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SÉRIE ‘TIME DOS SONHOS’: ‘HONRANDO AS CORES DO BRASIL DE NOSSA GENTE’

por André Felipe de Lima


A série “Time dos sonhos”, um projeto oriundo da enciclopédia “Ídolos – Dicionário dos craques”, apresenta, nesta terceira edição, o maior Botafogo de todos os tempos. Montar um esquadrão alvinegro, percorrendo mais de 100 anos de uma gloriosa história recheada de craques inesquecíveis, é, no mínimo, um risco de “lesa-pátria”. Mas nossa odisseia pela história dos principais heróis botafoguenses nos permite a arrogante (porém pertinente) escalação. Vamos lá, então. No gol, é ele: Manga (1959 a 1968). O grande Manguita. Não há como discordar que o arqueiro foi o maior que o Botafogo já teve. Em nove anos de clube, conquistou quatro vezes o Campeonato Carioca, em 1961, 1962, 1967 e 1968. Foi também campeão da Taça Brasil, em 1968, e do Torneio Rio-São Paulo, em 1962, 1964 e 1966. Manga integrou aquele que é, até hoje, o melhor time montado pelo Botafogo. “Em 1959, o João Saldanha foi ao Recife, onde eu jogava pelo Sport, e me levou para o Botafogo, quando eu tinha 21 anos. Lá joguei dez anos, participando de conquistas históricas. Serei Botafogo até morrer”, disse ao repórter Rogério Daflon, em 2008. O mesmo Saldanha, que completaria 100 anos no último dia 3 de julho, acusara Manga de ter feito corpo mole em um jogo contra o Bangu, na final do Campeonato Carioca, de 1967. Indignado com o que acreditava ser verdade, o João “Sem medo” correu atrás do goleiro, com arma em punho, e disparou o balaço. Manga escapou por pouco. “Fiquei muito chateado, porque sempre atuei em campo com a maior seriedade, e o Botafogo venceu aquela decisão por 2 a 1. Quando vi o Saldanha armado no Mourisco, atirando em mim, resolvi correr. Daquela forma, não havia como enfrentá-lo. Um mês depois, fizemos as pazes e ficou tudo bem”.


Manga (Foto: Severino Silva)

As mãos, com os dedos todos tortos, dimensionam o empenho de Manga no arco alvinegro e nos de outros grandes clubes brasileiros, como Sport, Inter, Coritiba e Grêmio. Modesto, costuma dizer que apenas procurou “fazer o melhor” pelo Botafogo e que cabe aos jornalistas dizerem se foi ele ou não o melhor goleiro da história do Botafogo. Concluímos que sim, Manga.

Mas seríamos injustos com a história do Fogão se omitíssemos outros grandes arqueiros que passaram por General Severiano, ou mesmo por Marechal Hermes, no momento mais triste do Botafogo. O niteroiense Victor Corrêa Gonçalves, o Victor (1929 a 1934 e 1934 a 1935), foi, talvez, o primeiro grande goleiro a verdadeiramente brilhar pelo Glorioso. Um genuíno paredão do time que conquistou os Campeonatos Cariocas de 1932 (competição em que permaneceu 15 rodadas sem sofrer gols), 1933 e 1934. Ficou até 1935 no clube, mas não chegou a defendê-lo na campanha do “tetra”, naquele mesmo ano. Uma contusão em fevereiro, durante uma peleja contra o River Plate, determinou o fim prematuro da carreira do goleiro. Apelidado de “Gatinho”, Victor, diziam, entrava em campo sob a regência etílica de uma boa dose de cachaça para, justificava aos cronistas, encorajá-lo em campo. Parece que dava certo. Mas Victor não teve vida fácil no arco do Fogão. Teve de conviver com dois fortíssimos adversários na posição: Germano Boettcher Sobrinho (1928 a 1935), que esteve na Copa do Mundo de 1934, e Roberto Gomes Pedrosa (1930 e 1934), que jogou pouco pelo Botafogo, mas o suficiente para que fosse lembrado para o gol da seleção brasileira, junto com Germano, na Copa de 34. Aliás, o elenco do Brasil naquele mundial, marcado pela rixa entre cariocas e paulistas, contou com oito jogadores alvinegros.

Logo após Victor deixar os gramados e Germano e Pedrosa buscarem outros rumos para suas carreiras, o Botafogo acolheu um rapaz baixinho e muito magro para vestir a camisa número um. Chamava-se Aymoré Moreira (1936 a 1946), irmão do renomado treinador Zezé Moreira. Apesar da baixa estatura, voava na bola como poucos. Outras feras no gol do Botafogo foram Ary Nogueira César (1942 a 1950), egresso do Coritiba, onde foi ídolo, Osvaldo Baliza (1944 a 1953), que fechou o gol alvinegro no antológico título carioca de 1948, Cao (1965 a 1974), o que ocupou a vaga de Manga, em 1968, Paulo Sérgio (1980 a 1984), terceiro goleiro da seleção na Copa de 82, Wagner (1983 a 2002) e Jefferson (2003 a 2005 e 2009 até hoje), que, para muitos, é o segundo melhor goleiro da história do Fogão, simplesmente pelo arrojo, classe e longo histórico que construiu no clube.

Na lateral-direita, o nome é Carlos Alberto Torres (1971). Bastou apenas um ano no Botafogo para se consagrar, mesmo sem conquistar sequer um título com a camisa alvinegra. Chegou a General Severiano com a fama de capitão do escrete tricampeão mundial, em 1970, no México. Era o “Capita”, afinal.


Morto em outubro de 2016, Carlos Alberto deixou dúvidas entre tricolores, santistas e alvinegros. Para qual time o ídolo torcia, silenciosamente, desde a meninice? Não há o que questionar. O Capita foi o melhor lateral-direito da história dos três clubes. E também não pairam dúvidas sobre a paixão que nutria pelo Botafogo, seu verdadeiro clube do coração. Fato devidamente confirmado pelos mais íntimos amigos do craque. Até o último momento, foi um apaixonado botafoguense. Sempre lamentou a derrota (1 a 0), para o Fluminense, na polêmica final do Campeonato Carioca de 1971. O zagueiro Sebastião Leônidas (1966 a 1971), que também figura nesse timaço e sobre quem falaremos mais adiante, recordou a angústia do Capita naquele domingo, no Maracanã: “Ele saiu contundido após um choque com Marco Antônio e viu, do banco, o ponta-esquerda Lula correr pelo setor que deveria ser o dele e marcar, no último minuto, o gol da nossa desgraça.”

Até Carlos Alberto eternizar-se como o maior lateral-direito botafoguense, houve outro grande jogador na posição: Zezé Procópio (1938 a 1942), que, antes de se destacar no futebol carioca, foi campeão em Minas Gerais, pelo Villa Nova e pelo Atlético. No ano em que chegou ao Botafogo, foi titular da seleção brasileira terceira colocada na Copa do Mundo de 1938, mas deixou uma marca desagradável naquela competição: Zezé Procópio foi o primeiro jogador brasileiro a ser expulso em um Mundial, após dar um pontapé em Nejedly, no empate em 1 a 1 com a antiga Tchecoslováquia.

Outro lateral que brilhou na direita foi Cacá (1958 a 1964), morto recentemente. Além de bom de bola, o ídolo foi líder dentro e fora dos campos. Uma impetuosidade – igualmente a Carlos Alberto Torres – devidamente reconhecida pelas torcidas do Fluminense e do Botafogo. Na década de 1970, despontou outro grande nome na direita: Perivaldo (1977 a 1982), o “Peri da Pituba”, como os saudosos e queridos locutores Jorge Cury e Waldir Amaral. Perivaldo chegou ao Botafogo com a pecha de ídolo do Bahia. Não decepcionou, e caiu nas graças da torcida e do técnico Telê Santana, da seleção brasileira, que convocou o lateral para alguns jogos do escrete canarinho. O fato é que Perivaldo, após abandonar os gramados, sumiu do noticiário. Quase três décadas depois, a reportagem do programa “Fantástico”, da TV Globo, localizou Perivaldo em Lisboa. Outrora ídolo, o craque tornou-se morador de rua na capital portuguesa. Logo após Perivaldo deixar o Fogão, em 1982, surgiu no clube outra revelação na lateral-direita: Josimar (1982 a 1989), um marcador que avançava com impetuosidade pelo lado do campo. O estilo ousado fez de Josimar uma das figuras mais emblemáticas da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1986, no México. Josimar, além de gol espetacular, foi um dos poucos jogadores daquele escrete que mereceram elogios após a eliminação diante da França. Fora dos gramados, Josimar teve alguns percalços. Foi preso sob a acusação de que estaria portando drogas. O que nega, até hoje, veemente. Mas Josimar foi, e aqui não cabe oposição, um dos mais empolgantes lateral destros da história alvinegra.


A zaga histórica do idílico Botafogo dos sonhos continua com o argentino Basso (1950 a 1951), que defendeu o clube em poucos jogos. Não chegou nem a 20 partidas, entre setembro de 1950 e janeiro do ano seguinte. Mas foi o suficiente para fazer dele, como muitos cronistas botafoguenses do passado reconhecem, o melhor zagueiro central que já defendeu o Glorioso. O saudoso e querido cronista Luís Mendes o definia como aquele zagueiro “louro, de técnica refinada e que jogava como o Domingos da Guia”. Muitos por aqui ignoram quem foi Basso, e Mendes não exagerou na comparação com Domingos. O craque argentino é considerado um dos maiores jogadores da história do tradicionalíssimo San Lorenzo de Almagro e um os melhores defensores argentinos em todos os tempos. Se Basso aportou em General Severiano, foi graças ao empenho, inicialmente, do famoso repórter (e torcedor do alvinegro, claro) Geraldo Romualdo da Silva, do Jornal dos Sports, que disse a Basso que deveria jogar pelo Botafogo, e, em seguida, do próprio Luís Mendes, que apresentou o craque argentino ao presidente do clube, Adhemar Bebianno. Foi paixão à primeira vista.

Mas outros bons jogadores pintaram no miolo da zaga alvinegra: Nariz (1934 e 1941), que esteve na Copa do Mundo de 1938; Gérson dos Santos (1945 a 1956), que formou zaga com Nilton Santos no título de 1948, e Brito (1970 a 1971, 1973 e 1974), o xerife da seleção na Copa de 70.


Para formar dupla com Basso, escalamos outro clássico zagueiro: Sebastião Leônidas, um camarada incapaz de chutar a bola a esmo. Ela sempre tinha endereço certo: os pés de algum companheiro rumo ao campo adversário. Leônidas brilhou, primeiramente, no América e depois migrou para o Botafogo. Esteve cotado para ir à Copa de 70, mas uma lesão o tirou de cena. A “Selefogo” de 1968, com Gérson, Roberto Miranda e Jairzinho, teve Leônidas como um dos seus principais craques.

Uma das predileções de Leônidas era derrotar o Flamengo. O zagueiro esteve em campo na goleada de 6 a 0 imposta ao Flamengo, no dia 15 de novembro de 1972, data em que o rubro-negro festejava 77 anos de existência. Por conta do clássico, o zagueiro, em um assomo de sinceridade, traduziu em palavras o mesmo estilo clássico com que tratava a bola. Simplesmente insinuante e mordaz: “O Botafogo é um time de alma moleque e eu me incluo entre os que adoram ver a torcida (do Flamengo) aos prantos. Dá uma extraordinária sensação de bem-estar, porque derrotar o Flamengo é calar toda a cidade.”

Escalaria para a “reserva” de Sebastião Leônidas o grande Gonçalves (1989 a 1990, 1995 a 1997 e 1998). O zagueiro foi a alma do Botafogo campeão brasileiro, em 1995.


A zaga ficará completa com a “Enciclopédia” Nilton Santos (1948 a 1964). Jamais houve (ou haverá) um lateral-esquerdo como ele. Nos corações dos botafoguenses, Nilton Santos é intocável, um gênio que vestiu apenas duas camisas em toda a vida: a do Botafogo e a da seleção brasileira. Comovia o amor que nutria pelo Glorioso. Emocionava a forma como falava do clube. Não… realmente não há como escolher outro jogador para escalar na lateral canhota do Botafogo dos sonhos.

Mas o clube teve outros bons jogadores que atuaram pela linha esquerda da defesa. Heitor Canalli (1929 a 1933 e 1935 a 1940) foi um deles. Com o Fogão, conquistou o Campeonato Carioca em 1930, 1932 e 1933. Perambulou pela Itália, onde defendeu o Torino, sem sucesso. Voltou ao Alvinegro, em 1935, e foi, novamente, campeão carioca. Juvenal (1946 a 1957), campeão em 1948, quando Nilton Santos ainda jogava como zagueiro, foi outro excelente lateral-esquerdo. Teve também o Rildo (1961 a 1966), brilhante na década de 1960 e também ídolo no Santos. O último grande lateral-esquerdo do Botafogo foi Marinho Chagas (1972 a 1976). Um jogadoraço.


Armar o meio de campo do maior Botafogo que desejaríamos ver, sem tempo, sem relógio, não é tão simples assim. O que tem de craque de bola não está no gibi. Tivemos de remanejar um deles, que jogava um pouco mais avançado, para a posição de centromédio ou volante, como queiram. Esse cara é o Gérson (1963 a 1969), o “Canhotinha de ouro” da Copa do Mundo de 1970 e da “Selefogo”, de 1968. Ao contrário do Capita, que foi ídolo do Fluminense e curtia mais reservadamente a paixão pelo Fogão, Gérson é torcedor loquaz do Tricolor, porém ídolo inconteste do Glorioso. Desde que começou, no Flamengo, e depois brilhou intensamente na Seleção, no Botafogo, no São Paulo e no Fluminense, “Canhotinha” falava em alto e bom som que o Fluminense era o time para o qual torcia. Mas, defendendo o Botafogo, e sobre isso não tenho dúvida, Gérson foi muito mais craque. Muito mais ídolo, inclusive. Por isso, encontramos uma forma de fazer dele o par perfeito de Didi (1956 a 1959, 1960 a 1962, 1964 a 1965) nessa meia cancha memorável. Mas o Botafogo, ao longo dos seus mais de 100 anos, vibrou com grandes volantes. Listamos quatro deles: Martim Silveira (1929 a 1933 e 1934 a 1940), titular na Copa do Mundo de 1938; Ávila (1947 a 1952), ídolo eterno do Internacional e ícone da conquista do Campeonato Carioca de 1948; Pampolini (1955 a 1962), o escudeiro de Didi nos timaços que o Fogão montou no final dos anos de 1950 e começo de 60; Alemão (1982 a 1986), que sofreu com a escassez de título para o Botafogo e o período de dureza do clube, quando o futebol alvinegro foi transferido para Marechal Hermes, e, por fim, o holandês Seedorff (2012 a 2014), cuja passagem pelo Botafogo foi sensacional.


De Gérson para Didi, a bola rola fácil, macia, e formamos aquele que seria o melhor meio de campo em qualquer clube. Eleito o melhor jogador da Copa de 1958, Didi, cuja ótima biografia é assinada pelo jornalista Péris Ribeiro, recebeu da imprensa europeia o justo e carinhoso apelido de Mr. Football (Senhor Futebol). Nelson Rodrigues o chamava de “Príncipe Etíope do Rancho” tal a elegância com que desfilava nos gramados.

Didi, igualmente a Carlos Alberto Torres e Gérson, é outro exemplo de ídolo alvinegro e tricolor. Pelo Fluminense, foi ele a estrela do time campeão da Copa Rio, de 1952, uma espécie de “Mundial Interclubes”, realizada no Brasil. Mas foi no Botafogo em que atingiu o ápice. Foi jogando pelo Glorioso que inventou a “folha seca”, um chute que, de forma incrível, fazia a bola mudar a trajetória rumo ao gol dos pobres e incautos goleiros adversários. “Quem corre é a bola”, dizia, sabiamente, o mestre. E, sob essa filosofia, Didi comandou o meio de campo do Botafogo e da seleção bicampeã mundial, em 1958 e 62.

Outros dois meias armadores encantaram a torcida alvinegra. Geninho (1940 a 1954) e Afonsinho (1966 a 1970). O primeiro foi ídolo no futebol mineiro. Para muitos, o melhor jogador de Minas Gerais no final dos anos de 1930. Jogava tanta bola que passaram a chamá-lo de “O arquiteto”. Certa vez, um repórter da antiga revista Esporte Ilustrado questionou-o sobre o porquê de a diretoria do Botafogo relutar na concessão do passe livre. Ele humildemente respondeu, porém com um coração alvinegro latente e comovente, o seguinte:

“Para quem tem onze anos de clube, como eu, não adianta pensar nessas coisas. Com ´passe’ ou sem ‘passe’, estou amarrado. Estou preso pelo coração”. Enquanto o romântico Geninho pouco se importava com as questões do “passe livre”, o outro meia-armador histórico do Fogão, Afonsinho, pensava diferente. Foi ele o ícone da luta do jogador brasileiro pelo passe livre, e mais: fez isso durante o período mais acirrado da ditadura militar no Brasil, entre 1970 e 1974. No campo, Afonsinho incomodava os adversários pelo toque refinado e maestria com que tratava a bola. Fora dos gramados, os incomodados eram cartolas subservientes ao governo ditador e treinadores que não curtiam a ousadia do craque, um deles, Zagallo. Tornou-se notória a birra do “Velho Lobo” com Afonsinho, ora pelos vastíssimos cabelo e barba que o jogador ostentava, ora pela ideologia libertária que pregava. Ou mesmo as duas coisas juntas.


Para completar essa “meiúca” espetacular, o nosso camisa “10” é Heleno de Freitas (1939 a 1948). Seria “9”, mas decidimos escalá-lo como ponta de lança. Não há como “barrar” Heleno no “Botafogo dos sonhos”. Acho, até, que nenhum treinador em sã consciência ousaria fazê-lo. Primeiro, porque Heleno foi o jogador mais “casca-grossa” que existiu. O chamado “gênio genioso”, como a ele se referia o jornalista e radialista Luís Mendes, não aceitava a reserva, de forma alguma. Heleno tem uma das biografias mais singulares da história dos maiores ídolos do futebol brasileiro. Sua trajetória foi soberbamente narrada pelo jornalista Marcos Eduardo Neves. Leitura obrigatória para quem ainda acredita que o mundo do futebol é idílico. Talvez, somente Nilton Santos “rivalize” com Heleno pelo posto de ídolo que mais amou o Botafogo

Outros grandes pontas de lança de ofício se destacaram com a “10”: Pirillo (1948 a 1952), um camarada que mantém até hoje, mas jogando pelo Flamengo, o recorde de gols em campeonatos cariocas; Paulo Cézar Caju (1967 a 1972 e 1977 a 1978), que foi simplesmente um gênio com a bola nos pés e, certamente, o mais versátil craque que o Botafogo já teve, e Mendonça (1975 a 1982), um camisa “10” clássico, estupendo, mas que, igualmente ao Heleno, jamais levantou, profissionalmente, troféus vestindo a camisa alvinegra. Coisas que, definitivamente, só acontecem ao Botafogo.


Hora de montarmos o nosso ataque, sob o bom e saudoso “1-4-3-3”. Para a ponta-direita, uma unanimidade: Garrincha (1953 a 1965), e não se fala mais nisso. Mané dispensa apresentações, delongas ou “mais-mais”. Praticamente tudo já foi muito bem escrito sobre ele pelo Ruy Castro, na antológica biografia “Estrela Solitária: um Brasileiro Chamado Garrincha”. Este dublê de jornalista e cartunista, que assina estas pretensiosas letras sobre o Fogão, arriscou-se como documentarista, e conseguiu alguns bons depoimentos para o filme “Garrincha: Simplesmente passarinho”, ainda em edição. Há, ainda, boas histórias sobre Mané a serem contadas.


Nosso centroavante é o Quarentinha (1954 a 1964), maior artilheiro da história do Glorioso, com 313 gols. Sua história é contada no livro “Quarentinha: o artilheiro que não Sorria”, assinado pelo Rafael Casé e lançado pela Editora Livros de Futebol, do bravo botafoguense Cesar Oliveira, em 2008. Alvinegros de quatro costados, o jornalista Armando Nogueira era fã incondicional do centroavante, mas se surpreendia com a aparente frieza do craque em campo: “Quarentinha jamais celebrou um gol, fosse dele ou de quem fosse. Disparava um morteiro, via a rede estufar, dava as costas e tornava ao centro do campo, desanimado como se tivesse perdido o gol”. O artilheiro era assim, retraído, mas fenomenal. Impiedoso com os goleiros. O maior goleador que já vestiu a camisa alvinegra. Seria injusto, contudo, afirmarmos que houve apenas Quarentinha como grande goleador do Botafogo. A lista é extensa, com destaque para Carvalho Leite (1928 a 1941), Paulo Valentim (1956 a 1960), Amarildo (1958 a 1963), Roberto Miranda (1962 a 1971 e 1971 a 1972) e Túlio (1994 a 1996, 1998, 2000 e 2012).


Para finalizar a escalação dessa memorável “Selefogo”, deslocamos para a ponta-esquerda Jairzinho (1965 a 1974 e 1981), o “Furacão da Copa” de 70, permitindo a liberdade necessária para ele trocar de posição com Quarentinha, na linha de frente do ataque. Isso deixaria os adversários tontos. Jairzinho foi um atacante extraordinário e verdadeiramente apaixonado pelo Botafogo. Bastava o Gérson lançar a bola em profundidade para a corrida desenfreada de Jairzinho. Ninguém o parava. Mais um gol do Botafogo estava consumado. Na canhota, o Fogão teve verdadeiros craques: Mimi Sodré (1908 e 1916), Nilo Murtinho Braga (1919 a 1922 e 1927 a 1937), Patesko (1934 a 1940 e 1942 a 1943) e Zagallo (1958 a 1965). Mas, que todos me perdoem, Jairzinho tinha de entrar nesse time inesquecível. O maior Botafogo que o escalaríamos, se não existissem os relógios. Um Botafogo que, nos sonhos de todos os alvinegros, manterá sempre vivas as estrelas de uma constelação solidária ao amor que todo botafoguense nutre pelos seus heróis, em preto e branco. Um Botafogo de cinema, meus amigos, diria o centenário (e botafoguense) João Saldanha.

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CACÁ, UM ÍDOLO BOTAFOGUENSE, PARTIU

por André Felipe de Lima


(Foto: Reprodução)

Carlos de Castro Borges, o lateral-direito Cacá, esteve próximo de realizar um sonho para qualquer jogador de futebol: defender a seleção brasileira em uma Copa do Mundo. Em abril de 1958, o técnico Vicente Feola preparava a lista que de craques que iriam à Suécia para defender o escrete. Cacá era nome certo, mas, na última hora, Feola desistiu de levá-lo e convocou De Sordi e Djalma Santos. Até hoje o motivo para corte de Cacá não ficou muito claro. João Havelange, que à época era o mandachuva da seleção, mostrou-se surpreso com a saída de Cacá e acreditava, num primeiro momento, que o jogador é quem pedira para sair: “Todo atleta deve se sentir honrado em vestir a camisa da entidade que representa a sua pátria. Eu, quando fui convocado para as seleções de natação e water-polo, sempre me senti orgulhoso de ver o meu nome dentre os convocados. É estranho que um jogador de futebol procure fugir a um chamado para o qual ele, mais do que nunca, devia estar disposto a dar o máximo de sua capacidade física, técnica e mental.”

A pinimba de Havelange com Cacá pode ter origem no fato de o craque ter sido o precursor da luta pelo “passe livre” no futebol brasileiro. Bem antes do grande Afonsinho, com a sua luta pelo passe livre no começo dos anos de 1970, Cacá já peitava a cartolagem para ter os seus direitos preservados. Exigia sempre cláusulas que lhe garantissem o passe livre após o término dos contratos. Isso aconteceu com o América, seu primeiro clube, e de forma traumática. Cacá incomodou [e muito!] os cartolas de sua época ao se recusar a voltar ao América, em setembro de 1955, mesmo com o clube exigindo juridicamente seu passe e ignorando a cláusula contratual que facultava ao atleta o passe livre.

De 1950 a 1954, Cacá permaneceu como amador do América, que defendia desde os juvenis, no final dos anos de 1940. Tentara ingressar nas divisões de base do Botafogo, clube que ficava próximo de sua casa e da praia, onde também jogava bola. Mas o Botafogo não o quis. “Eu sempre fui torcedor do Botafogo e, por isso, frequentava o Clube com o meu pai, antes mesmo de começar a minha carreira de jogador. Como eu conhecia o Octávio Morais, ex-jogador, eu tinha contato com alguns jogadores do Botafogo da época, entre eles o Nilton Santos”. No América, pelo menos, conseguia conciliar os jogos do time amador e com os da praia, dos quais não abria mão de jeito algum.

Em 1952, Cacá vivenciou uma fase muito boa no América sendo, inclusive, convocado para compor a seleção brasileira que se preparava para disputar os Jogos Olímpicos, em Helsinque. Mas, surpreendentemente, Cacá pediu dispensa da seleção. Não teve culpa alguma no imbróglio. Se houve culpada, foi a diretoria do América que o requisitou, agora como profissional, para um jogo — o primeiro jogo oficial da carreira de Cacá — contra a toda poderosa seleção do Uruguai, bicampeão mundial, em Montevidéu. 

Cacá era vítima das manobras dos dirigentes, que fazem o que bem entendem com os jogadores. Ali, o jogador começou a ficar mais atento com os cartolas. Afinal, ele era um exemplo de jogador e, mais: um jovem craque, com um potencial para ser ídolo da torcida. Mal iniciara sua carreira profissional no América do Rio, em outubro 1954, quando assinou seu primeiro contrato, Cacá foi agraciado com o prêmio Belfort Duarte pela sua desportividade em campo.

Mesmo sendo exemplo dentro e fora dos gramados, Cacá não foi respeitado pela diretoria do América. Em setembro de 1955, após uma renhida negociação com os cartolas para que liberassem o seu passe para o Fluminense, que sinalizara querer contratá-lo, Cacá vencera, enfim, uma guerra jurídica contra o América. Não foi fácil. A diretoria do América recorreu de todas as formas para mantê-lo no clube. O Ministério do Trabalho chegou a intimar a antiga Confederação Brasileira de Desportos [CBD] e a antiga Federação Metropolitana de Futebol [FMF], em vão, para que decidissem sobre o caso “Cacá”, mas ninguém quis interferir para não melindrar a cartolagem. Cacá estava prestes a perder a causa de forma injusta e lastimável.

Naquele período conturbado de sua vida profissional, Cacá, que era o capitão do time, cursava o segundo ano da faculdade de engenharia na antiga Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica, na qual se formaria em dezembro de 1958. Teve de, provisoriamente, trancar a matrícula para tentar resolver a situação com o América. “Eu não podia mais permanecer no clube. Depois de combinar um encontro com os diretores para reformar o contrato, e eles faltarem sem uma palavra de justificativa, vi que estava sobrando e que o melhor seria procurar outro ambiente. Na verdade, o América nunca mostrou interesse por mim. Do contrário teria concordado em procurar-me […] Não estou lutando por dinheiro, mas por convicção”, disse ao jornal O Globo, no auge da tensão com os cartolas, que tentaram de todas as formas prejudicar a imagem de Cacá para forçá-lo a permanecer no clube.

Cacá tinha direito ao passe livre por acordo e cláusula assinada logo expirasse o contrato. Além do passe livre, outro fator garantia a ele defender outro clube em 1955: Cacá, até outubro, não havia disputado uma única partida pelo América por conta de uma cirurgia de apêndice. Mas ele estava decidido e, desiludido, não mais desejava defender o América: “Juro por minha fé de ofício, pelo prêmio de disciplina que me foi conferido — o prêmio ‘Belfort Duarte’ — que jamais tive intenção de fugir aos meus compromissos legais, como algumas pessoas do América pretendem insinuar, alegando até, o que é inteiramente absurdo, que forcei a operação do apêndice só para ganhar tempo e não jogar mais este ano, de maneira que ficasse livre para me transferir… É falso. Vou contar o que houve. Tenho um músculo distendido desde o dia 9 de julho. Machuquei-me em S.Paulo, ao enfrentar o Corinthians pelo Torneio Charles MIler. Nesse ínterim, fui operado. A 5 de agosto, deixei a Casa de Saúde e retornei aos treinos. Somente depois que o médico declarou que eu não estava restabelecido da distensão e que precisava continuar o tratamento, foi que comecei a faltar aos exercícios. Mas ainda não estou bom. Tanto que continuo tomando aplicações no Fluminense. Por causa da operação, permaneci apenas vinte dias inativo. No entanto, os que me acusam em Juízo, falam em dois meses de ‘ausência premeditada’.”

A indignação de Cacá com o América por pouco não o fez abandonar a carreira de jogador. O craque ameaçou pendurar as chuteiras caso os órgãos esportivos competentes ou mesmo a Justiça do Trabalho proferissem decisão favorável ao América.


(Foto: Reprodução)

No fim de outubro, a pendenga foi resolvida e Cacá estava livre para defender o novo clube, que tinha no comando o treinador Gradim. Foi o técnico, aliás, quem sugeriu aos diretores do Fluminense que o contratassem após descobrir, durante um almoço informal, que Cacá estava com o passe livre. Gradim procurou Augusto Borges, pai de Cacá, e disse estar interessado em levá-lo para as Laranjeiras. O pai de Cacá conversou com o filho e expôs a situação. Cacá, já bastante indignado com a desgastante relação com o América, aceitou desde que as cláusulas que lhe garantissem ser dono do próprio passe e o de poder estudar mesmo em dias de jogos, se assim fosse exigido pela Universidade. Os diretores do Fluminense aceitaram as condições impostas por Cacá talvez para evitar briga futura com um jogador bem informado e convicto dos seus direitos profissionais. Começava a mudar, ali, com Cacá, a relação dos clubes com seus atletas.

No Fluminense, Cacá jogou como zagueiro, substituindo Píndaro, que formava a zaga com o goleiro Castilho e o zagueiro Pinheiro, este último um dos grandes amigos que Cacá teve após abandonar o futebol. Foram 123 jogos e o título de campeão do Torneio Rio-São Paulo, em 1957, com o Fluminense. Um período em que conquistou muito prestígio. Mas o melhor estava por vir, no Botafogo, onde aportou em março de 1958, no auge e convocado para a seleção brasileira que se preparava para a Copa do Mundo. Foi, infelizmente, cortado, mas a trajetória que construiria no Alvinegro, que um dia o rejeitou, seria a mais auspiciosa de sua carreira.

Em General Severiano, Cacá brilhou ao lado do centromédio Pampolini, goleiro Manga, do lateral-esquerdo e grande amigo Nilton Santos, do lateral Rildo, do magistral Garrincha, do mestre Didi, do artilheiro Quarentinha, do “formiguinha” Zagalo, do “possesso” Amarildo e do “trombador” Paulo Valentim. Dois destes craques foram grandes amigos de Cacá: Pampolini e Nilton Santos, este último, uma amizade que começou em 1955, quando ambos defendiam um selecionado carioca. Ademir de Menezes, ídolo vascaíno, também foi amigo de Cacá, que era o titular absoluto da lateral direita do Botafogo até 1961, quando uma insistente contusão na coxa o tirou do time na campanha do título carioca daquele ano. Abriu-se, portanto, a vaga para o jovem Rildo, mas Cacá, enfim, conquistara seu primeiro campeonato. Em 1957, perdera a final para o mesmo Botafogo, quando defendia o Fluminense, após a acachapante goleada de 6 a 2.

Em 1964, Cacá foi contratado pela Portuguesa de Desportos em um período de êxodo de cariocas para o Canindé. Muitos craques seguiram para lá, como o lateral Jair Marinho [ex-Fluminense], o grande amigo de Cacá, o meia Pampolini, o centroavante Henrique Frade [ex-Flamengo] e o extraordinário Dida [ex-Flamengo]. Dois anos depois, Cacá decidiu pendurar as chuteiras.

Carioca, de Botafogo, bairro da zona sul, Cacá nasceu no dia 31 de agosto de 1932. Sua fama de líder dentro e fora dos campos sempre foi notada e devidamente reconhecida pelas torcidas do Fluminense e do Botafogo. Muitas décadas após deixar os gramados, tornou-se amigo inseparável de Nilton Santos. Quando este foi internado em 2007, Cacá o visitava todos os sábados, o que se sucedeu até o dia da morte de Nilton Santos, em 27 de novembro de 2013.


Cacá não fez fortuna com o futebol, mas não teve do que se queixar com o que o esporte lhe proporcionou. Tornou-se um bem sucedido engenheiro civil e manteve uma vida tranquila. Foi um dos poucos craques de sua época que não insistiram com o futebol, mas como treinador: “O futebol foi o trampolim que eu soube explorar para ter sucesso na vida”. E a sua primeira obra como engenheiro foi a construção da casa do amigo Didi, na Ilha do Governador, em 1959, um ano após se formar. Da engenharia da bola para a dos prédios, Cacá foi um craque que deu certo.

Na quarta-feira, dia 7 de junho de 2017, vítima de câncer, Cacá partiu, e deixou tristes os botafoguenses e, sobretudo, nós, que amamos o futebol de verdade.

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AINDA BEM QUE SÃO (QUASE) HUMANOS

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha

Anteontem, nove da manhã, partiu perto de casa uma caravana de torcedores do Botafogo rumo ao Maracanã. Meia hora depois encontrei um deles que ficara pelo caminho, desolado e sentado na padaria. Estava indisposto, tomara um Sonrisal e preferiu ficar e assistir a partida pela televisão. O reencontrei à noite e ele estava brabo com o Rodrigo Pimpão. Segundo ele, não jogara nada e por isto foi fácil para o Flamengo alcançar a classificação às finais.

Como tricolor, igualmente classificado, disse, sem provocação, que ainda bem que era assim o futebol, um esporte praticado por seres humanos. Com uma diferença: com qualquer indisposição, principalmente aquelas em que bastam um sal de frutas, Rodrigo Pimpão, Lindoso, Camilo e Cia. tinham que embarcar no ônibus do clube, vestir a camisa e ir a campo defender sua paixão. E como toda a arte que é realizada ao vivo, serem contidos pela emoção e iluminados pela inspiração.


Se o seu filho Pipãozinho está com febre, seu salário atrasado, sua filha não fora bem na prova e ainda brigara com o namorado, paciência, mesmo não se sentindo bem, o chefe de família tem que jogar. E disse para ele, como advogado da classe: sabe quais os jogadores de futebol que atuam sempre do mesmo jeito, mantendo suas médias de atuações? Aqueles escalados por nossos filhos, não pelo Jair Ventura, que jogam no Playstation comandados por joysticks.

Neste jogo, com os atletas cada vez mais próximos da perfeição física, não há surpresas dos jogadores, mas daqueles que habilmente os manipulam. Enquanto a Sony patrocinar uma competição organizada pela FIFA, e usar o direito de comercializar seus jogadores nos joguinhos, tudo bem, mas já imaginou o contrário? Uma Champions League, uma Copa do Mundo, organizada pela Sony e disputada no computador?


Sábado, meus filhos, que torcem pelo Real Madrid disseram que seria mais fácil vencer o meu Barcelona dia seguinte sem o Neymar. Principalmente, segundo eles, porque Lionel Messi estaria passando por uma fase ruim. Mal iriam imaginar meus meninos que aquele argentino, quase de carne e osso, dormira bem, tomara o melhor café da manhã da sua vida, fora ao banheiro com a regularidade dos fins de semana em que enfrentara o Sevilha, o Atlético de Bilbao, e entraria no Estádio Santiago Bernabeu motivado para realizar toda aquela magia. Seres quase humanos a habitar nosso imaginário carente de emoções nos finais de semana.

Que bom que continuem assim, de carne, osso, carregando os seus problemas da vida e entrando em campo para tentar amenizar os nossos. Aos humanos comuns cabe a tarefa de pagar o ingresso, subir naquele ônibus da torcida ou ligar a televisão e assistir o imponderável. Não tem preço. Tem uma única magia chamada futebol. Quando pega na veia nos consagra, quando um penalty é perdido nos arrasa, o que fazer se, mesmo assim, ele faz um bem danado na vida da gente?

NÃO SE SERVE MISTO FRIO EM RESTAURANTE CINCO ESTRELAS

por Zé Roberto Padilha


(Foto: Reprodução)

Pobre do torcedor do Botafogo, foi o ultimo freguês deste cardápio insosso que tem sido servido ultimamente pelos clubes que ascenderam a Copa Libertadores: misto frio. No lugar de serem premiados com pratos renomados que aqueçam suas paixões, são punidos com sandubas frios e improvisados, como a frágil equipe escalada ontem para enfrentar o Vasco na decisão da Taça Rio. A fome de títulos da gloriosa estrela da casa Nilton Santos não pode ser alimentada com uma salada de batatas em que você coloca uma pitada de Bruno Silva e acha que ela alcançará o sabor da vitória. No mínimo, há de ser preservada o fino paladar sempre servido em campo ao longo da sua gloriosa história.

O desrespeito maior é subestimar o entrosamento. Para isto existe uma pré temporada, onde vários ingredientes são colocados à disposição do mestre cuca Jair Ventura. Vegetais das divisões de base, Pimpões de safras passadas e carnes frescas do mercado são colocadas à disposição para que ele encontre uma consistente textura. E agrade a massa. Mesmo com alguns desfalques, que seu molho chegue ao ponto até o Campeonato Brasileiro e cause indigestão nos adversários. Não no Guilherme, meu filho, que divide sua paixão alvinegra com o Real Madrid e foi ontem literalmente desrespeitado. Mal servido por um time desentrosado e mal escalado quando disputava não uma pelada, mas uma importante taça. Quem disse, afinal, que o título carioca é de menor importância diante dos outros?


(Foto: Reprodução)

Mesmo porque a Colômbia é logo ali, não justifica ser erguida uma faixa de gaza entre titulares e reservas. Ela já foi distante no tempo do Manga, do Rogério e do Rildo, em que o quadrimotor da Varig levava cinco horas de viagem. Agora não, pela metade do tempo e o dobro do conforto nossos jogadores são transportados. É possível, como sempre foi, jogar no domingo, viajar na segunda, descansar na terça e enfrentar os adversários na quarta. O torcedor sabia de cor seu time titular, que quanto mais jogava, mais se entrosava. E reserva sempre foi reserva, vai ficar de molho até encorpar o sabor, ganhar sustância para depois merecer fazer parte da iguaria que teve Garrincha. Ser figurinha cobiçada em um álbum que tinha também Gérson, Roberto e Jairzinho.


(Foto: Reprodução)

Passo na banca e leio há pouco: Taça Fabulosa. Poderia até ser o prato principal no cardápio esportivo de hoje, o Vasco não tem culpa de nada, escalou quem tinha de melhor e venceu com todos os méritos. A indigestão fica para quem, como meu filho, aprendeu a frequentar um restaurante cinco estrelas e, em plena páscoa, lhe servem um misto frio em um prato morno numa tarde fria de domingo. Que vai precisar logo da quarta para ser digerida e esquecida.

BERG, UM ANJO ALVINEGRO

por André Felipe de Lima


(Foto: Reprodução)

Na década de 1980, o torcedor do Botafogo chegou ao limite da paciência com o desempenho do time. Desde 1968, e nada de troféus, nada de alegria. Na arquibancada prevalecia uma incômoda melancolia. Mas havia um jovem manauara chamado Ninimberg, ou, simplesmente, Berg, que começaria a mudar aquele cenário tristonho dos alvinegros. Um camisa dez muito habilidoso e com um carisma invejável. Hoje, dia 16, Berg faria 54 anos.

Sua estreia no Fogão foi sob o comando do técnico Sebastião Leônidas — ídolo botafoguense nos anos de 1960 —, no dia 26 de junho de 1983, em Barbacena, na vitória de 4 a 0 do Botafogo sobre um combinado da cidade mineira. Mas o jogo “à vera” que marcou o primeiro encontro da torcida com Berg foi realizado no dia 24 de julho, de 1983, em um clássico eletrizante com o Vasco. O Fogão saiu de campo com uma vitória heroica (3 a 2) e Berg, que fizera um dos gols do Botafogo, foi aclamado após uma atuação impecável.


(Foto: Reprodução)

No dia seguinte após a vitória sobre o Vasco, o jornal O Globo definiu Berg como o craque do jogo: “O melhor da equipe. Sempre bem colocado, participou praticamente de todos os lances de ataque, ajudou na marcação e abriu a defesa adversária, além de ter feito o primeiro gol. Cansou no final. Nota 9,5”. Berg cansou. Tudo bem. Mas o cara só faltou fazer chover naquela tarde, no Maracanã.


(Foto: Reprodução)

Embora o Botafogo somente encerraria o jejum em 1989, a paixão do torcedor botafoguense por Berg jamais foi abalada. Mesmo quando o time jogava mal, o ídolo era sempre poupado. Quando o craque esteve parado por mais de um ano, cartas e mais cartas chegavam ao clube. Todas desejando que o craque se recuperasse logo para injetar no elenco alvinegro a tradicional garra que marcou seu estilo nos gramados. “Devo muito a essa torcida, que até hoje grita meu nome, mesmo quando estou mal.”

No dia 11 de julho de 1996, Berg, contando apenas 33 anos, sentiu-se muito mal quando jogava uma pelada em uma quadra, no Recreio dos Bandeirantes, na orla do Rio de Janeiro. Foi levado para o hospital Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, mas a parada cardíaca lhe roubou a vida e deixou muito tristes todos os alvinegros que se encantaram com aquele craque, que, ao ostentar uma cabeleira loura e encaracolada, parecia-se mais com um anjo que propriamente um jogador. Um anjo redentor do amor alvinegro pela Estrela Solitária.


(Foto: Reprodução)

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