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As Copas que eu vi

MÉXICO 1986, DERROTA NOS PÊNALTIS E VITÓRIA DO TÉDIO

por Marcelo Mendez

The Police, Queen, Michael Jackson, Império Dos Sentidos, Perdidos Na Noite, Lula, O Último Tango Em Paris, Rio-Centro, Blitz, Aiatolá Komheini, Bo Dereck, Programa Do Bolinha, B’ 52, Chacrinha, Cores Cítricas, Gel, Tênis All Star…

A charrete sem condutor que o Raul Seixas cantou como sendo os anos 80 seguia firme. Em 1986, algumas outras coisas me geravam interesse além do futebol.

Rock And Roll, Literatura, Cinema, a chegada dos 16 anos na minha vida, os primeiros beijos, primeiras paixões, as coisas todas de se ter essa idade num Brasil pouco receptivo às novas experiências. Tudo isso colaborava muito para as revoltas que se queria sentir.

Um ano antes havia tido ume eleição indireta. Nela, um Presidente eleito via congresso nacional foi impossibilitado de assumir por conta de uma doença que lhe levou à morte. Nos tornamos o Brasil do Vice e tudo estava uma bagunça.

No futebol não era diferente.

Após a ressaca da perda de 1982, os principais jogadores foram para Europa e pior, para jogar na Itália. Por aqui, só ficaram times sucateados, um campeonato nacional que era uma zona, todos os clubes quebrados e, no meio disso, uma seleção por jogar.

E jogou, ou, pelo menos tentou… 

Um cabaré mambembe chamado CBF

O futebol no Brasil em 1986 era uma zona!


A CBF com Nabi Abi Chedid, completamente sem rumo, sem eira, nem beira, chegou até a Copa do México e por lá, graças a um resquício de uma ótima geração, até que foi bem na primeira fase: três jogos, três vitórias em cima de Espanha, Irlanda e Argélia. Primeiro lugar assegurado, veio as oitavas de final e o confronto com a Polônia.

Tarde quente em Guadalajara, boas lembranças. Josimar, o lateral direito que não conhecíamos e que Telê inventou, já tinha feito um golaço contra a Irlanda, repetiu a dose em um gol inexplicável contra os Polacos e com o 4×0 final, passamos de fase.

Nas quartas de final, veio o adversário que todos nós esperávamos em 1982, mas que infelizmente não enfrentamos.

A França de Platini seria nosso adversário.

Não tem festa, carnaval, nem lágrima

Eu queria sofrer, mas não sofria.

Pensei que ia chorar, mas ao contrário, vi aquela derrota nos pênaltis, após 1×1 no placar em tempo normal, como se fosse um nórdico.


Aos 16 anos em 1986, a única coisa que ainda me mantinha ligado à seleção do teimoso Telê Santana era Zico, que as turras, lutava contra seu joelho machucado. O 10 ficava no banco, jogava o tempo que podia e num desses tempos, bateu um pênalti pra um tal Joel Bats defender.

A Seleção de Careca, Muller, Junior numa meiuca, Sócrates na outra, amassou a França, mas a bola não entrou. Pela primeira vez eu vi uma decisão por pênaltis vitimar um time que torcia. No final do jogo que havia começado meio-dia, só silêncio. Mas não era novidade…

Essa parte da coisa, eu já sabia.

E caminhando da casa da minha Tia até a minha casa, pensei que eu já estava merecendo saber da outra parte…

SARRIAZO 1982, A ANATOMIA DE UMA DOR 

por Marcelo Mendez

Era dia 05 de julho de 1982, aproximadamente 10h da manhã, no Parque Novo Oratório, em Santo André.

A essa altura daquela segunda-feira, algumas coisas ainda seguiam o curso normal da razão, dos sentidos, das coisas que são como devem ser. Acordei tarde, não haveria aula no Felipe Ricci por uma razão muito nobre:


O time de futebol o qual orgulhosamente chamávamos de Brasil entraria em campo para enfrentar uma capengante Itália pelas quartas de final da Copa do Mundo da Espanha. O time italiano vinha de uma primeira fase triste, com três empates e uma classificação por gols marcados; Um!

Já do nosso, outra expectativa não havia. Daquele time de sonhos com Leandro, Júnior, Cerezo, Falcão, Zico, Sócrates, Serginho e Eder, apenas o espetáculo era admitido. Nada menos do que isso serviria para conter nossa sanha bronzeada de encanto

– Toma café, menino! – cobrou-me a mãe, Dona Claudete. Não quis.

Ansioso por outro baile, como tantos outros que me foram oferecidos por aquele time, saí de casa, peguei minha bola olímpica nº5, amarrei meu kichute e fui para o Campinho da Rua Cremona. Uma espécie de santuário dos meninos de 12 anos como eu. Cheguei por lá e não encontrei ninguém. Apenas um silêncio grande, e o vento que varria a poeira daquele campinho. Não me importei.

Comecei petecar a bola, meio que como uma forma de me comunicar, de ouvir algo, de tentar saber do que viria logo mais, na partida que seria realizada às 12h. Me perdi em pensamentos e outros sentimentos. Só me desvencilhei deles com o chamado de meu primo Delei:

– Ei, Marcelo… Vem logo pra casa da Tia Leoni que o jogo vai começar! – fui.

A partir do apito daquele árbitro, o tempo passou a não ter mais nenhuma lógica, a noção dos minutos se foi, todo e qualquer arremedo de sentido se esvaiu por entre sonhos de meninos que se frustram, por entre paixões que não podem ser vividas, por amores que são vilipendiados por uma chicotada de realidade dura e fria como corte. Começava o jogo que para mim jamais terá fim:

Era o Brasil x Itália de 1982…

O silêncio que sufoca

No caminho entre o campinho e a casa de minha Tia Leoni, eu e meu primo Delei pouco falamos.

Estranhamente algo nos incomodava, mas não dava para saber. Nem de longe pensávamos que era nosso time, ali tudo ia bem. Mas aquele silêncio do campinho da Rua Cremona, irritantemente insistia em mim. E mesmo chegando no alvoroço da casa minha Tia Leoni, nosso ponto escolhido para torcer, mesmo lá, em meio a tanta euforia, a única coisa que eu conseguia ouvir era aquele silêncio.

Dentro de mim as coisas seguiam assim, meio turvas e caladas. Não brinquei com o Fred, o pastor alemão do quintal, não tentei roubar as empanadas da Tia Leoni, pouco falei e surpreendentemente sentei no meu canto do sofá da sala e alheio a tudo aquilo, esperava pela hora do jogo.

Só ouvia o silêncio…


Eis que aos 5 minutos de jogo, Paolo Rossi faz 1×0 para a Itália.

Aquilo me fez ouvir mais outras coisas além do silêncio. Finalmente ouvi meus tios e primos brigando, xingando o Luizinho que deixou o italiano subir sozinho e por aí vai. Não me assustei aquilo já havia acontecido antes e viramos contra URSS e Escócia. Decerto que algo aconteceria para restabelecer a ordem. Aconteceu:

Sócrates empata aos 12 minutos. Festa!

Os mesmos abraços, a mesma alegria e então, do nada, poucos minutos após, aos 25, o mesmo Rossi aproveita um vacilo de Cerezo e faz 2×1 para Itália.

Medo…

Aquilo nunca aconteceu. Nunca tínhamos visto uma seleção ousar a atacar e marcar tão bem nosso time. Quem diabo era esse tal de Conti que tanto corria? E esse aí, tal de Graziani que está em todo lugar? E o tal do Rossi?? Nunca jogou nada e vai resolver jogar agora?? As perguntas me torturavam e não tinham resposta. Assim seguiram até os 22 do segundo tempo quando Falcão enfiou o pé e fez o 2×2.


GOOOOOOLLLLLLLLLL!!! – Gritei com gosto. Saiu das profundezas da minha alma de menino a força para comemorar um gol que nos classificaria e que nada; “Vamos virar isso aí” – eu pensava.

Mas aí veio os 29 minutos do segundo tempo de jogo no Sarriá… 

O Apocalipse

Não sei exatamente o que fiz depois daquele terceiro gol de Paolo Rossi. Apaguei da minha mente aquilo. Não quero lembrar a dor que senti quando o goleiro Zoff pegou aquela cabeçada do Oscar aos 42 do segundo tempo. Não quero lembrar a hora que o árbitro apitou o fim.

Sei apenas do que houve depois daquilo.

Andei até a cozinha da casa e chorei… Tive uma crise de choro absurda a altos brados.

Todo mundo correu, tentou falar comigo, mas nada conseguia me consolar. Me desvencilhei de quem quis me segurar, corri até o quintal, caí no chão e segui chorando. Naquele momento na casa da minha tia, só se ouvia meu choro.


Minha mãe preocupada me segurou, chorou comigo. Meu Pai, desesperado, não sabia o que fazer. Eu seguia… Dentro de mim, pela primeira vez na vida, veio uma dor de perda, de me tirarem algo que gostava, uma coisa dura de sentir.

Nesse momento, Tio Urzaiz veio.

Me pegou do chão a contra gosto, me jogou no carro. Lembro que ele falou algo com meu Pai e então saímos. No banco daquele Opala, ouvi meu Tio falando comigo.

Falou das duras lutas de nossa família, do Brasil que até aquele momento só perdia, dos anos de chumbo, das torturas, das eleições diretas que se sonhava…

Se esforçava para dizer que entendia o porquê de eu querer ter uma mínima alegria no futebol. Mas que a vida era assim. Que ia doer pra caralho às vezes, mas viver sempre ia valer a pena.

Rodamos de carro. O jogo acabou e saímos umas 15h, se muito. Meu tio me entregou em casa as 22h30.

Naquela noite quis que tudo de muito ruim acontecesse com a Itália e com o Paolo Rossi, mas não adiantou; Semanas depois ele foi artilheiro da Copa e a Itália campeã do mundo.

O rescaldo da dor

Muita coisa aconteceu depois disso.

Surgiram técnicos covardes e seus volantões, surgiu a desesperança em campo e a culpa disso tudo era da beleza, segundo alguns. O Brasil ganhou uma Copa nos pênaltis, outra de madrugada na Ásia e eu não comemorei. Não comemorei mais nada de seleção. Minha geração não é dada esses foguetórios.


Não nos cobre que sejamos felizes com uma Copa que se ganha com o adversário dando uma bicuda para fora. Não queiram que vejamos graça em vencer uma Alemanha capengante. Não queiram que sejamos complacentes com a seleção do Ricardo Teixeira, do Marín, do Del Nero, nem com o Brasil do Collor, ou com o oba-oba do Galvão Bueno. Não…

Nós sempre seremos a geração que ousou sonhar, que teve a picardia de querer o show, de mandar às favas esse troço de “jogar pelo empate”. Dane-se! Não jogamos pelo empate, jogamos pelo sonho! E por mais que doa, como disse meu Tio Urzaiz, sempre vai valer pena. Sempre.

Nós somos a geração que pra sempre vai torcer para aquela cabeçada do Oscar entrar, mesmo sabendo que jamais isso vai acontecer.

São Paulo, agosto de algum lugar pra depois do ano 2000…

 Não me recordo que diabo de evento era aquele e nem tampouco me preocupo com isso. Eu ia participar de uma coletiva com Dino Zoff, o goleiro italiano de 1982. Após perguntas, risadas, simpatia e elegância da parte dele, a coisa acabou e eu o segui pelo corredor do hotel. Cheguei perto.

Vi um homem alto, chique, muito bem vestido, um Signori Italiano típico. Ele me viu. Abriu um largo sorriso, me esticou a mão, eu apertei e disse:

– Posso te fazer uma pergunta?

– Claro…– respondeu gentilmente…

– Por que você pegou aquela cabeçada do Oscar em 1982? Por que?

Nesse momento, o velho Italiano riu e com a enorme mão direita me fez no rosto um afago de pai, de quem realmente se preocupa e me disse:

– Menino, por que você não esquece isso?

– Porque eu não consigo. Simplesmente não consigo…

TARDES DE ENCANTO EM SEVILHA E UM BAILE NOS ARGENTINOS

por Marcelo Mendez


E a Espanha era uma festa!

Em um escaldante verão, as tardes de Sevilha viram os 11 homens de amarmelo dar espetáculos contra Escócia e Nova Zelândia e agora vinha a segunda fase.

Seriam quatro grupos de três times sendo que o campeão de cada grupo iria para semi. No grupo do Brasil, que muitos chamaram de “grupo de fogo”, tinha, além de nós, Argentina e Itália.

Em um sábado, após os treinos no Nacional, na hora de comer goiabas que a gente sempre roubava lá nos pomares do Seminário dos Padres, nós, os meninos de 12 anos de 1982, falávamos desse chaveamento:

– Porra, mas esse time Italiano num jogou nada na primeira fase!

– Ah, sei não, Batata. Agora é outra fase, time grande cresce nessas horas…

– Grande da onde, Pedrinho? Os caras fizeram um gol em três jogos e empataram com Camarões!

– Tá bom, Marcelo. Então cê acha que a Itália é uma merda? Vamo ver…

– Ô, Pedrinho… Que porra é essa?! Cê é Judeu ou é Italiano?!

Nessa hora, nós todos rimos:

– Que tem a ver a minha religião, com isso, Zila? Mas tá, depois a gente vai ver no campo. As coisas da bola se resolvem no campo!


– Escuta, mas antes tem a Argentina. Esqueceram?

– Argentina é baba, Marcelo…

O BAILE NA CATALUNHA

A Argentina estava engasgada na garganta.

Além de tudo que havia acontecido quatro anos antes, quando uma armação da Ditadura Argentina, alinhados com direção da Seleção Peruana, garantiu um resultado para os portenhos passarem de fase, aquele jogo pegado no Mundialito em 1981 estava bem vivo nas nossas cucas.

Era hora de passar o trator em cima dos caras.

No dia 02/07/82, em Barcelona, o Brasil jogou futebol como se não fosse haver amanhã. Como se fosse o ultimo jogo da face da terra.

Foi 3×1 em cima deles e era pra ter sido pelo menos uns 8!

Passamos pelos Argentinos. Agora era cumprir uma conveniência que seria vencer a Itália, time capengante e irregular e passar pra semi. Não passava pela cabeça de ninguém que o destino fosse ser outro.

Bem, a bola do destino rolou…

NO MEIO DO CAMINHO RUMO À EXCURSÃO PARA A EUROPA, UMA TAL ENCEFALITE

por Marcelo Mendez


As eliminatórias de 1981 haviam acontecido sem maiores sobressaltos.

Em um grupo com Venezuela e Bolívia, o Brasil passou vencendo todo mundo na ida e na volta, com direito a goleada de 5×0 nos Venezuelanos. Em 1981, isso era uma obrigação e como sempre, achávamos que poderia ter sido mais.

Na nossa vida, a novidade era o Nacional do Parque Novo Oratório.

Com o Esquerdinha à frente da coisa toda, a gente formou um baita time de bola; Pena, Leitão, Baianinho, Camarão e Rubinho na zaga. No meio tinha Batata, Pedrinho e Eu. O ataque, nosso poderoso ataque, tinha Regê, Carlão e Lidú.

Treinando aos sábados de manhã, para jogar no domingo, antes do time principal, a gente foi se conhecendo, se entendendo e então, mais uma turma surgia na minha vida. Com os caras do Nacional, comecei a jogar futebol de campo e o nosso time tinha estreado no campeonato da categoria mirim em Santo André.

Nos três primeiros jogos, goleamos geral. Santo Alberto, Vila Alice e time do Clube de Campo de Santo André, metemos gol a dar com pau. O barato no Parque Novo Oratório, começou a ser, acordar cedo, para ver o mirim do Nacional jogar.

E com a beira do campo lotada, a gente voava. Depois do jogo, sempre tinha a nossa resenha, movida a tubaína de garrafa e um lanchão de mortadela.

O assunto era sempre a Seleção que jogaria a Copa de 1982:

– Rapaz, agora vai ter a excursão para Europa, ceis viram? – perguntou o Baianinho, zagueiro firme, ligeiro:

– Sim. Vai ser foda, hein? Vamos pegar Inglaterra, França e Alemanha…

– Ah se liga, Pedrinho. Time tá bom, passou voando pelas eliminatórias.

– Eliminatória o que, Batata? Jogou contra quem? Agora a parada é outra! – alertou o Rubinho

– Ô Marcelo… Cê tá quieto por quê? Fala pra Caralho e nem no jogo reclamou! Que foi? Tá doente? – me perguntou o Batata.

– Não sei, tô meio estranho. Acho que vou pra casa. Falou aí…

– Num vai nem comer o lanche?

– Não, pode comer, Camarão. To indo embora!

Na hora, O Carlão e o Pedrinho, amigos da Rua Tanger, vieram comigo. Eu não conseguia entender o que eu tinha, minha cabeça doía muito, o corpo começava a doer, tinha um pouco de enjôo e quase que Carlão teve que me carregar. Cheguei em casa e encontrei minha mãe preparando os salgados que venderíamos de tarde. Quando me viu, arregalou o olho e falou:

– Você ta branco! Que aconteceu com ele, Carlos?

– Não sei, Dona Claudete. A gente jogou, ele tava bom, depois começou ficar estranho. Eu e o Pedrinho trouxemos ele!

Na hora, minha mãe correu até a casa da Angélica. Em 1981, na Rua Tanger toda, o único telefone que tinha era o dela. Ligou pra o lugar onde meu pai estava fazendo uns trabalhos temporários, avisou a ele que me levaria para o Hospital, recomendou que por lá ele nos encontrasse.

Pouco depois, chegou o carro do vizinho, o Tecí, uma Brasilia nova, que nos levou até o Hospital Santo André, na Avenida Dom Pedro, centro de Santo André. Quando chegamos, meu corpo todo mole, minha mãe preocupada, Teci me levou no colo até o PS quando eu já estava em vias de apagar. O clinico de plantão, me recebeu, me medicou e recomendou internação imediata.

O diagnóstico chegou alguns minutos depois:

– Encefalite!

Eu não sabia o que era Encefalite, mas a julgar pelos rostos ali a me olhar, deduzi que devia ser algo muito ruim.

Tomei uma injeção com uma agulha enorme no meio das costas, depois tomei uns comprimidos que me deram e, em breve, as dores foram diminuindo. A situação toda parecia preocupante, mudaria minha vida e eu não saberia o que viria pela frente.

Mas ali, quando meu pai chegou para nos encontrar, perguntei a ele a única coisa que me interessava ali:

– Pai, como eu vou ver os jogos do Brasil?

Com uma cara muito preocupada e aflita, meu Pai não soube me responder. Depois disso, fui levado de cadeira de rodas para CTI do Hospital e nem meu pai, nem minha mãe puderam ir comigo.

Passada aquela porta, entrando naquele lugar irritantemente branco, comecei a primeira grande luta da minha vida, mas não sabia disso.

Naquele momento, eu só queria saber como faria para ver os jogos do Brasil, na Europa…

RUBÉN PAZ, O 10 DO RIO DA PRATA E FINAL DO MUNDIALITO

por Marcelo Mendez


O dia 10 de janeiro de 1981 era quente na Rua Tanger.

Todas as luzes do mundo clarearam a manhã do Parque Novo Oratório e a periferia de Santo André estava em festa.

Em meio aos “bons dias” trocados, o vai e vem dos carrinhos de feira que subiam rumo à Rua Fenícia onde ficava a feira livre de domingo, lá íamos minha mãe e eu puxando nosso carrinho. Enquanto a mãe ia falando com as pessoas que também iam para o mesmo lugar, na frente eu fazia peripécias com o carrinho. Assim como o Luciano, que também fazia o mesmo. O encontrei na ladeira da Rua Germânia:

– É hoje a final, hein, Marcelo??

– Sim! Contra o Uruguai lá na casa deles. Mas acho que dá pra ganhar…

– Dá, sim. Mas eles têm mó timão…

– Bons jogadores…

– Krasoswski, Venancio Ramos, Morales, De Leon, Rodolfo Rodriguez no gol, o tal de Vitorino que até dormindo mete gol. Fora aquele 10 lá, Marcelo, como chama?

O nome da classe é Rubén Paz


Naquele dia, ao invés de ter apenas nós, os moleques da Rua Tanger, na casa do Tocão, havia também os nossos pais, vizinhos, os parentes do Tocão. 

Seu Renato, pai dele, fez um churrasco, chamou todo mundo e a festa era grande.

Ao longo do dia, comentários dos adultos, das rádios que estavam em Montevidéu, flashes da TV, iam nos dando a exata dimensão da grandeza que estava envolvida numa decisão entre Brasil x Uruguai no Estádio Centenário.

Fazia 30 anos que eles haviam nos vencido no Maracanã no fatídico Mundial de 1950 e no banco deles, como técnico, uma lenda: Roque Maspoli, o goleiro. Mas quando o jogo começou não era para o banco que olhávamos, assim como o pensamento também estava longe de 1950.

– Porra, mas como joga esse tal de Rubén Paz! – exclamou seu Renato.

Sim…

Rubén Paz era o camisa 10 do Uruguai. Vendo-o jogar, descobri que era mais um de quem jamais torceria contra.

Pela cancha do Centenário, Paz não andava, nem corria; Desfilava. Craque de bola, não pisava o mesmo chão que os outros tantos mortais que ali estavam. Seu olhar tinha uma altivez imperial, seus passes tinham a imponência de quem distribui sonetos ao invés de bolas. Nosso time que não era ruim, não conseguia jamais pará-lo. E aos 11 anos, comecei a entender que o futebol cria seus semi deuses, suas lendas e que elas são inatingíveis, por charme, sonho e necessidade de se perpetuar como poesia.

E a lenda criou a jogada para o primeiro gol de Barrios, para o Uruguai. Porém o placar não ficou assim por muito tempo. De pênalti, Sócrates empatou. Depois disso, vem o outro ensinamento do futebol…

Camisa 9 não faz bolinha; Mete gol

O bom time do Uruguai tinha como base o Nacional, campeão da Libertadores de 1980.

Foi via a tela da TV Record, que vimos a final do campeonato, em que os uruguaios venceram o forte Internacional do Falcão e do Batista nas duas partidas da decisão. Nela apareceu um centroavante baixinho, rápido feito uma flecha, que como o Luciano falou, até dormindo fazia gol…

– Tem que tomar cuidado com esse Vitorino! – recomendou meu Pai.

– Não tá jogando nada, Mauro! – respondeu seu Renato.

– Ele é centroavante. Centroavante não precisa jogar bem, precisa fazer gol!

E como tal, aos 35 do segundo tempo, Waldemar Vitorino, pequeno, rápido e esperto, apareceu no meio da pequena área do Brasil para abaixar e cabecear a bola para o fundo do gol. Era o 2×1 que acabaria por ser o resultado final.

Na festa, meu Pai e seu Renato não ficaram tristes, pelo contrário; Vibravam, porque segundo eles, o povo uruguaio fez um coro lá gritando que “Se vai acabar, a ditadura militar”

Aos 11 anos, eu já sabia do que falavam, mas o que me chamou atenção foi ver o Brasil perder uma decisão, a primeira da minha geração. Ainda assim,  seguíamos firmes na torcida.

O caminho de 1982 ia se pavimentando…