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andré luiz pereira nunes

O HOMEM DE PAPEL QUE DESAFIOU HITLER

por André Luiz Pereira Nunes


A seleção da Áustria não é exatamente uma referência em Copas do Mundo. Seu melhor retrospecto ocorreu em 1954, quando ficou na terceira colocação. Sua participação mais recente foi na Copa da França, em 1998. Mas, mesmo tendo apenas sete presenças em mundiais, o país merece ser lembrado pelo que representou o seu maior astro de todos os tempos, apelidado de “Pelé do Danúbio” e “Homem de Papel”.

Matthias Sindelar, craque da década de 30, era alto, magro e se destacava pela leveza, velocidade e habilidade em campo. Sua presença fora fundamental para que a seleção austríaca ficasse conhecida como “Wunderteam” (time maravilha). Vencedora da Copa Internacional da Europa Central, em 1932, chegava à Copa de 1934 como uma das favoritas, tendo vencido ou empatado 28 das 31 partidas anteriores ao mundial.

Apesar de ter eliminado França e Hungria nas oitavas e quartas de final, respectivamente, os austríacos capitularam diante da anfitriã e futura campeã Itália, na semifinal, cotejo que os especialistas europeus definiram como decisão antecipada. Porém, cabe ressaltar que a seleção italiana era formada por atletas de várias nacionalidades. Além de italianos, contava com quatro argentinos vice-campeões, em 1930, e até um brasileiro: Filó. Benito Mussolini, ditador à época, e anfitrião do torneio, não medira esforços, alguns nem um pouco honestos, diga-se de passagem, para que seu time fosse campeão.

Por ser nascido em 1903, Sindelar provavelmente não teria condições físicas de atuar na Copa de 1938, pois naquela época a carreira de um jogador era extremamente curta. Apesar disso, aos 35 anos, seguira sempre como titular da equipe, sendo imprescindível na campanha do vice-campeonato de seu país nas Olimpíadas de 1936, novamente com derrota para a Itália. 

O próximo desafio seria a Copa de 1938, competição à qual a Áustria havia se classificado. Entretanto, o destino tinha outros desígnios. Em 12 de março, a apenas três meses do início do mundial, Adolf Hitler invadiu a nação para anexá-la à Alemanha nazista. Em um mês a jovem república parlamentarista se transformara em mais uma província do Terceiro Reich. Entre várias das intenções, uma delas era emular Benito Mussolini. Porém, havia uma ressalva. Os alemães não hospedariam a competição, disputada dessa vez na França, e tampouco formavam uma grande seleção. Tendo invadido a Áustria, Hitler pensava em ter resolvido a equação, pois contaria com os austríacos para reforçar a Alemanha. 

Contudo, ao contrário de vários de seus companheiros, Sindelar não só se recusou a ser alemão como ainda rechaçou a ordem do Führer em integrar o time alemão. Provavelmente não existe relato similar no futebol de maior atitude de destemor e fidelidade do que a protagonizada por esse craque, injustamente esquecido nos dias atuais, que pagou com a vida a recusa em cumprir ordens do maior crápula da história da humanidade. 


72 horas após a anexação da Áustria, Hitler solicitara que oito dos principais jogadores da seleção austríaca fossem imediatamente incorporados ao escrete alemão. Ganhar a Copa do Mundo seria uma questão de honra para o fortalecimento do regime nazista, além de igualar o feito protagonizado por Mussolini no mundial anterior. Cabe ressaltar que a Áustria seria candidata favorita ao título máximo, pois vivenciava a sua melhor fase de todos os tempos. Goleara a Alemanha por 5 a 0 e 6 a 0, a Suíça por 6 a 0, a Escócia por 5 a 0, e a grande rival Hungria por 8 a 2, com três gols de Sindelar. A “Escola do Danúbio”parecia mesmo não ter rival à altura. Quiseram todavia os deuses do futebol que a escalada rumo ao topo fosse interrompida ironicamente por um austríaco de nascimento, o qual não costumava se orgulhar de sua origem.

Hitler resolveu então celebrar a incorporação do país vizinho justamente com uma partida de futebol envolvendo a Alemanha nazista e os austríacos, os quais fariam a última partida por sua seleção. Sindelar, não só atuou brilhantemente como ainda comemorou seu gol, o primeiro do jogo, de maneira efusiva e extravagante defronte ao palco das autoridades nazistas numa clara demonstração de deboche e desafio. A derrota por 2 a 0, além da provocação do craque austríaco, foram um verdadeiro acinte para as autoridades invasoras. Sindelar ainda não sabia, mas esta seria a sua última partida oficial. 

Joseph Goebbels, ministro da Propaganda Nazista, ainda acenou com a proposta de que todo o mal-estar seria devidamente esquecido caso Sindelar defendesse a Alemanha na Copa do Mundo de 1938 e o time fosse campeão. O craque recusou a proposta alegando estar “gravemente machucado”. Ainda avisou estar se aposentando dos gramados oficiais. A negativa selara o seu destino. 

A vaga da Áustria não foi preenchida. A FIFA ainda chegou a convidar a Inglaterra para substituí-la, mas os ingleses não aceitaram a proposta. Mesmo contando com alguns austríacos, a Alemanha acabou eliminada de cara no mata-mata pelos suíços. A vergonha fora tamanha que vários amigos de Sindelar foram perseguidos. O craque resolveu então abrir uma cafeteria, mas os nazistas não lhe davam trégua, arrumando problemas todas as semanas. 

Seis meses mais tarde, em 23 de janeiro de 1939, o corpo de Mattias Sindelar foi encontrado por bombeiros de Viena ao lado de sua companheira, a italiana Camilla Castagnola. Contava com apenas 35 anos. A versão oficial apontou a causa da morte como asfixia por vazamento de monóxido de carbono, um acidente relativamente comum naquele tempo. Apesar disso, não faltou quem suspeitasse que se tratasse de suicídio por conta da pressão exercida pelos alemães, ou mesmo de assassinato cometido pelos nazistas. Anos depois, foi revelado que a Gestapo investigou Sindelar por suspeitas de que ele fosse “”pró-judeu” e “social-democrata”.

Sindelar foi enterrado no mesmo cemitério, na capital, onde repousam os restos mortais de Brahms, Beethoven, Strauss e Schubert. A rua na qual o “Pelé do Danúbio” nasceu foi rebatizada com seu nome. Estima-se que o funeral do craque levou de 15 a 20 mil pessoas ao Cemitério Central de Viena. Em 1998, foi eleito o atleta austríaco do século.

A RICA TRAJETÓRIA DO CEJAP, DE TRAJANO DE MORAES

por André Luiz Pereira Nunes


Trajano de Moraes é um pequeno município localizado na região serrana do Rio de Janeiro. O seu desbravamento e desenvolvimento se ligam ao interesse dos portugueses, então estabelecidos nas baixadas, que subiram a serra em busca de riquezas. Os veios de ouro inexistiam, mas havia um outro tipo de riqueza: o café. Os colonos lusitanos e a mão-de-obra escrava tornaram a terra produtiva e extraíram grandes fortunas. Em 1881, chegavam os primeiros europeus à região atraídos pelo manancial dos cafezais.

Apesar de nunca ter contado com um time em esfera profissional, a bucólica cidade protagonizou um feito histórico através de um de seus representantes. Fundado a 16 de julho de 1971, o Centro Esportivo José Antônio Peruzzi foi criado por cinco jovens idealistas que almejavam inicialmente uma quadra de esportes. Indagaram então o padre acerca da disponibilidade do terreno onde atualmente se localiza a Casa das Irmãs. Obtendo autorização, utilizaram o espaço durante dois anos até que a paróquia necessitou de seu uso. Não se dando por vencidos, os bravos rapazes angariaram fundos para a construção de uma nova, à qual hoje pertence ao Hotel Trajano de Moraes. Para formalizar a criação da área de lazer, decidiram então fundar um centro esportivo e homenagear o saudoso desportista Juca Peruzzi. Nascia, portanto, o CEJAP, conhecido como Águia da Serra.

Em meados da década de 80 a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro promovia e organizava anualmente, através do extinto Departamento de Futebol do Interior, dirigido por Ildo Nejar, o Campeonato Intermunicipal de Clubes Campeões. Participavam os vencedores dos campeonatos municipais e o campeão do Departamento de Futebol Amador da Capital (antigo Departamento Autônomo). A realização desse certame alternava com a do Campeonato Estadual das Ligas Municipais.

Em 1987, 55 times provenientes de todas as regiões do estado participaram da competição. Aperibeense (Aperibé), Ipiranga e Pureza (São Fidélis), Fluminense e São Joanense (São João da Barra), Aeroporto (Lajes do Muriaé), Barra e Carapebus (Macaé), Outeiro (Campos), Olaria e São José (Cachoeiras de Macacu), América e CEJAP (Trajano de Moraes), Bibarrense e Boa União (Duas Barras), São João e Vila Nova (Casimiro de Abreu), São José (Bom Jardim), Nalim e Mauá (São Gonçalo), Morro Grande e Radar (Araruama), Bacaxá e Sampaio (Saquarema), Cruzeiro (Rio Bonito), São Pedro e Independente (São Pedro da Aldeia), Progresso e América (Cabo Frio), Ubatiba e Dínamo (Maricá), Suruiense e Mageense (Magé), Portuense e Cítrus (Itaboraí), Flamenguinho e Barra (Teresópolis), Paulistano e Icaraí (Niterói), Santa Lúcia (Duque de Caxias), Califórnia e Faestal (Itaguaí), Vasquinho e Éden (São João de Meriti), ADC DSP (Nilópolis), Vila de Cava (Nova Iguaçu), Floriano e Cotiara (Barra Mansa), Beira-Rio (Resende), Verolme e Novo Mundo (Angra dos Reis), Grêmio Olímpico (Mangaratiba) e Chácara (Paraty). O ACET, de Volta Redonda, e o CSN, de Barra Mansa, declinaram da disputa. Na fase final foi composta ainda pelo campeão e vice do último certame, o Nova Esperança, de Duque de Caxias, e o histórico Cambaíba, da usina de mesmo nome, localizada em Campos.


Após superar três fases anteriores, o CEJAP foi eliminado nas semifinais pelo Nova Esperança, ao perder por 3 a 1, em Caxias, e empatar em casa sem abertura de contagem. Curiosamente, o torneio não teria conclusão por conta de uma baixa manobra jurídica impetrada pelo Cambaíba contra o Vila de Cava, ambos disputantes da outra semifinal. No jogo de ida, em Campos, ocorreu um empate em 1 a 1. A partida de volta, programada para o estádio do Aliados, em Nova Iguaçu, acabou não sendo realizada porque os campistas alegaram falta de policiamento. Certos, portanto, de que ganhariam os pontos no tribunal, se negaram a jogar. A briga então se arrastou pelo STJD durante mais de 4 meses com direito a vários recursos, não chegando a lugar algum. A dor de cabeça na época foi tão grande que a Federação deu o certame por encerrado e não mais voltaria a promovê-lo, retornando com a organização do Campeonato de Seleções Municipais.

No entanto, a campanha do CEJAP jamais seria esquecida. Em 19 jogos, houve 14 vitórias, 2 empates e 3 derrotas, sendo que nenhum revés ocorreu em casa. Após um período de inatividade que perdurou por mais de 20 anos, diversos abnegados da cidade, entre os quais Álvaro Ramos, resolveram reativar o clube. O retorno não poderia ser melhor. Logo no ano de estreiia, em 2019, o time se sagrou campeão municipal para a alegria da Família Grená, no Estádio Municipal Francisco Limongi, onde manda suas partidas.

Os planos são inúmeros por parte dos novos dirigentes do CEJAP. Quem sabe, o time consiga alçar novos voos e chegue ao profissionalismo. Mas, no momento, já é extremamente comemorada a volta da Águia da Serra ao caminho das conquistas.

COPA DE 78: O MAIOR ROUBO DE TODOS OS TEMPOS

por André Luiz Pereira Nunes


Já se passaram mais de 40 anos e a goleada da Argentina sobre o Peru, válida pela Copa do Mundo de 1978, segue polêmica. Os anfitriões precisavam vencer a partida por pelo menos quatro gols de diferença para ir à final, caso contrário, o finalista seria o Brasil. Porém, fizeram sem muito esforço 6 a 0, levantando sérias suspeitas de que aquele Mundial foi totalmente manipulado em meio ao auge de uma sangrenta ditadura no país. 

O Brasil retornaria com o honroso terceiro lugar, invicto e com a qualificação, aliás muito justa, de campeão moral. De acordo com o escritor argentino Edgardo Martolio, autor de “A Glória Roubada”, em todo esse lamentável episódio esteve presente a mão da ditadura argentina, além da complacência total da FIFA, então dirigida pelo brasileiro João Havelange. A versão é totalmente corroborada pelo atacante Gil, integrante do selecionado brasileiro, em depoimento ao MUSEU DA PELADA. Ele qualifica aquele torneio como a “Copa do roubo”. Segundo Búfalo Gil, os atletas brasileiros ao serem recepcionados no aeroporto por Havelange, teriam ouvido do dirigente que agradecia a todos pelo empenho, mas que desejava que o Brasil não fosse campeão, fato este que causou tremendo estranhamento e constrangimento por parte dos jogadores. Ele ainda recorda que na estreia contra a Suécia, o juiz anulou um gol legítimo de Zico ao final da partida, alegando que o tempo regulamentar havia terminado. Eram prenuncios de que algo não estaria legal.

Uma das maiores suspeitas de que houve realmente armação por parte dos generais argentinos com o total beneplácito de Havelange decorre que, em cima da hora e desrespeitando totalmente o regulamento, a FIFA arbitrariamente mudou o horário da primeira partida da semifinal, fazendo com que o Brasil tivesse que enfrentar a Polônia três horas antes do jogo da Argentina contra o Peru. Os selecionados se igualavam em pontos. Caso ambos triunfassem, a classificação se daria por saldo de gols. Como o Brasil atuaria antes, os argentinos saberiam exatamente quantos gols precisariam fazer no Peru para chegar à decisão contra a Holanda. 

Vale ressaltar que a CBF, sentindo-se prejudicada, apresentou protesto junto à comissão organizadora, mas o mesmo foi imediatamente rejeitado. O Brasil, portanto, bateria os poloneses por 3 a 1, esticando em três gols a vantagem sobre a Argentina. Esta teria que vencer o Peru, já desclassificado, por mais de três gols. Só que durante o torneio os argentinos não haviam batido nenhum adversário por essa diferença. O placar de 4 a 0 seria suficiente, mas e se o Peru fizesse um gol? Afinal de contas, aquela era uma geração composta por grandes jogadores como Oblitas e Cubillas. 


Em seu livro “Como eles roubaram o jogo”, o jornalista britânico David Anthony Yallop relata que o general Jorge Videla chamou o capitão da Marinha argentina Carlos Alberto Lacoste e lhe deu uma ordem taxativa: “garanta o resultado contra o Peru!” Lacoste, que teria em torno de duas horas para cumprir a sua missão, contatou três oficiais que acompanhavam a seleção peruana e ofereceu entre 30 e 50 milhões de grãos de toneladas de trigo da ótima colheita que a Argentina fizera naquele ano. Coincidentemente, o Peru também vivia sob uma ditadura comandada por Francisco Morales Bermúdez. Isso foi fundamental para o acerto imediato. Para o mandatário peruano o trigo era muito mais importante do que um jogo no qual a sua seleção já estava desclassificada. O resultado, portanto, não mudaria em nada o destino dos peruanos na Copa do Mundo. Lacoste então informou a Videla que tudo estava concluído. É importante frisar que os jogadores argentinos não tomaram parte da combinação, já que de todo modo teriam mesmo que fazer a maior quantidade possível de gols. 

Segundo Edgardo Martolio, Videla também fez algo que nunca fizera antes de algum jogo. Visitou  na companhia do secretário de estado americano, Henry Kissinger, o vestiário da equipe peruana antes do cotejo. Era a senha de que tudo estava realmente acertado em altas esferas. Conta-se que o próprio presidente da nação andina também teria feito telefonemas para o vestiário de seus atletas para dar “algumas orientações”. No livro “Fuimos campeones”, o jornalista portenho Ricardo Gotta escreveu que um craque peruano teria dito, referindo-se aos militares de seu país: “turma de merda. Pelo menos distribuam o dinheiro entre nós, jogadores.”

Em março de 2018, em entrevista ao jornal peruano “Trome”, José Velásquez, ex-jogador da seleção peruana, declarou que seis companheiros “se venderam” naquela partida. Um dos acusados foi o goleiro Ramón Quiroga, coincidentemente argentino de nascimento e naturalizado peruano.

– Seis de nós nos reunimos um dia antes com o treinador, Calderón, para pedir que Quiroga não jogasse por ser argentino. Ele aceitou. Mas no dia seguinte mudou de ideia. O que eu devo pensar, que se vendeu ou não? – questionou. 

Coube ao Brasil decidir a terceira colocação da Copa do Mundo contra a Itália, sua futura carrasca no mundial posterior, na Espanha. Os comandados de Cláudio Coutinho venceram por 2 a 1, com gols de Nelinho e Dirceu, e voltaram para casa com o honroso título de campeão moral invicto. 

RENNER: O “PAPÃO” QUE DESBANCOU A DUPLA GRE-NAL EM 54

por André Luiz Pereira Nunes


Apenas 28 anos de vida foram suficientes para deixar saudades. O Grêmio Esportivo Renner, fundado a 27 de julho de 1931, em um bairro proletário de Porto Alegre, foi responsável por um feito histórico: ao desbancar os favoritos Grêmio e Internacional, conquistou o campeonato gaúcho em 1954. 

É importante frisar que o sistema de disputa desde quando foi realizada a primeira edição, em 1919, era bastante diferente. O certame era dividido em torneios regionalizados, os quais apontavam seus campeões para uma competição final. É por isso que até 1960, último ano dessa fórmula, não havia dois times da capital ou de qualquer região fazendo dobradinha. Até 1940, também era comum os times do interior ganharem com certa frequência o estadual. Brasil de Pelotas, Guarany de Bagé, Rio Grande e Pelotas tiveram o gosto de vencer o campeonato gaúcho. Até mesmo o modesto, porém tradicional, Cruzeiro de Porto Alegre conquistara, em 1929, o caneco. Portanto, o último campeão do interior nessa era fora o Riograndense, em 1939. A partir de 1940, com o hexacampeonato do Internacional e o crescimento da rivalidade com o Grêmio, ambos passaram a dominar inteiramente as disputas. Em 1954, contudo, a história foi bem diferente. O Renner, então mantido pelo empresariado da cidade, conseguiu romper com a tradição de títulos dos dois grandes da capital e venceu o Metropolitano, habilitando-se para a fase final do estadual.

Os adversários do Papão seriam o Brasil de Pelotas, vencedor da região Sul e Litoral, o Ferro Carril de Uruguaiana, da Fronteira, e o Gabrielense de São Gabriel, este proveniente da região da Serra. Porém, este último abdicou da disputa. Somente três times iriam se habilitar ao título máximo do Rio Grande do Sul, em 1954. O Renner estreou atuando em seu estádio, o Tiradentes, diante do Ferro Carril. Breno Melo e Joelcy fizeram os gols da vitória por 2 a 0. Na segunda partida, em Pelotas, houve um empate em 1 a 1 contra o Brasil, no Bento de Freitas. A igualdade colocou o time em boa condição, já que faria o último jogo em casa contra o Xavante. Porém, o Renner ainda teria que jogar em Uruguaiana, contra o Ferro Carril. A partida foi difícil, mas o magro 1 a 0 forneceu a vantagem a qual com uma simples vitória, o Papão conquistaria o título de 1954, já que o Xavante também havia vencido o Ferro Carril por duas vezes.

O estádio Tiradentes ficou totalmente lotado para a peleja decisiva. Breno Melo, com dois gols, e Pedrinho assinalaram os gols da vitória no segundo tempo. Não havia mais jeito. O Papão era incontestavelmente o campeão gaúcho de 1954. Essa hegemonia só voltaria a ser quebrada muito depois e, curiosamente, por dois representantes de Caxias do Sul. Em 1998, o Juventude, na época patrocinado pela Parmalat, ganhou  a competição. E, em 2000, o Caxias, então treinado pelo novato e promissor Tite, também veio a se sagrar campeão gaúcho.


O Renner mandava seus jogos nas esquinas das Avenidas Farrapos e Sertório, no bairro de Navegantes, onde atualmente resta apenas um pequeno campo ao lado de muitos prédios, que ocuparam o antigo estádio Tiradentes. O caldeirão ganhara o apelido de Waterloo, em referência à batalha perdida por Napoleão Bonaparte na Revolução Francesa.

Ênio Andrade, que mais tarde se consagraria como treinador ao se tornar campeão brasileiro por três clubes diferentes: Coritiba, Grêmio e Internacional, foi um habilidoso meia do Renner que fez parte do elenco campeão gaúcho. O atacante Breno Melo, também destaque, veio a protagonizar como ator Orfeu Negro, uma produção ítalo-franco-brasileira, de 1959, dirigida por Marcel Camus, baseada na peça Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes.

Infelizmente o final da década de 1950 marcou um período de crise derradeira para o Papão. Como ao fim de cada temporada a empresa A. J. Renner tinha de cobrir o rombo financeiro, após o campeonato de 1957 decidiu-se extinguir o clube. Os executivos acharam mais produtivo as verbas destinadas ao futebol serem repassadas para a publicidade.

O Renner, mesmo tendo uma trajetória de 28 anos, foi um clube diferenciado de acordo com o jornalista Rui Carlos Ostermann: “O Grêmio Esportivo Renner é a quebra de todos os paradigmas do futebol gaúcho”. De fato alcançou um feito que permanece na memória dos “órfãos da arquibancada”,  os torcedores que, mesmo após quase 50 anos de extinção, continuam ativos. Alguns, inclusive, ainda carregam consigo a carteirinha de sócio da agremiação.

Essa fantástica história está devidamente retratada no documentário “Papão de 1954”, de Alexandre Derlam, lançado em 2005, e disponível no YouTube.

DA LAMA À GRAMA: UMA VIAGEM PELA TERCEIRA DIVISÃO

por André Luiz Pereira Nunes

“A mais sórdida pelada é de uma complexidade shakesperiana”, escreveu Nelson Rodrigues. 

O Campeonato Estadual da Terceira Divisão do Rio de Janeiro, hoje cognominado Série B2, é um verdadeiro celeiro de craques do futebol brasileiro e internacional. O artilheiro do recente Campeonato Estadual, João Carlos, do Volta Redonda, despontou no Arraial do Cabo, agremiação criada e presidida pelo saudoso ex-árbitro e dirigente Walquir Pimentel. O habilidoso atacante Pedro, do Flamengo, foi revelado pelo Duquecaxiense, antes de se transferir para o Fluminense. Uma outra histórica revelação é a do meia Válber, surgido no Tomazinho, o qual posteriormente se consagraria por clubes como São Cristóvão, São Paulo, Vasco, Fluminense, Seleção Brasileira e outros. O modesto Barcelona, de Jacarepaguá, pode não ter um histórico de títulos em seu pavilhão, mas revelou o zagueiro Thiago Silva, o qual chegou ao Fluminense e Seleção Brasileira. 


A vida, contudo, nem sempre é gratificante para quem atua no submundo do futebol fluminense. Os atletas costumeiramente não recebem salários, mas se dispõem a jogar na tentativa de serem notados para que consigam galgar o que pouquíssimos alcançaram: o sucesso em suas carreiras. A tarefa é árdua, pois além da incipiente cobertura da imprensa, falta apoio por parte da Federação de Futebol do Rio. A ausência de médicos e ambulâncias nas partidas, fato que inviabiliza totalmente a realização das mesmas, a ausência de sinal de internet, água, portas e lavatórios nos banheiros e até marcações no campo feitas com farinha de trigo já são cenas conhecidas no conturbado cenário da terceirona fluminense.

Não obstante, Da lama à grama, do estreante Kléber Monteiro, retrata a atmosfera inusitada e ao mesmo tempo lúdica desse universo bizarro e apaixonante cujos protagonistas são heróis invisíveis. O autor percorre diversos estádios em várias cidades, algumas bem longínquas, como Cardoso Moreira, no norte fluminense, na tentativa de dissecar todas as nuances do meio. Não faltam cenas cômicas e bizarras para que o sarcasmo e o bom-humor destilem e prevaleçam em uma crônica permeada de impressões e reflexões, às quais não se restringem apenas à realidade futebolística, mas se estendem à própria vida. Cada capítulo percorre um jogo por rodada da competição, retratando dramas, conquistas, tristezas e alegrias. A obra nos ensina que esses certames merecem ser vistos além da superfície com a qual a maioria está habituada. Até a capa é bastante emblemática. Porém, uma coisa é certa. O cenário é tão complexo que nem tudo, em se tratando de uma terceira divisão, pode ser contado. 


Não faltam referências às históricas agremiações, algumas centenárias como Mesquita, Queimados e Mageense, e outras insólitas como Barcelona e Juventus, que tentam sem sucesso capitalizar o êxito de suas inspirações européias. O autor ainda discorre acerca das dificuldades em obter informações sobre estádios e clubes, observando que a falta de interesse e apoio acerca das competições menores é predominante ainda que estejamos em um país que respira futebol. 

Todavia, fica claro que mesmo nesse meio de grandes dificuldades há uma riqueza histórica e humana que são incomensuráveis. A falta de incentivo, visibilidade e patrocínios não impede a bola de rolar. Da lama à grama é uma ode ao futebol-raiz e leitura obrigatória àqueles que realmente apreciam o velho e verdadeiro esporte bretão. 

Como já dizia o sociólogo inglês David Goldblatt: 

“nenhuma história do mundo moderno é completa sem levar em conta o futebol.”