por Antonio Carlos Meninéa
Um dia acordei e resolvi reorganizar minhas coleções, quando encontrei um pôster antigo do América Carioca. Nesse exato instante me bateu uma saudade imensa do meu tio João.
Ele tinha quase 1,90 de altura, um verdadeiro armário embutido de forte, cabelo clarinho parecendo um alemão. Torcedor fanático do América Carioca e residente em Copacabana, não perdia um jogo do Mecão..
Nessa minha época de menino estudante e tempos de vacas magras, ele sempre me levou ao Maraca para assistir os mais variados jogos, pois sabia da minha paixão pelo futebol. Era ex-pracinha com direito as cadeiras azuis, podendo levar sempre um convidado.
Domingo, 25 de abril de 1976, não foi diferente, toca o telefone, era ele me chamando para assistir Flamengo e América. Claro que topei a parada.
O Flamengo estava invicto a 31 jogos, mais de 100 mil torcedores coloriam o Maracanã de vermelho e preto, fogos, bandeira, batucada e tudo que tinha direito. Dava para ouvir a charanga do Jaime tocar. A torcida americana, pouco mais de 10 mil, também fazia muito barulho.
Tio João era engraçado, tinha um ritual estranho para assistir os jogos. Ele sempre colocava o radinho de pilha no bolso, metia os fones de ouvido, e caneta em punho, conferindo os resultados da loteria esportiva. A cada jogada perigosa do América olhava para mim com um belo sorriso entre os dentes.
No primeiro tempo só deu América, que além de comandar o meio de campo com Ivo e Bráulio, criou as melhores oportunidades com Gilson Nunes e Expedito, ambos acertaram as traves. Zico e Geraldo pouco fizeram já que estavam fortemente marcados por Orlando Lelé, Alex e Geraldo.
O intervalo foi pura diversão comendo cachorro quente da Geneal e bebendo o famoso mate Leão. Mas o melhor era guerra de copinhos que voavam nas cabeças alheias.
No segundo tempo, o Flamengo melhorou com a entrada de Tadeu que criou muitas oportunidades que não se converteram em gols. Por outro lado, cada ataque do Flamengo uma resposta do América que passou a explorar os contra-ataques.
Jogo tenso, nervoso, e tudo indicava que terminaria em branco com o rubro-negro chegando ao jogo de número 32 invicto. Só que não. Por volta dos 38 do segundo tempo os times já estavam cansados, tocando a bola de lado e conformados com o empate, o que manteria invencibilidade do Flamengo. Quando do nada o técnico Rubro Danilo Alvim, colocou um cara de 1,80m, chamado Lula Goiatuba.
O Jogo caminhava para o final e a invencibilidade estava certa, e o tal Goiatuba nem tocava na bola, porém, aos 42 minutos, depois de um bate rebate na zaga do Flamengo, a bola sobrou para o craque americano Ivo, que serviu o grandalhão Lula Goiatuba que acabara de entrar e mal tocara na bola, GOOLL do América.
Meu tio, que parecia não ter visto o jogo, pois não largava o bilhete da loteria, pulou da cadeira e olhando para minha cara gritou GOOLLLLL como eu nunca o vi gritar. Jamais presenciei como nesse dia tamanha felicidade dele e nunca sofri tanta encarnação até que me deixasse em casa.
Fato curioso é que esse é um daqueles gols que o cara só entrou em campo para fazer isso e nada mais. Entrou só para ferrar o Flamengo. Se alguém achar esse gol na internet me avisa, eu nunca achei.
Mas o que eu queria mesmo dizer para o Tio João, é que esteja onde estiver, pois faz muito que foi chamado pelo poder superior, que sinto falta de nossas inúmeras idas ao Maraca, do radinho com fones de ouvido, e que toparia ser freguês do América, para sempre tê-lo ao meu lado no Maracanã! Saudades…