por Sergio Pugliese
A equipe do Museu da Pelada não ia perder esse show. Silvio Cesar é um dos maiores intérpretes da MPB e autor de clássicos como “Pra Você”, imortalizada na voz de Elizeth Cardoso, e “O Moço Velho”, escrita especialmente para o Rei Roberto Carlos. Eu e o maestro Reyes de Sá Viana do Castelo ficamos na primeira fila e ele acenou quando nos viu. Estava cercado de estrelas, como Chico Buarque, Carlinhos Vergueiro, Paulo Cesar Feital e Hyldon. A sintonia era perfeita, afinal numa turma assim ninguém desafina. O público estava encantado mas Silvio, cansado, pediu para sair. Foi aplaudido. Nesse palco, o campo de pelada, ele pode se dar a esse luxo. Beijou a camisa do Polytheama, time de fé há 32 anos, e garantiu que em 2012, quando completar 51 anos de carreira, reunirá esse timaço em outro palco, o de algum teatro, para repetirem a mesma exibição, o mesmo entrosamento.
– Esses dois palcos me revitalizam – suspirou.
O mineiro Silvio Cesar é rato de pelada e conhecido por suas frases de efeito. Certa vez, reclamaram que ele não corria em campo (e é verdade!), então avisou que não era maratonista. Para outro irritadinho que disparou aquele famoso “só gosta de receber bola nos pés”, rebateu: “E se fosse jogador de basquete só gostaria de receber nas mãos!”. Semana passada, indignado por ninguém lhe passar a bola, jogou a toalha.
– Perguntei aos reservas se alguém queria NÃO jogar em meu lugar.
Mas bola e a música sempre conviveram harmonicamente em sua vida. Em 1960, abandonou o futebol de salão e veio para o Rio estudar na Faculdade Nacional de Direito. Conheceu Copacabana e, claro, se encantou. Foi apresentado ao músico Ed Lincoln, viraram parceiros e seu point passou a ser a Boate Drink, na Avenida Princesa Isabel. Ali, cantou para os presidentes Jango Goulart e JK e em pouco tempo explodiu. Mas as peladas no Manufatura e Caxinguelê nunca cessaram, mesmo quando saía dos shows com o sol raiando.
– Quando não jogo perco a inspiração – assumiu.
No Jazzmania, viveu uma de suas maiores emoções quando conheceu o ídolo Tony Bennet. O Rio de Janeiro era outro! O astro internacional, considerado o maior cantor do mundo, foi assistir Leny Andrade. Sentou-se sozinho e ficou desenhando a cantora enquanto Silvio saboreava um Martini apoiado no balcão e babava de inveja da amiga. No fim do show foram apresentados e Silvio o presenteou com seu disco saído do forno, “Aos Mestres Com Carinho”, com a participação de Tom Jobim e Vinicius. Aí, foi a vez de Tony babar. Foi um encontro marcante. Felicidade como aquela só quando jogou no Maracanã. Foram sete vezes, quatro vitórias, dois empates e uma derrota, essa humilhante! Foi na preliminar da decisão da Taça Guanabara, em abril de 1975, entre o seu Fluminense e o América. O cartola Francisco Horta armou um jogo entre artistas, mas na divisão os tricolores ficaram muito mais fracos. Com 20 minutos já estava 8 x 1 para o Mequinha. Acabou 11 a 2.
– Pior foi o alto-falante anunciando que o placar só ia até 10. E joguei com a 10 do Rivellino, uma lástima – divertiu-se.
Silvio viveu a época romântica da cidade, da música, do futebol e do rádio. O musical Arco-Íris, com ele e Pery Ribeiro ficou seis meses em cartaz. Trabalhou com Grande Otelo, no teatro, Renato Aragão, no cinema e Elis Regina, na tevê. Entende cada momento e hoje continua produzindo com artistas da nova geração, como Jorge Vercillo e Diogo Nogueira. Em seu último cd, lançado recentemente, uma canção sobre pelada não podia faltar. “Não Nasci Para Jogador” é uma declaração de amor à bola. Antes, já havia gravado “Se Você Fosse Um Homem”, com a participação do MPB-4: “se você fosse um homem compreenderia a loucura e a alegria de ficar com os amigos pela madrugada lembrando aquele gol da última pelada…”.
Para Silvio a pelada mexe com a sensibilidade, toca no fundo do coração, assim como os grandes shows. Ele costuma comparar jogadores a músicos. Para ele, Falcão, ídolo do Internacional, seria Helio Delmiro se fosse um instrumentista. Quando fecha os olhos para compor sempre enxerga um gramado verdinho lá no fundo. A poesia do gol é a mesma de uma bela canção, de um violão afinado. Assistir Pelé, Didi e Garrincha era como se encantar com os Três Tenores, Luciano Pavarotti, Jose Carrera e Plácido Domingos. Aos 70 anos continua como lateral do Polytheama, time do amigo Chico Buarque.
– Chico é craque, domina mesmo as tijoladas que recebe e disfarça a voz para reclamar dos outros. Nos faz rir o tempo todo.
Silvio vai em frente. A perna já não obedece. Prevê toda a jogada, mas ela fica guardada na imaginação. Não se importa com isso. Aprendeu a conviver com o tempo, a trocar passes com ele. Se ele limita seu fôlego, sua velocidade, sua impulsão, contribui para o amadurecimento de sua inspiração. E essa está com a corda toda, fervilhante, dando carrinhos, correndo por todo o campo e com a disposição de um menino.