Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

botafogo

ACORRENTADOS

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


(Foto: Nana Moraes)

Quem me conhece sabe a irritação que tenho com os times que entram em campo para não perder. Os nossos professores ainda estão na idade da pedra na arte de defender-se e dão aulas de covardia e incompetência. Resultado: tomam na cabeça!

O Flamengo tinha a vantagem do empate contra o Fluminense e perdeu, o Fluminense tinha a vantagem do empate contra o Vasco e perdeu, o Vasco tinha a vantagem do empate contra o Botafogo e perdeu, o Palmeiras tinha a vantagem do empate contra o Corinthians e perdeu, o Atlético-MG podia perder por um gol e levou dois. Ou seja, quando os times entram decididos a ganhar, a jogar bola, a chance de vitória é bem maior.

Defender-se bem é uma arte e nossos professores estão longe de serem artistas. O Vasco beirou o ridículo e chegou a ter quatro zagueiros em campo, o time inteiro dentro da grande área, acuado, acorrentado, acovardado, escondido atrás dos móveis esperando o tiroteio passar.

Será que não passou pela cabeça do Zé Ricardo que se o Vasco fizesse um golzinho a missão do adversário complicaria? Até o Mano, conhecido retranqueiro, foi obrigado a colocar o seu Cruzeiro para a frente. E é bem melhor ver os times buscando o gol!

O Maracanã lotado e os vascaínos vendo seus “soldados” refugiando-se atrás das trincheiras. Lamentável!

O Carli, autor do gol, montou uma barraca de camping dentro da área do Vasco e deve ter dito “só saio daqui quando fizer um gol!”. E fez. Garanto que a torcida do Vasco não teria ido embora tão frustrada se visse um time corajoso, buscando o gol, partindo para dentro, correndo atrás.

Sabemos que no cenário atual do futebol brasileiro não temos mais super-heróis, mas se os personagens das histórias pelo menos não forem covardes os fãs reconhecerão esse esforço. E foi o que aconteceu com o Botafogo.  


CENAS DE UM APAGÃO

por Zé Roberto Padilha


A caixinha de surpresas do futebol também possui um relógio. Uma caixa de luz comandada não pelos homens da Light, mas pela energia dos Deuses do Futebol. Tão intensa, potencializadas em decisões, jogando pelo empate, então, cega seus comandantes pela emoção a ponto de, ao final do seu trabalho acadêmico de tantas linhas, e de tantas rodadas, não evitar que um pico de luz desapareça com páginas de conquistas. E de viradas. Bastava ter apertado a tecla salvar toda a campanha e jogar para o ataque. Mas o receio da derrota e um cochilo da zaga, sobrecarregada, assistiu vir por terra a bela trajetória do time da virada.

Apenas quem perdeu um texto após horas de digitações, na solidão de suas salas, inconformados diante dos seus computadores, ou no cantinho dos seus vestiários, pode avaliar a noite que passou Zé Ricardo. Por que entrei com quatro laterais, utilizei quatro zagueiros e não ousei um pouco mais? Por que convidei o Botafogo, mesmo jogando mal, a ocupar nosso terreno? E o Paulinho? Ah! se tivesse o Paulinho seria diferente, prenderia um pouco mais a bola lá na frente….E as horas vão passando. Os títulos também. Vice, de novo. E cadê o sono que não vem chegando?


Muitas vezes, os Euricos Mirandas que jamais deram um só peteleco na bola, em meio ao apagão de uma derrota, convocam às pressas outro eletricista. E trocam o treinador. A torcida, em meio à escuridão da perda de um título, mal enxerga um palmo à frente para defender seu comandante. Quando a luz se acende, já caiu o Paulo César Carpegiani. E o interino vai permanecer enquanto houver um novo rastilho de luz. Esquecem todos os nossos cartolas que a caixinha de surpresas não vem com manual de instruções. Só quem perdeu, ao apagar das luzes, o brilho do seu trabalho, após tantas páginas treinadas, pode saber o que é jogar com o coração na ponta das chuteiras e ver tudo se perder aos 48 minutos do segundo tempo.

Portanto, Zé Ricardo, não se desespere. O destino, e não a força das águas, o imprevisível, e não os moinhos de ventos, o imponderável, e não um palito de fósforo, serão sempre as baterias que acenderão ou apagarão a paixão do nosso futebol. Além disto, para provocar o brilho no olhar do meu filho botafoguense, o Guilherme, que ontem reluziu por toda a noite, só mesmo a energia de uma caixinha de surpresas será capaz de gerar.


Ela, e não o árbitro de linha e o de vídeo, a comunicação eletrônica, instantânea, e o Padrão FIFA de tornar comuns às suas normas, serão capazes de entender. Pelo bem de todos nós, que amamos, e não entendemos, e somos surpreendidos a cada semana, por um novo facho de luz jogados sobre esta magia chamada futebol. Que os deuses a tenham para que o mundo não seja tão previsível dentro e fora das quatro linhas.

FORÇA, MENDONÇA

Conheci Mendonça no Bar da Eva, no Grajaú, quando eu levava craques para reverem os jogos mais marcantes de suas vidas. Foram dois anos de pura felicidade! Bebi muitas geladas com Válber, Donizete Pantera, Búfalo Gil e, claro, Mendonça, que vinha de Bangu. Fechei o bar com alguns deles, sempre ouvindo glórias e derrotas. Rondinelli chorou, Assis chorou, Amarildo chorou. Os clientes choravam. O Afonsinho sentava em todas as mesas, o Adílio sorteou sua camisa, Francisco Horta cantou uma marcha tricolor e Eurico Miranda puxou o Casaca. Mendonça esteve lá várias vezes e em todas lamentou o fato de não ter sido campeão pelo Botafogo, time do coração. Nesse momento, eu pedia mais um chope, desviava o assunto e colocava na tevê o vídeo com seus dribles e golaços. Ele viajava e agradecia. No drible “Baila Comigo”, que descadeirou Júnior Capacete, levou uma bronca da mulher, rubro-negra, quando chegou em casa: “precisava daquilo tudo?”. Foram chopes e mais chopes! Na correria do dia a dia perdemos o contato até ser avisado por Adílio que ele precisava de ajuda, estava sendo vencido pelo álcool. O craque rubro-negro conseguiu a internação na Clínica Jorge Jaber e fomos visitá-los juntos. O álcool é devastador. Ficou três meses e recebeu alta com a condição de voltar quinzenalmente. Nunca mais apareceu. Mas na segunda passada o reencontrei na pelada do Carlinhos Cortázio, na Barra da Tijuca. Ficou meio sem graça quando me viu. Olhei para a mesa tentando flagrar algum copo de cerveja. Não tinha. Me aproximei e nos abraçamos. Sua aparência estava saudável e a memória boa. “Estou limpo!”, garantiu. Mas senti um cheirinho de álcool, típico de quando transpiramos na pelada após um dia de bebedeira. “Mesmo?”, perguntei. “A batalha é dura!”, disse. Não quis interpretar a resposta como um sim ou não, e pedi para que relembrasse pela milésima vez o seu “Baila Comigo”. 

BEBETO: MUITO ALÉM DO SEU PRÓPRIO TEMPO

por Mauro Ferreira


Naquela noite, o time de vôlei do Municipal tremeu. Clube da zona norte do Rio de Janeiro, não era páreo para o Botafogo, com mais da metade de seu elenco inteiro convocado para a Seleção Brasileira. Mas, o destaque dos destaques era seu levantador. Sobrinho de João Saldanha, atrevido como o tio, Bebeto (ainda não havia incorporado o “de Freitas”) era um mágico. Era o tempo em que o vôlei tinha regras muito distintas das atuais. Naquela época, havia a vantagem e o ponto só acontecia após o saque ser confirmado. O set era de 15 pontos, embora muito mais longo. Mas o que consagrava Bebeto era o bloqueio valer como toque. O levantador precisava dominar os fundamentos manchete e toque com precisão. Precisava colocar a bola na pinta para os atacantes, sem cometer dois toques ou condução. E aí, Bebeto sobrava.


O jogo contra o Municipal naquela noite foi um passeio. Três sets a zero, parciais de 15/1, 15/1 e 15/0. Do massacre botafoguense ficou na memória um lance: o ataque explodiu no bloqueio, e a bola ia cair atrás dele, sem peso, mansa. Bebeto então surge, rola e se posiciona embaixo da bola que estava a menos de um metro de distância do chão. Com um toque preciso faz o levantamento para Paulão, ponta-atacante do Botafogo. Do outro lado da quadra, o levantador do Municipal estava estático. Não montou o bloqueio duplo para evitar o ataque de Paulão. Ainda olhava para Bebeto, admirando aquele ser do outro mundo.

O tempo passou. Enquanto Bebeto incorporava o “de Freitas” e assumia o cargo de treinador da Seleção Brasileira de Vôlei, o levantador do Municipal era agora jornalista esportivo. Assim como antes, Bebeto de Freitas inovava. Ao perceber que tinha jogadores mais baixos que seus principais adversários, apostou num jeito brasileiro de jogar, incorporando a velocidade asiática no ataque e o posicionamento mais dentro de quadra das escolas soviética e polonesa. Aliou a isso, a inventividade de seus jogadores. Foi com ele que Bernard trouxe da praia o saque Jornada nas Estrelas e William o Viagem ao Fundo do Mar. Foi também de Bebeto a ideia de bloquear o saque adversário. 


O Brasil, até então mediano no cenário mundial do Vôlei, passou a protagonista, conquistando a medalha de prata na Olimpíada de Los Angeles. Era ele o técnico na vitória sobre a até então imbatível União Soviética de Savin e Zaitsev, no Maracanãzinho, por três sets a dois (2/15, 15/13, 15/12, 13/15 e 15/7), partida que durou três horas e meia. Era a final do Mundialito realizado no Rio, dois anos antes dos Jogos Olímpicos. Ali, naquela quadra, naquele 25 de setembro de 1982, começava a hegemonia brasileira. Um ano depois, de novo contra a União Soviética, a histórica partida no Maracanã, debaixo de um público de mais de 90 mil pessoas e uma chuva torrencial. Mais uma vitória brasileira, dessa vez por três sets a um.


Bebeto formou uma gangue de exímios levantadores. William, Bernardinho, Maurício, Ricardinho (a quem classificava de genial), Marcelinho… todos têm no seu DNA cadeias genéticas transferidas pelo treinador. Bernardinho é o que mais se aproxima. Não pela qualidade técnica de jogador, mas pelo confessado aluno que foi. “Eu sentava ao lado dele no banco para aprender. Não era o titular da seleção e dei sorte. Suguei o que podia”, disse uma vez. Mas era o titular do time da Atlântica-Boavista, equipe profissional também dirigida por Bebeto e bancada pelo mecenas Antonio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha, dono da gigante corretora de valores da época,. Saiu da seleção ao brigar com Carlos Arthur Nuzman, então presidente da CBV, e seu antigo companheiro de time, no Botafogo. Bebeto foi para a Itália provocar nova revolução e transferindo a hegemonia do leste europeu para o vôlei italiano. Por aqui, seus discípulos Radamés Lattari Filho, José Roberto Guimarães e Bernardinho tratavam de dar continuidade ao seu trabalho de fazer o Brasil liderar o vôlei mundial

Inquieto e apaixonado pelo Botafogo, Bebeto se meteu no que classificou de “a pior fria da minha vida”. Assumiu a presidência do clube e, com uma administração corajosa – e também controversa – imprimiu nova imagem, marcada, principalmente, pelo arrendamento do Estádio Nilton Santos. As constantes brigas internas no Botafogo – o gênio do tio Saldanha era uma de suas características de comportamento – fizeram com que se afastasse do clube. Um dia, chorando, disse: “eles não sabem o quanto eu amo o Botafogo. Eles não sabem”. 

Inquieto, inovador, brigão, carinhoso, exigente, amoroso e genial, Bebeto de Freitas morreu. Aos 68 anos, um ataque fez seu coração enorme parar de bater. Fazia o que mais gostava: inovar. Trazia para o Atlético Mineiro um time de futebol americano, um projeto pronto, sem custo e vencedor, como afirmou em entrevista coletiva, minutos antes cair ao chão no Hotel da Cidade do Galo. 


Bebeto não deixa vazios. Seu legado é imenso e sempre foi prazeroso para ele transferir conhecimento. Parafraseando Getúlio Vargas, Bebeto de Freitas saiu da vida e entrou para a história. O vôlei brasileiro é o que é, hoje, por sua culpa.

Em tempo: o levantador do Municipal que assistiu atônito aquela obra de arte produzida por Bebeto era eu.

 

UM TIME CHAMADO CAMBURÃO

por Rubens Lemos


Sede de General Severiano com faixa anunciando um Baile Black com o Monsieur Lima.

Quando viu o ônibus do Botafogo chegar ao Maracanã naquela tarde de 1977 e as primeiras cabeças foram surgindo das janelas, o repórter Deny Menezes, sarcástico e rápido, não se conteve e mandou flash para a cabine da Rádio Nacional: “Atenção Zé Carlos (O narrador José Carlos Araújo), o Time do Camburão acaba de chegar…”.

Há nove anos sem títulos, na época, o presidente Charles Borer, ligado ao SNI, da linha dura de apoio ao Regime Militar, estava execrado pela torcida pela venda da lendária sede de General Severiano à Companhia Vale do Rio Doce. Toda a história do dirigente Carlito Rocha, o seu cachorrinho Biriba, Heleno de Freitas, Nilton Santos, Didi e Mané Garrincha havia sido jogada fora para ser recuperada nos anos 1990.

Charles Borer parecia tirano comandante de tropas alemães da SS na Segunda Guerra Mundial e era combatido pelo jornalismo de esquerda, liderado por João Saldanha, por defender pancada nos comunistas cuja perseguição era liderada pelo seu irmão Cecil Borer, diretor do temível DOI-CODI, ante-sala da morte nos anos de chumbo.

Borer quis ficar de bem com a torcida e demonstrar autoridade. Montou um time cheio de craques malandros acima da conta. Contratou Paulo César Caju, Mário Sérgio, Dé, o Aranha, Manfrini, Gil, Ubirajara Alcântara, Renê Pancada e Rodrigues Neto. 


Já estavam no Botafogo, Bráulio, o ex-Menino de Ouro do Internacional(RS), Carbone e Ademir Vicente, que contava detalhes aos companheiros do seu namoro com a cantora Vanusa. Na teoria, um time, na prática, o camburão perfeitamente definido por Deny Menezes. Ninguém queria nada a não ser criar caso, fazer arruaça e desafiar a decantada valentia de Borer. 

Paulo César Caju não costumava jogar às quintas-feiras pois às quartas havia noites especiais com garotas importadas na então famosa Boate Regine`s. PC Show, com vasta cabeleira Black Power, fazendo biquinho, recitava o francês que aprendeu à risca, no tempo em que brilhou no Olympique de Marselha. Divertiu-se e encantou. Tocar a bola para ele era um desfile.

Mário Sérgio e Renê gostavam de brincadeiras sadias quando o time viajava a Campos e Volta Redonda. Sacavam revólveres e atiravam em placas de trânsito. Quem acertasse menos, pagava a rodada de cerveja, que começava no próprio ônibus (camburão).

O Camburão de Futebol e Regatas passou a treinar em Marechal Hermes, onde foi construído um estádio com arquibancadas metálicas. Segunda-feira pela manhã, nem pensar. Tudo começava às duas da tarde porque do time titular, apenas o jovem e habilidoso meia Mendonça acordava antes do meio-dia.

Depois de empates contra Olaria e São Cristóvão, Charles Borer pensou que enquadraria de uma vez o Camburão. Contratou para técnico ninguém menos que o delegado de polícia Luiz Mariano, do antigo time dos 12 de Ouro, alcunha afável do Esquadrão da Morte. De preparador físico, a seda humana chamada Hélio Viggio, chefe da Divisão Anti-Sequestro.

Charles Borer apresentou a dupla, que guardava pistolas sob as calças de elástico e disse que a partir daquele momento, ai de quem continuasse desrespeitando a autoridade dirigente. Foi às duas da tarde. 

No dia seguinte, pela manhã, não viu Mariano ou Viggio em Marechal Hermes. Telefonou ao técnico, que o atendeu, pelas 11, voz de ressaca monumental. “Borer, o Dé, o Ademir e o PC nos convidaram a um papo, pra selar a paz, mostrar boas intenções e terminamos às sete horas, todos bêbados. São bons meninos.” 

Desmoralizado de uma vez pela malandragem, Borer resolveu desmontar o camburão, vendendo, com dificuldade, peça por peça, até 1979.