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NÃO SOU LOUCO!!

:::: por Paulo Cezar Caju ::::


Foto: Marcelo Tabach

Estava lendo uma pesquisa publicada num jornal paulista que serviu para comprovar que não estou louco, Kkkkkkkk, eu sou normal!!!! A maioria dos torcedores paulistanos não sabe escalar seu próprio time, não conhece os jogadores!!!! O futebol está acabando? O brasileiro, talvez. Hoje a torcida não se identifica nem com a própria seleção brasileira. A que tomou um baile dos alemães, por exemplo, tinha jogadores que nunca tínhamos ouvido falar antes, como Luiz Gustavo, Dante, David Luiz, Fernandinho, Hulk. Bem, o Hulk eu até conhecia das revistas em quadrinhos mas o nosso super-herói era de mentirinha e tremeu diante do inimigo alemão.

O nosso problema é que não formamos mais super-heróis e, como num jogo de WAR, assistimos nosso território ser invadido pelos exércitos do Barcelona, Real Madrid e PSG. As escolinhas do Barça estão botando alunos pelo ladrão. E a do Madureira, que quase foi para a final da Taça Guanabara, quantos alunos tem? Se Chelsea, Bayern etc etc resolverem investir em escolinhas por aqui, tadinhos dos clubes brasileiros.


O Vasco contratou Luis Fabiano, um super-herói praticamente aposentado, capa velha, máscara surrada, escudo furado. O Flamengo resgatou o Conca, herói de muleta, cansado de guerra. Nossa garotada prefere os times de fora e esses eles escalam direitinho, do goleiro aos reservas. O Playstation ajuda, claro. Por isso, faço festa quando surge um Gabriel Jesus mesmo que ele vá embora rapidinho, mas pelo menos a torcida acompanhou o seu desenvolvimento, criou laços, simpatia. São as tais referências, sem elas não vamos a lugar algum.


Só para provocar aí vão duas escalações do meu Fogão, na ponta da língua: Manga, Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Valtencir, Carlos Roberto, Gerson, Rogério, Jair, Roberto Miranda e eu! E Manga, Joel, Zé Maria, Nilton Santos e Chicão (Rildo), Pampolini (Airton), Didi, Garrincha, Quarentinha, Amaury e Zagallo. Eu não estou louco, kkkkkk!!!!!  PS: Mangueira e Portela, escolas populares, estão conseguindo se reerguer. Torço para que nosso futebol também volte a atrair a atenção do povão!!!

PAULO MENDES CAMPOS E UMA PARTICULAR ONTOLOGIA DA PELADA

 

por André Felipe de Lima


Paulo Mendes Campos

Hoje, dia 28 de fevereiro, faria anos o poeta, ensaísta, jornalista, contista, escritor e confesso peladeiro Paulo Mendes Campos. Seriam cristalinos 95 anos de vida. Botafoguense, Paulo amava o futebol sobre quase todas as coisas. Talvez um pouco menos que a Literatura, somente. Sem a paixão pelas letras e a (boa) escrita seria, obviamente, impossível exclamar em sonoridade poética e estratosférica o quanto encantava-se pelo querido e velho esporte bretão. Uma idolatria à bola que jamais mostrou-se claudicante. Muito menos quando seu Botafogo estava na ordem do dia. Na ordem do mais ontológico intimo do seu ser… “Ser”, frise-se, devidamente alvinegro: “Sou preto e branco também, quero dizer, me destorço para pinça nas pontas do mesmo compasso os dualismos do mundo, não aceito o maniqueísmo do bem e do mal, antes me obstino em admitir que no branco existe o preto e no preto, o branco. Sou um menino de rua perdido na dramaticidade existencial da poesia; pois o Botafogo é um menino de rua perdido na poética dramaticidade do futebol. Há coisas que só acontecem ao Botafogo e a mim. Também a minha cidadela pode ruir ante um chute ridículo do pé direito do Escurinho. O Botafogo tem uma sede, mas esqueceu a vida social; também eu só abro os meus salões e os meus jardins à noite silenciosa.”

Paulo Mendes Campos interpretava o Botafogo como o mais deliciosamente peladeiro dos clubes. O mais espontâneo para se amar. Somente um clube com a ingênua vocação sedutora do Botafogo poderia transpassar corações sem feri-los. Paulo Mendes Campos pensava assim sobre o seu Botafogo. Seu, sim, e de mais ninguém.


Reprodução do livro de Ruy Castro

O Botafogo também tem essa aura de fidelidade clubística. Parece que somente ele, o Botafogo, ama o seu torcedor. Aquele único torcedor e mais nenhum outro. O torcedor acredita, claro, nessa doce e saudável ilusão. E o Botafogo, como é peculiar em sua linda história, é também um pouco de cada um dos seus torcedores. Há, realmente, coisas que só acontecem ao Botafogo. O ídolo se mistura ao clube e vice-versa. Garrincha era Botafogo e ai do Botafogo não ser Garrincha. Vá lá, isso, o poeta das cores em preto e branco muito bem conhecia. Teve como ídolo e amigo ninguém menos que o próprio Garrincha. Sua mais perfeita crônica viva, verídica até a alma, e a de que mais prazer lhe proporcionava decantar na conexão dos universos do futebol e das letras. Gostava até mais que do seu jocoso Botafogo, que em si provocava momentos de tensão, medo, euforia e alegria sempre extremos, apaixonados (e apaixonantes) e minuciosamente detalhistas, igualmente a sua crônica tão famosa intitulada “Mané Garrincha”: “Descobri há tempos uma graça espantosa nessa finta de Garrincha: às vezes o adversário retarda o mais possível a entrada em cima dele, na improvável esperança duma oportunidade melhor. Garrincha avança um pouco, o adversário recua. Que faz então? Tenta o suficiente para encher de cobiça o pobre João. João parte para a bola de acordo com o princípio de Neném Prancha: como quem parte para um prato de comida. Seu Mané então sai pela direita.”

Em outra crônica, simplesmente nomeada “Garrincha”, Paulo Mendes Campos se apresenta como, talvez, o escritor/ torcedor que melhor tenha descrito Garrincha, em sua plenitude e doçura de peladeiro. Para o poeta, o peladeiro e a pelada, digamos, poderiam representar os mesmos papéis das figuras da horda primeva freudiana: a mãe (a bola) deve ser imaculada e os irmãos (peladeiros) devem preservá-la. Com uma única diferença: sem a repressão do pai (o futebol aristocrático). Na horda primeva do futebol, que também poderia atender pelo nome de “pelada original”, todos podem correr atrás da bola para saudá-la, como Garrincha sempre fazia, sem distinção entre a terra batida de Pau Grande e o gramado do Maracanã. Para ele, a pelada era imortal, espontânea e distante, portanto, das interferências elitistas que a cultura do mercado tenta impor: “[Garrincha] Era a própria candura. Todo mundo, em todas as profissões e fora das profissões, sonha com a candura como um bem supremo. Mas somente Mané Garrincha e uns poucos ungidos nasceram e cresceram com essa pureza, com essa espontaneidade inalterável. Nunca houve homem famoso menos mascarado, menos cônscio de sua importância. Algumas pessoas, à custa de autodomínio, conseguem isso. Mas a Garrincha não custava nada. Ele era desimportante sem saber que o era E era também perfeitamente espontâneo — e isso é ainda mais raro de se achar — ao receber alegremente a glória e o carinho do povo. Cândido mas não ingênuo. Pelo contrário, Mané é, antes de tudo, um astuto. Dentro e fora do campo. A qualidade ardilosa de sua inteligência — tão comum, aliás, em nosso homem do interior — pode ser imediatamente notada em um detalhe: Mané fala errado, à falar corretamente cometeria erros involuntários.”


Reprodução

Botafogo, Garrincha. A reverência ao “ser” original do futebol, estes doces e cândidos peladeiros, no esquema tático e metricamente tácito em toda poesia, sobretudo a de Paulo Mendes Campos, para quem o Botafogo e ele (sim, o próprio escritor) pareciam ser a mesma pessoa, em um único esquema: “O Botafogo pratica em geral o 4-3-3; como eu, que me distribuo assim em campo; no arco, as mãos, feitas para proteger minha porta; na parede defensiva, meus braços, meu peito aberto, meus joelhos e meus pés; no miolo apoiador, trabalho com os pulmões e o fígado; vou à ofensiva com a cabeça, a loucura e o coração.”

A bola, sacrossanta “mãe” da horda primeva do futebol, está presente em nossas vidas desdeencarnações passadas. Desde antes do próprio futebol dos ingleses, dos Miler da vida, dos Friedenreichs ou afins:  “O brinquedo essencial do homem é a bola. Quem ganha uma bola descobre dois mundos, o de dentro e o de fora. Um Psicólogo do futebol imagina a seguinte cena: meninos jogam na rua; a bola sobra para o cavalheiro que passa. Que fará o austero transeunte? Ficará indiferente? Devolverá a bola com as mãos? Já vimos todos nós o que ele irá fazer: o homem, sem perder a gravidade rebate a bola com o pé, aparentemente para prestar um serviço à garotada, mas na Verdade porque não resiste ao elástico e impulsivo prazer de dar um chute. É sempre um grande prazer, uma das coisas agradáveis da vida, dar um chute na bola, sobretudo quando conseguimos colocá-la na meta almejada.”


Reprodução do livro de Ruy Castro

Santa pelada de nós todos… o mais legal disso tudo é que descobri que no campo para as remotas peladas do Paulo Mendes Campos, em um já demolido parque de um laboratório farmacêutico na Rua Marquês de São Vicente, na Gávea, eu, humildemente, algumas décadas depois, também ousei dribles, caneladas e amizades. Cresci, sem saber, perto do poeta e do futebol original, primevo, que tanta nostalgia nos desperta. Ambos sempre estiveram em minha alma vira-lata de jornalista e de peladeiro, que um dia achava ser o “Garrincha” da Marquês de São Vicente. Como escreveu Paulo Mendes Campos: “O futebol jogou-me como quis”. E viva a ontologia da pelada presente em todo o brasileiro!

***

LEITURA OBRIGATÓRIA: “O gol é necessário — Crônicas esportivas”, Editora Civilização Brasileira (2002), um imperdível livro de crônicas do Paulo Mendes Campos. Uma ode ao futebol e, claro, à pelada.

GARRINCHA NO SAMBA E NAS CAMAS

por André Felipe de Lima


Iniciamos ontem uma série sobre samba e futebol. Hoje, 25, damos sequência a esta viagem musical falando do personagem (ao lado de Pelé, naturalmente) mais eloqüente da história do futebol brasileiro: Garrincha.

Muitos sabem que Garrincha teve compostos em sua homenagem algumas belas letras da MPB, como a emocionante “Balada número sete”, assinada por Alberto Luiz, em 1971, na voz de Moacyr Franco. Não se trata de um samba, mas a letra é verdadeiramente comovente e traduz com fidelidade a trajetória de Garrincha até aquele ano. 

Mas o papo aqui é sobre samba, e o samba entrou em definitivo na vida de Garrincha graças a Elza Soares, imediatamente após se conhecerem, em 1962, pouco antes da Copa do Mundo, no Chile, na qual Garrincha “ganharia sozinho”, como muitos dizem, a disputa pelo caneco. O início do relacionamento com Elza promoveu uma reviravolta na vida de Mané, que, socialmente mais refinado, passou a freqüentar rodas de samba e até montou, com ela, um bar, que não deu certo. Mané arriscou-se, inclusive, como compositor e escreveu duas letras de samba para a voz de Elza Soares: “Receita de balanço” e “Pé redondo”.


Garrincha e Elza

O saudoso repórter Mário de Moraes — o primeiro vencedor da história do também saudoso e inesquecível Prêmio Esso de Jornalismo — registrou (na revista O Cruzeiro, de julho de 1962) o “ingresso” de Garrincha no mundo do samba:

“Mané Garrincha, que sambou como quis frente a “João” de toda ordem, e balançou muita rede internacional com seus chutes de endereço certo, volta ao cartaz numa nova faceta, bem diferente da que o fez famoso. Garrincha, agora, fará os outros sambarem, dando receita para balanço. Não é conselho para furar arco adversário, mas forma acertada de cair no mais autêntico samba brasileiro. Porque Mané virou sambista. E, na base do teleco-teco, lançou seu primeiro sucesso, que tem como título ‘Receita de Balanço’. E, com intérprete, Elza Soares, a bossa em pessoa.

“Há dias Elza Soares preparava, na cozinha da sua bonita casa da Ilha do Governador, um bem temperado feijão, quando ouviu o ritmado assovio. O samba não era conhecido. O assobiador, sim. Mané Garrincha surgiu, e com ele o diálogo:

“— Onde aprendeu esse samba, Neném?
— Não aprendi, Crioula. É meu.
— Seu? E tu é sambista?
— Não sou, mas dou meus assobios.

“A música era gostosa. Faltava a letra. Ali mesmo, entre pratos e panelas, Mané Garrincha preparou a primeira parte. Depois do almoço, saiu a segunda. Elza deu uns retoques, e veio o batismo: “Receita de Balanço”.

“— Vou gravar esse samba, Neném.
— Deixa pra lá, Crioula.
— Mas, ele é muito bonito.
— Então, é todo seu.”

A reportagem de Mário de Moraes também destacou o interesse imediato da Odeon, que imediatamente agendou a gravação do samba semanas depois de ouvi-lo. “Receita de Balanço” integrou um disco vinil compacto com mais três sambas. “O morro”, “Bossambando” e “Na roda do samba”. Garrincha formou a lista de compositores do pequeno álbum com gente bamba. Além do Mané, estavam lá, no vinil, músicas assinadas por Carlinhos Lyra, Helton Menezes e Orlandivo, que, lamentavelmente, morreu neste ano.

OUÇA AQUI “PÉ REDONDO”: http://www.musicasamba.com/elza-soares/um-show-de-elza/pe-redondo-garrincha/


Angelita Martinez

Antes da sensacional, épica, cinematográfica e dançante história de amor de Garrincha e Elza Soares, Mané manteve, em 1958, um flerte acalorado com uma das mais destacadas vedetes brasileiras do teatro rebolado: Angelita Martinez, que foi filha de outro ídolo do futebol brasileiro, o zagueiro Barthô, que brilhou na já extinta A.A.São Bento (sendo campeão paulista em 1925) e no antigo C.A.Paulistano, com o qual conquistou vários títulos e no qual jogou ao lado de Friedenreich e Filó Guarisi.

Angelita, destaca Ruy Castro na excepcional biografia “Estrela solitária — Um brasileiro chamado Garrincha” (Companhia das Letras/ 1995), chegou a manter um relacionamento com o ex-zagueiro Pavão, do Flamengo, e outro bem mais rumoroso e turbulento com o ex-presidente João Goulart, que parou inclusive nas páginas policiais. Mas com Mané foi mais tranqüilo e célere.


Angelita e Pavão

Em 1958, o genial (e inveterado rubro-negro) Wilson Baptista compôs, em parceria com o bicheiro Jorge de Castro e Nóbrega de Macedo, a marchinha “Mané Garrincha”. Escalaram Angelita Martinez para dar voz à canção. Preocupados em fazer da marcha sucesso no Carnaval de 1959, encontraram como estratégia uma visita surpresa de Angelita a General Severiano, em pleno treino da moçada do Botafogo. Ela, obviamente, sedutoramente vestida com a camisa alvinegra. Somente isso e as fotos publicadas pela imprensa de Garrincha ao lado dela poderiam — acreditavam os sambistas — emplacar a marcha.

No campo do Botafogo Angelita reinou naquela tarde. Posou ao lado de Mané para os flashs e um gabola Garrincha virava-se para os companheiro a dizer: “Vocês são uns trouxas. O degas aqui está com tudo.”

Ruy Castro escreveu que naquele mesmo dia Garrincha e Angelita iniciaram um caso. Àquela altura, Garrincha morava, no Rio, com Iraci, a rival de Nair – a primeira esposa de Mané —, que morava em Pau Grande com a filharada do casal.

Para tentar despistar Iraci, dizia: “Amor, hoje não vou poder ficar. A Angelita vai ensaiar a minha música e quer que eu escute” ou “Amor, estou chispado. Tenho de ir com Angelita num baile em que ela vai cantar a minha música”. E a música foi mesmo longe.

A letra da marchinha diz: “Mané, Mané /Até hoje meu peito se expande/ Mané que brilhou lá na Suécia/Mané que nasceu em Pau Grande”. Esta última frase era a mais efusiva nos shows de Angelita, quando a plateia, sarcasticamente, alterava a letra e cantava (em alto e bom som): “Mané que nasceu de pau grande”. Sobre isso, assim escreveu Ruy Castro: “Com toda a sua quilometragem masculina, [Angelita] nunca vira ninguém como ele. Garrincha devia ter em torno de 25 centímetros.”

A diretoria do Botafogo parecia não implicar com o relacionamento de Mané e Angelita, apenas João Saldanha torcia o nariz. A marchinha teve um sucesso tão efêmero quanto o caso dos dois amantes.

Como destaca o historiador da MPB, Renato Vivacqua, Garrincha foi, talvez, o jogador mais citado em sambas. O mesmo Jorge de Castro, com Luiz Wanderley, compôs “O feiticeiro da pelota”, cujo áudio, infelizmente, não conseguimos obter, mas vai lá a letra: “Olé, Olé, O feiticeiro da pelota é seu Mané/ Garrincha em Viña del Mar/ Fez a platéia vibrar/ O feiticeiro do mato/ Foi o herói do bi-campeonato.”

Mais recentemente, o ardoroso botafoguense Vinícius Cantuária fez singela e gostosa homenagem ao Botafogo, destacando na letra, claro, Mané Garrincha.

Garrincha foi assim, samba no gramado, samba na vida. Samba no destino. Um épico samba de todos nós.

FUTEBOL E SAMBA

por André Felipe de Lima

Futebol e samba formam uma das mais harmoniosas relações culturais no Brasil. Ir a um estádio de futebol ou a um bar após os jogos e não ouvir um samba é como se estivéssemos assistindo a um “empolgante” clássico entre Spartak de Moscou e Dínamo de Kiev na antiga União Soviética sob um frio siberiano de quebrar os ossos. Aqui, samba na arquibancada é lei. Mesmo que divida espaço com alguns gritos importados de torcidas portenhas e adaptados pelas ditas “organizadas”. Não importa. O que cai no gosto do povo é o samba. “Domingo, eu vou ao Maracanã…”. Esse, sob a voz de Neguinho da Beija-Flor, é canção obrigatória. Tornou-se hino da inebriante festa promovida por torcedores ao perceberem que a fatura está liquidada a favor do time para que torcem. 


Beth Carvalho e Cartola

Futebol, samba, sambistas… estes sambistas que amam seus clubes. Cartola, especulam, teria feito das cores da sua Estação Primeira de Mangueira uma adaptação do pavilhão do seu amado Fluminense. Da bandeira tricolor, descoloriu o grená tornando-o rosa e manteve o verde. Daí nasceu a “Verde e Rosa” mais famosa do mundo. Cartola não foi, porém, quem imortalizou sambas sobre futebol. Um nome se destaca nesse quesito: Wilson Batista, um rubro-negro ferrenho que era capaz de chorar sangue pelo Flamengo. Fez dois sambas antológicos sobre o clube da Gávea.

Vascaínos sambistas também tem aos montes. Noel Rosa (que dizia torcer pelo Fausto, logo vascaíno, mas que também torcia pelo Monteiro, do Andarahy), Nelson Sargento, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Aldir Blanc, Luiz Melodia… nenhum deles imortalizou o Vascão em suas composições. De botafoguenses há também uma leva bacana, na qual integram Roberto Ribeiro (que foi goleiro do Goytacaz e chegou a treinar no Fluminense), Walter Alfaiate, Mauro Duarte e Beth Carvalho. É dela, da Beth, a letra do samba que embalou a torcida após o título carioca de 1989, que tirou o Botafogo da fila de espera após 21 anos de “jejum”: “Esse é o Botafogo que eu gosto/ Esse é o Botafogo que eu conheço/ Tanto tempo esperando esse momento, meu Deus/ Deixa eu festejar que eu mereço/ Mas é esse/ Esse é o Botafogo que eu gosto/ Esse é o Botafogo que eu conheço/ Tanto tempo esperando esse momento, meu Deus/ Deixa eu festejar que eu mereço/ É tão bonito ver/ Minha gente sorrindo de emoção/ O meu Brasil/ De ponta a ponta chorando, vibrando/ Saudando o Botafogo campeão/ O meu Brasil/ De ponta a ponta chorando, vibrando/ Saudando o Glorioso campeão”. 

Mas foi Wilson Batista o sambista nitidamente mais empolgado. O primeiro samba dele sobre o seu amado Flamengo, “E o juiz apitou!”, é uma deliciosa crônica sobre o time do primeiro tricampeonato estadual (1942 a 44): “Eu tiro o domingo para descansar/ Mas não descansei/ Que louco eu fui/ Regressei do futebol/ Todo queimado de sol/ O Flamengo perdeu/ Pro Botafogo/ Amanhã vou trabalhar/ Meu patrão é Vascaíno/ E de mim vai zombar/ Foram noventa minutos/ Que eu sofri como louco/ Até ficar rouco/ Nandinho passa a Zizinho/ Zizinho serve a Pirilo/ Que preparou pra chutar/ Aí o juiz apitou/ O tempo regulamentar/ Que azar!”.

O segundo, “Samba Rubro-negro”, faz uma homenagem ao timaço tricampeão de 1953 a 55: “Flamengo joga amanhã/ Eu vou pra lá/ Vai haver mais um baile no Maracanã/ O mais querido
Tem Rubens, Dequinha e Pavão/ Eu já rezei pra São Jorge/ Pro Mengo ser campeão/ O mais querido/ Tem Rubens, Dequinha e Pavão/ Eu já rezei pra São Jorge/ Pro Mengo ser campeão/ Pode chover, pode o sol me queimar/ Que eu vou pra ver/ A charanga do Jaime tocar: Flamengo! Flamengo! / Tua glória é lutar/ Quando o Mengo perde/ Eu não quero almoçar/ Eu não quero jantar”. 

Em São Paulo, Adoniran Barbosa fez do seu Corinthians fonte de inspiração. Compôs “Corintiá – Meu amor é o Timão”. A letra diz assim: “Como é bom ser alvinegro/ Ontem, hoje e amanhã/ Respirar o ar mistura/ Do Tietê a Tatuapé/ Lá no alto a velha Penha/ Da Anchieta e Bandeirantes/ Ver São Jorge lá na lua/ Abençoando a fazendinha/ Onde mora um gigante
Tem igreja e tem biquinha/ Coríntia, Coríntia/ Meu amor é o Timão/ Corítina, cada minuto/ Dentro do meu coração/ Belém, Vila Maria e Mooca/ E São Paulo extensão/ Mogi, Guarulhos, Itaquera/ Tudo vibra Coringão/ É o Cornítia de ‘nóis’ tudo/ É paulista é campeão”. 

A paixão em verbo dos sambistas paulistanos pelo Corinthians não deve nada a de alguns do Rio pelo Flamengo ou Botafogo. Baltazar, centroavante inesquecível, cuja história lembramos recentemente nesta página, era um indefectível ídolo e seus gols de cabeça cativavam uma legião de fãs. Daí para o samba um pulo. Nasceu a marchinha carnavalesca “Gol de Baltazar”, nítida reverência ao Timão campeão paulista de 1954. A letra composta pelo corintiano Alfredo Borba é até hoje cantada pelos blocos no carnaval de São Paulo. Foi imortalizada na voz de Elza Laranjeira: “Gol de Baltazar/ Gol de Baltazar/ Salta o “Cabecinha”/ Um a zero no placar (bis)/ O Mosqueteiro, ninguém pode derrotar/ Carbone é o artilheiro espetacular/ Cláudio, Luizinho e Mário/ Julião, Roberto e Idário/ Homero, Olavo e Gilmar/ São os onze craques, que São Paulo vai consagrar”. 

Na década de 1970, o futebol incorporou o sambalanço de Jorge Ben Jor e de Bebeto. Nas rádios, as letras dos dois torcedores inveterados do Flamengo tocavam ad nauseam. Jorge Ben, que passeou pelos times infantis do clube da Gávea, foi o pioneiro. No seu cultuado álbum “Ben”, de 1972, ele fez de um jogador do Flamengo, o João Batista de Sales, mais conhecido como Fio Maravilha, o craque rubro-negro mais famoso de sua época. A letra foi, contudo, atabalhoadamente embargada na justiça pelo próprio Fio, que foi, provavelmente, muito mal instruído por cartolas e advogados chinfrins. Jorge Ben lamentou e alterou a letra para “Filho Maravilha”. Somente em 2007 é que o compositor pôde retomar a versão original autorizada pelo Fio Maravilha. Mas, aí, perdeu a magia. 

Deixando a paixão clubística de lado, Jorge Ben também fez sucesso com o sambalanço “Zagueiro”, do LP “Solta o Pavão” (1975), o mesmo que inclui “Jorge de Capadócia”. “Zagueiro” é uma verdadeira “lição” de como um beque deve fechar a zaga do time. Jamais perguntaram ao Jorge Ben o que o motivara a compor uma letra, digamos, futebolisticamente didática. Técnicos de hoje deveriam obrigar seus comandados a ouvi-la. 

No LP seguinte, o “África Brasil” (1976), Jorge Ben anunciou a célebre “Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)”. Muita gente associa a música ao ídolo do Jorge Bem: Zico.

O samba psicodélico foi imortalizado pelo Jorge Ben, e ele jamais deixaria o futebol fora desse parangolé lingüístico na MPB dos anos de 1970.

Embalado pela conquista do título de Campeão Mundial pelo Flamengo, em 1981, no Japão, Bebeto compôs um sucesso estrondoso sobre o time do coração. “Arigatô, Flamengo” foi, sem revanchismo, cantada por torcedores de todos os times nos blocos e bailes do Carnaval de 1982. Hoje, a música está bloqueada até mesmo no Youtube por direitos autorais. Foi árdua a missão para achar um link com a gravação completa na Internet. Porém conseguimos.

Mas e Pelé? E Garrincha?… eles, os dois maiores ídolos do nosso futebol não mereceram sambas como homenagem? Sim, mereceram. E qual foi o primeiro samba ou chorinho sobre futebol? Muitos dirão: “E o Chico Buarque, tricolor, também compôs letra sobre futebol…”. Eu sei. Vão cobrar também: “Escolas de samba e futebol, quais sambas encantaram na Sapucaí?”. É papo que não acaba mais…

Mas estas e outras histórias ficarão para uma continuação desta série sobre samba, MPB e futebol. Enquanto isso, ouçam os excelentes sambas da rapaziada citada aí em cima. Até lá.

GATO DE GELO

por Luan Toja


Poucas vezes vi tamanha manifestação de confiança e frieza como foi a do goleiro Gatito Fernández na partida de ontem entre Olímpia e Botafogo válida pela Pré-Libertadores.

Após o time paraguaio abrir o placar com Montenegro aos 35 do segundo tempo, o técnico alvinegro, Jair Ventura, ainda arriscava-se de modo a tentar definir o confronto antes do término dos 90 minutos. Tendo para tal, até mesmo, colocado o atacante Guilherme no lugar do volante Airton, visando tornar o time mais ofensivo em busca do empate e, consequentemente, da classificação no tempo normal.


Entretanto, Gatito, que havia entrado no decorrer da etapa final no lugar do contundido Helton Leite, ignorou a vontade de seu comandante e logo depois de sofrer o gol paraguaio começou a fazer cera em todas as oportunidades que teve pra isso, no intuito de levar a decisão da vaga para a disputa de pênaltis. Desta forma, a cada defesa, demonstrava uma impressionante firmeza em seu próprio taco, superando as expectativas dos torcedores que receavam a entrada de um goleiro ‘frio no jogo’.

Gatito não entrara frio. Entrara gelado! Ora, se Jefferson é o homem de gelo, Fernández é o gato de gelo. A autoconfiança do goleiro logo foi justificada ao defender três das quatro cobranças penais paraguaias. A segunda defesa, na qual estatelado e impávido espalmou a bomba à queima roupa de Jorge Mendoza é, inclusive, uma das mais fantásticas da história do futebol, ultrapassando a de Gordon Banks em cabeçada do Divino Crioulo na Copa de 70. E assim, Gatito garantiu, devida e majestosamente, o lugar de um dos maiores clubes da América do Sul na fase de grupos da Taça Libertadores.