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Brasil

ZÉ SÉRGIO E A REDENÇÃO QUE VESTE A 11 EM 1981…

por Marcelo Mendez


E como Luciano havia sugerido, agora, a Rua Tanger era um time só.

Nós da “Tanger de Baixo”, nos juntamos com eles, da Tanger de Cima, e nosso time ficou muito foda de bom.

Atrás, depois do nosso goleiro Denis, vinha a linha dos “Ão”; Jadão e Tocão na zaga. Na frente deles, tinha o Sandrão, volante, e o meia que era o Pedrinho. Depois, como ponta de lança, vinha eu e os dois da frente eram Carlão e Luciano.

Pedrinho era fã do Ailton Lira e embora tivesse muita classe, se fazia necessário dar uns berros nele vez por outra. Era um jogador que se recusava a jogar feio. Na frente, o Luciano gostava de jogar dos lados, abrindo espaço e dando passes, enquanto o Carlão era um taque de guerra.

Jogador alto, forte, sabia jogar e era sem miséria:

– Ó é o seguinte; como vai ser esse jogo? Na bola ou no pau? Aqui tem pros dois!

E com esse aviso do Carlão, fomos até o campinho da Cidade dos Meninos para o embate contra a Rua Camerum.

Foi o primeiro, de muitos jogos da “Tanger Unificada”…

Projeto Tocão, parte 2

O time da Rua Camerum era o que a gente mais gostava de ganhar.

Tinha lá uns moleques metidos, os pais pagavam os clubes do centro da cidade pra eles nadarem em piscinas aquecidas, eles tinham tênis all color novos pra jogar na rua, enquanto a gente, com nossos pobres kichutes remendados de esparadrapo, fazia o que podia.

Mas era um bom time. Todavia a gente num tava muito preocupado com isso e, então, Luciano falou antes do jogo:

– Mas então, vai ser vira 4, acaba 8. Hoje tem jogo do Brasil contra a Alemanha e a gente vai querer ver!

Os caras toparam e então ele virou pra mim e falou:

– Marcelo, vamos ganhar logo desses caras, temos que ir ver o jogo e convencer o Tocão de levar a gente lá!

– Ué; Mas por que?

– Porque a mãe dele faz um lanche mó bom, porque tem refrigerante de litro e a TV é a cores e funciona. Eu num quero ir em casa ficar virando antena, então vamo lá!

– Vamo…

O Baile de bola

O jogo foi uma festa.

Placar final 8×2 pra gente e quase saímos no tapa por causa desses “2”.

– Va tomar no cu, Tocão! Como pode tomar dois gols de um time de merda desses?

– Va se fuder, Marcelo, ganhamo de lavada!

– Ma num pode! A gente num pode tomar dois gols desse time zuado. Aqui é Tanger, caraio!

Nesse momento, Luciano encostou no bate boca e mandou:

– Marcelo, num briga com o Tocão…

– Que é? Ce é pai dele?

– Não. Mas eu quero ver o jogo na casa dele e se você estragar, vamo deixar você la no bar do Gêra, pra ver em preto e branco, espetando Bombril na antena….

Todos rimos. Acordo firmado e então fomos para casa do Tocão. Naquele 10 de janeiro de 1981, nos juntamos de novo pra torcer pra Seleção e dessa vez ia ser dura a coisa…

Jadão, o Alemão


No caminho falávamos do jogo:

– Do jeito que tá esse time era melhor nem jogar contra os alemães. Vai ser um baile.

– Para de falar merda, Jadão. Quantas vezes ce viu a Alemanha, jogar?

– Eu vi contra o Uruguai e eles são campeões da Europa. E a gente ganhou o que, Luciano?

– Fala baixo! Meu pai tá dormindo pra trabalhar à noite!

Prometemos ao Tocão que sim, não acordaríamos o Renato. Prometemos o mesmo pra Dirce, sua mãe, e ela não só liberou a sala pra gente ver o jogo, como fez um monte de lanche pra gente comer, como havia previsto o Luciano.

Do jogo, claro que seria duro. O time alemão era bom, veio com a base campeã em 1980, tinha craques, como Fischer, Klaus Allofs, Felix Magath, Rummenigge, tinha Breitner e um goleiro insuportável de nome Schumacher e a gente, bom a gente…

– Então vão ganhar dos caras com Edevelado Cavalo na lateral direita, Chulapa na frente mais umas rezas né? Porque vai ser um desespero…

– CALA A BOCA, JADÃO! – pedimos em uníssono. Mas num adiantou…

Em uma jogada de fundo de campo, a Alemanha fez 1×0 gol de Klaus Aloffs. Jadão tava certo, mas só no primeiro tempo. No segundo, viria o cara que fez valer toda aquela tarde.

Zé Sérgio, o redentor


Numa arrancada da ponta para o meio, Zé Sergio sofreu uma falta.

Ponta rápido, ambidestro, decisivo, Zé Sergio era uma flecha. E naquele dia, deu todos os dribles do mundo no lateral alemão. Na cobrança de falta, Júnior bateu e fez. O jogo tava empatado:

– Tá vendo? Esse time é isso tudo, não!”– falou Denis. E ele tava certo.

Numa jogada do Edevaldo Cavalo, Toninho Cerezo virou o jogo. E num outro contra ataque, Zé Sergio, Sócrates e Serginho botaram os alemães na roda pra fazer o 3×1.

Inacreditável!

Mas faltava o gran finale…

Em uma arrancada sensacional, Zé Sérgio driblou todo meio campo alemão, a zaga, o goleiro e todo o império prussiano!

Que golaço!

Era um 4×1 clássico e a gente gritando, comemorando, obviamente, acordamos o Renato:


– Quanto tá o jogo?

Com medo da cara de bravo dele, respondemos baixinho:

– Tá 4×1, Seu Renato!

– Aeeeeeeeeeeeee!!!

E nessa hora, ele se juntou nos “olés” que a gente gritava pra TV. Fez festa e a gente junto. Era a primeira vitória de peso da seleção que começava se preparar para 1982.

O caminho estava bonito…

COM SELEÇÃO NÃO SE BRINCA

por Rubens Lemos


Eram três amistosos logo após o Campeonato Brasileiro conquistado pelo Fluminense em 1984, campeão em 1×0 e 0x0 contra o Vasco na decisão. 

O Flu pragmático e obstinado, venceu o primeiro jogo, gol de Romerito e o segundo foi um bombardeio dos doIs lados, com o goleiro vascaíno Roberto Costa obtendo a segunda bola de ouro da Revista Placar de melhor jogador do campeonato. 

O campeonato de 1984 foi ótimo e sobraram poucos dos astros da sinfônica de 1982: Leandro, Oscar e Júnior. Sócrates havia sido vendido para a Fiorentina. Júnior iria logo depois, ao Torino. 

Depois da derrota para a Itália, buscava-se a reconciliação com o toque de bola perdido na primeira e desastrosa passagem de Carlos Alberto Parreira pela CBF em 1983 quando ganhamos na moedinha o direito de decidir e perder para o Uruguai. 


Leandro (fora da foto); Roberto Costa, Pires, Mozer, Ricardo Gomes e Júnior; Renato Gaúcho, Zenon, Roberto Dinamite, Assis e Tato.

O futebol vistoso do Vasco, de toques reluzentes e meio-campo habilidoso, deu vez a Edu Antunes de Coimbra, o irmão de Zico, que deslumbrava o país no balé cruzmaltino. 

A bola é peça irônica e – apesar de golear – Edu não definia um time titular e sobravam craques. Aos 20 anos, o maior armador brasileiro estava no Vasco – Geovani Silva – que começou entrosado com Pires e Arthurzinho enfiando goleadas de 9×0, 6×0 e 5×1 e ganhando todos os grandes. 

Edu insistia num revezamento inútil entre o titularíssimo ponta Mauricinho e o seu limitado reserva Jussiê. Geovani e Mário. Acácio e Roberto Costa brigavam. O time não tinha tranquilidade enquanto Parreira definiu seus onze e com eles rumou até o título: Paulo Victor; Aldo, Duílio, Ricardo Gomes e Branco; Jandir, Delei e Assis; Romerito, Washington e Tato. 


Para os três jogos – contra Inglaterra (0x2), Argentina (0x0) e Uruguai (1×0), Edu contrariou vaidades. No Vasco, o lateral Edevaldo, os meias Geovani e Mário e Mauricinho foram descartados. Os que ele considerava melhores, levou, assim como no Fluminense, no Grêmio, no Flamengo e do Corinthians. 

Genial jogador, Edu não usou sua técnica para dominar a seleção. 

Marcante, a despedida do magnífico Roberto Dinamite da amarelinha aos 30 anos e a certeza de que o ambiente no Vasco naufragou.

 

O MUNDIALITO DE 1981 E O NARIZ QUEBRADO QUE UNE A NAÇÃO

por Marcelo Mendez

O ano de 1980 acabava.

Não dá para dizer que as coisas iam totalmente bem no Brasil da época.

Ainda vivíamos sob a égide de uma ditadura militar, que mesmo de ressaca, ainda incomodava um bocado. Já não havia mais o AI-5, que meu pai sempre me contou que era algo muito ruim, mas ainda havia censura, repressão e com a chegada da nova década, veio também a recessão e uma caça às bruxas que fez do meu Pai, uma de suas vitimas.

Com o indefectível tempero das perseguições ocasionadas pela participação latente do velho nas grandes greves do ABC Paulista, meu Pai foi demitido da multinacional que ele trabalhava. Então, aos 10 anos de idade, comecei a entender de coisas do Brasil que decerto eu não queria entender naquele momento…


Talvez por isso, o futebol tenha tomado conta de mim com tanta força.

Eu já jogava no E.C Nacional do Parque Novo Oratório, já acompanhava o futebol via rádio e TV, quando tinha, lia a Gazeta Esportiva e a parte de esportes do Jornal da Tarde e tudo isso ficou ainda melhor quando descobri que janeiro de 1981 já começaria com um tal Mundialito no Uruguai:

– É uma espécie de mini Copa do Mundo, filho. O Uruguai vai comemorar os 50 anos da sua primeira conquista e então, vai ter esse torneio! – Me explicou meu Tio Zezinho.

O Contra que nos uniu!

Era um janeiro quente!

Todos os sóis do mundo tomaram conta do Parque Novo Oratório naquele 1981. A novidade da minha vida era que eu tinha diminuído consideravelmente minhas idas até a casa dos tios e agora, tinha minha vida na casa nova na ladeira da Rua Tanger, pra valer.

No novo endereço, os novos amigos: Pedrinho, Néinha, Rogério, Serginho… E além do Nacional, os novos parceiros da rua me chamaram para formar o nosso time da “Tanger de baixo”, afinal éramos nós que jogávamos na parte da ladeira da rua, em detrimento da “Tanger de Cima” que jogava na parte em que a rua ficava plana. E no “contra” com eles o pau comia!

Em um desses, um clássico “Vira cinco, acaba dez, gol grande, com goleiro”, vencíamos por 8×4 e eu tinha feito um punhado de gols.

Numa bola dividida, com raiva do vareio que tava levando, Tocão o zagueiro da “Tanger de Cima” me deu uma cotovelada no nariz e o sangue desceu. Na hora o pau comeu, a treta começou e então, 10 moleques começaram a trocar sopapos no meio da rua, lindamente. A coisa só acabou quando o Peu, tio do Denis, nosso goleiro, apartou a coisa:

– Marcelo, limpa o nariz, aperta a mão do Tocão e voltem a ser amigos. O que se faz no campo, fica no campo! – me recomendou o Peu. Eu aceitei.

Tocão apertou minha mão, me pediu desculpas e ali senti que ganhei um amigo, desses que o futebol é capaz de nos dar.

– Marcelo, eu não queria te machucar. Mas num queria ficar tomando caneta, chapéuzinho, um monte de gol…

– Tá bom, Tocão. Mas num precisava quebrar meu nariz, né?

– Mas acho que num quebrou, não.

– Será?

– Deixa eu ver…

E depois do diagnóstico de Tocão, apalpando minhas fuças, ficou constatado que eu num tinha nada. Depois do jogo, o acordo com minha mãe era eu ir na venda do seu Mário comprar um quilo de lingüiça caseira pra nossa janta, na “caderneta de pagar depois”. O Tocão foi comigo e no caminho, falamos de futebol:

– Amanhã tem jogo do Brasil na tv, contra a Argentina, sabia?


– Claro que sim, o Mundialito. Cê vai ver na onde, Marcelo?

– Ah, em casa!

– Sua TV é em cores?

– Não, preta e branca…

– Então pede pro seu pai deixar você ver lá em casa. Da minha casa é colorida!

– Posso ir mesmo?

– Pode!

– Ah… mas só se eu puder ir com os caras do meu time!

Tocão pensou por alguns minutos e, então, compreendendo o espírito de corpo da situação, liberou a sala pra geral:

– Tá bom, Marcelo. Vou falar pra minha mãe, que vocês vão ver o jogo lá em casa.


Dá para dizer, portanto, que a Copa do Mundo de 1982, começou antes, a partir de um nariz quebrado e de uma porradaria generalizada. Foi depois daquele “contra” de rua x rua, que começou a torcida para aquela que viria a ser a maior seleção da minha geração. E não apenas isso.

Por conta da seleção de 1982, uma turma de moleques de uma rua da periferia de Santo André, no ABC Paulista, decidiu se juntar, se conhecer e se entender. Nascia ali a torcida para a seleção de 1982 e nascia também, as mais belas amizades que se pode ter.

E a partir dali, parou de ter “Tanger de Baixo” contra “Tanger de Cima”

A Rua Tanger passou a ser uma só…

O TITÊS

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Juro que adoraria que nossos novos heróis fossem jogadores, craques, aos montes, surgidos das várzeas, favelas, peladas de rua, do interior. Mas, não, nossos novos heróis são um jovem mimado e um palestrante.

Ou o Tite não é um palestrante, que passa horas e horas “gastando” seu vocabulário próprio, o Titês? Nas coletivas, então, sente-se nas nuvens, cercado de jornalistas de queixos caídos.

“Talisca tem finalização de média distância, bola aérea, imposição física que pode emprestar virtude contra defesas com linha de cinco ou quatro…”.

Óóóóó!!!!

“Willian José fez duas grandes temporadas, no Real Sociedad, desenvolvimento grande como atleta, com jogo combinado…”.

Óóóóó!!!!

Peraí, gente, o futebol já está chatíssimo e agora ainda temos que aturar os discursos desses “gestores de pessoas” que nunca chutaram uma bola, mas passam horas em salas de treinamento, com fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas, estilistas e cabeleireiros.


Peraí, Tite não é o novo Jesus Cristo e não trouxe nada de novo ao futebol. Ah, é bom de grupo? Vai trabalhar no RH. Jair Pereira também era bom de grupo, jogou muita bola e está desempregado. O futebol não começou a partir de nossa classificação, nessas eliminatórias.

Quem garante que o Dunga também não classificaria a seleção? Ah, mas o Dunga não é bom de grupo…tudo balela. Quando o grupo é bom, os jogadores resolvem em campo, sem muita conversa mole e discurso para inglês ver.


Graças aos céus existe o Messi que despachou o retranqueiro do Conti. Ah, o chato do Mourinho também foi mandado embora pelo Sevilla, do novato Vincenzo Montella, que se propôs a jogar futebol.

Chega de blábláblá!!!

Quem gosta de discurso é político e pastor. E o futebol, agora, não é mais para ser visto, mas ouvido. Está no ar, a Escolinha do Professor Tite! Estamos lascados…

PS: O amigo Bebeto de Freitas nos deixou. Para a banda boa do futebol é um grande desfalque.

O DIA QUE O MARACANÃ PAROU DE RESPIRAR

por Lucas Nogueira Garcia

Foi no dia 21 de abril de 1957.


Um rapaz chamado Eugênio Teodoro Filho, também conhecido como sr. Eugênio ou “Seu Geníco”, estava ansioso. Afinal, era dia de decisão. Não qualquer decisão. Seria disputado o último jogo válido pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 1958. As equipes eram o Brasil (que ainda não era esse Brasil todo) e o Peru (que ainda não era o modesto Peru). Naquela época as eliminatórias eram disputadas de maneira diferente. As nove seleções do continente sul americano ficavam divididas em três grupos de três times e apenas os primeiros colocados se classificavam para o mundial. No Grupo A ficaram o Brasil, o Peru e a Venezuela (que desistiu). Já no Grupo B ficaram a Argentina (classificada), a Bolívia e o Chile. Por fim, no Grupo C ficaram o Paraguai (surpreendentemente classificado), o Uruguai (surpreendentemente desclassificado) e a Colômbia. Por conta da desistência da Venezuela, o jogo do Brasil contra o Peru havia se transformado numa final em dois jogos. A primeira partida havia sido dificílima. Cerca de 42 mil testemunhas se apertaram no Estádio Nacional José Diaz, em Lima, para empurrar a seleção da casa. O Peru saiu na frente aos 37 minutos do primeiro tempo com gol de Alberto Terry. A seleção brasileira vinha de fracassos recentes (1950 e 1954) e estava desacreditada. Pensou-se em mais uma tragédia. Entretanto, Índio, craque do Flamengo, empataria a partida aos 4 minutos do segundo tempo para desespero dos peruanos que sonhavam com a classificação. Naquela oportunidade, a seleção brasileira (que ainda era treinada por Osvaldo Brandão) jogava num antiquado 3-2-5, sistema tático muito recorrente no final dos anos 1940 (isso seria mudado posteriormente por Vicente Feola, que adotaria o recente 4-2-4). Terminada a partida no Peru. O placar de 1×1 deixava a decisão aberta para o jogo de volta.

Assim, “Seu Geníco” deixou sua casa em Nilópolis e pegou um trem para a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Tinha cabelos negros, um bigode grosso, olhos azuis (herdados de sua ascendência húngara) e um belo porte físico (havia servido durante a Segunda Guerra Mundial aqui no Brasil). Seu jeito era do interior (e assim foi até o final de sua vida). Havia nascido em Iúna no Espírito Santo. Era uma pessoa muito divertida e gostava de contar histórias (sobretudo histórias futebolísticas). Quando se mudou para o Rio de Janeiro no final dos anos 1950, descobriu o Maracanã, o futebol, o Garrincha, o Botafogo e muitas outras coisas, como o trabalho pesado. Mas naquele dia ele só tinha cabeça para o futebol.

Quando chegou no Estádio Jornalista Mário Filho, viu uma multidão de 120 mil pessoas que tiveram a mesma ideia que ele naquela tarde. Logo percebeu que seria muito difícil entrar no Maracanã. Mas, com muito sacrifício, todos entraram (não existia “Padrão FIFA” ainda). O estádio estava APINHADO de gente. As arquibancadas tremiam e a impressão era que elas iriam desabar a qualquer momento. Não tinha como sentar, pois haviam mais bundas do que concreto. Agora o jeito era esperar o início do jogo.


O Brasil vinha escalado com Gylmar (goleiro), Djalma Santos, Bellini, e Nilton Santos (defensores), Zózimo e Roberto Belangero (meias), Joel, Evaristo de Macedo, Índio, Didi e Garrincha (atacantes). A seleção peruana era formada por Rafael Asca (goleiro), Víctor Benítez, Dante Rovay e Guilhermo Fleming (defensores), Luis Calderón e Carlos Lazón (meias), Juan Seminário, Alberto Terry, Miguel Ángel Rivera, Máximo Mosquera e Óscar Gómez Sánchez (atacantes). O árbitro era do Uruguai e se chamava Esteban Marino. Seus assistentes eram peruanos e respondiam por Bert Cross e Erwin Hieger. As equipes entraram perfiladas, conforme o protocolo, e o capitão Didi trocou flâmulas e bandeiras com o capitão peruano. Tudo estava pronto. As equipes se posicionaram, o juiz levou o apito a boca e deu início a partida.

Como previsto, novamente o jogo foi muito difícil. Muita marcação, poucas chances, muitas faltas. O Brasil que nunca havia ficado de fora de uma Copa do Mundo tentava de tudo. Seus atacantes se desdobravam para tentar criar qualquer diabrura que furasse a defesa andina. Pressão total. O Peru sequer passava do meio de campo. Passe pra lá, drible pra cá… falta para o Brasil. A falta foi assinalada na entrada da área. Um pouco para o lado esquerdo, favorecendo quem batia de perna direita. Foi nesse momento que Didi exerceu sua autoridade de capitão e disse: “eu vou bater!”.


Já era de conhecimento dos cariocas (e principalmente dos torcedores do Botafogo e do Fluminense) que o “Príncipe Etíope” sabia bater muito bem na bola. Era um exímio cobrador de faltas. Assim, a torcida começou a ter esperanças. Sr. Eugênio, que estava soterrado no meio da multidão, sabia que aquele seria um momento crucial e dificilmente o Brasil teria outra chance na partida. Didi tinha que fazer o gol de qualquer jeito. A torcida gritava “Brasil! Brasil! Brasil!” a plenos pulmões. O Mestre pegou a bola e a posicionou no lugar indicado pelo árbitro. Deu alguns passos pra trás e colocou as mãos na cintura. Levantou a cabeça e olhou para o gol. O suor escorreu em seu rosto e ele respirou fundo. Correu pra bola e chutou. Nesse momento o Maracanã inteiro prendeu a respiração. O silêncio era tão grande que foi possível escutar o som da bola cortando o ar. O lance pareceu durar dois milênios. Lentamente a bola subiu e passou por cima da barreira. A trajetória indicava que ela iria pra fora. Algumas pessoas chegaram a beira de um ataque cardíaco. Será que não seria gol? Como que por um milagre a bola parou no ar. Parecia ter sido interceptada por alguma força estranha desconhecida até então nos campos de futebol. Quando a bola estava quase saindo pela linha de fundo ela caiu. Caiu no ângulo direito da meta defendida por Rafael Asca. O goleiro nada pode fazer. Estava paralisado pelo absurdo e encantado pela genialidade. Não pode impedir o que já estava escrito nas estrelas. Gol do Brasil.


A torcida explodiu e o Maracanã quase veio abaixo. Diz a lenda que a cidade inteira tremeu naquele momento como se tivesse acontecido um terremoto de grandes proporções. De fato aconteceu. Seu nome era Didi, que ficaria conhecido pelos gringos como “Mr. Football”. O que ocorreu na sequência não se sabe. O êxtase do gol foi tão grande que acredita-se que a partida tenha terminado ali mesmo, aos 11 minutos do primeiro tempo. O fato é que o Brasil venceu o Peru por 1×0 e se classificou para a Copa do Mundo da Suécia. A imprensa no dia seguinte batizou o gol com o nome de “Folha Seca” (muito apropriado). Um ano depois o Brasil viria a conquistar o seu primeiro título mundial. Título este que começou a ser conquistado naquele longínquo dia 21 de abril de 1957, dia de Tiradentes e um dia antes do Descobrimento do Brasil.

Obs: Alguns fatos foram deliberadamente aumentados/romanceados/inventados por mim devido a falta de informações. “Seu Geníco”, que era meu avô, morreu em 2009 quando eu ainda tinha 17 anos. Em seus últimos anos de vida ele sofria de alzheimer. Essa história me foi contada alguns anos antes. Eu era novo demais para fazer as perguntas certas, mas, com sorte, consegui extrair algumas das informações mais importantes. Sinto muitas saudades de suas histórias. Herdei isso dele.