por Rubens Lemos
Ela resolveu desabafar. A gordinha mais desejada do mundo em tempos idos, está sofrendo. Tratada com estilo poético por homens que a correspondiam, hoje sofre pela brutalidade que domina os gramados onde exalava o aroma puro das velhas figueiras. A bola decidiu conversar e demonstrar o quanto guarda de amor para dar, sentimento reprimido em vingança aos mastodontes do futebol. Jogada à linha de fundo de um campo vazio, implora pelo romantismo de velhos parceiros de sexo ardente, dos gênios, peritos em toques eróticos que dominavam uma mulher agora amarga, quase frígida.
RLF – O que a levou à tanta tristeza?
Bola – Meu caro jornalista, que pelo andar vi que nunca jogou nada, vivo de forma vegetativa nos gramados. Há muito tempo, o prazer do sexo em quatro linhas virou pesadelo. Homens brutos, ruins no trato, me espancam no mundo inteiro. O futebol virou um jogo de gladiadores, uma arena romana sem charme. Eu estou no limite de minhas resistências físicas, emocionais e sexuais.
RLF – A senhora está dizendo que não há quem a satisfaça em seus desejos?
Bola – Somente aquele baixinho argentino, o Messi. Fico cheia de tesão só em pronunciar seu nome. Messi me trata com carinho, me seduz com seus truques mágicos, me acolhe, me toca com ternura, demonstra amor a mim. Só existe ele assim no mundo de hoje…
RLF – E Neymar?
Bola – É um pretencioso, um ganancioso, um prepotente, acha que mulher nasceu para ser objeto. Sou uma bola, feminina (cá pra nós, detesto essa onda feminista), e Neymar quer ser meu cafetão, me sequestrando para se exibir com dribles que nunca lembrarão os de Manuel Francisco.
RLF – Como era a relação com Garrincha?
Bola – Que me perdoe a Elza (Soares), mas a mulher da vida dele fui eu. Manuel me cortejava, dizia que durante o baile do jogo, não me deixaria dançar com mais ninguém. Me driblava, me sorria, corríamos juntos naquele voo terrestre de passarinho feliz que ele era. No amor, Manuel me cativava e me levava a espasmos deliciosos.
RLF – E com Pelé?
Bola – Uma longa história, que começa quando ele chega de Bauru para o Santos. Seu apelido era Gasolina. Um menino com olhar de pantera indomável. Me arrepio cada vez que lembro das suas carícias. Me protegia, me fazia apenas dele, humilhava os que vinham tentar me sequestrar. Vivi com ele todas as suas glórias. Até nos Estados Unidos morei. Ele é uma força da natureza, nunca surgirá outro nem parecido. Nem jogando nem me amando.
RLF – Tenho que tocar no que lhe dói. Você se diz maltratada, violentada, não há possibilidade de trégua ou reconciliação com os jogadores atuais?
Bola – Senhor jornalista, deixe de ser ingênuo, o senhor é um crédulo. Não se muda a genética. Nenhuma poção mágica fará Casemiro, um dos agressores, ganhar algo de técnica no meu manejo. Ali, por onde circulam, em vão, Casemiros e Fernandinhos, fui tratada como lady por Paulo Roberto Falcão, Dino Sani, Zito, Clodoaldo, Cerezo (quando não tremia em Copa do Mundo), Carlos Alberto Pintinho, Carpegiani e Andrade. Veja a diferença, jornalista!
RLF – De quem é a culpa por deixá-la tão melancólica?
Bola – Dos dirigentes, que acabaram o futebol nas bases. Gente, menino de 7,8 anos não é para cumprir função tática. É para brincar de jogar até descobrir sua vocação. Os técnicos devem ser ex-jogadores. Como alguém que sequer me domina em dois toques de embaixadinha, pode ensinar a outro?
RLF – Para finalizar, você tem esperança em sair desse banzo?
Bola – Sinceramente, não. Me sinto desprezada, sem importância. Vou atrapalhando ao máximo aqueles sem habilidade, que me machucam nos seus chutões. Aos craques, se houvessem, diria: “a vocês, sou dessas mulheres que só dizem sim. “