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Bangu

UM REI A BANGU

por Marcos Vinicius Cabral


Os óculos escuros escondiam o brilho dos olhos, já que não faltavam motivos para tamanha felicidade.

Com um gesso na perna direita – uma lesão no tornozelo o impedira de estrear no Botafogo contra o Volta Redonda pela abertura do Campeonato Carioca de 1988 – Marinho concedia entrevista à TV Bandeirantes.

Sempre sorridente, observava a primogênita Priscila, filha de 8 anos e João Marinho de 7 – que corriam pela casa de ponta a ponta.

Ansioso, olhava toda hora para a porta, à espera da chegada do Bebechatura – apelido dado por ele ao filho caçula Marlon Brando de 1 ano e 7 meses – que havia ido na padaria com Enitez, seu sobrinho.

No segundo andar da residência, Tânia chorava e era consolada em seu quarto pela irmã Selma, que compreendia a dura vida de esposa de jogador de futebol.

– Bom dia papaaaaaiiiii, olha quem chegou para a entrevista! -, diz Enitez passando o rebento para seu colo.

– Tem problema do Bebechatura ficar no meu colo? -, pergunta já sorrindo, com belos dentes à mostra como o mitológico Cratos, o Deus do Poder.

Marinho podia tudo naquele momento da carreira.

Quem negaria um pedido de uma das maiores estrelas do Botafogo e que dividiria os holofotes com Zico, Renato Gaúcho e Bebeto do Flamengo, Geovani, Roberto Dinamite e Romário do Vasco, Ricardo Gomes, Assis e Washington do Fluminense naquela competição?

No entanto, nas quase duas horas de conversa, o xodó da família tentava segurar o microfone do repórter Marcelo Rezende (1951-2017), que ria sem graça e bebericava um suco de laranja servido por Luciene, governanta da luxuosa casa.

Naquela sexta-feira, 12 de fevereiro, se falou de tudo um pouco: da infância pobre em Minas Gerais, do começo de carreira no Atlético Mineiro, do América de São José do Rio Preto, do Bangu, do corte na Seleção Brasileira nos preparativos para a Copa do Mundo do México em 1986, da família, da Mocidade Independente de Padre Miguel, e claro, do seu atual clube, o Botafogo de Futebol e Regatas.

Terminada a entrevista, câmera e microfone sendo desligados e recolhidos na sala de estar, a equipe se encaminha para ir embora.

Mesmo com certa dificuldade e amparado por duas muletas, o ponta-direita coloca o menino numa cadeira, e em seguida, faz questão de acompanhá-los à porta da mansão em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro.

Porém, antes de se despedir da equipe de reportagem, o silêncio dos pingos da chuva fina é interrompido pela primogênita.

– Pai, cadê o Marlon? -, perguntou inocentemente, sem imaginar que o destino pregaria a maior peça à família Emiliano.

– Filha, deixei ele ali – diz apontando para a cadeira vazia.

Por uns três minutos aproximadamente, entre procura daqui e procura dali, o desespero toma conta de todos quando o menino é avistado no fundo da piscina.

Em um ato impensado, o jogador se desvencilha da marcação cerrada das muletas e mergulha para resgatá-lo das profundezas das águas cristalinas, desvirginadas naquela manhã por seu pulo.

Com o pequeno Marlon nos braços, emerge, deitando seu corpo frágil à beira da (bela e maldita) piscina, fazendo massagens cardíacas e respiração boca a boca.

O menino é colocado no carro da TV Bandeirantes e levado às pressas ao Hospital Bom Jesus na Taquara, chegando com quadro de afogamento e já sem vida.

No dia seguinte sob grande comoção, foi enterrado na pequena urna número 1.111 no Cemitério do Pechincha em Jacarepaguá, sendo transferido trinta dias depois para o Cemitério do Bonfim, necrópole mais antiga da cidade mineira.

O Museu da Pelada conta agora a história de um craque que carregava dentro de si, fome, violência, desestrutura familiar, pobreza, fama, dinheiro, noitadas, bebidas, drogas, mulheres e incontáveis perdas nos campos de futebol por onde brilhou.

Tudo isso estampado em um sorriso de quem viveu 63 anos e se tornou antagonista da sua própria história.

Por Marcos Vinicius Cabral

Morando com treze pessoas – dos quais sete eram filhos e seis sobrinhos – dona Efigênia vivia numa humilde casa feita de lona no bairro de Santa Efigênia em Belo Horizonte.


O pai dos seus seis primeiros filhos morrera, e meses depois conheceu Raimundo, de quem engravidou e teve o sétimo e último filho, de nome Mário e chamado carinhosamente por Marinho.

Os três meninos e as três meninas, conviveram pouco ou quase nada com seu pai, enquanto Marinho só viria conhecer o seu aos dezoito anos de idade.

Naquelas manhãs no fim dos anos 1960, dona Efigênia levava cada dia um familiar diferente para tomar café com ela no trabalho (inclusive aos sábados), onde era lavadora, não de roupas, mas de cadáveres no necrotério da HPM (Hospital da Polícia Militar), região Centro-Sul.

Nas noites, se amontoava com os outros moradores do casebre para enfrentar a intensa chuva e o frio castigante.

Ali, mesmo dormindo desconfortavelmente com as filhas Ângela, Irene, Meire, Tereza e com os filhos Geovane, Mário e Timóteo, era impossível sonhar o pesadelo que viviam.

Naquele espaço precário de dois cômodos que servia de casa, faltava luz, saneamento básico, telhado, portas, janelas… enfim, faltava tudo, menos o amor irrestrito entre eles.

E esse amor se estendia aos feirantes que separavam restos de frutas e legumes que Irene, a filha mais velha, ia buscar no mercado central para alimentar a todos.


Aos oito anos de idade, o pequeno Marinho e alguns amigos iam no bairro Palmeiras roubar frutas nas pomposas chácaras, não sem antes passar no bar, onde se divertiam jogando baralho, sinuca e bebendo num gole só cachaça, coca-cola e melhoral, que misturados eram servidos em um copo de requeijão.

Certo dia, depois de tanto ouvir os alcaguetes falando da vida promíscua do filho caçula, dona Efigênia viaja 345 Km de trem para Pirapora, afim de interná-lo no reformatório da PM.

O entregou pelo braço ao PM Luiz, sujeito com a cara áspera proveniente de uma barba por fazer, com a promessa que um dia voltaria.

Por lá, junto com um irmão e um primo, comeram o pão que o diabo amassou nos dois anos aproximadamente em que ficaram internado.

Apanhou, sofreu humilhações, castigos, cicatrizes no corpo e feridas na alma, onde com medo urinava na cama e chorava compulsivamente lágrimas já secas em seus olhos.

Os 730 dias vividos naquele inferno, indubitavelmente, lhe ensinariam lições que o futebol exigiria dele no futuro, como: não ter medo de cara feia, fugir da marcação implacável do adversário e ignorar as pancadas resistindo a dor.

– Certa vez, um soldado me disse: Sua mãe vem te buscar no dia 14. Não sabia o dia, mês e nem o ano. Achei que não fosse verdade – disse ao Museu da Pelada.

E foi em uma manhã de sol forte, que dona Efigênia, veio para buscá-lo na carroceria de um caminhão carregado de carvão.

Desceu toda encardida da poeira da estrada e do minério e correu para abraçar o filho, que todo molhado do banho de rio foi ao seu encontro.

Porém, antes de irem embora juntos, soltou a mão de sua mãe e voltou para os dois últimos atos naquele lugar: pegar suas roupas que estavam secando no varal próximo ao rio e sua bola de capotão que estava próxima à árvore.

Era dia 14.

GAROTO DE BETÂNIA

Quando não se tem uma família minimamente estruturada, o ponto de partida é, literalmente, do zero.

Com dez anos, se transformara em um menino calado, medroso e um fumante inveterado.

Com quase doze anos, batendo bola no campo do Madureira, chamou à atenção de seu Aílton – massagista do Atlético Mineiro -, que se encantou com o menino habilidoso e o levou para fazer um teste no dente de leite do clube mineiro.

Passou sem dificuldades e se era um menino quieto e de poucas palavras dentro de campo se transformava em um abusado fora dele.


Em 1968, enquanto começa o desenvolvimento da malha urbana na cidade, ocorre a primeira tragédia familiar: na véspera da estreia contra o Santa Teresa, sua irmã mais velha, Irene, de 21 anos, que o levava aos treinos, morria atropelada à sua frente.

Mesmo se sentindo culpado pela morte precoce da Irmã mais velha, prometeu a dona Efigênia que seria alguém no futebol.

– Comecei a me dedicar mais e repartia o pouco do que ganhava no Atlético com minha mãe – diz lembrando que foi nessa época que bebeu água gelada pela primeira vez na vida.

PRIMEIRA OPORTUNIDADE

Em 1975, Telê Santana (1931-2006), então treinador do Galo, enxergou qualidades no menino de apenas 17 anos e o lançou nos profissionais.

Notado pela grande mídia esportiva, seu futebol levou Zizinho (1921-2002), a convocá-lo para disputar o Campeonato Sul-Americano Sub-20 no Peru no mesmo ano, e a Cláudio Coutinho (1939-1981), para disputar os Jogos Olímpicos de Montreal em 1976.

– Tive o prazer em dividir quarto com o Marinho, e sinceramente, foi o maior ponta-direita que eu vi jogar – elogia Júlio César Uri Geller, ponta-esquerda do Flamengo nos anos 1970 e 1980 e um dos maiores dribladores do futebol brasileiro.

Mas mesmo com boas impressões deixadas na Seleção, foi a conquista invicta do Campeonato Mineiro de 1976, que encerrou um período de hegemonia do Cruzeiro e chamou a atenção do país para a talentosa geração de garotos lançada no Galo treinado pelo ex-jogador do clube e ídolo Barbatana (1939-2011), antigo responsável pela peneira.

Junto a Reinaldo, Cerezo, Ângelo, Marcelo e Paulo Isidoro, lá estava Marinho na ponta-direita, com Isidoro, lá estava Marinho na ponta-direita, com seu futebol de dribles insinuantes, velocidade e cruzamentos na medida.

O sucesso não fez bem ao garoto de 19 anos, que se perdeu entre bebidas, noitadas e cigarro.

Dois anos depois, sem espaço, foi parar no América de São José do Rio Preto-SP, trocado pelo ponta- direita Pedrinho.

AMÉRICA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

No clube do interior paulista, teve dois reencontros importantes: o bom futebol perdido na promiscuidade da capital mineira e (o velho conhecido) Barbatana, então treinador do time, que lhe estendeu a mão ao invés de apontar-lhe o dedo.

Foi tão bem que convocado por Telê Santana, disputou pela Seleção Brasileira de novos, a 8° edição do Torneio de Toulon na França, em 1980.

O título de campeão do renomado torneio internacional o fez regressar por empréstimo ao Galo no início de 1982 e vivendo grande fase, o objetivo era jogar sua primeira Copa do Mundo.

Nova decepção, pois acabou sendo preterido na lista final de convocados e quem usou a camisa 7 em gramados espanhóis foi Paulo Isidoro, ex-companheiro no Atlético Mineiro e jogador do Grêmio à época.

BANGU

A vida ia normal no América de São José do Rio Preto até aparecer Castor Gonçalves de Andrade e Silva (1926-1997), famoso e poderoso bicheiro do Brasil.

Filho de Eusébio de Andrade, de quem herdou a banca do jogo de bicho e transformou num império, o ‘Don Corleone’ de Moça Bonita não media esforços para ter o que quisesse.

E no segundo semestre de 1982, ele queria porque queria contratar o negro de pernas torneadas de futebol atraente e sorriso marcante.

A negociação demorada e tensa entre Benedito Teixeira, presidente americano e Castor de Andrade, bicheiro e dirigente banguense, transformou a contratação numa novela que só teve um ‘happy end’ para a torcida do clube carioca quando Castor agiu bem ao seu estilo.

– Ele veio, botou o revólver em cima da mesa, e o negócio saiu”, relembrou Marinho em entrevista à Placar.

Por 40 milhões de cruzeiros (equivalente hoje a pouco menos de 900 mil) e mais o passe de dois jogadores, o ponta trocava o interior paulista pelo Rio de Janeiro.

Esbanjando descontração, bom humor e um sorriso largo, foi conquistando a todos e, somado ao futebol encantador, motivos não faltavam para transformá-lo em ídolo.

Nos treinos, frequentemente recebia o colete de titular de Moisés (1948-2008) e logo no primeiro ano, se destacou ao lado de Arturzinho, Fernando Macaé e Ado durante o Campeonato Carioca, quando o Bangu foi terceiro colocado, atrás somente da dupla Fla-Flu.


Flamengo este, diga-se de passagem, goleado naquele 7 de setembro por 6 a 2, com show de Arturzinho, autor de quatro gols e que dividiu com o restante do time o bicho de 100 mil cruzeiros.

Já em 1984, faturou a Copa do Presidente, na Coreia do Sul e mais uma vez, ajudou a colocar o Alvirrubro entre os melhores do Estadual.

Mas o ápice estava por vir: em 1985, o camisa 7 já era endeusado pelos torcedores e generoso com eles longe dos holofotes.

– O Marinho costumava comprar cestas básicas e botijões de gás para distribuir após os treinos em Moça Bonita. Era comum ver a fila gigantesca que se formava nas dependências do clube esperando o treino chegar ao fim – contou Tânia de Oliveira de 59 anos, ex-esposa, ao Museu da Pelada.

Além de gestos incomuns com os torcedores, dos 26 gols em 46 partidas e das atuações de gala, motivos não faltavam para pensar em coisas boas.

– Marinho era um jogador espetacular, com ótima técnica e qualidade no passe. Se tivesse sido mais profissional teria tido outro destino. Um cara alegre, divertido e que animava qualquer ambiente – lamenta Zico, lembrando que entregou a Bola de Ouro ao camisa 7 como melhor jogador do ano em um Flamengo e Bangu.


Mas apesar dos bons resultados da equipe da Zona Oeste nos campeonatos, dois personagens se tornariam antagonistas de uma triste história envolvendo as cores vermelho e branco: os árbitros das finais do Campeonato Brasileiro e do Campeonato Carioca.

Tanto Romualdo Arppi Filho – que anulou um gol legítimo de Marinho aos 39 minutos do segundo tempo na decisão contra o Coritiba – quanto José Roberto Wright – que não marcou um pênalti escandaloso do zagueiro Vica no atacante Cláudio Adão, aos 46 minutos do segundo tempo na decisão contra o Fluminense – pelos erros cometidos, entrariam para a história do Gigante de 116 anos.

Para o melhor jogador do Brasil, restaria a vice-artilharia do Campeonato Brasileiro com 16 gols, ao lado de Bira do Brasil de Pelotas e Roberto Dinamite do Vasco da Gama.

Mas se 1985 foi o ano inesquecível para Marinho e Bangu, 1986 foi o anticlímax, principalmente para o time que revelou o zagueiro Domingos da Guia (1912-2000), seu filho e ídolo do Palmeiras, Ademir da Guia e o goleiro Ubirajara Motta.

O Bangu nem chegou perto de brigar pelo título dos dois turnos do Estadual, naufragou na primeira fase da Taça Libertadores da América e o técnico Moisés foi demitido.

De consolo, Marinho foi convocado para a Seleção Brasileira por Telê Santana para os amistosos de preparação para a Copa do Mundo do México.

O ponta disputou duas partidas: entrou no lugar de Müller na derrota por 2 a 0 para a Alemanha Ocidental em Frankfurt em 12 de março e foi titular do ataque ao lado de Careca e Edivaldo na vitória por 3 a 0 sobre a Finlândia em Brasília, em 17 de abril.

Marcou inclusive o primeiro gol do jogo, de cabeça – seu único pela seleção principal – no Estádio Mané Garrincha.

Porém, a mesma cabeça não suportou o corte da lista final para o Mundial e com muita mágoa no coração, se afogou no álcool, tornando seu futebol instável pelo resto daquele ano.

Em 1987, todavia, Marinho parecia outro com a chegada do técnico Pinheiro ao Bangu.

Ele e time renasceram após a Taça Guanabara, jogando como em seus melhores dias de dois anos antes.

Atuando com mais liberdade dentro do esquema, o ponta voltava a destruir defesas adversárias ao longo do returno.

O título, viria de forma invicta, com 10 vitórias e três empates, no dia 14 de junho.

Os alvirrubros partiam para a tão aguardada volta olímpica, de troféu na mão.

No início do ano seguinte, Castor de Andrade envolveria Marinho, Mauro Galvão e Paulinho Criciúma, numa negociação insólita: cederia os três jogadores em troca de pontos de jogo do bicho espalhados pelo Rio de Janeiro que pertenciam a Emil Pinheiro, ‘patrono’ alvinegro.

Em Marechal Hermes, o trio se juntaria a um elenco fortíssimo, que já incluía nomes como Josimar, Wilson Gottardo, Cláudio Adão e Éder Aleixo.

Mas pelo menos naquela temporada, aquele time não deu liga: o Botafogo sequer ficou entre os quatro melhores na soma dos dois primeiros turnos do Campeonato Carioca, que avançariam para a terceira etapa da competição, e passou todo o Campeonato Brasileiro, até a última rodada, brigando para escapar do rebaixamento.

Sua única alegria pelo clube veio em agosto, na conquista do Torneio Ciutat de Palma de Mallorca, quando depois de derrotar o Boca Juniors na semifinal, o Alvinegro venceu o Barcelona treinado por Johan Cruyff na decisão por 1 a 0, gol de Marinho.

Depois disso, a tragédia com o pequeno Marlon deu outro rumo para sua vida e sua carreira.

Marinho sumiu de casa e do clube por nove dias, entrou progressivamente numa espiral de bebida, teve problemas disciplinares, separou-se da esposa e passou a morar em seu Mercedes-Benz, recordação do auge da carreira.

Retornou inúmeras vezes ao Bangu, a primeira delas no segundo semestre de 1989, para a disputa da Série B do Brasileiro, e a última no Campeonato Carioca de 1997, já perto de completar 40 anos, quando era apenas uma caricatura como jogador.

Entre idas e vindas por Moça Bonita, também passou mais uma vez pelo América de São José do Rio Preto e até pelo boliviano San José de Oruro – sua única experiência no exterior.

Parou de jogar em 1997 e em 2015, teve a camisa 7 aposentada pelo Bangu, clube este que reconheceu nele, o maior ídolo em seus 116 anos de existência.

Marinho jogou no clube entre 1983 e 1997, com 229 partidas e 81 gols marcados, sendo o décimo maior goleador da história da equipe.

Com a camisa vermelha e branca, Mário José dos Reis Emiliano conquistou apenas a Taça Rio de 1987, mas também colecionou títulos como o Carioca, pelo Botafogo, e o Mineiro, pelo Atlético.

– Marinho foi o cara mais divertido que eu conheci e o jogador mais completo com que eu joguei no futebol – diz Arturzinho, ex-jogador de 64 anos.

E completa:


– É o único amigo no futebol que eu fazia questão de beijar no rosto. É uma pessoa que eu guardo no coração e amo muito.

Há alguns anos, Marinho havia trocado a alegria pela seriedade de quem enfrentava problemas de saúde, lutando contra o alcoolismo e o cigarro.

Entre idas e vindas dos hospitais, se internou no dia 15 de março desse ano para tratar um câncer no pâncreas e na próstata no Hospital Alberto Cavalcanti, localizado no bairro Padre Eustáquio, em Belo Horizonte, onde comemorou seu 63° aniversário, em companhia dos filhos João, Priscila e Steve Wonder.

Três meses depois, em 15 de junho, o sorriso sincero e marcante se desfez e seus olhos se fecharam para sempre.

Seu corpo descansa no Cemitério da Paz, no bairro de Caiçara, na cidade mineira, onde o ponta foi enterrado

‘REI’ ARTUR DO ‘REINO’ DE MOÇA BONITA

por André Felipe de Lima


Os cartolas do Fluminense definitivamente não sabiam o que estavam fazendo naquele longínquo ano de 1979. Nenhum torcedor, em sã consciência, aceitou a cessão, por empréstimo, de um garoto baixinho chamado Arturzinho por módicos 800 mil cruzeiros ao Operário, de Mato Grosso. O rapaz jogava o fino, mas, mesmo assim, cederam o seu passe por uma quantia considerada na época comum a um perna de pau, o que, convenhamos, não era o caso do jovem Artur, sobretudo para quem o viu jogar. O ex-goleiro Carlos Castilho, maior ídolo da história do Fluminense, que dirigiu Arturzinho no Operário, assim o definia: “Ele é muito talentoso, sabe colocar-se em campo e desequilibra qualquer jogo com seus dribles curtos.”

Seu futebol de passes precisos e, claro, muitos gols começou a chamar a atenção quando defendeu o clube mato-grossense. Em setembro de 1979, o Operário tido como imbatível no estado tinha como treinador Castilho, que, por sua vez, depositava toda fé no brilhante Arturzinho, um jovem e confiante craque que acreditava em um futuro promissor. “Cheguei disposto a vencer. Sempre reserva no Fluminense, jurei a mim mesmo que aqui mostraria o meu futebol. Mostrei. No Brasileiro, vou dar tudo. Quero voltar ao Rio um dia, mais respeitado e com meu lugar garantido no Fluminense. Com ajuda do seu Castilho e do Operário, vou conseguir.” E conseguiu. Anos depois, defendendo o Bangu, entraria para a história do clube, como um dos maiores ídolos de todos os tempos, no mesmo patamar de Domingos da Guia e de Zizinho.

Artur dos Santos Lima é o que se pode definir como um verdadeiro cigano do futebol brasileiro, mas, acima de tudo, um genuíno cobra. Nasceu no Rio de Janeiro, no dia 13 de maio de 1956, e começou a jogar bola no futebol de salão do São Cristóvão. O caminho seria, contudo, árduo. Tentou cinco vezes passar por uma peneira no Bangu, comandada pelo ex-treinador Mendonça, zagueiro do Alvirrubro na década de 1950 e pai de outro craque dos anos de 1980: o também Mendonça, ídolo botafoguense.

Arturzinho jogou apenas 20 minutos e até agradou, mas foi dispensado. Com inabalável ânimo, arriscou a sorte na Portuguesa da Ilha do Governador, permanecendo no teste durante cinco minutos. O bastante para ouvir o seguinte de um cartola, cujo nome ignorava: “Você aí, magricela: pode sair. E não precisa voltar.”

Desistir, nunca. Afinal, Arturzinho era filho de Amaro Pio de Lima, de quem herdou a paixão pelo futebol.

O velho motorista de caminhão reservava as manhãs de domingos para o culto à boa e velha “pelada”, ora vestindo a surrada camisa do Independente, ora a do Aliança, dois clubes tradicionais do bairro do Caju, na zona portuária do Rio de Janeiro. Exatamente naquela região da cidade é que Artur, garoto obediente e estudioso, deliciava-se com o seu único brinquedo: uma bola.

Dona Anita, mãe do garoto, costumava frisar que o velho Amaro encantava-se com o futebol de Arturzinho, que dividia a atenção dos zelosos pais com os irmãos Almir, ex-ponta-esquerda do Campo Grande, do Vasco, com passagem pelo futebol equatoriano, e o caçula Alair, um rubro-negro convicto, igualmente à mãe.

O que, talvez, Amaro não percebesse é que Arturzinho estava longe de ser igual ao ex-zagueiro Pavão, um jogador viril, que defendeu o Flamengo nos anos de 1950 e com quem Amaro insistia comparar o filho bom de bola. Pavão era o ídolo de Amaro, mas Arturzinho era fã mesmo de outro rubro-negro, esse, ídolo incontestável do Flamengo: Dida.

Arturzinho sentia-se o Dida. Em cada pelada disputada nas ruas do Caju jogando pelo Redentor, time organizado pelo velho Amaro, o menino ensaiava um drible do Dida. Acreditava, piamente, ser o Dida.

Foi nessa época que Nestor, vizinho da família Lima, bateu um papo com seu Amaro e conseguiu dele a autorização para levar Arturzinho para um treino no futebol de salão do São Cristóvão. Amaro não se opôs e o clube conquistou um novo craque das quadras.

Adílio, ídolo rubro-negro e que também começou no futebol de salão, recordou os tempos em que o time infanto-juvenil do Flamengo enfrentava Arturzinho e o time de quadra do São Cristóvão: “Ninguém o chamava pelo nome. Ele era o Motorzinho, um endiabrado.”

Em 1975, já morando no bairro de Senador Camará, no subúrbio carioca, Arturzinho decidiu que faria voos mais altos. Fez teste para o time juvenil do Fluminense. Passou, com a aprovação do ex-zagueiro Pinheiro, ídolo do clube nos anos de 1950, que se encantara com os dribles curtos daquele menino.

A rotina era pauleira. Diariamente, acordava às 5h30 e embarcava em um trem lotado até a estação da Central do Brasil. Antes de pegar um ônibus rumo ao estádio das Laranjeiras, fazia de um pastel e um caldo de cana seu indefectível café da manhã. Indo e voltando para casa, gastava quatro horas diárias somente com o transporte. Igualmente a alguns meninos que amam jogar bola, seu desejo, como contou ao repórter Hideki Takizawa, era singular: concluir os estudos, fazer sucesso como jogador e comprar uma casa para os pais.

Devagar, se vai ao longe. O primeiro técnico a escalá-lo entre os cobras da Máquina Tricolor foi Mário Travaglini, em 1976. Com os meias Pintinho e Paulo César Caju machucados, o treinador decidiu dar uma chance ao rapaz, no jogo contra o Americano. E não se arrependeu. Foram de Arturzinho os passes para os gols de Gil e Doval na vitória de 2 a 0. Saiu de campo consagrado.

Em 1977, assinou o primeiro contrato, com um clube que mantinha craques, como Rivelino e Cléber, na mesma posição do então menino Artur, que se conformava com a reserva. No ano seguinte, o salário melhorou, saltando de 10 mil para 15 mil cruzeiros mensais. O dinheiro o ajudou a comprar uma Kombi para o pai trabalhar.

ADEUS, FLU… VIVA O REI ARTUR!

Arturzinho, quando entrava em campo, era um assombro. Mesmo assim, entrando e saindo treinador, nada de chance concreta para firmá-lo no time titular do Fluminense. Deu um basta. Chamou o então técnico Zé Duarte para uma conversa reservada e pediu que o dispensasse do clube. Pedido aceito, arrumou as malas e seguiu para o Operário, de Mato Grosso. No período em que lá esteve, sentiu uma de suas maiores dores na vida: a morte do pai, em 1980, dois dias antes do Natal.

O baixinho Arturzinho, que mede 1,62m de altura e foi campeão com o Operário, marcando gols decisivos e inserindo o clube entre os cinco melhores colocados do campeonato nacional de 1979, tão cedo não voltaria ao Fluminense, como almejava. Seu destino estava reservado a ser ídolo, mas de outros clubes. Destacar-se-ia primeiramente no Bangu, onde seria tratado como rei, e, logo depois, no Vasco.

Chegou ao clube de Moça Bonita em 1982, após tornar-se herói do Operário e com uma passagem relâmpago pelo Internacional, de Porto Alegre.


A estada no Sul foi, no entanto, complicada. O clima frio fez com que Arturzinho embarcasse a esposa Vera Lúcia, sempre doente, de volta para o Rio de Janeiro antes do término do contrato do jogador com o clube gaúcho. Do Inter, onde disputou pouco mais de 10 jogos, sem marcar gols, Arturzinho regressou ao Operário, após ter o passe trocado pelo do jogador Washington.

Mas foi no Bangu que conheceu a glória. Glória de rei. De Rei Artur.

Tornou-se ídolo incontestável no Alvirrubro suburbano, conduzindo o Bangu às finais do campeonato estadual em 1983, sempre reverenciado pela crônica esportiva carioca como o melhor jogador do torneio, rodada após rodada. É o sétimo maior artilheiro da história do Bangu, com 93 gols.

Suas atuações, sobretudo contra o poderoso Flamengo dos anos de 1980, são consideradas inquestionáveis antologias nas páginas da história do Bangu.

Em um jogo memorável, realizado no feriado de 7 de setembro de 1983, o Bangu goleou, por 6 a 2, no Maracanã, o time que contava, entre outros, com Leandro, Júnior, Marinho, Adílio e Mozer. Arturzinho esteve fenomenal. Marcou quatro gols no goleiro Abelha e entrou, definitivamente, no rol dos maiores ídolos da história do clube. Com inteira e irrevogável justiça.

Ainda nos tempos de Bangu, o religioso Arturzinho mostrou um louvável perfil humanitário ao comandar o grupo de jogadores que decidiu, em 1983, doar 10% dos “bichos” ganhos após os jogos para a creche das presidiárias da penitenciária Talavera Bruce, em Bangu.

Em 1984, ficara difícil para Castor de Andrade mantê-lo em Moça Bonita. Antônio Soares Calçada, presidente do Vasco, botou na mesa 400 milhões de cruzeiros pelo passe de Arturzinho, que formou com Roberto Dinamite e Mauricinho um excelente ataque durante o campeonato brasileiro de 84, que só tombaria diante do Fluminense, de Romerito, Branco, Assis e Washington, na decisão do torneio.

Pelo cruz-maltino, também fez partidas memoráveis naquele campeonato nacional. Uma delas, contra o Tuna Lusa, quando marcou quatro dos nove gols da goleada de 9 a 0. E o mais impressionante: estava com o tornozelo bastante inchado. Após o apito final do juiz, a torcida invadiu o campo para carregá-lo, triunfante, pelo gramado de São Januário. O craque já se acostumara à apoteoses do gênero.

No mesmo ano, Arturzinho seguiu para o Corinthians, que pagou 380 milhões de cruzeiros pelo passe do craque.

O jogador ajudou a levar o time paulista à final do campeonato paulista, mas perdeu o troféu para o Santos. Foi uma passagem apenas razoável pelo Timão.

Regressou ao Bangu, em 1985, quando o clube alvirrubro acabara de perder a final do campeonato brasileiro para o Coritiba. Arturzinho era a esperança do Bangu para o fim do jejum de títulos. A principal meta foi conquistar o tão ambicionado campeonato carioca, entalado na garganta dos banguenses desde 1983, mas, novamente, o Bangu se deu mal, e Arturzinho acabou perdendo espaço no clube.

O caldo entornou de vez com a péssima campanha do time na Taça Libertadores da América, em 1986, com o craque veementemente criticado pela torcida e cartolas. Desprestigiado, Arturzinho foi emprestado ao Botafogo, no segundo semestre de 86. Tempos difíceis aqueles. O dinheiro escasseou e, para manter, a família e os filhos, Arturzinho cortou um dobrado. As portas de muitos clubes estavam fechadas. Exceto uma.

O Bangu era a sua casa. Ali, em Moça Bonita, mesmo com a má fase entre 85 e 86, sentia-se à vontade. Todos no clube, especialmente o misto de cartola e banqueiro do jogo do bicho, Castor de Andrade, decidiram dar uma nova [e merecida] chance ao ídolo.

Com tanto carinho, Arturzinho decidiu, no começo de 1987, que poderia dar a volta por cima no clube suburbano. Mas não foi tão fácil assim. Pelo menos, no primeiro semestre daquele ano. O tratamento era o mesmo do ano anterior, com Arturzinho sendo marginalizado e ficando cinco meses fora do time, proibido até de treinar com os companheiros.

A sorte só mudaria com a chegada do técnico Pinheiro, o mesmo que o revelara no juvenil do Fluminense, em 1975, e que insistiu para que o Bangu renovasse o contrato de Arturzinho. Em apenas cinco jogos, o craque mostrou-se indispensável ao time. “Por ser tão querido, nunca pensei que sofreria tanto em Moça Bonita.”

O que Arturzinho talvez não percebesse é que há situações que somente os “reis” podem suportar.

Seu futebol de rei da bola para que o Bangu chegasse à final da Taça Rio, em junho de 1987, derrotando o Botafogo por 3 a 1, com dois gols do próprio Arturzinho. “Eu precisava dessa conquista”, disse o craque ao repórter Milton Costa Carvalho, quando estava de joelhos, no vestiário, diante de uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, agradecendo à santa pelo título conquistado.

Arturzinho vinha sendo questionado pelo fato de ser ídolo, mas sem comparecer com gols nas decisões pelo Bangu. Se o problema era esse, redimiu-se e calou a boca dos críticos. O rei recuperara, enfim, o trono.


Após sua grande jornada no Bangu, peregrinou por diversos clubes no Brasil [Botafogo, Fortaleza, Paysandu e Itinga da Bahia] até retornar à Moça Bonita, em 1991, mas por pouco tempo. Logo seria negociado com o Vitória, da Bahia, onde estreou no dia 18 de março de 1992. No clube baiano, foi considerado o cérebro do time campeão estadual de 1992. O título foi pouco para Arturzinho, que também conquistou a artilharia da competição, com 24 gols. Pelo Vitória, Arturzinho entrou em campo 83 vezes e marcou 52 gols.

Um craque do porte dele, merecia vestir, com muita frequência, a camisa da seleção brasileira. Mas isso aconteceu apenas uma vez, no dia 21 de junho de 1984, em Curitiba, durante um amistoso contra o Uruguai. O Brasil derrotou a “Celeste Olímpica” por 1 a 0, com um gol de Arturzinho. A única reminiscência de um dos melhores jogadores de sua época com o manto canarinho.

A história de Arturzinho nos campos de futebol é uma síntese de amor ao esporte e de superação de desafios. Foram várias vezes em que o Arturzinho “rei” perdera a coroa, sendo, às vezes, tratado injustamente com desprezo por seus antigos “súditos”.

O ponto final da maravilhosa carreira de Arturzinho como jogador de futebol aconteceu no Olaria, em 1996. Hoje, o ídolo da torcida do Bangu é técnico. Uma trajetória iniciada no Vitória, um ano após pendurar as chuteiras.

E a estreia foi alvissareira. De cara, sagrou-se campeão baiano e da 1ª Copa do Nordeste, em 1997. À frente do América de Natal, em 1998, seria novamente campeão da Copa do Nordeste. O nome do treinador Arturzinho passou a figurar como um dos principais do futebol no nordestino. Em 2000, retornou ao Vitória para ser novamente campeão baiano. Estava consolidada a nova trajetória na vida de Artur dos Santos Lima, o inesquecível “rei” Artur… do “reino” de Moça Bonita.

***

Foto: Reprodução da revista Placar/ Abril, assinada por Ignácio Ferreira

BANGU 1985

por Marcelo Mendez


A história do time que vamos contar hoje começa nos sonhos do velho Senhor Eusébio de Andrade, nos teares das fabricas de tecido de Bangu, passa pelo Rio Maravilha dos anos 60, se consolida a partir dos anos 70 com um nababesco Chefão do Jogo do Bicho e termina com uma lágrima que não quer parar de escorrer pelos rostos da Zona Oeste.

Vamos ao ano de 1985 para tratar de um Esquadrão que ousou se formar para além da Zona Sul, longe do concreto Paulistano, afora das dinastias, Mineiras e Gauchas.

A série Esquadrões do Futebol Brasileiro vai até o subúrbio para falar do Bangu de 1985…

ZIRIGUIDUM 1985, UM TIME ESTRELAR

“Quero ser a pioneira

A erguer minha bandeira

E plantar minha raiz

A erguer minha bandeira

E plantar minha raiz

Nos meus devaneios quero viajar

Sou a Mocidade, sou Independente

Vou a qualquer lugar

(Eu sou)

Sou a Mocidade, sou Independente

Vou a qualquer lugar”

Quando Ney Vianna soltou a garganta para cantar os primeiros versos do samba “Ziriguidum 2001, Um Carnaval nas Estrelas”, o ano para Castor de Andrade pareceu ser bastante proeminente. Com um enredo luxuoso, metido à futurista e o escambau, a Mocidade Independente de Padre Miguel sagrou-se campeã do Carnaval de 1985


Castor de Andrade era só alegria.

O Barão do Jogo do Bicho, otimamente relacionado com todo primeiro escalão da Ditadura Militar, amigo pessoal do Presidente Figueiredo, havia tomado o comando tanto da Escola que acabara de sagrar-se campeã, quanto a frente do Bangu, time que outrora havia tido seu pai, o Velho Eusébio de Andrade, como Presidente.

Com a chegada de Castor, o Bangu deixou de ser um time mediano, coadjuvante no futebol carioca. Ele acabou com o Romantismo tanto nos negócios do pai, como também na gestão do clube. Com ele, o time passa a ser administrado de maneira profissional, firme. O time passa a ter investimentos e já no seu primeiro ano como diretor, em 1966, vem o titulo de campeão carioca daquele ano.

A partir da metade dos anos 70, Castor vira Presidente de Honra, tanto da Mocidade Independente, quanto do Bangu. Daí, chegamos na história que contaremos hoje…

O GIGANTE DA ZONA OESTE, DE VERDADE!

O Bangu havia sido um mero participante do Brasileirão em 1984.

Ali pelo meio da tabela, sem incomodar ninguém, sem chamar muito atenção. Mas o Seu Castor não era um homem muito dado à descrição e para 1985, muda isso pra valer.

Com a chegada de jogadores como Mario, Ado, Lulinha, Israel, o centroavantão João Claudio e o craque Marinho, o time de Moça Bonita entra no Campeonato Brasileiro para arrebentar e consegue de cara, com uma primeira fase irretocável.

Foram 14 vitórias, 5 empates e apenas 3 derrotas na primeira fase da competição.


Para a fase de classificação, um grupo enroscado com o Mixto do Mato Grosso, além de Vasco e Internacional. O Bangu jantou com todo mudno! Foi 3×0 no Vasco, 4×1 no Mixto, 2×1 no Inter em Porto Alegre e quando o País acordou, o Bangu estava numa das semifinais mais insólitas da história do Campeonato Brasileiro, contra o Brasil de Pelotas.

Foram dois passeios!

Em Porto Alegre, o Bangu venceu por 1×0 e no Rio, um baile de bola, 3×1 no Placar em um show de Marinho e Ado. Pois é:

Ado…

AO 11 COM AMOR

São muitos os mistérios que circundam as marquises de sonhos e odes do futebol.

Paradoxalmente, uma partida de futebol não se faz na exatidão de um ponto final, frio e calculista ao término de uma equação. Não se desvenda esses mistérios a partir de fórmulas, soluções, magias ou feitiços. O futebol tem para sim uma imprevisibilidade que o aproxima demais do que é a vida da gente. Por isso é algo grandioso, épico e também cruel.

Após aquele 1×1 da final em jogo único contra o time do Coritiba, o Bangu poderia ter sido campeão se o árbitro Romualdo Arpi Filho não tivesse feito a cagada de anular um gol de Marinho. Gol legitimo! Poderia ter virado o jogo, após o empate que veio com Lulinha. Ninguém mais lembrava do gol de Índio de falta.

O Bangu foi melhor o tempo todo. Mas o futebol tem os mistérios que falei, lembra? Ele se fez na disputa de pênaltis.

Prorrogação empatada, cobrança de pênaltis empatada, série alternada começando com o Bangu abrindo as cobranças; 5×5 no final, ninguém errou. Nas alternadas, o Bangu começa e aí chega a vez de Ado…

Era o melhor jogador do Brasil em 1985. Canhoto, habilidoso, inteligente, cotado para se transferir para grandes clubes, seleção brasileira, o camisa 11 de Moça Bonita estava voando. Quando o técnico Moisés o designou para a sexta cobrança, o craque, já sem ataduras, sem as chuteiras, sem o mesmo poder de concentração, veste todo o equipamento e vai.

Do centro do meio campo até a marca do Pênalti, Ado caminha para aquele que viria a ser o maior calvário da sua vida. A cobrança:


Rafael Camarota de um lado, bola ao lado da trave, explodindo nas placas de publicidade. Pra fora. Os mistérios todos que rondam o futebol são presentes aqui também. Não sabemos o que se passou na cabeça de Ado, a única coisa que vi dele naquela noite foi o tanto de lagrimas que desceu por seu rosto.

A dor de um cara digno, de um jogador que também é trabalhador, pai de família, torcedor e que ainda por cima tem que por fim jogar o jogo e decidir está aqui sendo respeitada por essa coluna.

O pênalti de Gomes, em seguida deu o caneco ao Coritiba. Sabemos. Mas a coluna Esquadrões do Futebol Brasileiro vai terminar hoje de uma maneira diferente, vai sair do protocolo, homenageando sim o ótimo time do Bangu de 1985, mas será dedicado para outro fim:

Ado, nós não podemos aqui dar a você o titulo de 1985. Mas com todo prazer do mundo, a série Esquadrões do Futebol Brasileiro homenageia você, glorifica as suas lágrimas, saúda a grandeza que tem em ti, para além de jogador, como pessoa ótima que você sempre foi e segue sendo.

Humildemente, esse jornalista dedica a coluna de hoje a você, Ado. Obrigado por tudo

PARADA MERECIA UM BUSTO EM MOÇA BONITA

por André Felipe de Lima


O grande goleiro Ubirajara Motta, o maior do Bangu em todos os tempos, confessou durante um papo comigo gostar muito do ex-centroavante Antonio Parada Neto, o grande Parada, que partiu ontem. Disse que se tratava do melhor atacante (que também transitava como meia armador e ponta de lança) no futebol carioca entre 1963, quando chegou ao Bangu em abril, e 1966, meses antes do título carioca do Alvirrubro. Cobrava faltas como poucos. Esboçava até mesmo a famosa “folha seca” do mestre Didi. Era um craque na acepção mais rigorosa e inquestionável do termo. Diziam que atuava como Di Stéfano no Real Madrid, correndo o campo todo. Do ataque à defesa e vice-versa.

Estava tecnicamente tão bem que o Botafogo o contratou para ocupar a imagem de ídolo deixada em aberto com a ida de Garrincha para o Corinthians e a aposentadoria do Nilton Santos. Mais além, Parada e o zagueiraço Zózimo eram os nomes mais cotados do Bangu para integrar a lista do treinador Vicente Feola na Copa do Mundo de 1966.


Quando Parada despontou no time de aspirantes do Palmeiras, vindo dos juvenis do Ypiranga, em 56, concluíram que estavam diante de uma mistura de Humberto Tozzi com Mazzola.

O rapaz descendente de imigrantes italianos e funileiro tinha pinta de craque, e realmente era, mas não conseguiu emplacar no Parque Antarctica. Emprestaram o passe dele ao Nacional de São Paulo, em 58.

Voltou ao Verdão, porém. Pintou o interesse de clubes italianos, que estavam levando tudo que era jogador oriundi do Brasil para lá. A diretoria do clube o liberou para testes na Europa, mas Parada não se ambientou. Regressou e teve o passe negociado com a Ferroviária de Araraquara, em 61, que também envolveu na transação com o Palmeiras o jogador Rosã. Foi aí que entrou em sua vida o técnico Tim, ídolo, como jogador,do Fluminense, nos anos de 1930 e 40, e com quem Parada coincidentemente comemorava aniversário. Ambos nasceram em um dia 20 de fevereiro. Tim em 1915 e Parada em 1939, no bairro do Bom Retiro, reduto da colônia italiana na capital paulista.

Tim treinava o Bangu e estava montando um time espetacular com a maioria de jovens feitos na base do clube. O velho estrategista sinalizou a Castor de Andrade que fossem à Araraquara e trouxessem Parada. O rico banqueiro do jogo do Bicho coçou o bolso e dele tirou 10 milhões de cruzeiros para levar o rapaz, mas houve quem torcesse o nariz para a contratação do “italianinho”.


Em poucas semanas no Bangu, Parada, que fizera de Tim seu melhor amigo no Rio, calou a boca dos críticos. Jogou muito. Era o cérebro daquele Bangu, ao lado de Bianchini, como contou Ubirajara, que era o titular do arco daquele time extraordinário. Mas Parada não chegou a jogar muito tempo ao lado de Bianchini, que em 1964 foi para o América do México e depois seguiu para o Botafogo, onde voltaria a estar ao lado do Parada, em 1966.

Parada casou-se com Vilma e teve um casal de filhos. Recebia sempre a visita da irmã Carmela, que vinha de São Paulo para ver os sobrinhos. Considerava Ananias, do Flamengo, seu melhor marcador no Rio. Não bebia, mas fumava uns 10 cigarros diariamente. Católico fervoroso, era devoto de São Judas Tadeu. Gostava muito de pescar nos tempos em que jogava pelo Bangu. Quem o acompanhava nas pescarias era Castor de Andrade, que sempre teve uma relação muito próxima, de amizade, com os jogadores do time. Isso, o próprio Ubirajara reconhece: “Castor me deu um fusca de presente”. Com Parada e todos os outros não era diferente. Mas apenas uma peculiaridade: o “italianinho” era como um filho para Eusébio de Andrade, pai de Castor e presidente do Bangu.

Parada morreu ontem. Merecia um busto em Moça Bonita. Ídolo.

UBIRAJARA MOTTA, O MAIOR GOLEIRO DA HISTÓRIA DO BANGU

por André Felipe de Lima

Em novembro de 2014, eu e minha esposa Suellen Napoleão conversamos com o ex-goleiro Ubirajara Gonçalves Motta, o maior de toda a história do Bangu e o jogador que mais vezes vestiu a camisa do clube alvirrubro do subúrbio carioca. Foram 538 jogos com a camisa dos mulatinhos rosados, entre 1956 e 1969. É coisa à beça, meus caros. A entrevista foi concedida para o documentário “Simplesmente passarinho”, que narra a vida de Garrincha. A produção do filme está lamentavelmente parada por falta de apoio cultural (coisas do Brasil, conformo-me…), mas o nosso Bira está aí, firme e forte, morando na Tijuca, onde às vezes nos esbarramos, ora caminhando pela rua, ora no supermercado do Largo da Segunda-Feira. Um ídolo simples e inesquecível, que passa pelos mortais sem que estes o vejam. Sem que percebam que estão diante do Ubirajara, um gigante da história do futebol carioca. Mas não é o momento para essa digressão.

Naquela tarde em que batemos um longo papo, Ubirajara falou bastante sobre Garrincha, mas também contou muitos detalhes sobre a sua vida e carreira. Informações muito bacanas que estão na biografia que escrevi sobre ele e constará do volume com a letra “U”, da enciclopédia “Ídolos – Dicionário dos craques do futebol brasileiro, de 1900 aos nossos dias”, que um dia, quem sabe, lançarei.

Ubirajara viveu a infância e a juventude em Marechal Hermes, bairro próximo a Bangu. Ele recordou os tempos em que estudou no colégio Souza Marques, o momento em que conheceu a esposa e as primeiras conquistas com o time juvenil do Bangu, um elenco com cobras sensacionais, que levaria o clube a disputar quatro finais consecutivas (de 1964 a 1967) do Campeonato Carioca, conquistando em uma delas o título, em 1966, após a conturbada vitória sobre o Flamengo, um jogo que Almir Pernambuquinho bateu (e apanhou também!) para valer naquela que é até hoje considerada a maior pancadaria da história no gramado do Maracanã.

Ubirajara conta que o cartola Flávio Soares de Moura, do Flamengo, foi quem abordou Almir — devidamente expulso de campo — na boca do túnel e teria dito para o raivoso atacante: “Vai lá e tira o Ubirajara!”. Bira diz que Almir, que se preparava para descer as escadas rumo ao vestiário, voltou a campo intempestivamente, que nem um touro enlouquecido, dirigindo-se ao goleiro banguense: “Meu negócio é com você, para você ser expulso também. Se você não se defender, vou bater em você”. Teria dito ao goleiro. Bira recordou o diálogo: “Que isso, rapaz? Tá maluco?!… aí, o pau comeu”.

Bira contou que esteve com Almir dias após o jogo na TV Tupi. A emissora prestava uma homenagem ao Bangu pelo título de 66. Havia o temor de que Almir aprontasse no evento o mesmo que aprontou no dia da final, no gramado. Cabreiros, os banguenses assistiram ao irascível craque do Flamengo discursar. Almir elogiou o Bangu e começou a acusar os dirigentes do Flamengo de “safados”. Imediatamente cortaram o áudio de Almir, lembrou Ubirajara. Tentaram continuar o evento, mas Ubirajara disse que não dava mais. Almir tentara melar, pela segunda vez, a festa do Bangu.

Para quem não lembra ou jamais procurou conhecer detalhes, a final do Campeonato Carioca de 1966 foi uma das mais sensacionais da história do futebol carioca. O Bangu deu um verdadeiro passeio em campo. O placar estampava um insofismável 3 a 0 naquela inesquecível tarde de 18 de dezembro de 1966, com um Maracanã apinhado de gente, com mais de 140 mil. Mas, se dependesse de Almir Pernambuquinho, não haveria volta olímpica. Almir brigou com todos os jogadores do Bangu. Ubirajara, como dissemos, foi a principal “vítima” do Almir. O jogo não terminou aos 45 minutos da segunda etapa. Acabou bem antes disso, com o apito de um atônito juiz diante de alguns gatos pingados do Bangu e do Flamengo que “sobreviveram” em campo. Almir e Ubirajara, obviamente, integraram a numerosa lista de jogadores expulsos.


Ubirajara chegou à Seleção Brasileira. Disputou apenas um jogo, contra o Peru. Levou apenas um gol, que os atacantes brasileiros recompensaram com outros três. O jogo valeu como preparação para a Copa do Mundo, na Inglaterra, em 1966. Ubirajara fazia parte do grupo de 44 jogadores experimentados para embarcar para Londres, uma das maiores barbeiragens administrativas de cartolas antes de um Mundial. Acabaram indo apenas 22 e o goleirão do Bangu ficou de fora. Jamais se conformou com o corte.

Manga, que foi o goleiro titular naquela Copa de 66, dizia sempre para o Ubirajara que o Feola deveria levá-lo para a Inglaterra. “Ele tem de levar eu e você. Gilmar não dá mais e o Valdir [de Morais, do Palmeiras] está com problema na clavícula”, reconheceu o arqueiro do Botafogo. Na véspera do embarque para a Copa, Manga se dirigiu ao Ubirajara e, consolando-o, disse o seguinte: “Pô, Bira, que treinador safado”. Pelé fez o mesmo e confessou ao Bira que os jogadores da seleção estavam “entrando numa fria” para a Copa de 66.

Ubirajara disse durante a entrevista que Feola ficava o tempo todo sentado durante os treinos e dormia quase que o tempo todo. “Todos os dias víamos um filme na concentração. Olhávamos para o Feola e ele estava sempre dormindo. Saía todo mundo e deixávamos ele sozinho”. Em seguida, Ubirajara conta da liberação da CBD (Confederação Brasileira de Desportos) – a pedido do Bangu – para que ele não permanecesse na Seleção para disputar o campeonato sul-americano, em 1963, na Bolívia. O “manager” do Bangu, o notório banqueiro do jogo do bicho Castor de Andrade, não abria mão do goleiro para uma excursão pela Europa. “Com Castor, a gente fazia qualquer negócio”, confessou Ubirajara.


Depois do time de Moça Bonita, o maior goleiro da história do Bangu defendeu Botafogo e Flamengo. Com o Alvinegro, foi novamente campeão estadual, em 1968, brigando pela posição com o então jovem Cao. Vestindo rubro-negro, levantou os canecos de 1972 e 74, disputando a posição com Renato e o xará Ubirajara Alcântara. Poderia ter conquistado mais um título estadual não fosse a miopia do árbitro José Marçal Filho, que, na finalíssima entre Bota e Fluminense, em partida realizada no dia 27 de junho de 1971, validou um gol para o time da rua Álvaro Chaves. Na jogada, o lateral-esquerdo tricolor, Marco Antônio, fez falta em Ubirajara, impedindo-o de defender a bola, que sobrou para o ponta Lula, autor do gol da vitória Tricolor. “Vamos todos para cima do juiz dar uma surra naquele safado”, lembrou Ubirajara. Alguém do Fluminense ouviu a queixa dos banguenses e teria avisado ao juiz. “Acabando o jogo, os tricolores disseram para o juiz: ‘Foge que eles vão te pegar’. Ele terminou o jogo na boca do túnel e desceu… safado, já não estava mais em campo. Já tinha fugido. Futebol tem essas coisas.”

Ubirajara “entregou” Marco Antônio. O lateral do Fluminense teria confirmado, no bastidor ter feito a falta nele. “Na reportagem, ele dizia que só esbarrou em mim, mas fora dela, confessava ter me empurrado. ‘Dei uma gravatinha nele por isso saiu o gol”. Ubirajara jamais perdoou o juiz. Nem poderia.

Carioca, Ubirajara nasceu no dia 4 de setembro de 1936 e vive até hoje na cidade do Rio de Janeiro, como aposentado da bola e da profissão de contador. Foi, inclusive, presidente da Fundação de Garantia do Atleta Profissional [Fugap] e investiu na carreira de treinador. Ainda tem muita história boa para contar sobre o mundo do futebol.