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Claudio Lovato

O PREDESTINADO

edição de vídeo: Daniel Planel

Dando continuidade à resenha do parceiro Claudio Lovato com PC Caju, Renato Sá e Balduíno, em Santa Catarina, o Museu da Pelada publica hoje uma história bem legal! Tendo vestido as camisas de Grêmio, Botafogo, Atlético-MG, Avaí e Vasco, Renato Sá ficou conhecido por quebrar recordes de invencibilidade! Em 1978, quando atuava pelo Grêmio, o craque foi até o Rio de Janeiro jogar contra o Botafogo, invicto há 52 jogos. Com dois gols e uma assistência, foi o nome da partida que acabou com a sequência de vitórias da equipe carioca. No ano seguinte, vestindo a camisa do Botafogo, driblou o marcador e, com um belo chute de fora da área, marcou o gol que tirou a invencibilidade dos também 52 jogos do Flamengo. Durante o papo, Renato Sá descreveu a emoção de marcar esses gols decisivos e falou sobre a fama de predestinado!

Veja o primeiro vídeo do “Encontro de Feras” em Santa Catarina: https://www.museudapelada.com/resenha/encontro-de-feras

ENCONTRO DE FERAS

por Claudio Lovato

Estamos no Centro Comunitário de Capoeiras, um dos bairros da parte continental de Florianópolis. É uma noite fria de setembro, 15 graus, e há um vento cortante. A bola rola no jogo entre dois times de veteranos. Todos com mais de 50 anos, com exceção de três em cada time, que podem ter, no mínimo, 45. As dimensões do campo chamam a atenção da equipe do Museu da Pelada, sobretudo a largura dele.

– Tem 100 por 70! – diz João Carlos da Silva, 64 anos, idealizador e organizador do torneio que reúne 10 times com jogadores acima dos 50 anos.

João Carlos da Silva já foi um dia o nome pelo qual era conhecido Balduíno, craque com passagens marcantes por Avaí, Joinville, Figueirense e Grêmio nos anos 70 e 80. 

– Quem sabe jogar prefere campo mais largo, porque dá para inverter a jogada, recomeçar…

– É uma fazenda! – comenta o repórter do Museu.

– Tem que voltar de táxi! – diz, rindo, Renato Luís de Sá Filho, o Renato Sá, 61 anos, quebrador de recordes (dolorosas recordações para torcedores do Botafogo e do Flamengo), ponta-esquerda habilidoso e de fôlego interminável que brilhou no Avaí, Grêmio, Botafogo, Vasco da Gama, Atlético Mineiro e Atlético Paranaense.

Paulo Cézar Caju também está presente, novo morador da Ilha de Santa Catarina que é, aos 67 anos.

PC, Balduíno e Renato Sá jogaram juntos no Grêmio. Renato havia chegado em 1978; PC, alguns meses depois, naquele mesmo ano; e Balduíno em 1980.

– Fotografa aqui a meiuca do Grêmio – diria PC ao fotógrafo, no encerramento da entrevista para o Museu.

PC sempre foi fã do futebol de Balduíno, meia-armador de alta habilidade e baixa estatura: 1,60m.

– Em alguns lugares, hoje em dia, se o garoto não tiver pelo menos 1,75m, é barrado na base – lamenta Balduíno.

E PC começa a recitar um poema:

– Eduzinho Coimbra, Zé Carlos, Joãozinho, Afonsinho… Maradona!

Os baixinhos.

Balduíno não se contém:

– Zico!

– Jurandir, lembra dele? – PC pergunta ao repórter do Museu.

– Claro! – responde o repórter, gremista.

– Em 1979, num Gre-Nal no Beira-Rio, dissemos ao Fantoni que o Jurandir tinha que marcar o Falcão…

O repórter, hoje cinquentão,  estava lá  na arquibanaca, naquele 13 de maio de 1979. Decisão do ponto extra do Gauchão. Aquele Gre-Nal ficou famoso por ter sido o jogo em que o pequenino Jurandir, ponta-esquerda que recuava para ajudar na marcação, não deixou Falcão tocar na bola. Falcão mal conseguiu respirar. PC não jogou, porque estava lesionado. No final, zero a zero, Grêmio com o ponto extra e o título de 1979 encaminhado.

– Eu era folgado! – diz Balduíno, recordista de participações no clássico Figueirense x Avaí: 75 jogos (39 pelo Avaí e 36 pelo Figueirense).

– Uma vez, pelo Campeonato Brasileiro, num jogo aquí em Florianópolis, o Figueroa tentou me dar uma cotovelada. Só não acertou porque eu sou baixinho. Pegou de raspão, na testa. Eu deixei passar um tempo e dei um soco na barriga dele. Ele correu atrás de mim, mas eu consegui fugir!

Boas lembranças.

– O Fantoni só me chamava de ‘Roberto Sá – conta Renato. 

Renato Sá, que sabia jogar, e muito, olha para o campo e relembra de uma dessas bolas longas, bem invertidas, que fazem Balduíno gostar de gramados grandes.

– Tem que ter força no chute. Como o Paulo Roberto…

Renato está falando sobre o lance que resultou no gol do Grêmio contra o São Paulo, no Morumbi, na decisão do Campeonato Brasileiro de 1981. O lateral-direito Paulo Roberto recebeu lá na linha divisória, olhou para a grande área do São Paulo e mandou a bola para a Renato Sá. Ela veio alta e forte.

– Num lance assim, o mais difícil é achar o tempo certo para saltar! – diz Renato.

– Não pode pular antes nem depois.

Renato saltou no tempo certo. De sua cabeça saiu o passe para Baltazar, o Artilheiro de Deus, que matou a bola no peito e, antes que ela tocasse no gramado, emendou um chute maravilhoso, bola no ângulo esquerdo de Valdir Perez. Grêmio campeão brasileiro pela primeira vez.

– Naquele jogo, entrei no lugar do China, centromédio. O Ênio [o grande técnico Ênio Andrade] me disse: ‘Vamos fazer uma correria ali no meio, é a nossa única chance”.

Lembranças especiais, coisa que não tem preço.

– Monsieur Paulô Cezár! – alguém grita do alambrado, bem atrás de onde está PC.

– Chevalier! – PC responde. 

E nós vamos para o local, pertinho do gramado, onde o fotógrafo e o cinegrafista do Museu da Pelada montaram o set para a gravação da entrevista. Histórias engraçadas? Tem. Lembranças bonitas? Tem também. Mas também tem muita reflexão séria e algumas críticas, porque essas feras têm muito o que dizer. E disseram.  

AEROPORTO FECHADO

por Claudio Lovato


Hoje eu tenho 50, cabelos grisalhos e uma coluna escangalhada, mas eu me lembro perfeitamente daquele dia quando eu ainda não havia feito 12 anos e o aeroporto fechou.

Meu pai e eu estávamos numa conexão, voltando para casa depois de uma viagem a trabalho que ele teve de fazer. Eu costumava acompanhar meu pai nas viagens dele.

O aniversário da minha mãe era no dia seguinte, meu pai carregava a pasta de trabalho e uma sacola de loja com o presente dela. O sistema de alto-falante informava que o aeroporto estava fechado devido ao mau tempo. Dizer “mau tempo” era um eufemismo, eu concluí depois, muito depois, porque caía uma tremenda chuva e havia ventos de furacão.

A sala de embarque estava lotada. Eu e o velho havíamos conseguido encontrar dois assentos vagos num canto e ficamos ali, na expectativa de que o aeroporto reabrisse.

De repente, meu pai me cutucou com o cotovelo.

– Você viu quem está aí?

Fiquei olhando para ele com cara de ponto de interrogação.

– Olha lá! – ele disse, apontando com o queixo.

Então eu vi.

Era o time da nossa cidade. O nosso time. Fiquei de boca aberta, meu pai riu do meu espanto. Naquela época, eu só pensava em futebol.

Meu pai começou a identificar os jogadores:

– Aquele lá é o Luiz Carlos, o Beto, ao lado dele é o Ney, perto deles é o Flávio…

Eu tentava acompanhar com os olhos as informações que meu pai me dava. Ele também era louco por futebol. 

– Olha lá o Hélio Goulart, o nosso técnico. Grande treinador!

Algumas pessoas de repente começaram a se aproximar dos jogadores para pedir autógrafos e conversar. Usavam guardanapos, contracapas de revistas e bordas de páginas de jornal para recolher as assinaturas.

– Quer ir lá? – meu pai perguntou, e, sem esperar pela resposta, se levantou e me pegou pelo braço.

Mais alguns instantes e eu me vi na frente do João Sérgio, o nosso goleiro. Meu pai tinha me dado uma caneta e um bloco de anotações. Ao lado do João Sérgio estava o Chico, nosso ponta-esquerda, e na frente dele estava o Adilson, e então eu já havia conseguido três autógrafos. E depois consegui os do Vicente, do Benetti, do Jairo Müller… Enchi várias páginas.

Ainda se ouviam risadas e reinava um clima de confraternização quando começou um murmúrio entusiasmado num ponto um pouquinho mais afastado de onde nós estávamos, eu fui conferir e então vi um menino de sete ou oito anos batendo bola (uma bola de futebol de plástico, gomos pretos e brancos) com o Vinícius e o Domingues, e foi então que outro menino e depois outro foram entrando naquela roda improvisada, e outros jogadores se aproximaram e o círculo foi aumentando e meu pai me deu um empurrãozinho nas costas e dali a alguns segundos a bola veio para mim e mandei a bola em direção ao Lino e ele fez várias embaixadas e passou para um garoto ruivo.

Ficamos ali muito tempo, vendo as demonstrações de habilidade dos nossos heróis (o que eles fizeram com aquela bola!!!), ouvindo as brincadeiras deles uns com os outros e os elogios que eles nos dirigiam (e que nós levávamos a sério). E na terceira ou quarta vez em que toquei na bola fiz algumas embaixadas e passei a bola para o Juarez, nosso centroavante, nosso grande goleador, que matou no peito e mandou de cabeça para o Miro, e depois disso ele, Juarez, me olhou, balançou a cabeça para cima e para baixo e fez sinal de positivo com os dois polegares, querendo me dizer que aprovava o que eu tinha feito… E ali, naquele exato momento, achei que nunca haveria nada mais importante para mim que o futebol.

Foi então que o sistema de alto-falantes informou que o aeroporto não estava mais fechado e que as chamadas dos passageiros seriam reiniciadas imediatamente. Tinha parado de chover e ventar. Seguimos nossa viagem de volta para casa. Nós estávamos regressando, e o nosso time, indo para um jogo que seria realizado no fim de semana.

Algum tempo depois, deitado no meu quarto, após ter contado a uns amigos dos meus pais o que havia acontecido naquele dia no aeroporto, ouvi meu pai dizer a eles que nunca havia me visto tão feliz, que eu “não cabia em mim”.

Meu velho, sempre me incentivando, sempre vibrando comigo, sempre me dando aquele empurrãozinho.

Hoje, apesar da minha idade, volta e meia fico querendo que o velho, de alguma forma, me diga o que devo fazer, fico esperando aquele toque firme e carinhoso no meu ombro, aquele empurrãozinho de que sinto tanta falta desde que ele se foi, um ano depois daquela viagem maravilhosa em que encontramos nosso time no aeroporto fechado, a última viagem que fizemos juntos, eu e meu velho. 

CALÇADÃO

texto: Claudio Lovato | foto: Bruno Veiga


Os pés de tornozelos inchados, mal acomodados nas sandálias de couro, procuram um ponto estável nas pedras portuguesas. E os olhos na areia.

– O garoto com a 8 é bom de bola – ele diz para si mesmo, pensamento em voz baixa, diluída no vento que vem do mar.

Um homem mais novo se aproxima e o cumprimenta de um jeito muito econômico, meio receoso, sem dúvida reverente.

– Fala, seu Maneco!

O velho retribui com um cumprimento ainda mais escasso, sem tirar os olhos da areia. A mão trêmula segura um copo de cerveja trazido do quiosque. Os pés doloridos buscam a compreensão das pedras pretas e brancas, e principalmente dos buracos de praxe entre elas.

– Mas ainda é nervoso! Com o tempo vai ganhar sangue frio – o velho diz.

O garoto com a camisa 8 passa perto deles. Cospe na areia, faz um movimento rápido com o pé esquerdo para cobrir o cuspe e põe as mãos na cintura. Agora está abandonado, esquecido, distante de onde as coisas se desenrolam. Levanta o braço, pede a bola, mas ela não vem.

E o velho diz:

– Ansioso que só ele.

O copo de cerveja na pontinha do banco de cimento, a mão no bolso da camisa social de mangas curtas, o maço na mão, depois o isqueiro de plástico, outro cigarro aceso.

O garoto da 8 recebe a bola, perto da calçada. Dá pinta de que vai cruzar, mas resolve que não. Vai com ela em direção ao gol, como se houvesse ouvido uma ordem superior, muito acima de sua capacidade de dizer não, e então chuta cruzado, com toda a força e toda a fúria que consegue reunir naquele momento crucial, mas o que sai é um arremedo de chute, um engodo, uma piada, e ele custa a acreditar no fiasco que fez, e os companheiros reclamam, e o velho traga o cigarro e solta a fumaça e diz para si mesmo (e talvez para o companheiro ao lado):

– Era isso mesmo.

O velho, a quem todos chamam respeitosamente de seu Maneco, agora dá as costas para o jogo e põe-se em movimento, em seu passo de romaria.

O amigo o observa ir embora e depois vai se juntar a outros quatro que estão sentados ali perto, em cadeiras de plástico.

– Quando será que eles vão voltar a se falar? – um deles pergunta.

E o que estava com o velho responde:

– Tem mágoa demais nisso aí.

O garoto de camisa 8 se volta para o calçadão, faz cara de quem olhou para lá só por acaso, põe a mão na parte de trás da coxa esquerda (um cacoete), levanta o braço pedindo a bola e sai trotando rumo àquela região da areia onde nada se decide. 

OS RENITENTES

por Claudio Lovato


O senhor de bigode grisalho e boné amarelo sentado na cadeira de plástico entrelaça os dedos das mãos, levanta a cabeça, olha para o grupo diante dele e diz:

– Hoje vamos marcar lá em cima!

Lá no fundo, sem que ninguém lhe dê atenção, Nilo do Espírito Santo acende a vela recém tirada da embalagem diante da imagem de Nossa Senhora Aparecida.

– Vamos chegar junto na saída de bola deles! – enfatiza o homem que todos chamam respeitosamente (já foi mais respeitosamente) de seu Deco.

Zé Alípio, o Netinho, escondido na terceira fila atrás de Toninho Dedão e Marcelo Voadeira, olha para o lado, encara a parede vazia e suspira.

Bruno da Bênção, às costas de Netinho, deixa escapar (não fez nenhuma força para conter) um “tsc”, que todos fingem não ouvir.

Rafa Careca bate palmas duas vezes, confiante, em uma tentativa de incentivo.

Lá fora, os quero-queros cantam; são muitos, ao que parece.

Oito derrotas consecutivas.

E então o homem de bigode, seu Deco, diz:

– Vamos para o jogo!

II

Os dedos indicador e médio da mão direita, amarelados de nicotina, amarelo vivo de solidão reiterada e de alertas desde sempre ignorados, seguram agora não o cigarro de praxe, mas uma caneta bic azul já quase sem tinta. Na outra mão, a prancheta.

Ele diz:

– Hoje é esperar, deixar os caras virem. Quando tomarmos a bola, só vamos sair na boa!

Nilo do Espírito Santo olha para a imagem de Nossa Senhora Aparecida, retira uma vela usada da embalagem de plástico e pega no bolso do abrigo a caixa de fósforos meio molhada da chuva de outro dia.

– Deixem eles com a bola, porque, como a gente já sabe, posse de bola e controle do jogo são duas coisas diferentes! – diz o veterano de muitas batalhas, mas que hoje, naquele grupo, já é tratado pela maioria apenas como “O Velho”.

Netinho, sentado na quarta fila ao lado de Rubão Mão de Vaca, olha para o lado, em direção à janela basculante em cima da porta que dá para o banheirinho, e bufa.

Bruno da Bênção, sentado bem em frente, volta-se para o companheiro e solta um xingamento, sussurrado, entre dentes, dirigido a seu Deco. Netinho e todos os que ouviram balançam a cabeça em sinal de concordância.

Rafa Careca bate palmas três vezes; um esforço perseverante.

Lá fora, os quero-queros cantam baixo, sem muita força. Provavelmente são poucos, e esparsos.

Nove derrotas consecutivas.

E então o homem do bigode, seu Deco, diz (apenas diz, não exclama):

– Vamos para o jogo, moçada.

III

As mãos trêmulas agora repousam na prancheta colocada sobre os joelhos, que também parecem tremer. A caneta azul é a mesma do último jogo, mas ela já não é útil, porque a tinta secou há pelo menos dois dias.

Dez derrotas consecutivas e ele diz:

– Hoje vamos com duas linhas de cinco, e o Edu Zebra um pouco mais adiantado.

Nilo do Espírito Santo posiciona o toco de vela em frente à imagem de Nossa Senhora Aparecida. Vai acendê-la, mas a caixa de fósforos está vazia. Ele pensa no que fazer.

– Mas não é cinco-quatro-um. São duas de cinco. E, quando eles vierem para cima da gente, o Edu tenta se posicionar um pouco mais à frente, nas costas dos zagueiros deles, e aí é bola comprida nele, de preferência com lançamento do Netinho. – explica aquele que, nesse grupo, já foi veterano, já foi velho e agora é tratado como um adareço fora de moda que eles têm que carregar no pescoço, à força, por alguma razão desconhecida.

Netinho, sentado na quinta fileira de cadeiras, quase na porta do vestiário, muito perto de onde está agora seu tio Nilo do Espírito Santo (agachado e pensativo em frente à imagem de Nossa Senhora Aparecida), fecha os olhos, sorri e, para surpresa geral, para grande espanto corroborado por muitas bocas abertas, bate palmas – uma, duas, três, quatro vezes. 

Bruno da Bênção, de um ponto diametralmente oposto ao de Netinho, agarra com força os braços da cadeira em que está sentado, tem os olhos semicerrados e, de repente,solta um assovio daqueles altos e cortantes, do tipo que dói no ouvido de quem está perto, e então começa, ele também, a bater palmas.

Rafa Careca, tomado pela euforia, levanta-se da cadeira e grita, com os dois braços levantados:

– É isso aí, porra!

Lá fora, os quero-queros dão início a uma balbúrdia infernal. Parecem ser mais de cem, ou mais de mil.

O barulho de um trovão como jamais ouvido anteriormente naquela região faz tremer, com sua fúria ancestral de mágoas por muito tempo guardadas, as paredes descascadas do velho vestiário.

E o homem de bigode e boné amarelo, num tom firme e peremptório que ele próprio, tempos depois, admitiria que considerava impossível para aquele momento, diz (exclama) então:

– Vamos lá ganhar esse jogo, caralho!!!

IV

Nilo do Espírito Santo posiciona a vela em frente à imagem. Ele sente muita gratidão. A vela é nova, vermelha e longa, e o isqueiro de plástico preto reluzente funciona que é uma beleza.

Às suas costas há um vozerio animado, feliz, e cada palavra pronunciada remete ao desejo urgente de ir para o campo.

Nilo sorri e pensa (mais uma vez) que, quando chegar seu dia, seu momento derradeiro, sua despedida definitiva, ele quer que seja ali, no meio daquilo, e ele tem uma certeza secreta de que assim será.

Ele nunca quis outra coisa tanto quanto isso.