve esse tipo de comentário o tempo todo. O torcedor-comum mudou.

Hoje, nos jogos de Copa, é o tal de ficar na arquibancada olhando não para o campo, mas para o telão, esperando os 90 minutos, para ser focalizado por três segundos e aparecer para o mundo todo. Dane-se a Seleção!

Na saída dos estádios, não tem um que esboce para a reportagem, um mínimo de conhecimento e noção do que foi a partida. É só fantasia, gritaria, histeria.

Então virou evento bonitinho, colorido, com abertura e encerramento impecáveis, elitizado, preços de ingressos nas nuvens e cuja maior atração do Mundial não é um craque ou seleção: é o VAR (árbitro de vídeo), cuja participação foi crucial na decisão.

Perdeu? “Tomemos uma cerveja, porque daqui a quatro anos tem mais… são 32 seleções e uma taça só!” É muito conformismo ou pura cegueira mesmo, minha gente!

Em 2006 deu Itália; em 2010, Espanha; em 2014, Alemanha e em 2018, França.        

Ou seja: todas, seleções europeias. Se fosse mesmo só um simples evento, porque seleções asiáticas ou africanas, por exemplo, não conseguem vencê-lo, também?

Entenderam o discurso pronto e sem noção, que está na cabeça de muito torcedor?

Estamos aceitando entrar no “segundo escalão” do futebol mundial, naturalmente.

Se antes sucumbíamos perante seleções que chegavam à final ou eram campeãs, agora aceitamos derrotas para seleções sem tanta tradição e ainda pedimos a continuidade desse trabalho. À que ponto nós chegamos!

Hoje, perdermos por 2×1 para a Bélgica é evoluir em relação aos 7×1 da Alemanha, bem como ver a Argentina ir embora do Mundial antes de nós já parece ser suficiente. 

Será que não sabem que se por um lado o fato de nos tornarmos pentacampeões foi devido ao nosso talento nato para o futebol, por outro lado, isso também se deveu a nossa intensa cobrança, essa vigilância feroz que o torcedor costumava exercer?

Escolher um técnico para a Seleção era quase tão importante quanto eleger um presidente. Hoje, isso mudou. Tanto, que explodiu o número de chatos jogando a culpa da alienação política brasileira em cima do futebol. Se soubessem que o próprio futebol está repleto de torcedores alienados…


Aliás, aumenta cada vez mais o número de pessoas que não gostam de futebol, no país. Por uma série de razões. E essa indiferença, essa falta de “vigilância”, também levou a Seleção a ficar mais distante do torcedor. Parece mais um produto.

Como não se cobra, não se chega a treinadores melhores, a jogadores melhores, a resultados melhores, a dias melhores. Não se respira mais futebol por aqui, como antigamente, compreendem? Estamos deixando de ser o “país do futebol”.

Qual o mal de querer ganhar sempre? O basquete americano é assim e alguém reclama dos títulos que eles ganham, por acaso? Pelo contrário!

“Ah, mas estávamos mal acostumados” disseram, dia desses, numa dessas análises bestas, querendo nos conformar diante da derrota. Pois eu respondo: estamos é nos acostumando mal, agora.

Acostumamo-nos com a corrupção no futebol, com o êxodo dos jogadores, com a falta de estrutura e administração melhores, com uma seleção que não representa de fato, o legítimo futebol brasileiro e que não levanta mais uma Copa, sequer.

Se não vencermos a próxima, igualaremos o recorde de tempo sem conquistarmos um Mundial, sabiam? Não, a maioria não sabe. Nem quer saber. Estão todos conformados.

E o “eterno 7×1” continuará se repetindo pelos anos que virão a continuarmos assim, podem ter certeza.  Essa Seleção nada mais é, que uma releitura da de 2014, com um discurso mais bem ensaiado, apenas.  Senão, vejamos:

Daniel Alves, Thiago Silva, Marcelo, Paulinho, Fernandinho, William, Neymar…

O Dani Alves foi cortado por contusão, ok. Mas qual desses aí, veteranos da Copa anterior, realmente desequilibrou a favor do Brasil, na hora “H”?

Não lhes parece que a Seleção de Felipão chorava demais e que a de Tite também não passava segurança emocional? Muitos defenderam o choro de Neymar, nosso principal ídolo, bem no meio-de-campo, ao apito final de uma partida ganha e de primeira fase. “Ah, mas foi porque ele voltou de contusão”.


Lembro que Pelé também chorou assim, mas não no meio-de-campo e sim no peito de Gylmar, junto dos companheiros. E tinha apenas dezessete anos. Mesmo assim, só depois de derrotar os donos-da-casa, em plena final da Copa da Suécia, algo inédito até então, para nós. Também vinha de uma contusão (quase foi cortado), entrando só no terceiro jogo, precisando classificar o Brasil.

E quanto a aquelas quedas todas em campo? Ou mesmo a reação, quando foi pisado por um mexicano, ao lado do gramado? As próprias redes sociais que achincalharam tanto Neymar, também relembraram Pelé em 70, quando revidou uma pisada dessas, com uma cotovelada na cara de um uruguaio, sem que o juiz percebesse.

Hoje tem “árbitro de vídeo”, eu sei, mas aquela reação dele não iria ajudar em nada. Como não ajudou. A imagem do jogador que cai e simula só se amplificou e pior: acaba ficando visada pela arbitragem. Neymar saiu menor dessa Copa, do que entrou.

Entendo que o atleta queira se proteger da violência em campo. Mas para isso já existe arbitragem. E também, não custa tocar mais a bola, ao invés de prendê-la. Lembro que Rivaldo, por exemplo, padecia desse mesmo mal, mas se corrigiu, com o tempo.

Só que a Seleção cometia erros absurdos, também. Corria, mas ao chegar ao ataque, parava, aguardando o adversário se recompor, pelo menos com duas linhas de quatro, atrás da bola. Daí começava aquela lenta inversão de jogadas, que não redundava em nada, pois os espaços já estavam blocados.

Onde estavam as jogadas ensaiadas para surpreender o adversário? E os exímios cobradores de falta que sempre tivemos? Aquelas jogadas rápidas pelas pontas?

“Ah, mas hoje o futebol mudou”. O futebol não mudou: piorou!

Diminuíram o campo, tiraram peso da bola, melhoraram o gramado e a condição física do atleta, para que o jogo ganhasse mais intensidade. Ok! E daí, qualquer cabeça-de-bagre joga, basta ter físico para isso. É basicamente fechar espaço, destruir e correr.

Queria só ver se com gramados enormes como o antigo Maracanã e talvez até, dez de cada lado (como já cansou de sugerir Beckenbauer), não voltariam as boas jogadas, os lançamentos, o drible.

Hoje, aqui no Brasil, o goleiro dá um chutão e a bola vai cair no círculo central, onde o zagueiro adversário a “chifra”. Ela viaja uns dez metros e é novamente golpeada de cabeça pelo volante da outra equipe. Daí então, perdendo altura, é disputada por dois ou três ao mesmo tempo e o juiz vai logo parando o jogo, arrumando uma falta, porque senão, ninguém põe a bola no chão, minha gente!


Gentil Cardoso era um treinador que brincava sempre com os jogadores perguntando-lhes do que era feita a bola. Respondiam-lhe que era de couro. Daí ele questionava de onde vinha o couro. “Da vaca”, diziam os atletas. “E do que é que a vaca gosta?”

“De grama”, era a resposta. E por fim, vinha o ensinamento: “Então minha gente, vamos colocá-la onde ela gosta de ficar: na grama, rasteirinha, rasteirinha…”.

Outra coisa que me deixa indignado: hoje, jogar pelos lados do gramado e cruzar, significa o lateral descer para o ataque e dez passos depois da linha do meio-campo, mandar aquela bola abaulada e lenta, na direção da meia lua, onde dois, três zagueiros já a esperam de frente, para rebatê-la de cabeça. Ora, isso é jogo de europeu!

No meu tempo, o ponta chegava ao fundo, olhava para a área e centrava geralmente para trás, pegando o atacante melhor posicionado chegando de frente para o arremate e os beques tendo que girar o corpo e ficando em situação de inferioridade. Depois inventaram que o ponta deveria trabalhar com o lateral ou o meia, pra facilitar a tarefa, num “overlapping” ou triangulação.  Até que hoje, virou isso!

Na partida contra a Bélgica, teve comentarista falando no intervalo – quando a vaca, aliás, já havia ido para o brejo – que “tinham que entrar pelo meio, de qualquer jeito”.

Meu Deus! Perdoai-os ó Pai, porque eles não sabem o que dizem!

Como vamos tentar abrir um time blocado lá atrás, com oito, nove atletas, entrando pelo meio? Pior é que foi o que se viu! Aquela confusão danada, bola estourando na zaga por todo lado. “Ah, mas era um paredão vermelho!”. Tá! E você vai ficar batendo contra a tal parede – como ficaram mesmo – até o fim do jogo? Façam-me o favor!


Daí, a cada chance de gol desperdiçada, era aquele velho gesto de mãos na cabeça, cara de desespero, palavrão sendo pronunciado, jogador se atirando em campo após errar um chute cara-a-cara. Isso é equilíbrio emocional?

A Bélgica jogou a partida seguinte contra a França, foi derrotada e não se viu isso, ao menos não com a mesma intensidade.  Seria porque os europeus são mais frios?

Não, é porque esse tipo de atitude não impacta positivamente o grupo no decorrer de uma partida difícil. Só aumenta o desespero coletivo, todos já sabem disso. Fica até parecendo que cada jogador brasileiro tenta se livrar da culpa, agindo assim, como que se dissesse ao público: “Olha, eu tentei tudo, fiz meu máximo, mas não deu, não tenho culpa!”. Querem saber a verdade? Todos tem parcela de culpa no time, a começar pelo nosso treinador.

Desde o final do ano passado, já convivíamos com algumas convocações erradas, que destoavam das primeiras que o Tite fez, quando assumiu o cargo.

Com uma equipe montada tão boa para checar jogadores em qualquer parte do planeta, deveria ter se lembrado de olhar os daqui do Brasil, também.

Alisson foi bom goleiro, mas não conseguiu produzir um único milagre em campo, no Mundial. O belga Courtois produziu o seu, no final do jogo, naquela bola do Neymar.

Aqui no Brasil, cansei de ver Marcelo Grohe e Vanderlei operando milagres. Custava testá-los? Que tal se levássemos os três e fizéssemos um revezamento nos primeiros confrontos da primeira fase, com a promessa do treinador de efetivar o titular apenas a partir das oitavas-de-final?

Aposto que o rendimento seria melhor e todos achariam justo, poder participar. Do modo como foi o Cássio não pôde fazer nada e o Éderson só pôde empurrar o Tite, derrubando-o, naquela comemoração de gol estapafúrdia, que virou piada mundial.

Já passou da hora dos goleiros reservas terem a oportunidade de jogar ao menos uma partida de primeira fase. Ou se confia neles, ou não se convoca. Ninguém na equipe deve se sentir tranquilo e absoluto na condição de titular. Mesmo o craque do time. 

A marcação por zona da defesa sempre foi outra coisa errada. Dos seis gols tomados pela Seleção, com Tite, cinco haviam sido de bolas aéreas. Foi um defeito que não se corrigiu no Mundial.


Sabendo que iria enfrentar uma Bélgica com grandalhões no ataque, porque não escalou Marquinhos, que era titular, ficando – que seja – momentaneamente com três zagueiros na área? Se ele confiava em Geromel, porque não o testou como titular, aproveitando assim, seu zagueiro mais alto para o jogo aéreo do adversário?

São perguntas que ficarão sem resposta, até porque não vi ninguém questionando Tite quanto a isso.

“Ah, mas o Thiago Silva não comprometeu”. Claro! E nem deveria, já que foi sua terceira Copa do Mundo, sabiam disso? Não, né?

Também ninguém lembrou que Fernandinho (ao lado de David Luiz) foi considerado culpado pela derrota de 7×1 diante da Alemanha, em2014. Não se deve crucifica-lo, mas entregar-lhe a responsabilidade de substituir Casemiro me pareceu demais. 

Na virada, o rapaz ficou marcado. Falhou nos dois gols, marcando o primeiro contra e não parando a jogada, no segundo. Fez lembrar Felipe Melo em 2010: ele e Júlio César se atrapalhando no primeiro gol dos holandeses, numa falha dupla: um errou a bola, enquanto o outro a cabeceava, marcando contra.

Pois foi numa falha dupla que se deu no primeiro gol belga: a bola veio na área, num ponto onde Gabriel Jesus e Fernandinho subiram sozinhos, numa tola disputa de bola.

“Ah, mas foi uma fatalidade”. Foi? Então me respondam como é o fundamento de um cabeceio: o correto não é subir de frente para a bola, com os olhos bem abertos e golpeá-la com a testa, direcionando-a para onde se deseja? Foi o que se viu no lance? Não, né? Mas, apesar disso, não se justificam os ataques – sobretudo os racistas – que Fernandinho recebeu. Porque, apesar das falhas, não foi o principal culpado.

Todos deveriam saber quem foi o maior responsável por isso. E não querer perpetuá-lo no cargo, como estão querendo fazer, agora.

A própria Seleção me pareceu uma simbiose das anteriores, unindo a insegurança na bola aérea de 2010, com a falta de combatividade pelo meio, de 2014.

E muitas vezes, as coisas não mudaram dada a teimosia de seu treinador.

Senão, como explicar sua resistência em escalar Douglas Costa, precisando abrir a zaga adversária? Não deveria ter começado jogando? Notaram como a equipe agrediu mais, com ele em campo? Faltou tempo para que ele pudesse ajudar a decidir. Ou o dedo do técnico, dizendo pra Neymar cair pelo setor, para dois habilidosos juntos fazerem o “um-dois” em cima do marcador. Sim, porque ao contrário do que sugeriu o tal comentarista, entrar pelas pontas é mais fácil do que pelo meio, todo congestionado.

Mas a teimosia tinha que chegar aos limites. E Gabriel Jesus foi a maior delas, sem dúvida. O atacante era uma opção válida para os jogos das Eliminatórias, quando saía em velocidade no contra-ataque, tabelando com Neymar. Não parado ali na frente.

No final das contas, não marcou gol algum, nem prendeu a dupla de zaga belga atrás. Quando Firmino entrou em campo, ao menos o time adversário se preocupou mais.


Tínhamos que ter entrado com Firmino e Douglas Costa desde o início. Ou assim que levamos o segundo gol, aos trinta minutos, pelo menos. A Bélgica podia ter ampliado, no primeiro tempo. Esteve mais próxima disso, do que nós, de diminuirmos o placar. Mas cadê treinador que tenha peito para fazer duas alterações antes do intervalo, reconhecendo que errou; gente? Tá pra nascer no futebol brasileiro! Sempre foi assim.

Se nem o Felipão fez isso, quando levamos “um saco” dos alemães, com cinco tentos em menos de vinte minutos, porque o Tite iria fazer, não é mesmo?

Oras, façam-me o favor! Se Paulinho não estava bem, porque insistir com ele, obrigando William a jogar aberto pela ponta? O tal “foguetinho” não teria sido mais útil pelo meio, em sua posição original?  Lutou muito, mas produziu pouco, por ali.

Perdido na ponta me fez lembrar o Bernard “alegria nas pernas” de Felipão, em 2014.

Se o esquema privilegiava Neymar, porque deixa-lo centralizado, fazendo com que trombasse com Philippe Coutinho? O Neymar que queríamos era aquele aberto pela ponta, veloz e insinuante, abrindo as defesas adversárias com apetite, do passado.

Não esse parado, diante de uma zaga já postada, sem ter cacoete de camisa 10 para resolver. No frigir dos ovos, um acabava atrapalhando o outro.

Notem que Coutinho jogou melhor nas duas primeiras partidas e depois sumiu nas duas seguintes, enquanto Neymar justamente melhorou nas duas últimas, após estar sumido nas duas primeiras. A imprensa creditou isso exclusivamente a ele estar voltando de contusão. Mas para mim, além disso, contou muito o fato de ambos estarem mal posicionados, quase que sobrepostos em campo, num mesmo espaço.

Será que ninguém enxergava isso, que os dois estavam se espremendo por ali e que a marcação adversária ficava facilitada, além do jogo não fluir, porque se concentrava muito ali, ainda mais quando Marcelo descia?

Agora, convocar Fred, Taison e mais uma meia dúzia, era dar ao time, a certeza de que faltariam opções no banco, quando fosse necessário. O próprio Renato Augusto só se salvou, por acertar uma cabeçada de rara felicidade. Por mim, não teria ido, também.

E pensar que tanta gente boa ficou por aqui, no Brasil!

Vanderlei, Marcelo Grohe, Marcos Rocha, Rodriguinho, Luan…


Dava para ter testado os meninos Arthur, Pedrinho e Paquetá. Ou até ver como seria com um jogador mais experiente no meio, pra melhorar a qualidade do passe, como o Hernanes, que salvou o São Paulo do rebaixamento, recentemente.

Notem que não há nenhum craque, entre os que eu citei. Até porque, eles estão desaparecendo do futebol brasileiro. E do mundial. Senão, Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar já teriam decidido ao menos alguma das Copas que disputaram. Agora surgiu o menino Mbappé e tome compará-lo a Pelé. Hoje é muito marketing, gente!

Enfim: precisamos urgentemente, retomar nossa vocação de jogarmos no ataque, pelas pontas, com um camisa dez raiz, com bola no chão.  Temos que retornar às nossas antigas características: do drible, da ginga, da malícia, do futebol atrevido, moleque, ofensivo. Dos gols.

Voltar a fazer os gringos se preocuparem em como é que irão conseguir parar os nossos dribles e não ficarmos nos preocupando tanto com a bola aérea deles.

Deixar esquemas rígidos e invencionices europeias de lado e recuperarmos nossa identidade futebolística, tão descaracterizada nessa década medonha.

O Brasil possui uma nova leva de jovens treinadores, cheios de vontade e talento.

Por que não se pensa em uma comissão de três, quatro treinadores, como na NBA, por exemplo? Ilusão? Ilusão é o Tite dizer que olhava para o banco e só via “feras”.

Estivesse vivo e o sábio João Saldanha estaria rindo, porque quando ele chamou seus jogadores assim, estava se referindo a Pelé, Gérson, Riva, Jairzinho, Tostão…

Mas conduzir a Seleção Brasileira é algo que envolve muita responsabilidade, eu sei.

O fardo é pesado para apenas um. Por isso, apenas responsabilizo Tite, mas não o condeno, apesar das minhas críticas. Condeno sim, é esse discurso de continuidade, esse “status quo” que se instalou na Seleção Brasileira.


Enquanto isso, a França se sagra bi em 2018, com gol de bola parada, gol contra e até ajuda do VAR. O goleirinho francês quis driblar o croata dentro da área e deu vexame. Quanta emoção! Alguém me acorde na hora de começar o desenho, por favor.

O predomínio europeu aumenta cada vez mais no torneio e as coisas ficarão mais difíceis, com 48 seleções. A Copa se torna, a cada edição, mais desinteressante para o torcedor brasileiro, que hoje anda preferindo até o Mundial de Clubes.

Falta perceber que o futebol não deveria ser “show business”, muito menos jogador se tornar “astro pop”. Que o futebol nacional vive um momento quase lúgubre, isso sim!

Enquanto a massa torcedora admira a beleza que foi o evento na Rússia e discute por aí a importância do “VAR”, os gringos nos passam cada vez mais para trás, garantidos também, pelo discurso de continuidade desse futebol brasileiro, que está aí.

Quanto a mim, só me resta continuar como um solitário torcedor gritando no meio do deserto contra esse tipo de coisa, enquanto o coração saudosista não se esquece das gerações de craques que um dia, nos deram as glórias do pentacampeonato mundial: Gylmar, Djalma Santos, Bellini, Nilton Santos, Didi, Garrincha, Pelé, Gérson, Carlos Alberto, Jairzinho, Tostão, Rivellino, Romário, Bebeto, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e outros; num tempo em que o Brasil dominava o mundo com a magia de seu futebol, a qual o Museu da Pelada não se cansa de relembrar.

NELSINHO E CARLINHOS

por Zé Roberto Padilha


Há anos que a FIFA escolhe apenas atacantes, como Messi, Cristiano, Ronaldo, Romário, Rivaldo, como os melhores jogadores de futebol do mundo. São, de fato, os protagonistas dos espetáculos. Fazem gols, são ídolos porque na defesa, e no meio-campo, os espaços começaram a ser ocupados por atletas sem talento.

A Era Dunga, de pouca técnica e muita marcação, transformou a zona de pensamento, de organização de jogadas, em um lugar onde Guiñazü, Edinho e Márcio Araújo sobreviveram correndo mais com a bola, e dando carrinhos, do que realizando por ali grandes jogadas.

A era Nelsinho e Carlinhos, Didi e Zito, e a que mais simbolizou o futebol-arte, Clodoaldo e Gérson, até desaparecerem com Adílio e Andrade, Cléber e Carlos Alberto Pintinho, parecia definitivamente encerrada até que a Croácia, como num lampejo de luz lançado sobre as lentes da Copa do Mundo, redescobre Modric e Rakitic. E o meio-de-campo, cheio de jogadas de rispidez, chutões e bolas trocadas lateral e irritantemente com os zagueiros, passa a ver a bola deslizar suave pela grama. E receber, de novo, lampejos de arte.


Não por acaso, os dois croatas são, há anos, titulares absolutos dos maiores clubes do mundo: Real Madrid e Barcelona. Xavi e Iniesta encontraram em Rakitic sua arte renascer ao lado com um vigor a mais. E o adotaram. E Zidane redescobriu em Modric a lucidez, o toque de bola, que o levou a ser reverenciado mundo afora. Eu, que torço pelo Barcelona, e meus filhos, que torcem pelo Real Madrid, estaremos juntos, domingo, não apenas torcendo pela Croácia, mas para que os exemplos destes dois se irradiem pelas escolinhas de futebol. E alcance os clubes de todo o mundo. A Copa do Mundo sempre foi assim, a nova coleção de Cristian Dior. A partir dos desfiles das 32 seleções, os clubes passarão a adotar o protagonismo vencedor que melhor por ali se apresentou.

Quando o Brasil foi tricampeão no México, o futebol-arte se espalhou pelo mundo. Quando a Alemanha se impôs quatro anos depois, o futebol-força, com o Teste de Cooper, o Circuit Training, Interval Training e as Máquinas Apolos a reboque, saíram distribuindo músculos e velocidades pelos campinhos de todos os planetas. Foi deixado de lado o professor jogador e entrou em cena o professor preparador.


Se a Croácia se consagrar campeã mundial no domingo, aquele menino canhotinho, de Niterói, que se apresentar ao Botafogo e realizar um lançamento de 50 metros na peneira, não mais será mandado de volta para casa. E os novos candidatos a jogarem naquela faixa central, hábeis, frágeis e talentosos que surgirem no Ninho de Urubu, não serão transformados em carniça diante da fúria dos gladiadores de plantão. Darão ao futebol a chance de ter novamente, na sua zona de organização, não mais o fim da arte de bater no bola. Mas toda a lucidez Nelsinho e Carlinhos perdida de volta.

PELÉ & GARRINCHA: A DUPLA INVENCÍVEL

por Émerson Gáspari


Num dia ignorado de 2001, estava eu entretido com os jornais, revistas e livros daqui de casa, em minhas intermináveis leituras pelo mundo da bola, quando cai em minhas mãos o desempenho de Mané Garrincha com a camisa “amarelinha”. 

Algo espantoso, diga-se de passagem, pois foram 60 partidas pela Seleção Brasileira, com 52 vitórias, sete empates e apenas uma derrota, justamente na última delas.

Soube que a mesma ocorrera na Copa de 1966, diante da Hungria e imediatamente lembrei que Pelé não atuara nessa partida, pois o time enfrentou diversos problemas naquele Mundial.
Estava, pois, diante de uma “descoberta futebolística” (vamos assim dizer) por uma simples dedução: se Pelé não jogou na única derrota de Mané Garrincha pelo Brasil, então, isso significava que a dupla “Mané-Pelé” jamais havia sido derrotada.

Justamente os dois, que glorificaram essa camisa tão respeitada pelos quatro cantos do planeta. Expoentes máximos do escrete brasileiros e maiores jogadores da história do nosso futebol. Pela Seleção, Pelé marcou 95 gols. Mané Garrincha, outros 17.


Claro, tivemos a seleção do Tri, de vitórias memoráveis em 70 e belíssima campanha nas Eliminatórias de 69. Mas aí já se tratava de uma camisa consagrada, temida, admirada. E bicampeã mundial. A propósito, a última de maneira consecutiva, em toda a rica história das Copas do Mundo. 

Empolgado pelo “achado”, escrevi para uma publicação especializada em futebol, pedindo ajuda para elucidar a questão que agora povoava minha cabeça: se com Pelé e Garrincha, juntos em campo, a Seleção jamais foi derrotada, quantos jogos haviam sido então, de invencibilidade? E com quantas vitórias e empates? 

Três semanas depois, recebo uma carta-resposta não muito animadora: não poderiam atender minha solicitação, por algumas normas que aqui não me vem ao caso abordar. Decidi não desistir. 

Argumentei que não me enquadrava em nenhuma das tais “normas”, que era leitor assíduo deles havia duas décadas e que a informação poderia ser importante para estudiosos e escritores futebolísticos. Lembrei-os de que nenhuma dupla ficou invicta tantos jogos, por uma seleção. Nem Meazza e Piola, Puskas e Czibor (ou Puskas e Di Stefano), Eusébio e Coluna, Cruyff e Neeskens, Mário Kempes e Maradona. 

Não obtive mais respostas. 


Quatro longos meses se passaram e um dia, um amigo jornaleiro me chama, dizendo ter lido meu nome na tal publicação, com uma pergunta e a respectiva resposta. Comprei-a e fiquei realmente feliz. Mais que isso: admirado com o tamanho da proeza de Pelé e Mané, pela Seleção: 40 jogos, com 35 vitórias e apenas cinco empates. 

Na semana seguinte, um famoso jornalista já utilizava essa informação em sua coluna. 

Bingo! Fiquei feliz pela modesta contribuição para a “arqueologia” do futebol nacional.

Resolvi então – por conta própria – pesquisar mais a respeito, na minha incessante tarefa de arqueólogo futebolístico “não remunerado”.

Aos poucos, consegui completar os dados da minha pesquisa e agora, tantos anos depois, finalmente a publico, com exclusividade, aqui no Museu da Pelada! 

Vou lhes contar a história do período mais triunfal do futebol brasileiro: os 40 jogos da invencível dupla Pelé-Garrincha, ao longo de mais de oito anos, com 35 vitórias e cinco empates. Neles, Pelé anotou 44 gols e Garrincha, outros 10. 

Incrível, não?

Essa epopeia começaria em um amistoso disputado no Pacaembu (no tempo da “concha acústica”) em 18 de maio de 1958, diante da Bulgária. Havíamos vencido os mesmos búlgaros dias antes (mas no Maracanã), porém, naquela partida, o ponta-direita havia sido Joel e o meia-esquerda Dida é que começaria jogando (Pelé entraria no decorrer do jogo). O técnico Vicente Feola ainda buscava a formação ideal para disputar a Copa que se aproximava e fazia testes.


O mais curioso é que Pelé e Mané tenham feito a primeira e a última partida da série de “quarenta” contra a mesma seleção da Bulgária.

Nesse primeiro jogo, a Bulgária até saiu na frente e esteve perto de ampliar, mas o Brasil venceu por 3×1 de virada e Pelé marcou dois gols, o primeiro deles, recebendo a assistência de Garrincha, por meio de um escanteio cobrado. Era o começo da saga!

Em 21 de maio, novo amistoso no Pacaembu: 5×0 no Corinthians, no segundo jogo da dupla. Dessa vez, foi Mané quem marcou duas vezes (os primeiros dele pela Seleção).  Mas tomamos um baita susto: o lateral Ditão acertou um pontapé violento em Pelé, que acabou virando dúvida para o Mundial, o qual se iniciaria em quinze dias. A dupla estava momentaneamente desfeita.

Pior: no confronto seguinte, diante da Fiorentina – que vencemos por goleada – Mané inventou de driblar todo mundo até ficar sozinho, diante do gol escancarado, só que, ao invés de chutar, esperou a volta desesperada do zagueiro Roboti para aplicar-lhe mais um drible, vê-lo chocar-se contra a trave e daí sim, mandar para as redes. 

A comissão técnica não gostou: e se ele fizesse aquilo na Copa; desperdiçasse a chance e o Brasil perdesse? Garrincha foi “recolhido” ao banco de reservas, enquanto Pelé era avaliado, para decidirem se valeria à pena levar um rapaz de 17 anos contundido, à Suécia. A maior dupla de todos os tempos corria sérios riscos de ser desfeita. 


Ainda mais, quando o psicólogo da Seleção Brasileira achou que o Mané não possuía um “perfil” muito confiável. O compadre Nilton Santos procurava fazer os testes psicotécnicos antes, para lhe passar umas dicas. Mas não adiantava: num teste de QI, Garrincha – graças à sua ingenuidade – conseguia fazer apenas 38 pontos, bem abaixo dos companheiros de grupo, o que reforçava a rejeição da comissão com relação a ele. 

Mas, “Deus é brasileiro” e ambos entrariam no time, quando a situação apertou lá na Suécia, no jogo da Copa que valia nossa classificação. Surgiu até uma lenda de que um grupo de jogadores teria pressionado Feola a escalar a dupla. Não foi bem assim. 

O fato é que o treinador, dois dias antes, já intencionava colocar Pelé na vaga de Dida e, em razão das muitas dores de Dino Sani após o jogo contra os ingleses e o conselho médico de poupá-lo, Zito viraria titular. Com um volante forte na marcação, Feola se decidiu por trocar Joel (que voltava para ajudar o meio-campo, igual a Zagalo) pelo endiabrado Garrincha. Após sua decisão, o chefe da delegação, Paulo Machado de Carvalho, foi conversar com os jogadores mais experientes do grupo a respeito: Nilton Santos, Didi, Bellini e Gylmar, os quais concordaram de imediato, é claro! 

Resultado: vitória de 2×0, com um show de Mané e Pelé, os quais “destruíram” a URSS de Yashin em apenas três minutos de partida. Foi no dia 15 de junho, no estádio NyaUllevi. Seria a terceira partida da dupla e a terceira do Brasil naquela Copa, também!


Dali por diante, as coisas se tornariam bem mais tranquilas, para os dois e a quarta partida de ambos ocorreu quatro dias depois, no mesmo estádio, em 19 de junho de 1958, na dramática vitória por 1×0 sobre o retrancado País de Gales, quando Pelé marcou o seu primeiro gol (aço!) em Copas, “chapelando” um zagueiro dentro da área. 

O quinto confronto seria o chamado “jogo da Copa”: Brasil 5×2 França, no estádio Rassunda, dia 24 de maio e Pelé novamente foi a “figura do jogo”, fazendo três gols. O Brasil estava classificado para a finalíssima, diante dos donos da casa e Pelé começaria ali, a ser chamado pela imprensa internacional também, de “Rei”. Isso com 17 anos!

A final (apenas o sexto jogo da nossa dupla, junta) teve o mesmo placar: 5×2 em cima da Suécia, também no estádio Rassunda, em Estocolmo. E Pelé “guardou” mais dois gols, na decisão em que o Brasil se sagrou campeão mundial pela primeira vez. 

Ou seja: foi este time, impulsionado (e muito!) por sua “dupla dinâmica” que “colocou o Brasil no mapa”, de certa forma. 

Somente no ano seguinte, eles se reencontrariam; desta vez no Monumental de Nunez durante o Sul-Americano, realizado na Argentina. Lá, rolou a sétima partida deles (com gol de Pelé) em 21 de março de 1959, na vitória brasileira de 4×2 sobre a Bolívia. 


E também a oitava, dia 26 de março, na bela vitória sobre o Uruguai por 3×1, no mesmo estádio. Aliás, todas as partidas brasileiras nessa edição do Sul-Americano aconteceram lá: a nona, dia 29 de março, na goleada de 4×1 em cima do Paraguai (sendo três do “Rei”) e a décima, na última rodada, diante da Argentina, no empate de 1×1, em 04 de abril de 1959, que acabaria dando o título aos portenhos, pela melhor campanha no torneio. Pelé marcou o gol de empate e no último lance, Garrincha driblou até ficar diante do gol. Quando foi concluir, o juiz encerrou a partida, não validando o tento brasileiro. 

Notem que somente nesse 10º jogo da dupla é que não conseguimos a vitória e até perdemos o título, numa manobra “escandalosa” da arbitragem para favorecer os argentinos, em Buenos Aires. 

Lembrando também, que havia situações em que ambos não jogavam juntos, por razões diversas, como contusões ou testes que o treinador brasileiro resolvia fazer utilizando outros atletas. Por outro lado, a programação de jogos às vezes também não era tão intensa.

Assim, somente em 29 de abril de 1960 eles se reencontrariam, em sua 11ª partida, na goleada do amistoso diante do Egito por 5×0, no estádio Nasser. Mané marcou um gol e desta vez, não houve qualquer interferência da arbitragem. 

Mais duas partidas amistosas aconteceram por lá: no 12º jogo da dupla, o Brasil bateu o RAU, por 3×1 (os três, de Pelé), em 1º de maio, no estádio de Alexandria e por fim, novamente no “Nasser”, na 13ª partida, a Seleção Brasileira venceu outra vez o Egito por 3×0, com novo gol de Garrincha, no dia 06 de maio de 1960. 

Em algumas das partidas dessa excursão, Julinho substituía Garrincha. A equipe brasileira prosseguiu então, agora pela Europa: na Suécia, o Brasil venceu a equipe do Malmo, no “MalmoStadion” por 7×1, em 08 de maio, com Pelé fazendo mais dois gols, na 14ª partida da dupla. Nessa época, nós é que aplicávamos esse placar nos outros!


A 15ª ocorreria dois dias depois, no estádio Idraetspark, na vitória brasileira diante da Dinamarca, por 4×3, em mais um amistoso. Já na 16ª, foi registrado o segundo empate da dupla: 2×2 no estádio de San Siro, diante da Inter de Milão. Pelé marcou os dois gols
brasileiros.

Fechando a excursão (e a série de amistosos), em 16 de maio, a Seleção “ensacou” por 4×0 o Sporting de Portugal, no Estádio da Luz, no 17º duelo dos dois e agora seria a vez de Garrincha marcar um tento. 

Quase dois anos se passaram, até que jogassem juntos novamente – agora sob o comando do novo treinador – Aymoré Moreira. Atuariam diante dos paraguaios, em dois confrontos pela Taça Oswaldo Cruz, sendo o primeiro no Maracanã (em 21/4) e o segundo (em 24/4) no Morumbi, em construção (18ª e 19ª partida, respectivamente). No Rio, deu Brasil 6×0, com um gol de Mané e outro de Pelé. Já em São Paulo, acabou 4×0, com mais dois de Pelé. Que beleza!
Chegando então à metade dos 40 jogos, nossa seleção enfrentaria Portugal, em dois amistosos. No primeiro deles, realizado em 06 de maio de 1962, no Morumbi, o Brasil venceu por 2×1. No amistoso seguinte (21º jogo), em 09 de maio, no Maracanã, nova vitória brasileira, desta feita por 1×0, gol de Pelé.  

Às vésperas de mais um Mundial, o país seguiria nova série de amistosos preparatórios (agora para a Copa do Chile) desta vez se confrontando com a Seleção do País de Gales, em duas partidas. 

No dia 12 de maio de 1962, no Maracanã, venceu por 3×1, com Garrincha e Pelé deixando um gol cada, no confronto (o 22ª, da dupla). Quatro dias depois, no Morumbi, o placar se repetiu; desta vez com Pelé marcando duas vezes (23º jogo). 

Tudo pronto, a expectativa era grande para saber o que a nossa intrépida dupla iria “aprontar” no Chile. Naquele ano, Pelé e Garrincha estavam “tinindo”. 

O “Rei” ganhou praticamente tudo o que podia naquela temporada de 1962, sendo campeão estadual, nacional, continental e finalmente mundial com o time do Santos e nessa última conquista,  realizou talvez sua maior partida na carreira, diante do poderoso Benfica, em Lisboa.


Já o “Anjo das Pernas Tortas” vivia seu apogeu no Botafogo; com uma vitória e atuação memoráveis em cima do Flamengo na final do Campeonato Carioca daquele ano, o que acabaria por dar o bicampeonato ao alvinegro. Não bastasse, ainda sagrou-se campeão do prestigiado Rio-São Paulo e de outros torneios, inclusive no exterior.  

Acontece, entretanto, que nem tudo sempre sai conforme o planejado.

O Brasil até estreou sem problemas, vencendo o México, por 2×0, com Pelé marcando um golaço, após driblar quatro adversários, no estádio Sausalito, no Chile, pela 24ª partida deles juntos, no dia 30 de maio de 1962. 

Porém, no confronto seguinte, diante da Tchecoslováquia (o 25º), no mesmo estádio, Pelé sofreu uma contusão que o tiraria da Copa. Foi no dia 02 de junho e dali por diante, Amarildo o substituiu, até a conquista do bicampeonato, sempre com vitórias, pois Mané Garrincha assumiu responsabilidade dobrada, decidindo alguns jogos e marcando gols, inclusive de perna esquerda e de cabeça, o que não era de seu feitio. 

Notem que a tal série de 40 jogos invictos juntos, poderia ter sido ainda maior, não fosse a tal contusão. 

Mas eles teriam a oportunidade de se reencontrar, tempos depois, já que mais um hiato iria se criar, nessa trajetória.

Isso porque, apesar de Pelé se recuperar da tal contusão sofrida, Mané Garrincha passaria a sofrer problemas crônicos no joelho; em razão das muitas entradas violentas que sofreria na carreira e que acabaram por atrapalhá-lo bastante. 

Nesse período, a Seleção andou testando alguns atletas na ponta direita, com Dorval sendo o mais frequente. Só que ninguém agradava tanto como o nosso Garrincha.

Pudera: Mané era considerado a “Alegria do Povo” e o que o torcedor mais queria, era vê-lo driblar, driblar, driblar…e com Pelé à seu lado, fazendo muitos gols.

Por isso, foi uma felicidade quando a dupla finalmente reapareceu na linha de frente brasileira, um ano antes do Mundial de 66 na Inglaterra, para começariam a cumprir os derradeiros 15 jogos juntos pela Seleção. 

Até o treinador Vicente Feola – após alguns problemas de saúde que o haviam afastado do comando da equipe – estava de volta, também. 


Assim, em mais uma leva de amistosos, o “Torto” e o “Rei” atuariam lado-a-lado, a começar por três partidas no Maracanã: no dia 02 de maio de 1965 (a 26º), na goleada por 5×0 na Bélgica – em que Pelé marcou mais três gols – depois, no dia 06 de maio, na vitória sobre a Alemanha Ocidental por 2×0 (outro gol de Pelé) no 27º compromisso de ambos e por fim, no empate em 0x0 com a Argentina, em 09 de junho (28º jogo). 

Na sequência, a Seleção Brasileira pegou um avião e foi disputar mais dois amistosos. Um na Argélia (29º jogo) no estádio 19-Juin, em 17 de junho de 1965, numa goleada de 3×0, com Pelé marcando mais uma vez. E o outro, exatamente uma semana depois (dia 24 de junho) diante de Portugal, no estádio das Antas, quando se registrou um empate de 0x0 com os lusitanos – na 30ª partida de nossa dupla – e o último placar de igualdade na série de partidas dos dois. 
Depois disso – e até o encerramento da lista dos 40 jogos invictos – o Brasil engataria um sequência de dez vitórias consecutivas com nossos dois heróis à frente. Então vamos lá (e não percam a conta!).

Ainda pela tal excursão, o Brasil goleou a URSS (em mais um amistoso) no estádio Lênin, por 3×0, com Pelé marcando duas vezes, no dia 04 de julho, na 31ª partida. 

Seria a última deles juntos naquele ano, já que o Brasil acabou sendo representado pelo time do Palmeiras “da Academia”, dois meses depois, naquele tal amistoso em que vencemos os uruguaios por 3×0. E próximo do final do ano, Garrincha não atuou em algumas partidas. 
Mas em 1966 – ano de Copa do Mundo – a dupla voltou ao seu ritmo costumeiro, realizando todas as nove partidas que fecham essa incrível sequência. 

A 32ª deles – um amistoso frente à Seleção Gaúcha, dia 1º de maio, no Maracanã – terminou com vitória canarinha por 2×0.

No mesmo mês, já no dia 19 e também no Maracanã, o Brasil bateu o Chile pela contagem mínima, em novo amistoso (33º jogo). 

Em 04 de junho (a 34ª), outra partida amistosa preparatória para a Copa e goleada sobre o Peru, no estádio do Morumbi por 4×0, com mais um tento de Pelé. 

Quatro dias se passaram e pelo 35º compromisso dos dois, vitória diante da Polônia no Maracanã por 2×1, com Mané Garrincha anotando outro gol, no amistoso. 

A Copa se aproximava velozmente e Feola tinha muitas dúvidas quanto ao time titular que iria pôr em campo: vários jogadores daquela safra bicampeã haviam se despedido da seleção ou estavam se aposentando. Outros viviam com problemas de contusão (como Mané) e havia ainda uma nova “leva” de atletas surgindo, relativamente inexperiente, a qual viria depois a se consagrar no Mundial de 70, no México. 

Ou seja: uma “batata quente” nas mãos! E a comissão se perdeu um pouco nessa complicada tarefa, convocando inicialmente 47 atletas, para ir resolvendo (em tempo curto) essa complicada questão. Todavia, se pensarmos por outro lado, foi uma época em que se formavam no país, até quatro seleções praticamente do mesmo nível. 

Já hoje em dia…

Mas voltemos a Pelé e Garrincha: o Brasil viajou para disputar o Mundial e antes de chegar à Inglaterra, realizou seus amistosos finais, já em solo europeu. 

Dia 21 de junho de 66, a Seleção Brasileira derrotou o Atlético de Madrid, no estádio
Santiago Bernabeu, pelo placar de 5×3, com três gols do “Rei” (36º jogo), em mais um “hat-trick” dele.  Em 30 de junho, no estádio NyaUllevi (o mesmo em que a dupla havia estreado em Copas), o Brasil ganhou da Suécia por 3×2, pelo 37º duelo da dupla. 

Mais alguns dias e em 04 de julho, nosso selecionado triunfou sobre o AIK da Suécia, no estádio Rassunda, em Estocolmo. Nesse 38º jogo, Pelé marcou dois gols e Garrincha outro, na tranquila vitória brasileira por 4×2. 

Já contra a equipe do Malmo (também da Suécia), no “MalmoStadion”, obtivemos uma vitória de 3×1, com Pelé marcando outros dois gols (pra variar!). O jogo aconteceu no dia 06 de julho. Foi a 39ª e penúltima partida da dupla e o último amistoso. 

Finalmente, iniciou-se a VIII Copa do Mundo e o Brasil estreou diante da Bulgária, fechando a série de 40 jogos da dupla “Mané-Pelé”, jogando contra a mesma seleção – como eu já havia dito a vocês – com a qual iniciara essa saga, em 1958. 


O confronto se deu no estádio Goodison Park, em Liverpool, na Inglaterra, no dia 12 de julho de 1966, diante da Bulgária. Vitória brasileira (e da dupla) que não poderia se despedir de maneira melhor: 2×0, com direito a um gol de cada. E ambos de bola parada, em cobranças de falta. 
Primeiro Pelé e depois, Garrincha (aliás, uma verdadeira “pintura” de Mané). 

Foi o 40º e último jogo dos dois juntos. Uma parceria que nunca mais seria repetida com tamanha competência, em qualquer época ou parte do mundo. 

Depois disso, fomos “caindo na real” aos poucos: na partida seguinte, perderíamos para a Hungria por 3×1 (sem Pelé) e depois, pelo mesmo placar, para Portugal (sem Garrincha). Com o “torto” sendo vítima de um joelho estourado pelos adversários e o “negão” violentamente “caçado” em campo, o Brasil acabou eliminado ainda na primeira fase, naquele Mundial que só serviu para que os ingleses o sediassem e dele se servissem, mesmo. O tempo levaria nosso país a novas conquistas.  

Porém nunca mais, em nenhum lugar deste universo, surgiria uma combinação tão vencedora e mágica, como aquela formada por Garrincha e Pelé, a dupla invencível.

E a nós brasileiros, resta apenas agradecer a Deus, pela dádiva concedida e perpetuar esta história tão bonita, pelas próximas gerações.  

Em tempo: a dupla Pelé-Garrincha, na verdade, se despediria definitivamente mesmo, na noite de 19 de dezembro de 1973, num amistoso batizado de “Jogo da Gratidão”, realizado no Maracanã. 

Foi de fato, uma festa realizada para ajudar financeiramente a Mané Garrincha. 


Um encontro beneficente, que reuniu uma espécie de “Seleção Estrangeira” composta por atletas gringos que atuavam no Brasil, contra uma “Seleção Brasileira”, enxertada por Pelé (havia se despedido da Seleção, dois anos antes), além de Garrincha, então já um quarentão e aposentado do futebol profissional. 

Por trinta minutos, eles fizeram os mais de 150 mil torcedores relembrarem um pouco da maior dupla de craques que já existiu. Mané deixou o gramado e deu sua volta olímpica. Pelé ainda permaneceu em campo. O Brasil saiu perdendo, mas virou o jogo festivo para 2×1, com Pelé anotando um dos gols. Uma espécie de “última vitória” daquela dupla, mas que não entra nas “estatísticas oficiais”. 

E olhem, à bem da verdade, nem precisava entrar mesmo.

VIVOS NA COPA

por Idel Halfen


A diferença das duas “VIVOS”

Pelo que temos observado, a operadora de telecomunicação Vivo tem no esporte uma importante componente para o fortalecimento de sua marca. Presente no tênis e no futebol, onde, além de patrocinadora da Confederação Brasileira, detém uma das cotas de patrocínio na transmissão por TV aberta, a empresa atesta entender a importância dessa plataforma em sua estratégia mercadológica.

E, na contra mão dos que não conseguem entender que a exposição da marca é apenas um dos benefícios que se pode obter numa operação de patrocínio, a Vivo está na seleção brasileira sem que a marca apareça nas camisas de jogo. Seu objetivo ali é estar associada a uma equipe tradicional – e que ainda é a maior vencedora na modalidade -, mesmo ciente da subjetividade envolvida na mensuração dos resultados dessa ação, principalmente quando confrontada com o cálculo de retorno da exposição já incorporado – apesar de suas falhas – no cotidiano de patrocinadores e patrocinados… a tal da mídia espontânea.

Os que ainda defendem esse mero cálculo como definitivo para suas análises irão certamente argumentar que a operadora comprou uma das caríssimas cotas de TV, o que denota a importância da exposição. Concordo, a exposição é importante, minha réplica se dá no sentido de que se buscar apenas isso é muito pouco diante das possibilidades de ativação e associação que cabem numa relação de patrocínio.


Para “incendiar” um pouco mais a discussão, lanço para reflexão mais um questionamento: a marca Vivo que aparece nas placas ao redor do campo devem entrar no cálculo do retorno de mídia?

Antes de iniciarem a reflexão, esclareço que a marca agora citada é apenas homônima da operada. Trata-se, sim, de uma marca chinesa de aparelhos celulares fundada em 2009 e que é uma das patrocinadoras da FIFA.

E agora?

Tanto a Vivo operadora como a chinesa jamais poderão ser acusadas de marketing de emboscada – ambush marketing – visto que ambas pagaram pelas suas propriedades de patrocínios, ainda que involuntariamente peguem carona com as ações.

A alegação de que as logos são diferentes é verdadeira, porém, não é essa a percepção dos que observam as marcas sem a devida atenção e conhecimento de que são duas empresas distintas. É evidente a confusão.


Marca chinesa

Partir da premissa que atuam em regiões diferentes é ignorar que a globalização e os processos de fusões e aquisições estão cada vez mais presentes na sociedade. Contudo, independentemente disso, parece bastante claro que as marcas sendo homônimas e parecidas ganham com essa sinergia uma maior vantagem em termos de exposição diante dos concorrentes.

Isso sem falar que a própria coincidência pode ter feito com que muitos passassem a conhecer as marcas “estrangeiras” e, quem sabe, demandá-las numa eventual oportunidade.

Não consigo responder com a certeza necessária a provocação que fiz: “se a aparição nas placas de campo entra no cálculo de retorno da Vivo do Brasil”. Tendo a achar que sim, principalmente em função da enorme semelhança. Além do que, acredito que mesmo subliminarmente a simples citação de um nome pode remeter a outro que não tenha nenhuma relação. Exemplificando: Continental Airlines/Continental Pneus ou o monumento Pão de Açúcar e a rede de supermercados.

Todavia, tão gratificante quanto a possibilidade de se discutir a necessidade e a eficácia das métricas para a avaliação das ações, é notar que segmentos como o de telecomunicações acreditam no esporte como ferramenta de marketing.

ÁFRICA UNITED

por Leandro Ginane


A Copa do Mundo da Rússia trouxe à tona um novo estilo de futebol, mais veloz, forte e tático e tem como grandes destaques as seleções da Bélgica e da França. Em ambos os casos, os filhos de imigrantes africanos de países como Congo, Marrocos, Mali, Senegal, Argélia, entre outros são os protagonistas.

Umtiti, que fez o gol da vitória francesa na semifinal, é camaronês. Mbappé, Pogba, Lukaku engrossam a lista de jogadores que superaram as dificuldades de serem filhos de imigrantes e chegaram à seleção de seus países. Um olhar superficial sobre essa questão sugere que França e Bélgica integram as pessoas independente de sua origem racial, mas ao aprofundar a análise nota-se que a política de imigração impõe a estas pessoas situações de pobreza e preconceito, que é repercutido pela mídia, como disse o artilheiro da Bélgica na Copa:

“Quando as coisas vão bem, leio os jornais e eles me chamam de Romelu Lukaku, o atacante belga. Quando as coisas não vão bem, eles me chamam de Romelu Lukaku, o atacante belga de ascendência congolesa”. Curiosamente, Lukaku tem como desejo encontrar o brasileiro Adriano Imperador, nascido e criado nas favelas cariocas.


A seleção francesa agora finalista da Copa da Rússia, possui apenas quatro jogadores que não se enquadram neste perfil, e segundo Marine Le Pen, essa seleção não representa o país:

“Quando vejo essa seleção, eu não vejo a França representada. Nem a mim mesmo”, afirma a líder da extrema direita no país.

Estes jogadores sentem o preconceito na pele, que ocorre também dentro de campo, onde atletas brasileiros e companheiros de clube de Mbappé, no PSG, mesmo tendo superado dificuldades semelhantes as dele, tentam menosprezar o talento do jovem francês de 19 anos ao considera-lo “apenas rápido” e ao compara-lo a Donatello, uma das tartarugas ninja mutantes.


A visibilidade que a Copa do Mundo dá a estes atletas, deve provocar uma reflexão à luz da questão dos imigrantes que buscam melhores condições de vida nesses países. Isto precisa se tornar um tema a ser explorado pela mídia e pelos organizadores do evento, dando voz a histórias de superação como a de Lukaku, que via sua mãe misturar água ao leite para que durasse toda a semana.

A entrevista do atacante belga ao site The Player’s Tribune é reveladora e mostra o quanto esses descendentes de africanos sofrem para ocupar um lugar ao sol, semelhante a história de milhares de brasileiros espalhados pelo mundo.

Link da entrevista: https://www.theplayerstribune.com/en-us/articles/romelu-lukaku-ive-got-some-things-to-say