por Cesar Oliveira
Nunca fui bom de bola, antes um botinudo. Por isso, quando percebi que tinha jeito para o basquete, não hesitei em aceitar o convite do professor de ginástica do Ginásio Luiz de Camões, no bairro do Grajaú, na Zona Norte do Rio de Janeiro, para treinar na escolinha de basquete do clube. Quem se houvesse melhor, diziam, estaria na equipe para o campeonato do ano seguinte.
Não importa aqui explicar os motivos, mas a verdade é que acabei parando no Club Municipal, tradicional agremiação socio-esportiva da Tijuca, onde acabei disputando um ou dois campeonatos cariocas de basquete, no infanto-juvenil.
A preparação física que nos era oferecida acendeu o gosto pela ginástica e pela corrida — que passei a praticar nas ruas de Vila Isabel, Grajaú e Maracanã, em corridas diárias de 12Km, instigadas e orientadas pelo “Guia Completo da Corrida”, de James Fixx (Record, 1977).
Com o tempo, criei métodos: bons tênis de corrida da época (o Adidas era um “conga” com três listras do lado, solado em EVA), sessões regulares de alongamentos antes e depois da corrida, relógio Casio que marcava ritmo, distância percorrida e tempo, alimentação controlada etc.
Saía da Praça Barão de Drummond, corria até o Grajaú, subia a Borda do Mato (uma ladeira que hoje só encaro de carro ou ônibus…), descia a Araxá e tomava uma reta pro Maracanã, onde dava duas voltas no Estádio e voltava para Vila Isabel pela 28 de Setembro. Chegava em casa e nem subia. Beth, a mãe dos meus filhos, já estava me esperando na garagem, onde eu colocava o casaco de couro, capacete e luvas, a deixava no Banerj do Centro da Cidade e ia para a ACM na Lapa, para mais 20 minutos de corrida, uma hora de ginástica e uma pelada de basquete com os velhinhos. Na época, eu com 30, eles com 60.
Sentia grande prazer em acordar às 5h30 para ir pra rua correr. Cheguei certa vez a ir pra rua com febre e debaixo de chuva: voltei curado, a temperatura do corpo expulsando a doença que se insinuava. Quando me perguntavam por que tanta ginástica e “correria”, respondia que queria ser “um velhinho saudável”.
A resposta era premonitória. Hoje, aos 65 anos, ostento no currículo médico duas operações no coração, a primeira aos 52 anos de idade, quatro stents farmacológicos que se fizeram necessários para acertar o entupimento que, agora eu sei, deveria ter percebido quando o professor mandava eu “acelerar! acelerar! acelerar!” na aula de spinning e eu tinha que parar antes dos outros, o peito ardendo e a respiração faltando.
Descobri o problema por uma rotina que eu me impunha: checapes periódicos, teste ergométrico e exames laboratoriais, sob o controle de um médico. Herança dos tempos de ACM e da parceria com o Dr. Paulo Pegado, discípulo de Kenneth Cooper, a quem prestei serviços de marketing no Centro Aeróbico do Brasil.
Não me queixo. O primeiro cirurgião que me operou, no Pro-Cardíaco de Botafogo, me disse logo depois da operação que eu “estava vivo porque havia malhado a vida inteira”: “Seu coração não dava para 40 anos. Você teria um infarto fulminante se não tivesse decidido malhar desde cedo”.
Outro médico, responsável pelo último exame que me liberou para voltar a malhar depois da angioplastia, me disse que estava lendo o trabalho de um cardiologista escandinavo que provava, por A + B, que pessoas fadadas a cardiopatias só se livram da morte súbita se malharem desde cedo, malharem muito e malharem pesado. Então, anotem: dar voltinhas na pracinha antes ou depois do trabalho não vai livrar a sua cara.
Não tenho ilusões sobre os motivos que me levarão, um dia, sabe Deus quando, a desencarnar. Mas gostaria de explicar agora por que esse papo num site de peladas e peladeiros.
Semana passada, meus filhos e eu perdemos um jovem amigo durante uma pelada em Jacarepaguá. O músico e compositor Pablo Amaral — o tricolor de coração “Gamarra”, integrante do Galocantô, grupo de samba do qual meu filho Rodrigo Carvalho participou da fundação, um cavaquinista de primeira, pai de uma linda menina de quatro anos — infartou e não chegou vivo ao hospital.
Por mais que as crenças nas lições do Espiritismo consolem a minha alma, não posso deixar de chorar e lamentar uma perda tão precoce. Talvez Gamarra, como muitos outros jovens, nem desconfiasse dos problemas que o fariam nos deixar órfãos do seu sorriso, da sua amizade e do seu enorme talento.
Por fim, uma lição, para todos nós. James Fixx (1932–1984), o corredor-escritor, autor do “Guia Completo da Corrida”, citado lá em cima, começou a correr para evitar ter o mesmo destino do pai: morrer por infarto, aos 30 anos de idade.
Depois de começar a correr aos 35 anos, Fixx largou o cigarro e emagreceu mais de 20 kg. Ainda assim, aos 52 anos de idade, morreu enquanto corria numa estrada de Vermont. Foi encontrado deitado ao lado da estrada, morto devido a um ataque cardíaco.
Correndo, ele ganhou quase 20 anos de sobrevida. Eu também, ganhei uns doze até a primeira operação e vou segurando a onda.
Então, você que gosta de uma pelada semanal, faça um favor a você, seu cônjuge, filhos e filhas, netos e netas, amigos e companheiros. Procure um cardiologista amanhã e comece a controlar a sua saúde. Faça exercícios regularmente. Controle a alimentação. Beba e coma pelo paladar. E viva o tempo que Deus quiser, mas com ótima qualidade de vida.
“Galã de Xerém” é um samba de Pablo Amaral e Edu Tardin, gravado pelo Galocantô no CD Fina Batucada, que você pode ouvir aqui.