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Cesar Oliveira

O GALÃ DE XERÉM, A PELADA QUE AFAGA E A QUE APEDREJA

por Cesar Oliveira

Nunca fui bom de bola, antes um botinudo. Por isso, quando percebi que tinha jeito para o basquete, não hesitei em aceitar o convite do professor de ginástica do Ginásio Luiz de Camões, no bairro do Grajaú, na Zona Norte do Rio de Janeiro, para treinar na escolinha de basquete do clube. Quem se houvesse melhor, diziam, estaria na equipe para o campeonato do ano seguinte.

Não importa aqui explicar os motivos, mas a verdade é que acabei parando no Club Municipal, tradicional agremiação socio-esportiva da Tijuca, onde acabei disputando um ou dois campeonatos cariocas de basquete, no infanto-juvenil.


A preparação física que nos era oferecida acendeu o gosto pela ginástica e pela corrida — que passei a praticar nas ruas de Vila Isabel, Grajaú e Maracanã, em corridas diárias de 12Km, instigadas e orientadas pelo “Guia Completo da Corrida”, de James Fixx (Record, 1977).

Com o tempo, criei métodos: bons tênis de corrida da época (o Adidas era um “conga” com três listras do lado, solado em EVA), sessões regulares de alongamentos antes e depois da corrida, relógio Casio que marcava ritmo, distância percorrida e tempo, alimentação controlada etc.

Saía da Praça Barão de Drummond, corria até o Grajaú, subia a Borda do Mato (uma ladeira que hoje só encaro de carro ou ônibus…), descia a Araxá e tomava uma reta pro Maracanã, onde dava duas voltas no Estádio e voltava para Vila Isabel pela 28 de Setembro. Chegava em casa e nem subia. Beth, a mãe dos meus filhos, já estava me esperando na garagem, onde eu colocava o casaco de couro, capacete e luvas, a deixava no Banerj do Centro da Cidade e ia para a ACM na Lapa, para mais 20 minutos de corrida, uma hora de ginástica e uma pelada de basquete com os velhinhos. Na época, eu com 30, eles com 60.

Sentia grande prazer em acordar às 5h30 para ir pra rua correr. Cheguei certa vez a ir pra rua com febre e debaixo de chuva: voltei curado, a temperatura do corpo expulsando a doença que se insinuava. Quando me perguntavam por que tanta ginástica e “correria”, respondia que queria ser “um velhinho saudável”.

A resposta era premonitória. Hoje, aos 65 anos, ostento no currículo médico duas operações no coração, a primeira aos 52 anos de idade, quatro stents farmacológicos que se fizeram necessários para acertar o entupimento que, agora eu sei, deveria ter percebido quando o professor mandava eu “acelerar! acelerar! acelerar!” na aula de spinning e eu tinha que parar antes dos outros, o peito ardendo e a respiração faltando.

Descobri o problema por uma rotina que eu me impunha: checapes periódicos, teste ergométrico e exames laboratoriais, sob o controle de um médico. Herança dos tempos de ACM e da parceria com o Dr. Paulo Pegado, discípulo de Kenneth Cooper, a quem prestei serviços de marketing no Centro Aeróbico do Brasil.

Não me queixo. O primeiro cirurgião que me operou, no Pro-Cardíaco de Botafogo, me disse logo depois da operação que eu “estava vivo porque havia malhado a vida inteira”: “Seu coração não dava para 40 anos. Você teria um infarto fulminante se não tivesse decidido malhar desde cedo”.

Outro médico, responsável pelo último exame que me liberou para voltar a malhar depois da angioplastia, me disse que estava lendo o trabalho de um cardiologista escandinavo que provava, por A + B, que pessoas fadadas a cardiopatias só se livram da morte súbita se malharem desde cedo, malharem muito e malharem pesado. Então, anotem: dar voltinhas na pracinha antes ou depois do trabalho não vai livrar a sua cara.

Não tenho ilusões sobre os motivos que me levarão, um dia, sabe Deus quando, a desencarnar. Mas gostaria de explicar agora por que esse papo num site de peladas e peladeiros.


Gamarra (de verde) na pelada

Semana passada, meus filhos e eu perdemos um jovem amigo durante uma pelada em Jacarepaguá. O músico e compositor Pablo Amaral — o tricolor de coração “Gamarra”, integrante do Galocantô, grupo de samba do qual meu filho Rodrigo Carvalho participou da fundação, um cavaquinista de primeira, pai de uma linda menina de quatro anos  infartou e não chegou vivo ao hospital.

Por mais que as crenças nas lições do Espiritismo consolem a minha alma, não posso deixar de chorar e lamentar uma perda tão precoce. Talvez Gamarra, como muitos outros jovens, nem desconfiasse dos problemas que o fariam nos deixar órfãos do seu sorriso, da sua amizade e do seu enorme talento.

Por fim, uma lição, para todos nós. James Fixx (1932–1984), o corredor-escritor, autor do “Guia Completo da Corrida”, citado lá em cima, começou a correr para evitar ter o mesmo destino do pai: morrer por infarto, aos 30 anos de idade. 

Depois de começar a correr aos 35 anos, Fixx largou o cigarro e emagreceu mais de 20 kg. Ainda assim, aos 52 anos de idade, morreu enquanto corria numa estrada de Vermont. Foi encontrado deitado ao lado da estrada, morto devido a um ataque cardíaco.

Correndo, ele ganhou quase 20 anos de sobrevida. Eu também, ganhei uns doze até a primeira operação e vou segurando a onda.

Então, você que gosta de uma pelada semanal, faça um favor a você, seu cônjuge, filhos e filhas, netos e netas, amigos e companheiros. Procure um cardiologista amanhã e comece a controlar a sua saúde. Faça exercícios regularmente. Controle a alimentação. Beba e coma pelo paladar. E viva o tempo que Deus quiser, mas com ótima qualidade de vida.

“Galã de Xerém” é um samba de Pablo Amaral e Edu Tardin, gravado pelo Galocantô no CD Fina Batucada, que você pode ouvir aqui.

O QUE ESTAMOS FAZENDO DO NOSSO FUTEBOL?

por Cesar Oliveira


Cesar Oliveira

Já disse antes e vou repetir: sou um daqueles que, ainda hoje, coubertianamente, acreditam na lisura e na ética no desporto, no “que vença o melhor”. Detesto mão na bola, empurrão ou calço pelas costas; nem na pelada mais vagabunda isso é aceito.

Sou do time do Mimi Sodré, campeão carioca de 1910, que levantava o dedo quando cometia uma infração, antes que o “referee” a apontasse. Sou de um tempo em que árbitro algum voltaria atrás na marcação de um pênalti.

Por isso, me enojo com a possibilidade de alguém dando palpite na arbitragem do árbitro principal que, segundo a Regra 5, deveria ter “total autoridade para fazer cumprir as regras de jogo na partida”.

Ainda segundo a mesma Regra 5, “as decisões do árbitro sobre fatos em relação com o jogo são definitivas. O árbitro poderá mudar sua decisão unicamente se perceber que sua decisão é incorreta ou, se o julgar necessário conforme indicação de outro membro do quarteto de arbitragem, sempre que ainda não tenha reiniciado a partida”.


Patrocínio de site de apostas no futebol

A Regra 6, que trata dos árbitros assistentes, diz que eles são dois e determina as suas funções, e que eles “têm o dever de indicar”, entre outras coisas, “quando forem cometidas infrações em que os árbitros assistentes estejam mais perto da ação que o árbitro” [principal].

Em tempos de tantos sites de apostas metidos no futebol – em camisas de grandes clubes, em propaganda estática nos gramados, patrocinando jogos e atletas — o esporte tomou um caminho muito perigoso. 

No jogo Santos 3 a 2 Flamengo, pela Copa do Brasil, que vem suscitando — mais uma vez por interferência externa” — tanta celeuma, o árbitro principal Leandro Vuaden não vacilou um instante sequer em marcar o pênalti de Réver em Bruno Henrique, e apontou imediatamente a marca da cal.


Então, acontece uma interferência externa do quarto árbitro (cadê essa figura nas “Regras do Futebol”?), chama o árbitro principal pelo intercomunicador (equipamento que quase levou o árbitro José Roberto Wright ao cadafalso quando usou um, a pedido da TV Globo, gravando seus diálogos no gramado com jogadores), conchinha no ouvido e Leandro Vuaden volta atrás da marcação do pênalti.

É pelo menos estranho que, contrariando as Regras do Futebol, o árbitro principal mantenha-se hoje em comunicação privada (duplo sentido) com gente fora do ambiente de jogo (o que falam?).

E, principalmente, que o árbitro seja chamado por um elemento de fora do trio de arbitragem (Regra 5) para convencer o árbitro a mudar sua decisão, tomada sem hesitação no momento da infração.

O que vale para esse jogo sob polêmica, vale para o futebol como um todo. Se querem uma arbitragem limpa e isenta de erros, com o tal “árbitro de vídeo”, o futebol tem que se preparar para que isso seja feito limpamente. Como é no vôlei e no tênis. Sempre que uma pessoa interfere na arbitragem principal, dá zebra.

Sabemos que o futebol é um esporte muito corrupto. Por seus dirigentes (muitos presos, outros que não podem sair do País), árbitros, federações, agremiações etc. Os casos de suborno e papeletas amarelas estão aí, e ninguém faz nada para coibi-los.


Torço por um time que já perdeu campeonatos por arbitragens duvidosas. Mas quem já não perdeu campeonatos por arbitragens duvidosas? Então, volto ao começo do meu texto: estou ficando velho demais para ver minha paixão imaterial pelo futebol ser negociada por debaixo dos panos.

Certa vez, sentado a uma mesa em clube nobre do Rio de Janeiro, ouvi um ex-dirigente de um clube (desses que não são queridinhos da “futebolpress” ou favorecidos por arbitragens estranhas, contar casos escabrosos em que comprou arbitragens). Meu mundo caiu. Nunca pensei que aquele clube, prejudicado em tantas ocasiões, também lançava mão de fatores extracampo para conseguir resultados que precisava. Certamente, com times de menor expressão do que ele.

O que estamos fazendo do nosso futebol? Eu queria acreditar na lisura do desporto. Na vitória do melhor. No que melhor se preparou e desempenhou no campeonato. No que tem melhor preparo físico para desempenhar um plano de jogo superior e irresistível. Naquele que faz na Base a criação de jogadores de qualidade para abastecer o time de cima. No que vence limpamente, pela qualidade do time.

Eu sou um velho bobo.

CENTENÁRIO DE JOÃO SALDANHA GANHA LIVRO COM SUAS 100 MELHORES CRÔNICAS COMENTADAS


Nesta segunda-feira, às 19h, a Editora LivrosdeFutebol, em parceria com a Vértice Marketing, lança o livro As 100 melhores crônicas – comentadas – de João Saldanha, no restaurante Nanquim, do Jardim Botânico. O evento, aberto ao público, será antecedido por um debate sobre a personalidade e o pensamento de João Saldanha com participação dos jornalistas esportivos Marcio Guedes e Lucio de Castro. O jornalista Eraldo Leite, da Rádio Globo e presidente da ACERJ – Associação de Cronistas Esportivos do Rio de Janeiro será o mestre-de-cerimonias e âncora do debate.

As crônicas foram selecionadas pelo historiador do futebol brasileiro Alexandre Mesquita após a leitura de todo o acervo disponível sobre João Saldanha entre 1960 e 1990, do jornal Última Hora, passando pelo O Globo, Placar, até o Jornal do Brasil. De fora apenas o período de 1966 até 1970, reunidas por Raul Milliet Filho no livro Vida que segue (Nova Fronteira), um dos mais brilhantes resgates do trabalho do João. Elas foram organizadas pelo editor Cesar Oliveira e comentadas (para situá-las na linha do tempo) por Alexandre Mesquita e Cesar Oliveira, que convidaram Marcelo Guimarães (ex-diretor de Marketing do Botafogo) para dividir com eles a responsabilidade dos comentários.

As 248 páginas de “As 100 melhores crônicas comentadas de João Saldanha” estão divididas em quatro capítulos com temas centrais: Futebol, Seleção Brasileira, Botafogo e a Zona do Agrião – termo criado pelo jornalista em referência à grande área dos gramados –, que trata de assuntos gerais.  Dois prefácios enriquecem a obra: de Juca Kfouri e do craque Tostão. Um posfácio, do professor e ensaísta Ivan Cavalcanti Proença, analisa a maneira especial com que João escrevia.

O lançamento é o primeiro ato do projeto “João Saldanha: cem anos, sem medo”. Na terça-feira, dia 4 de julho, na Associação Brasileira de Imprensa, será realizado um dia de debates e palestras sobre João, numa parceria do prof. Victor Andrade de Melo e da ACERJ – Associação de Cronistas Esportivos.


Já no sábado, 8 de julho, acontece uma roda de samba em homenagem ao portelense João Saldanha, a partir das 12 horas, na Livraria Folha Seca (Rua do Ouvidor, 37), comandada pelo sambista Rodrigo Carvalho e grupo Manga Rosa. Presença de ex-jogadores do Botafogo, jornalistas esportivos, e das pessoas envolvidas na produção do livro. Haverá vendas de livros e autógrafos.

Em agosto, Saldanha será lembrado num evento comemorativo no auditório do Museu do Futebol, em São Paulo, durante a reunião mensal do Memofut – Grupo de Literatura e Memória do Futebol, também com debates e lançamento do livro.

Apoiadores

Trem do Corcovado, BKR – Lopes Machado Auditores, Associação Brasileira de Imprensa, ACERJ — Associação de Cronistas Esportivos do RJ, Approach Comunicação, Museu da Pelada, WTT – Transportes e Turismo.

 

SERVIÇO

LANÇAMENTO DO LIVRO

Data: 03/07 (segunda)

Horários: 19h

Local: R. Jardim Botânico, 644 – Jardim Botânico, Rio de Janeiro

Credenciamento: credenciamento@approach.com.br

Informações: www.facebook.com/joaosaldanha100

 

DEBATE SOBRE A CRÔNICA ESPORTIVA E JOÃO SALDANHA

Data: 04/07 (terça)

Horários: das 9 às 18 horas, com intervalo de almoço

Local: ABI – Associação Brasileira de Imprensa, Rua Araújo Porto Alegre, 71 – Centro, Rio de Janeiro

Convidados: Eraldo Leite (âncora), Prof. Ivan Cavalcanti Proença, e os jornalistas José Rezende, Marcio Guedes, Lucio de Castro e Ricardo Gonzalez.

Serviço – As 100 melhores crônicas – comentadas – de João Saldanha

“As 100 melhores crônicas – comentadas – de João Saldanha”. Pesquisa e seleção de crônicas: Alexandre Mesquita; Organização: Cesar Oliveira; Comentários: Alexandre Mesquita, Cesar Oliveira e Marcelo Guimarães. Formato 15,5x23cm, 248pág., R$50. Distribuição: Mauad -X.  Versão e-book: Digitaliza Brasil.

COMO UM TORCEDOR DE JANELA DE APARTAMENTO FOI PARAR NAS PÁGINAS DO JORNAL DO BRASIL

por Cesar Oliveira

Para Guy Câmara e Nelson Lima, tricolores de coração.


Estádio das Laranjeiras

Neeeeeeeeeeeense!… Neeeeeeeeeeeense!…

O grito apaixonado ecoava pelos ares da Rua Álvaro Chaves, no bairro das Laranjeiras, na Zona Sul do Rio de Janeiro, bem em frente à sede do aristocrático Fluminense Football Club, a ponto de chamar a atenção das pessoas que estavam nas lotadas arquibancadas do estádio, e olhavam para cima.

Afinal, era um Fluminense x Grêmio, pela primeira fase do Campeonato Brasileiro de 1991. E a torcida lotava o velho estadinho naquele dia 3 de março para ver o Fluminense derrotar os gaúchos pelo placar de 2×0, com dois gols do Super Ézio e belos passes do baiano Bobô.

Sentado na tribuna de imprensa do Estádio Manoel Schwarz, o veterano repórter do Jornal do Brasil, Oldemário Touguinhó (1935-2003), um dos mais importantes e respeitados de sua época, não entendia de onde vinham aqueles desbragados berros de torcedor. Por que as pessoas estavam olhando para cima?


Super Ézio comandou o Fluminense naquele jogo

Mas por que o Fluminense jogava nas Laranjeiras, depois de tanto tempo? É que o falecido Maracanã estava interditado para uma daquelas “obras” que, agora, a gente sabe para que serviam… Mas isso é papo para uma futura coluna (mas apenas se o Museu da Pelada me garantir um advogado pra me defender dos processos…).

 

 

A HISTÓRIA DO CAMPO DO FLUMINENSE

O campo fora inaugurado oficialmente em 1904, na então Rua Guanabara, com o campo no sentido longitudinal à rua que hoje se chama Pinheiro Machado. Foi mandada construir uma pequena arquibancada de madeira e, então, cobrados os primeiros ingressos de uma partida de futebol.


Em 1905, Eduardo Guinle – de tradicional família da elite financeira e social carioca desde a primeira década do século XX, fundadora da Docas de Santos e dona do Copacabana Palace Hotel – construiu, por sua conta, a primeira arquibancada de concreto em campos de futebol do Rio de Janeiro.

O estádio foi ampliado para o Sul-Americano daquele ano, vencido pelo Brasil, com o histórico gol de Arthur Friedenreich (1892-1969) que motivou a criação do chorinho “1×0”, de “Pixinguinha” (Alfredo da Rocha Viana Filho – 1897-1973) e do macaense Benedito Lacerda (1903-1958). No jogo da reinauguração, pelo Sul-Americano de 1919, o Brasil venceu o Chile por 6×0, sendo de Fried o primeiro gol do novo estádio.

A configuração do campo mudou em 1961, quando todo um anel, em uma faixa de terreno situada na Pinheiro Machado, foi demolido para a construção do sistema de tráfego do Túnel Santa Bárbara e duplicação da Rua Pinheiro Machado.

Isso aconteceu, depois de dois anos de entendimentos, iniciados com a Prefeitura do antigo Distrito Federal, e foram concluídos com o Governo do então Estado da Guanabara. O Fluminense teve então parte de seu terreno desapropriado, recebendo quase Cr$50 milhões e mais as áreas remanescentes dos terrenos da esquina das ruas Álvaro Chaves e Pinheiro Machado, no valor de Cr$31 milhões.

A IMPORTÂNCIA DAS LARANJEIRAS

Antes da existência de São Januário, o campo do CR Vasco da Gama (inaugurado em abril de 1927) e do Maracanã (construído para a Copa de 1950), o Estádio do Fluminense era o campo de futebol do Rio de Janeiro.

Nele, foram decididos 14 títulos de Campeonatos Cariocas, e dois títulos da Copa América, entre outros títulos importantes. Lá foram realizados também os Jogos Olímpicos Latino-Americanos em 1922. Foi o primeiro estádio do Brasil especialmente construído para grandes espetáculos.

No primeiro jogo ali, o Fluminense goleou o Paysandu Cricket por 7 a 1, no dia 3 de maio de 1906. Desse jogo, registra-se o primeiro gol contra de um Campeonato Carioca, marcado por W. Murray (do Paysandu), contra as suas próprias redes.

O Jornal do Brasil registrou:

“Inaugurou-se hontem como o grande meeting, a estação de football. A concurrência de circunstantes foi numerosa, podendo-se calcular em 1.000 pessoas. As amplas e elegantes archibancadas encheram-se au grand complet, e em todos notava-se muito interesse pelo match. O Fluminense fez-se representar por um team de respeito. Foi elle o vencedor do primeiro match, por sete golos a um”.

Hoje, o estádio do Fluminense abriga alguns treinamentos do time profissional, e comporta apenas oito mil pessoas. Em 1919, comportava 18 mil pessoas; em 1922, 25 mil. O recorde de público — 25.718 pessoas — é do Fla-Flu do primeiro turno do Carioca de 1925, com vitória do Fluminense por 3 a 1.

MAS… E O TORCEDOR QUE INCOMODAVA OLDEMÁRIO TOUGUINHÓ?


Tio Guy e Tia Sonia com a neta Melina, filha de Cláudia Naíra, em 1987

Eu lhes conto agora, senhoras e senhores: era meu tio Guy Câmara (1931-2002), desbragado torcedor do Fluminense, carioca do bairro da Saúde, casado com tia Sonia, irmã de minha mãe.

Tio Guy era um tremendo sacana, gostava de goró e crianças, e – quando eu era criança – se juntava aos meus outros tios, já marmanjos e até casados, na casa da vovó Hilda e vovô Nelson (outro tricolor…) para soltar pipa e cruzar à vera.

Meus avós maternos moravam numa vila que costeia uma colina na Rua Caminho do Mateus, no bairro da Abolição, subúrbio do Rio de Janeiro, o que lhes permitia ter uma visão da “baixada” lá embaixo (onde havia um campo de pelada, que lotava nos finais de semana) e passar o rodo nas pipas dos incautos, debicando de repente, com velocidade.

Impressionava que eles passavam cerol em um carretel “dos grandes” de linha 10 – já com a pipa no ar, em trabalho colaborativo – e, só depois, emendavam outro carretel. Era quase um quilômetro de linha, e iam cruzar em lugares que a nós, crianças, era impossível ver, tamanha a distância.

UM ACIDENTE DE CARRO MUDA NOSSAS VIDAS

Em 1964, Tio Guy dirigia um Gordini que foi fechado numa curva perigosa da Avenida Edson Passos, no Alto da Boa Vista, na Zona Norte do Rio de Janeiro, sofrendo grave acidente que vitimou fatalmente três membros de nossa família: meu tio Nelson Lima Jr. (fanático rubro-negro, casado com Marily, irmã de Guy) e minhas primas Márcia Maria (8 anos, filha dele) e Kátia Regina (4 anos, filha de Nelson e Marily). Depois disso, ele nunca mais foi o mesmo. Sempre teve, contudo, o desejo de “ficar perto” do seu Tricolor.

Então, um dia, com a aposentadoria pelo Banco do Brasil, onde fora funcionário por décadas, realizou o acalentado desejo: comprou um apartamento na Rua Álvaro Chaves, 44, bem em frente à portaria do Clube. Antes, morava num apê na mesma rua, mas de fundos. Ele não descansou enquanto não arrumou um bem de frente pro lendário gramado.

Por conta das dificuldades de locomoção, uma das sequelas o acidente, Tio Guy ficava na janela do apartamento 902, vendo treinos e jogos do seu tricolor. Sempre com uma bandeirinha tricolor, e sempre se manifestando – aos berros! – lá de cima.

E foi isso que chamou a atenção do Oldemário que, seguindo o faro que o fez lendário na profissão, fotografou o “maluco tricolor” daqui de baixo e foi atrás da história: tocou o interfone, se identificou e subiu para conhecer a história daquele fanático torcedor.

Vibrando com a vitória do Tricolor, Tio Guy e, com ele, num programa familiar de domingo, meu primo Márcio Marcio, engenheiro, que morava no Largo do Machado, mas fazia questão de ir até a casa do “velho” para, com ele, assistir os jogos.  

Hoje, meu Tio Guy vibra com o Fluminense ao lado do meu avô Nelson Lima, do Nelson Rodrigues, do Sobrenatural de Almeida e do Benício. E Mário Márcio, casado com Laura Regina e pai de Michel, preserva as lembranças tricolores do pai, que “contaminaram” a banda tricolor da família.

VEJA OS GOLS DA VITÓRIA TRICOLOR EM 1991 SOBRE O GRÊMIO

UM LIVRO DIFERENTE SOBRE O ESTÁDIO

Existe um ótimo livro online sobre o estádio, chamado “Estádio das Laranjeiras – Monumento Nacional”, que é “um projeto cultural de acesso livre e sem fins lucrativos” de Eduardo Coelho. O conteúdo e o design editorial são de autoria de Nelson Moreira e Luiza Silva.

Veja em https://pt.slideshare.net/luizasilva/estadio-laranjeiras-monumento-nacional

ALDEIA GLOBAL DO FUTEBOL

Buscava informações sobre esse encontro do Tio Guy com o Oldemário, e falei com minha prima Claudia Naíra, filha dele.

Ao mesmo tempo, pedi que o meu amigo Alexandre Mesquita, pesquisador vascaíno e fuçador de papeladas futebolísticas, também me ajudasse. Acabamos descobrindo que um tio do Alexandre – de nome Camillo – foi um dos maiores amigos do Tio Guy, era igualmente tricolor e foi várias vezes à “Arena Guy Câmara” ver o Fluminense de cima… Mundo pequeno!…

E quem me proporcionou recuperar no acervo do velho e bom Jornal do Brasil, a matéria e as informações para este texto, foi o professor e pesquisador tricolor Sergio Trigo, 44 anos, servidor público federal, autor de importantes livros sobre o seu Fluminense: “A verdadeira máquina tricolor” (iVentura, 2011) e “Bíblia do Fluminense” (Prime Books, 2014).

Por incrível que pareça, Sergio é amigo do meu primo Márcio Marcio…

Mundo pequeno é pouco!

AUXÍLIO LUXUOSO

“História dos Campeonatos Cariocas de Futebol –1906/2010”, de Roberto Assaf e Clovis Martins (Maquinaria, 2010)

“O livro das datas do futebol”, de Rodolfo M. Rodrigues (Panda Books, 2004)

Árvore Genealógica da “Família Lima Oliveira”, hospedada no site My Heritage

 

ANATOMIA DE UMAS DERROTAS

por Cesar Oliveira


(Foto: Reprodução)

O 7 a 1 continua vivo na memória de quem se interessa pela História do Futebol. Jamais se apagará da memória. Os “memes” jamais serão apagados. Felipão nunca o descolará das suas costas.

Como o “Maracanazo”, em 1950; como a goleada da Seleção Húngara contra o English Team, dentro de Wembley, em 1953;.como a derrota da Laranja Mecânica (1974), como a “Tragédia de Sarriá” (1982).

No dia do desastre, confesso, não tive como impedir uma gargalhada, a cada gol, vendo aquele time tosco e arrogante bater cabeça perante uma bem organizada e letal seleção alemã. O desastre, aos meus olhos de “apreciador do futebol”, era previsível – mas não de maneira tão ridícula.

A derrota anulou, por assim dizer, todas as maldições e injustiças cometidas por todos nós com os craques vice-campeões do mundo de 1950, especialmente o goleiro Moacyr Barbosa (1921-2002).


Na sua capa do dia seguinte à acachapante derrota, o jornal “Extra”, do Rio de Janeiro, lavava a nossa alma, homenageando os vice-campeões de 1950, com um enorme “Parabéns!” na capa.

Agora, o administrador de empresa e escritor Darcio Ricca me dá conta de que está escrevendo, em parceria com o conhecido escritor e administrador de empresas Max Gehringer, uma análise histórico-boleira do 7 a 1, pelo lado brasileiro, que deve estar nas livrarias – físicas e virtuais – no primeiro semestre de 2018.

Foi com Darcio que tive o prazer de editar, antes da Copa 2014, o livro “De Charles Miller à Gorduchinha: a evolução tática do futebol em 150 anos de história – 1863 a 2013)”.

Ele é membro ativo do Memofut (Grupo de Literatura e Memória do Futebol, que se reúne mensalmente, no auditório do Museu do Futebol, no Pacaembu, em São Paulo), é editor do blog “3 na Copa” e troca ideias com outros “Apreciadores do Futebol” num grupo de WhatsApp para o qual tive a honra de ser convidado por ele.

Max Gehringer, por seu lado, além de importante administrador e consultor de empresas, adora futebol, participa ativamente do Memofut e é autor do “Almanaque dos Mundiais: os mais curiosos casos e histórias – de 1930 a 2006” (Globo Livros).

UM OLHAR GERMÂNICO SOBRE O 7×1


Manchetes de jornais alemães

Conversando sobre o desenvolvimento, Darcio me fala de pessoas a quem ele gostaria de consultar e entrevistar – Toni Kroos, Joachim Löw. Hoje, com internet e o acesso a jornalistas baseados na Europa, isso não será problema – procurei animá-lo.

Para colaborar, falei-lhe do professor Martin Curi, doutor em Antropologia, pela PPGA-UFF (Niterói), que se formou com o trabalho “Espaços da emoção: arquitetura futebolística, torcida e segurança pública”. Martin é integrante do “Nepess – Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Esporte e Sociedade”.

Eu o conheci por conta do seu livro “Friedenreich – Das vergessene Fußballgenie” [o gênio esquecido do futebol], da editora alemã Werkstatt, cujo conteúdo traduzido pretendo que seja um anexo da autobiografia “Friedenreich – El Tigre”, que lanço finalmente em 2018 pela LivrosdeFutebol.

É que eu havia descoberto a autobiografia de Arthur Friedenreich no acervo de Milton Pedrosa, editor da Editora Gol (a primeira especializada em livros de futebol no Brasil), que herdei por gentileza família Pedrosa – eis que eu havia trabalhado com Carlos Pedrosa, filho de Milton, sócio da extinta Pubblicità Propaganda. Quando descobri que ele era filho do Milton, tratei de falar com ele sobre reeditar os excelentes livros do pai, dentre eles “Gol de Letra”.

A descoberta fez furor. Juca Kfouri anunciou “El Tigre vive!” em sua coluna na Folha de São Paulo e a imprensa esportiva logo se movimentou para saber a história. Leia a coluna do Juca: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/fk0307201110.htm

Então, fui procurado pelo repórter Guilherme Roseguini, do “Esporte Espetacular”, a quem concedi a entrevista que você pode assistir no vídeo ao lado: 

O livro que Curi escreveu sob encomenda da editora alemã, para explicar como e por que um mulato brasileiro de olhos verdes se chama Friedenreich, me fez indicá-lo ao Darcio por conta do seu interesse em entrevistar Joachim Löw e Toni Kroos, sobre a goleada alemã.

No meio do papo com o alemão, com quem tive o prazer de degustar uma lauta e bela refeição no Escondidinho, restaurante do Beco dos Barbeiros, bem no Centro Velho do Rio de Janeiro, ele me falou de um livro alemão sobre o 7×1, sobre o qual ele escrevera uma resenha para o blog do Nepess.

A VISÃO GERMÂNICA DA GOLEADA HUMILHANTE


Foi assim que o professor Martin Curi analisou o livro “7:1 – Das Jahrhundertspiel”, de Christian Eichler:

“Quando vi anunciado a publicação do livro “7×1” na Alemanha, pensei imediatamente no livro “Anatomia de uma derrota” de Paulo Perdigão, sobre a derrota do Brasil contra o Uruguai em 1950.

Ambos escritos por jornalistas e se dedicam a um único jogo em uma Copa do Mundo que, na opinião dos autores, tem tanto significado que merecem ser analisados minuciosamente em 182 ou 286 páginas. E este também é um dos motivos pelo qual achei importante escrever uma resenha em português para uma revista científica, apesar do livro a ser resenhado não ter a proposta de ser científico. Mas o jogo analisado, o “7×1”, contou com a participação da seleção brasileira e, portanto, é importante para os brasileiros. Enquanto os brasileiros estão bastante familiares com os significados tanto da final de 1950, quanto da semifinal de 2014, o livro em questão promete fornecer algumas informações sobre o ponto de vista dos alemães. Portanto, gostaria de propor uma comparação entre os dois livros.


Pessoalmente, gosto muito do livro “Anatomia de uma derrota”, que junta vários documentos e dados sobre a final de 1950. Em capítulos separados, o autor explica para o leitor o contexto histórico da Copa, do jogo e da construção do Maracanã. Também é analisada a tática do jogo, inclusive com diagramas, o autor transcreve a narração do rádio e adiciona algumas fotografias. Logo na introdução, o autor afirma que a derrota do Brasil contra o Uruguai em 1950 foi a grande catástrofe para a nação brasileira, o mesmo afirma que essa derrota foi tão dolorosa que merece até uma análise psicanalítica. Ou seja, Perdigão logo parte para a busca dos significados deste jogo, tanto para ele quanto para o povo brasileiro em geral.


Confesso em um primeiro momento, certa decepção quando o livro alemão chegou à minha casa, devido a estrutura dele ser bem diferente. O autor narra apenas a semifinal de 2014, criando pequenos capítulos de uma a seis páginas, que se referem aos minutos um ao 90 do jogo. Não há diagramas que poderiam explicar o esquema tático, com exceção da escalação na contracapa, não há fotos e muito menos capítulos temáticos. Temia que o autor quisesse narrar o jogo, de fato, o que eu imaginava ser uma abordagem pouco interessante, porém me enganei.

Eichler costura análises táticas, reações midiáticas, informações biográficas dos envolvidos e anedotas curiosas na narrativa do jogo. Assim, a escrita do livro alemão me parece ser mais elegante e a leitura foi bastante agradável. Mesmo assim senti falta de um capítulo introdutório, que se dedica de forma mais profunda aos esquemas táticos dos dois times, que poderia ter estruturado melhor as explicações durante o livro. Por outro lado, acho que se dedica um livro inteiro a um único jogo, devido este jogo tem um significado cultural elevado. O autor dá pistas de quais poderiam ser estes significados, mas não afirma com clareza suas teses. Assim, o leitor precisa ficar muito atento para filtrar as informações que permitem uma reflexão. Por isso, gostaria de me dedicar nesta resenha a estes dois pontos.

Vamos começar com a questão do esquema tático das duas equipes. Eichler abre seu texto logo na quinta página, que é a primeira do texto, com a afirmação que no dia 8 de julho de 14 teriam se encontrado em Belo Horizonte duas linhas de desenvolvimento futebolístico: a linha ascendente do futebol racional, organizado, coletivo e moderno da seleção alemã, e a linha descendente do futebol emocional, individualista, arcaico, e ultrapassado da seleção brasileira.

Mas em seguida não explica o que significa para ele estes termos de futebol moderno e atrasado. A primeira reflexão em relação a escalação surge relacionada com a ideia de uma linha de defesa alemã com quatro zagueiros (p. 29) no começo do torneio, com o lateral Lahm à frente da defesa. Eichler descreve que o técnico alemão decide depois das oitavas de final recuar Lahm e, assim, mudar o esquema tático. O autor inaugura dessa maneira seu estilo de apresentar as análises táticas em pequenos pedaços.


A primeira menção de alguma jogada planejada e treinada acontece quando Eichler relata o primeiro gol de Müller (p. 37). Porém, ele não se refere a um esquema tático, e sim, apenas, uma situação de bola parada isolada da estratégia do jogo. Este padrão se repete em cada gol alemão. Ou seja, o autor destaca situacionalmente o que a seleção alemã fez bem e a seleção brasileira fez mal, sem inserir isso no esquema tático. Ele usa também as cenas de gol para destacar alguns jogadores, exibindo as suas qualidades (Müller, Klose, Kroos, Khedira, Lahm e Neuer) ou as suas falhas (principalmente David Luiz).

O autor percebe que o público brasileiro no Mineirão escolhe Fred como o vilão da derrota. O que ele não sabe é que depois do jogo, no debate público brasileiro, Dante se torna o maior culpado. Curiosamente, nestas discussões David Luiz foi bastante poupado. O autor alemão discorda disso e chama David Luiz de “sem controle”, “cheio de energia confusa” e “sem plano”. Em seu exemplo, Eichler constrói seu argumento do atraso futebolístico brasileiro, que confiaria de forma cega ou na superioridade futebolística natural ou em Deus. Desenhando assim a imagem de um fanático religioso sem ligação com a realidade.

Assim, Eichler constrói no decorrer do livro um esquema tático. Porém, acho que seria mais adequado começar o livro com um capítulo sobre o esquema tático, inclusive, utilizando desenhos para explicar a ideia geral de ambos os técnicos. O autor faz isso apenas uma vez, quando coloca a escalação na contracapa, aonde ele desenhou um esquema 4-3-3 com os três atacantes Özil, Müller e Klose. E esta afirmação é polêmica, porque muitos, inclusive eu, percebemos Özil e Müller como jogadores de meio de campo. Antes da Copa do Mundo, houve uma discussão na Alemanha sobre a falta de atacantes, aonde logo em seguida, Löw decidiu levar Klose, um atacante de 36 anos. Ninguém sabia se ele ainda teria forças para aguentar uma Copa do Mundo. Por isso, muitos alemães questionaram se seria possível ganhar uma Copa sem atacantes.

Por isso, se analisa que a seleção alemã jogou com cinco meio-campistas, que conseguiram mudar constantemente a posição entre si. Inclusive, Eichler cita várias vezes o site spielverlagerung.de que se dedica a análises táticas. Este site oferece vários diagramas das posições e defende que a Alemanha jogou com um 4-5-1. Esta discussão seria fundamental para o entendimento do jogo e para explicar o que Eichler entende com futebol moderno e atrasado.

Recordei-me de uma citação do famoso ex-jogador Sammer, que disse “Nós, alemães, não sabemos nada de tática”. Ele se referia a falta de discussão sobre esquemas táticos tanto nas escolas de técnicos, quanto em jornais. Não há o costume de discutir este assunto na mídia.

Pode ser que Eichler, que trabalha pelo jornal FAZ, não ousou se aprofundar e compactar mais esta temática, pensando no público alemão.

Chegamos ao ponto dos significados culturais do jogo. Eichler se mostra bastante informado em relação aos detalhes da história do futebol brasileiro, anedotas futebolísticas, comentários na imprensa brasileira, o contexto político do momento e traduz até gritos da torcida brasileira. Por exemplo, julga as palavras de ordem contra a presidente Dilma como obscenas e mal educadas.


Em certo momento do livro, cita Nelson Rodrigues, que afirmou que a Copa de 1950 teria sido o Hiroshima da nação brasileira e Carlos Alberto Parreira que comparou o 7×1 com o 11 de setembro. Ao invés de se perguntar por que estes brasileiros fazem este tipo de comparação, o autor julga as afirmações como exageradas e emocionais. Mas este teria sido o momento no qual ele poderia ter analisado um pouco mais porque tanto 1950, quanto o 7×1 são momentos tão difíceis para o Brasil. As citações indicam que estamos falando de mais do que “apenas” um jogo de futebol.

O tratamento que o autor dá a estas informações indica que ele separa claramente o jogo de outras esferas da vida social. E assim revela que o futebol é muito importante para a Alemanha, mas não tem o peso para a identidade nacional que tem no Brasil.

Voltamos para a comparação entre “Anatomia de uma derrota” de Paulo Perdigão e “7×1” de Eichler. Como já mencionado os dois livros tem muito em comum, mas a maior diferença é que enquanto Perdigão reflete sobre uma derrota, Eichler analisa uma vitória. De fato, é curioso como se discute no Brasil até hoje, principalmente, as derrotas de 1950 contra o Uruguai, de 1982 contra a Itália, de 1998 contra a França e provavelmente a partir de 2014 contra a Alemanha, e não as cinco conquistas de Copas do Mundo. Inclusive, sobre as duas primeiras existem muitos livros no Brasil.

Ao contrário disso, o acontecimento chave da história futebolística alemã é a vitória contra a Hungria em 1954. O próprio Eichler cita outros jogos considerados heroicos, como a vitória contra a Inglaterra em 1972 (na Eurocopa), contra a Holanda em 1974, contra a Argentina em 1990 e contra o Brasil em 2014. Há uma importante exceção que é a semifinal da Copa de 1970, na qual a Alemanha perdeu contra a Itália por 3×4, com cinco gols na prorrogação.


Qualquer torcedor de futebol alemão sabe que o termo “Jogo do Século” usado por Eichler no subtítulo, se refere tradicionalmente a este jogo. Mas em todos estes casos a narrativa alemã é que o adversário é gigante e que a vitória alemã tem que ser considerada um milagre da superação. Até na semifinal contra a Itália, a chegada à prorrogação foi considerada um exemplo dessa superação. O símbolo desse feito foi o braço machucado de Beckenbauer, que terminou o jogo com o braço amarrado ao tórax.

Todos estes adversários representam algo importante na história do futebol: a Hungria era considerada a melhor seleção da sua época com o craque Puskas, a Inglaterra como inventora do futebol e que nunca tinha perdido contra a Alemanha em casa, a Itália com seu catenaccio, a Holanda com Cruyff e o carrossel laranja, a Argentina com a mão-de-deus de Maradona e finalmente o pentacampeão Brasil. Na verdade, é curioso porque Eichler fala do futebol moderno alemão que seria organizado e coletivo, como se isso fosse alguma novidade.

Em todos os exemplos de superação, a narrativa é que um time alemão considerado inferior conseguia vencer um adversário supostamente superior por causa das suas qualidades coletivas e organizacionais.

Enquanto os outros jogos citados sempre terminaram com resultados bastante apertados: 3×2, 3×4, 3×1, 2×1 e 1×0, o jogo contra Brasil teve um placar bastante elástico. Assim, Eichler descreve em vários momentos do seu livro as reações dos alemães que expressam incredulidade. O jogo teria “surpreendido e sobrecarregado” (p. 5) os envolvidos e espectadores. O jogador-substituto Erik Durm teria dito “Nós no banco olhamos sem acreditar um para o outro: é realmente verdade?”.

Em seguida, relata que Philipp Lahm resume que os jogadores se prepararam para um adversário com a mesma qualidade e que seria um jogo necessário lutar até o último minuto. Mas o placar depois de 30 minutos teria causado mal-estar:

“Isso foi angustiante, eu não estava eufórico. Ninguém quer que o adversário faça erros que neste nível não acontecem”.

Eichler interpreta a reação dos jogadores alemães como uma mistura de incredulidade e humildade: “Os alemães então: bem alemão. Depois de um jogo para o diário das estrelas do futebol, quando outros teriam se lançado na órbita das emoções, eles estão com ambas as pernas no chão. Não falam muito de festejar, mas de trabalhar.”

Na opinião do autor esta seria uma qualidade alemã, ainda mais considerando que ainda faltava a final. Assim ele cita Löw, Klose e Neuer que teriam dito que a seleção precisava continuar trabalhando duro. Finalmente, o autor lembra mensagens no Twitter de Özil e Podolski, nas quais os dois jogadores mandam palavras de conforto para os brasileiros, como se quisessem se desculpar pelos acontecimentos

Mas o significado central do “7×1”, Eichler já indica na capa, onde ele escreve: “Quando o mito brasileiro quebrou e a quarta estrela da Alemanha acendeu”.

E acrescenta:

“Os jogadores brasileiros perdem nesta noite não apenas um jogo, mas o mito. Eles não têm atacantes, nem conquistadores, nem aventureiros. Apenas defensores inflexíveis e trabalhadores dedicados no meio de campo. Para isso não precisamos do Brasil. Estes jogadores se encontram em qualquer lugar”


Assim, podemos juntar os indícios que Eichler nos oferece em várias páginas do seu livro e suspeitar que o significado do “7×1” para os alemães é a destruição do mito brasileiro, ou seja, a imaginação de um país que tem o futebol artisticamente perfeito. Visto dessa maneira o resultado não é feliz. Um jogo com drama e luta, no qual se derrota o adversário superior com as qualidades de coletividade e organização teria sido mais desejável. Como isso não aconteceu, os envolvidos se mostraram bastante incrédulos.

O autor não entende a importância que o futebol tem para a construção da identidade nacional brasileira. Enquanto o futebol é um pilar fundamental na autointerpretação dos brasileiros, a mesma coisa não acontece na Alemanha. Os alemães são retratados pelo autor como pessoas humildes, com espírito coletivo e organização. Essas seriam qualidades nacionais que devem ser mostradas também pelos jogadores da seleção, mas se eles perdem ou ganham isso não afeta a autoestima nacional. Assim, as vitórias que poderiam evidenciar a superação alemã são a espinha dorsal da narrativa futebolística alemã e as derrotas surpreendentes são o fio condutor da narrativa brasileira.

Esta é uma tentativa de interpretação minha a partir dos indícios que eu encontrei no livro resenhado em comparação com o livro “Anatomia de uma derrota” de Perdigão. Senti falta que Eichler não começou seu livro com um capítulo dedicado a análise tática das duas seleções, nem terminou com um capítulo refletindo sobre os significados culturais do jogo. Mas gostei do livro por sua leitura fluida e elegante, que apresenta os dados que fizeram a presente análise possível.”

DARCIO RICCA FALA DO SEU LIVRO SOBRE O 7×1


Como historiador/analista das táticas do futebol (que resultaram no “Gorduchinha”), como você viu o 7×1, na hora em que estava acontecendo?

Na hora, o primeiro sentimento foi de “joguem pela honra e respeito ao adversário”, “não saiam de campo”, “voltem no intervalo”.

A que você atribui a derrota? 

Resumidamente, falta de planejamento, desatualização tática, um “ano sabático” sentado no favoritismo, medo do fracasso em casa, falta de alternativas de jogo, ausência de estudo com improviso em adotar um plano de jogo ousado, escolhas equivocadas numa proposta tática defasada que se mostrou presente no Mundial “arrastado” da equipe até aquele dia. Ramires, Paulinho, William e, sobretudo, Hernanes, não poderiam ser opções no duelo contra o meio de campo alemão de forma tão desigual (Kroos fez dois gols e Khedira um – justamente no tal “apagão”), despreparo emocional desde a partida contra a Croácia, do gol contra de Marcelo em Itaquera até o choro sentado na bola do capitão Thiago Silva, ufanismo, “oba-oba” e “pachecada” oportunista.

Passados três anos da derrota, alguma coisa mudou no seu pensamento?

Pouca coisa mudou, apesar de técnicos jovens e de mente aberta, estudiosos – como Jair Ventura, Eduardo Baptista, Zé Ricardo, Fernando Diniz – estejam tentando mudar esta situação juntamente com os mais experientes Cuca e Milton Mendes, capitaneados pela força e preparo do atual treinador da seleção brasileira Tite. A preocupação com o “oba-oba’ sempre vai existir, mas Tite parece ter a humildade que o diferencia, e muito, dos demais.

O que o levou a querer falar do 7×1? “Anatomia de uma derrota”, do Paulo Perdigão, sobre a derrota na Copa de 1950, tem a ver com isso?

“Anatomia de Uma Derrota“ é uma obra que deve ser homenageada sempre, além de inspiradora por tratar de uma tragédia e no Brasil, numa determinada época. Se no Sarriá, em 1982, foi o “Dia da Tristeza”; se, em 1950, foi o “Dia da Tragédia”, por que não falar do “Dia da Vergonha”, buscando inspiração em “Anatomia de Uma Derrota“?

Evidente que é preciso atualizá-las no tempo, espaço e numa situação que ninguém quer falar, criando-se mitos, desculpas, raiva e desprezo. São os sentimentos que percebemos diante do dia 8 de julho 2014 e até no dia seguinte, na coletiva de imprensa.

Este livro que estamos escrevendo é para que nossa memória, de dados e afetiva, não fique órfã e que possamos tirar o melhor proveito disso para crescermos no futebol e na vida.

Quais semelhanças/diferenças você vê entre o 7×1 e outras derrotas históricas do futebol brasileiro – Maracanazo, 1974, 1982?

A falta de preparo para o jogo, menosprezando o adversário, alimentados com “oba-oba” de conquistas passadas (em 1974) e excesso de confiança em não se preparar para um plano alternativo específico para o jogo, mutante quando necessário (em 1974 e 1982), e ufanismo e cobrança (em 1950), apesar do carinho nos princípios de Telê Santana em detrimento à arrogância do Zagalo de 1974, diferente da genialidade humilde de 1970, que João Saldanha iniciou.

Como se deu o encontro de ideias e ideais que motivou você e Max Gehringer a firmarem esta parceria para escrever um livro sobre o 7×1? Vocês têm ideias semelhantes ou divergentes sobre a derrota?

A ideia inicial foi minha. E por pensarmos futebol de uma maneira semelhante, eu o convidei para esta empreitada. Até porque, guardadas as enormes diferenças entre as carreiras, eu e Max somos da administração de empresas e, com isso, podemos emprestar um olhar e uma reflexão diferenciadas sobre a imprensa esportiva à qual não pertencemos. Somos amantes da pesquisa bem feita. Eu sou o tático-pesquisador; e o Max, meu saudável contraponto de historiador e curioso pesquisador. Nossa relação se construiu no Memofut – Grupo de Literatura e Memória do Futebol. Foi dele a primeira palestra que assisti e que me levou a conhecer o grupo; e se constrói na complementariedade neste caminho para deixarmos um legado à historiografia do futebol brasileiro.

Qual o enfoque que vocês pretendem dar ao livro?

O jogo – antes, durante e depois, minuto a minuto, o dia seguinte. E, retrocedendo, para efeitos de linha do tempo, desde a demissão do bom trabalho que vinha fazendo Mano Menezes (era preciso ter mais paciência, e não tiveram!) até a Copa das Confederações, o Mundial em seu certame e organização. Sempre tendo por base o jogo dos 1×7 (creio que é assim que deve ser chamado).

A história e os acontecimentos, desde 2013 até hoje, serão a conexão e a possível similaridade com cada gol da Alemanha que sofremos antes, no jogo e até hoje, num eterno aprendizado em que muitos se recusam a se “sentar novamente nos bancos da história da vida”. 

Como ele será estruturado? Como serão os capítulos, quais serão as abordagens etc.?

Estamos preparando um grande surpresa em todos estes aspectos. Do jogo, minuto a minuto, às suas consequências e a linha do tempo antes e depois. [N. do A.: Darcio Ricca e Max Gehringer preferem nos fazer esperar pelas surpresas!]

Como vocês estão (com)partilhando o trabalho?

Estamos produzindo juntos e com a liberdade de um interferir no conteúdo do outro, parceria pura.

Qual o prazo que vocês se deram para escrever o livro? Qual é a ideia de lançá-lo?

Pretendemos lançá-lo antes da Copa de 2018. Estamos com a produção bem evoluída e, agora, selecionamos editoras que apostem no projeto. 

[N. do A.: Embora a LivrosdeFutebol tenha sido a editora do Darcio Ricca em seu primeiro livro (“De Charles Miller à Gorduchinha”, de 2014), Max Gehringer é um autor consagrado, que lança seus livros – de administração, carreiras e futebol – por editoras poderosas e consagradas, como Globo e Saraiva. De maneira discreta, a LivrosdeFutebol está oferecendo parceria aos autores, deixando especialmente Darcio Ricca à vontade para decidir o que for melhor para ele e para o livro].

ANATOMIA DE UMA DERROTA

Segundo André Ribeiro, jornalista e escritor, biógrafo de Leônidas da Silva e Telê Santana, editor do excelente blog “Literatura na Arquibancada”, o livro é a mais completa obra sobre a fatídica derrota brasileira, na primeira Copa disputada no País, em 1950.

Interessante notar que, em uma coluna sobre “Anatomia de uma derrota”, André alertava, premonitoriamente:

“Um livro obrigatório, para todos os tipos de leitores: torcedores, jornalistas, pesquisadores e até mesmo jogadores e comissão técnica da seleção brasileira que irá disputar a Copa 2014”.

Veja a resenha completa de “Anatomia de uma derrota” em http://www.literaturanaarquibancada.com/2014/04/anatomia-de-uma-derrota.html

SOBRE PAULO PERDIGÃO


Paulo Perdigão

Paulo Perdigão (1939-2006) foi filósofo (especialista em Jean-Paul Sartre), jornalista e cinéfilo, e um importante crítico de cinema (nos jornais Diário de Notícias, O Globo e Jornal do Brasil). Baseado no seu livro mais famoso, os cineastas Ana Luiza Azevedo e Jorge Furtado produziram o curta-metragem “Barbosa”, de 1988 (estrelado por Antonio Fagundes), em que – sonho de consumo dos boleiros brasileiros – um torcedor atormentado com a derrota brasileira em 1950, consegue voltar no tempo para tentar evitar o segundo gol uruguaio, o famoso “Gol do Ghiggia”.

Não dá para deixar de fazer uma analogia entre Paulo Perdigão e Max Gehringer, no sentido de eles serem consagrados em suas carreiras – Paulo, como jornalista e importantes crítico de cinema; Max, como consultor de administração de empresas e carreiras – ambos com trabalhos fundamentais para a historiografia do futebol brasileiro, paixão adicional em suas vidas.

PARA APRENDER COM AS DERROTAS

·       “Queimando as traves de 50”, de Bruno Freitas (iVentura)

·       “Dossiê 50”, de Geneton Moraes Neto (Maquinaria)

·       “Barbosa, um gol silencia o Brasil”, de Roberto Muylaert (Bússola)

·       “Maracanazo, a história secreta – da euforia ao silêncio de uma nação”, de Atilio Garrido (Livros Ilimitados)

ASSISTA O CURTA METRAGEM “BARBOSA”

Clique aqui https://www.youtube.com/watch?v=zRiYdAxmF0E

MOACIR BARBOSA NO JÔ SOARES

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