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COLORADO OITENTÃO


Foto: Eduardo Nicolau/Estadão

Hoje é aniversário de 80 anos de Luis Fernando Veríssimo, grande escritor, humorista, cartunista, roteirista de televisão e apaixonado por futebol, sobretudo, pelo Internacional! Por isso, além de postarmos uma crônica sensacional de sua autoria, sobre peladas, recordamos uma entrevista divertida, dias após o lançamento do seu livro “O Cachorro Que Jogava Na Ponta Esquerda”.

Confira a crônica:

“FUTEBOL DE RUA

Pelada é o futebol de campinho, de terreno baldio. Mas existe um tipo de futebol ainda mais rudimentar do que a pelada. É o futebol de rua. Perto do futebol de rua qualquer pelada é luxo e qualquer terreno baldio é o Maracanã em jogo noturno. Se você é homem, brasileiro e criado em cidade, sabe do que eu estou falando. Futebol de rua é tão humilde que chama pelada de senhora. Não sei se alguém, algum dia, por farra ou nostalgia, botou num papel as regras do futebol de rua. Elas seriam mais ou menos assim:

DA BOLA – A bola pode ser qualquer coisa remotamente esférica. Até uma bola de futebol serve. No desespero, usa-se qualquer coisa que role, como uma pedra, uma lata vazia ou a merendeira do seu irmão menor, que sairá correndo para se queixar em casa. No caso de se usar uma pedra, lata ou outro objeto contundente, recomenda-se jogar de sapatos. De preferência os novos, do colégio. Quem jogar descalço deve cuidar para chutar sempre com aquela unha do dedão que estava precisando ser aparada mesmo. Também é permitido o uso de frutas ou legumes em vez da bola, recomendando-se nestes casos a laranja, a maça, o chuchu e a pêra. Desaconselha-se o uso de tomates, melancias e, claro, ovos. O abacaxi pode ser utilizado, mas aí ninguém quer ficar no golo.

DAS GOLEIRAS – As goleiras podem ser feitas com, literalmente, o que estiver à mão. Tijolos, paralelepípedos, camisas emboladas, os livros da escola, a merendeira do seu irmão menor, e até o seu irmão menor, apesar dos seus protestos. Quando o jogo é importante, recomenda-se o uso de latas de lixo. Cheias, para agüentarem o impacto. A distância regulamentar entre uma goleira e outra dependerá de discussão prévia entre os jogadores. Às vezes esta discussão demora tanto que quando a distância fica acertada está na hora de ir jantar. Lata de lixo virada é meio golo.

DO CAMPO – O campo pode ser só até o fio da calçada, calçada e rua, calçada, rua e a calçada do outro lado e – nos clássicos – o quarteirão inteiro. O mais comum é jogar-se só no meio da rua.

DA DURAÇÃO DO JOGO – Até a mãe chamar ou escurecer, o que vier primeiro. Nos jogos noturnos, até alguém da vizinhança ameaçar chamar a polícia.

DA FORMAÇÃO DOS TIMES – O número de jogadores em cada equipe varia, de um a 70 para cada lado. Algumas convenções devem ser respeitadas. Ruim vai para o golo. Perneta joga na ponta, a esquerda ou a direita dependendo da perna que faltar. De óculos é meia-armador, para evitar os choques. Gordo é beque.

DO JUIZ – Não tem juiz.

DAS INTERRUPÇÕES – No futebol de rua, a partida só pode ser paralisada numa destas eventualidades:

a) Se a bola for para baixo de um carro estacionado e ninguém conseguir tirá-la. Mande o seu irmão menor.

b) Se a bola entrar por uma janela. Neste caso os jogadores devem esperar não mais de 10 minutos pela devolução voluntária da bola. Se isto não ocorrer, os jogadores devem designar voluntários para bater na porta da casa ou apartamento e solicitar a devolução, primeiro com bons modos e depois com ameaças de depredação. Se o apartamento ou casa for de militar reformado com cachorro, deve-se providenciar outra bola. Se a janela atravessada pela bola estiver com o vidro fechado na ocasião, os dois times devem reunir-se rapidamente para deliberar o que fazer. A alguns quarteirões de distância.

c) Quando passarem pela calçada:

1) Pessoas idosas ou com defeitos físicos.

2) Senhoras grávidas ou com crianças de colo.

3) Aquele mulherão do 701 que nunca usa sutiã.

Se o jogo estiver empate em 20 a 20 e quase no fim, esta regra pode ser ignorada e se alguém estiver no caminho do time atacante, azar. Ninguém mandou invadir o campo.

d) Quando passarem veículos pesados pela rua. De ônibus para cima. Bicicletas e Volkswagen, por exemplo, podem ser chutados junto com a bola e se entrar é golo.

DAS SUBSTITUIÇÕES – Só são permitidas substituições:

a) No caso de um jogador ser carregado para casa pela orelha para fazer a lição.

b) Em caso de atropelamento.

DO INTERVALO PARA DESCANSO – Você deve estar brincando.

DA TÁTICA – Joga-se o futebol de rua mais ou menos como o Futebol de Verdade (que é como, na rua, com reverência, chamam a pelada), mas com algumas importantes variações. O goleiro só é intocável dentro da sua casa, para onde fugiu gritando por socorro. É permitido entrar na área adversária tabelando com uma Kombi. Se a bola dobrar a esquina é córner.

DAS PENALIDADES – A única falta prevista nas regras do futebol de rua é atirar um adversário dentro do bueiro. É considerada atitude antiesportiva e punida com tiro indireto.

DA JUSTIÇA ESPORTIVA – Os casos de litígio serão resolvidos no tapa.”

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Com ilustrações de Aroeira, o livro “O Cachorro Que Jogava Na Ponta Esquerda” é uma leitura obrigatória para todos os peladeiros que gostam de boas histórias! O livro pode ser encontrado em diversas livrarias e custa R$ 24,00!

Confira a entrevista ping-pong que a editora do livro fez com Verissimo:

1) O senhor também jogava peladas quando tinha a idade das personagens do livro? 
Joguei futebol de campinho e de calçada. Mas era muito ruim. 

2) O quanto da história vem das suas memórias? O cachorro existiu? Já encontrou alguém daqueles tempos? 
É tudo inventado. Chegamos a formar um time de garotos, com planos de ter escudo e camisetas, mas ficou tudo nos planos. Só tínhamos o nome: Racing. 

3) É tudo futebol, mas, para um escritor, qual é a diferença fundamental entre uma final de Copa e uma pelada de várzea? 
Todas as peladas eram como finais de Copa, com a vantagem que a gente participava. 

4) Por que escolheu contar essa história pequena? 
Nenhuma razão especial. Só achei boa a ideia do cachorro boleiro. 

5) No livro, um industrial financia tudo do time adversário – inclusive o fornecimento de marmelada. É uma indireta para os cartolas? 
Era para enfatizar a diferença entre o time pobre e o time rico, e dar um sabor a mais à vitória dos mais fracos. 

6) Qual foi o grande craque amador das suas memórias? 
Lembro-me de um colega de escola, grande driblador. Ele tinha o nome do pai, com “Filho” no fim, portanto todo o mundo o chamava de “Filho’’. 

7) O senhor se inspirou em jogadores famosos para compor as personagens do livro? 
Não. 

8) Há diferença entre aprender a jogar bola num campinho desses e numa dessas escolinhas institucionalizadas dos times? 
Imagino que quem joga descalço em terra batida desenvolva um tipo de habilidade e instinto que não se aprende nas escolinhas. 

9) Qual sua posição predileta no campo? 
No futebol de calçada todo o mundo jogava em todas. 

10) E por último: o que achou da experiência de escrever para os jovens? 
É difícil acertar o tom quando se escreve para jovens. Não dá para complicar, mas também não se pode ser condescendente. Não sei se consegui.

VENCER OU VENCER

Hoje é aniversário de 82 anos de Francisco Horta! Considerado por muitos com um dos maiores cartolas do futebol brasileiro, assumiu a presidência do Fluminense em 1975 e permaneceu até 1977. Logo nos primeiros dias, anunciou a contratação do craque Rivellino, dando início à formação de um elenco que ficaria conhecido como “Máquina Tricolor”.

Não por acaso, o timaço foi bicampeão carioca e semifinalista do Campeonato Brasileiro, durante este período. Além disso, Horta, que também tem formação jurídica, ficou conhecido por reimplantar o troca-troca de jogadores entre os clubes do Rio de Janeiro. Até hoje é um dos nomes mais respeitados da história do Fluminense e conta com o carinho da torcida tricolor, o que fica evidente no vídeo gravado no Bar da Eva, no Grajaú!

TALENTO DESPERDIÇADO

por Serginho5bocas


Josimar era fera na bola! Criado nas peladas da Cidade de Deus, levava jeito para o futebol desde pequeno. Joia da base do Botafogo, que na época revelava muitos craques sob a batuta de Neca e do técnico Joel,  fez parte dos titulares da seleção brasileira de juniores, vice campeã no mundial da categoria em 1981. Na época, jogava no meio de campo com Leomir, que viria a ser do Fluminense, e tinha como companheiros, Mauro Galvão, do Inter, Julio Cesar, do Guarani, Paulo Roberto, do Grêmio, e Cacau do Goiás.


No canto direito, Josimar comemora um dos seus gols pela seleção

Como se costuma dizer, Josimar era “bola”, mas não tinha sido convocado para nenhuma partida da seleção de Telê que iria disputar a Copa de 1986 e nem fez parte do grupo que teria alguns cortados antes da competição. Mas quis o destino que Leandro pedisse dispensa e, como só teria Edson, do Corinthians, Telê decidiu chamá-lo.

Josimar estava voando, como sempre, tinha um fôlego acima da média e seria provado que a decisão fora mais do que acertada, pois os jogos no México seriam ao meio-dia e na altitude. Ou seja, Telê precisava de alguns jogadores com ótimo preparo físico, pois também estava levando alguns veteranos remanescentes de 1982. O craque chegou como reserva, mas não demorou a ganhar a vaga lá no México. Fez dois gols espetaculares e deixou uma impressão tão boa com suas atuações que foi escolhido pela imprensa como o melhor lateral daquela Copa.

Um detalhe inusitado é que durante os treinos, Josimar tinha o melhor aproveitamento nas cobranças de pênaltis entre todos os jogadores. Antes do jogo contra a França, dizem que não errou nenhuma das cobranças. O problema era que ele levava tudo na sacanagem e batia os pênaltis nos treinamentos sem tomar distância e bem devagar, matando o goleiro de raiva. Em razão dessa displicência, não foi relacionado para as cobranças que, por ironia do destino, nos fez amargar mais uma derrota daquelas de doer. Não sei se com ele ganharíamos, mas seria no mínimo diferente.


Foi tudo tão bom na vida dele que, após a Copa, o lateral foi convocado para uma destas seleções da FIFA e, num jogo amistoso, fez o gol da vitória de 1×0 com passe de Maradona.


Posteriormente, foi vendido para o Sevilla, da Espanha, mas não vingou. Voltou ao Brasil contratado pelo Botafogo, mas nunca mais seria o mesmo. Josimar ainda jogou algum tempo na seleção, mas foi perdendo espaço e as noitadas faziam ele frequentar mais as páginas policiais e de fofocas do que as de esportes.

Terminou sua carreira vagando por clubes sem expressão e sem o viço e a alegria que dava gosto de ver quando ele jogava no inicio da carreira. Josimar foi mais um daqueles talentos desperdiçados, aqueles jogadores que não conseguem cuidar do seu maior patrimônio, o seu próprio corpo, seu instrumento de trabalho.

Uma pena que o triste exemplo de Josimar não faça surtir nenhum efeito em muitos jogadores atuais que levam a vida no mesmo ritmo e, ás vezes, até mais alucinante do que o ex-lateral.

Dizem que hoje ele dá aulas para meninos que sonham ser jogador como ele foi. Espero que aprendam só a parte boa, que convenhamos, foi espetacular, mas, infelizmente, durou tão pouco.

PAI DA BICICLETA

Leônidas da Silva completaria hoje 103 anos de idade! O atacante foi o inventor da bicicleta, um dos lances mais plásticos do futebol! Cria do São Cristóvão, o craque jogou em grandes clubes como Vasco, Flamengo e São Paulo, além de ter defendido a seleção na década de 30. Após penduras as chuteiras, se aventurou na carreira de treinador!  

PALMEIRAS DE SANGUE

por Marcelo Mendez


O ano de 1997 foi duro…

Meu pai, cansado de lutas, das coisas da vida, doente, duramente doente, lutava contra todas as suas infecções renais, suas dores, suas mazelas de mortal que um homem da grandeza de meu velho não merecia ser. Meu pai merecia mais, muito mais…

Em uma daquelas noites de visita no Hospital Jardim em Santo André, enquanto eu me apertava numa poltrona ao lado de seu leito, o velho me chamou:

– Ei, Barbudo…

– Fala pai, que foi?!

– Quanto foi o último jogo do Palmeiras nosso??

– Ah! Se liga, pai! Dorme aí…

– Deixa de ser tonto, rapaz. Me diz! Ganhamos?

– Pai, o senhor já tá aí todo macumbado. Melhor deixar o Palmeiras pra lá, vai por mim…

Velho riu do jeito que podia e insistiu:

– Não se nega um pedido para um homem nessa minha condição. Diga quanto foi o jogo?

– Tá bom; Foi 0×0 os dois últimos jogos. O time tá uma merda. Agora dorme!

– Não!

– Que?! Como assim, “não”? Dorme aí caralho, quer morrer??

Nessa hora, meu pai fez toda a força do mundo, se levantou da cama, me pegou pelo braço e disse com a velha firmeza de sempre:

– Escuta aqui, moleque: eu sou teu pai e te criei para ser feliz. Te preparei para suportar as porradas da vida sim, mas não pra se render assim feito um boi lambão pra tudo que é dureza que aparecer. Que mais você quer? Que eu meta uma faca no meu peito? Você não tá vendo meu estado? Se eu tô te perguntando pelo nosso time é porque isso me da alegria e não importa o resultado de nada. Eu quero falar de futebol com meu filho, posso?

– Pai…

– Cala a boca! Promete a mim: domingo você vai lá no Palestra, vai torcer, vai gritar, vai tomar uma cerveja, vai abraçar um estranho na hora do gol e vai ser feliz…

– Pai, deita nessa porra!!

– Promete!!

– Tá bom, prometo!

Assim meu pai deitou e dormiu. Olhando pro velho torci muito pro meu Palmeiras contra o Paraná Clube uns dias depois e aí, depois do 3×1 quis muito contar pra ele. Corri pro hospital depois do jogo na hora da visita, mas ele não estava mais no quarto. Quando o médico chamou a mim e minha mana pra conversar, nos desenganou e nosso mundo acabou. Dois dias depois o velho morreu. Tristeza sim, mas não definitiva.

Em horas onde o sofrimento é latente, que a poesia ganha força de um milhão de exércitos pra ajudar o Poeta a suportar. Lembrei de tudo, do Palmeiras em mim, em nós.

Foi chorando na arquibancada do Parque Antártica em 1985 após a derrota de virada para o XV De Jaú por 3×2 que descobri que amava meu clube. Após a derrota para a Inter De Limeira, por 2×1 na final do Campeonato Paulista de 1986, que senti forte a dor de uma perda, por algo que você ama muito. Depois de um implacável 3×0 metido pelo Bragantino em um timaço nosso em 1989, eu entendi a complexidade, a dureza de manter um amor por toda a vida. Chorei demais em 1997 quando meu pai cansou dessa chatice e decidiu descansar desse mundo chato.

No dia do enterro do meu pai, fui ao Palestra Itália como eu o havia prometido alguns dias antes. E lá, vi o Palmeiras golear o Grêmio por 5×0, o que me fez me sentir um pouquinho menos triste.

Chorei.

 Chorei num misto de alegria e tristeza, mas, não tive mais dúvidas; Eu sou Palmeirense. Sou porque foi na miséria ludopédica plena que esse amor se consolidou. Amor de Trapo e Farrapo, minha bandeira de guerra, meu pé de briga na terra, meu direito de ser gente, como cantou Paulo Vanzolini. O Palmeiras é isso na minha vida; “Meu direito de ser gente”. E fui…

 

Pelo Palmeiras eu vivi tudo; Eu ri, chorei, xinguei, amei, odiei… Vivi a plenitude da existência e entendi que isso faz parte não só do esporte, mas da vida. Por isso, mais do que qualquer outro vivente do mundo, eu sei o gosto bom de ser Verde no coração. Sei pelo paradoxo disso tudo, do contrário que pode acontecer ou seja; Sei porque não preciso de nada… de mais nada além da paixão, para me sentir Feliz pelo meu Palmeiras.

Sei, porque o Palmeiras é muito mais que um clube de futebol para mim.

Sei porque entendi há muito tempo que o Palmeiras é um pouco de tudo que há no futebol. O Palmeiras é um drama, como na Cavaleria Rusticana, o Palmeiras é um sonho como num filme de Akira Kurosawa, o Palmeiras é uma tragédia como Carmen de Bizet, o Palmeiras é lindo como a Nona Sinfonia de Bethoveen, como a peça Jesus Alegria Dos Homens de Bach, é triste como o fim do primeiro namoro, é pleno como a fúria de uma paixão.

Aos teus 102 anos de vida, de grande vida Palmeiras, aqui está menino que tu criaste. Que jamais deixará de ser o menino palmeirense.

Hoje, homem de seus 45 anos, escritor, jornalista, apaixonado por Sandra, jamais deixará de ser o menino lá dos anos 70. Tudo que faço tudo, tudo que sinto tudo que eu sou vem do menino. O jeito latino, a malandragem do bem, incessante disposição na busca por encanto, o Palmeiras… Tudo é o menino.

Tudo é Palmeiras, tudo é festa pelo teu aniversário e ao invés de Parabéns, te digo o que direi por todo sempre:

Palmeiras, eu te amo…