por André Felipe de Lima
Desenterrem o sapo do gramado de São Januário, pelo amor de Deus. O clamor não é do cronista em questão, mas de todo vascaíno que hoje nem em “SAF” e seus milhões de dólares e afins acredita mais
por André Felipe de Lima
Olhe, não é novidade para ninguém minha devoção vascaína. Ver meu time há anos sendo maltratado por elencos sofríveis e diretorias deploráveis só pode me permitir a certeza de que o Pai Santana faz muita falta. Acho que somente ele, o nosso amado guru que nos “livrava da dor” (como entoava a torcida), poderia tirar esse “trabalho feito” de cima do Vasco. Não tenho dúvidas de que há muita força sobrenatural (…de “Almeida”, rubro-negra ou seja lá qual for) para fazer São Januário ruir, e não haverá “SAF” e milhões de dólares que deem jeito na situação. A figura do sr. Altair Sérgio Calixto, o “Arubinha”, parece estar em cada canto do clube. Se o nome não soa familiar mesmo para quem conhece a história do futebol carioca, o apelido decerto é inesquecível. Especialmente para os vascaínos. Ao Altair, ou melhor, Arubinha, é atribuída uma sina da qual muitos torcedores do Vasco jamais esqueceram. Tudo começou no chuvoso dia 30 de dezembro de 1937, quando Vasco e Andarahy deveriam entrar em campo para uma partida sem muita importância na tabela do campeonato carioca. No campo do Fluminense, lá estavam os jogadores do Andarahy e nada de vascaínos. Até que surgiu a notícia de que os jogadores do Vasco sofreram um acidente a caminho do estádio e estavam todos no pronto-socorro. Os jogadores do Andarahy foram solidários aos colegas hospitalizados, mas aguardaria os reservas do Vasco, que escaparam do acidente. É aí que Arubinha entra na história, com um pedido inusitado: que o Vasco não abusasse no placar. Os reservas do Vasco fizeram ouvidos moucos. E logo no primeiro tempo sapecaram 5 a 0. Na segunda etapa, ampliou-se a sova e o placar impiedoso marcava 12 a 0.
Arubinha, dizem, ficou irritado. Afinal, os jogadores do Andarahy ficaram horas sob uma forte chuva aguardando os reservas vascaínos. Ademais, Arubinha antes de o jogo começar pedira clemência ao Vasco. Há quem garanta que após o juiz encerrar a peleja, Arubinha ajoelhou-se e pediu ao céu que punisse o Vasco com amargo jejum de 12 anos sem títulos de campeão. Mas esse pedido teria sido pouco para o transtornado Arubinha. Durante uma madrugada, ele teria ido ao campo do estádio de São Januário e lá enterrara um sapo com a boca costurada. A praga, agora sim, estava completa.
Os anos passaram e nada de o Vasco levantar troféu. A mitológica história do “Sapo de Arubinha” começava a ganhar cores dramáticas e há quem diga que até dinheiro os cartolas vascaínos ofereceram para que Arubinha revelasse onde enterrara o maldito sapo. O pobre Arubinha negava ter enterrado sapo ou mesmo praguejado contra o Vasco. A história nunca se confirmou, mas ganhou fama pelos textos do cronista Mario Filho. Verdade ou não, o Vasco só voltaria a ser campeão em 1945, o ano em que o melhor time já montado em São Januário começaria a encantar o Brasil e o mundo durante mais de uma década.
Arubinha não foi um craque na acepção mais rigorosa do termo. Entrou para a história do futebol graças à “mandiga” que teria derrubado o Vasco durante quase 10 anos. Mas pode-se dizer que foi um dos principais jogadores da história do Andarahy, que tantos craques revelou para os grandes clubes cariocas, entre os quais o genial Russinho, ídolo [logo de quem…] do Vasco.
Arubinha também jogava na ponta-direita, sobretudo nos tempos em que defendeu o Bonsucesso, de 1929 a 1934, mas sua posição oficial era mesmo a extrema esquerda. Antes de defender o Bonsucesso, Arubinha atuou, em 1929 e 1930, pelo Mazda F.C., um time amador do Rio. Em 1936 e 1937, defendeu o Escolas de Samba, um time formado por jogadores oriundos das agremiações de samba da cidade do Rio de Janeiro. Em meados de 1937, o craque “mandigueiro” aportou no Andarahy, que formava naquele ano com Panello: Cazuza e Dondon [ele mesmo, o do famoso samba interpretado por Zeca Pagodinho]; Reynaldo, Flodoaldo e Tide; Nilo, Astor, França, Armando e ele, o “algoz” do Vasco, Arubinha. Em abril de 1938, o Madureira o levou do Andarahy. Defendeu o Tricolor suburbano até 1939.
No começo da década seguinte, Arubinha ainda atuou por times amadores do subúrbio carioca, especialmente o Brasil Novo, um dos destaques do campeonato de times suburbanos. No Brasil Novo, o velho Arubinha “brincava nas onze” e até de zagueiro jogou. Tornou-se treinador, mas não abandonou a bola. Dirigiu e defendeu times amadores. Um deles, em 1947, o brioso Adelia Futebol Clube. Em 1948, o Brasil Novo retomou as atividades e Arubinha, veteraníssimo, foi imediatamente convocado pelo ex-clube.
Altair nasceu no Rio de Janeiro e era filho de João Sérgio Calixto e de Julia Sérgio Calixto, como descreve o Diário Oficial da União, de 8 de julho de 1930, o nome de Arubinha estava na lista da “Classe de 1908”, ou seja, o craque “mandigueiro” teria nascido naquele ano. Em setembro de 1977, aposentou-se do serviço público. Trabalhava, desde a década de 1940 na Estrada de Ferro Central do Brasil.
Depois disso, nunca mais se ouviu falar do Arubinha, mas a figura mítica que construiu [ou construíram sobre ele] jamais será esquecida. Os vascaínos que o digam. E atenção: o sapo continua lá, no gramado de São Januário. “São” Pai Santana, entre em ação, por favor.