por André Luiz Pereira Nunes
Espanha, 1982: Camarões fazia sua estreia em Copas do Mundo, justamente encarando um grupo composto por Itália, Polônia e Peru. Os Leões Indomáveis acabariam eliminados na primeira fase sem uma única derrota ou vitória. Três empates deixaram camaroneses e italianos com os mesmos 3 pontos. Os europeus se classificaram de acordo com os critérios de desempate. A primeira participação, portanto, não foi contundente, mas abriria caminho para o sucesso em 1990, tendo como principal artífice, Roger Milla, o veterano atacante que era um dos remanescentes da mediana campanha em terras espanholas.
A Copa de 1990 é considerada uma das mais monótonas de todos os tempos. O futebol-arte, protagonizado pelo Brasil, em 1982, tinha dado lugar ao esquema de resultados defendido na época pelos maiores treinadores e especialistas. Se iniciava nesse período a opinião reinante de que era melhor ganhar jogando mal a perder atuando bonito, uma crítica ao futebol brasileiro apresentado na Copa de 1982. Por conseguinte, os pontas foram sacrificados e os times passaram a contar com três zagueiros e um número cada vez mais crescente de volantes de contenção. O jogo aberto deu lugar ao intenso congestionamento no meio-campo. Um marasmo, portanto, passou a predominar nas seleções, que passaram a apresentar poucos gols, muita falta de criatividade e raras jogadas interessantes. Mesmo a Alemanha, campeã daquela edição e dispondo do melhor ataque, só bateria a Argentina, na decisão do torneio, pelo magro placar de 1 a 0, com um gol de pênalti assinalado pelo zagueiro Andreas Brehme.
Após disputar seu primeiro mundial em 1982, Camarões conquistou a Copa Africana de Nações, em 1984, e foi vice em 1986. A equipe era comandada, desde 1985, pelo francês Claude Le Roy, o qual conquistara a admiração da torcida por montar um elenco composto totalmente por atletas que atuavam no país, além de cessar com a prática habitual dos dirigentes e autoridades palpitarem na escalação da seleção do sudeste africano. Assim, mesmo perdendo a decisão da Copa Africana, em 1986, para o Egito, o técnico se manteve prestigiado à frente do selecionado. A base formada por Bell, Tataw, M’Bouh, Kundé, Makanaky, Massing, Mfédé e Milla despertava grandes expectativas. Entretanto, pelas Eliminatórias para a Copa de 1986, Camarões pereceu diante de Zâmbia, na segunda rodada da primeira fase.
A Copa Africana de Nações, de 1988, foi disputada no Marrocos. Além do campeão Egito, os favoritos eram Nigéria, Camarões, Argélia e os donos da casa. Os Leões Indomáveis pegaram uma pedreira de cara. Caíram no Grupo B ao lado de Nigéria, Egito e Quênia. Na primeira partida, com direito a gol de Roger Milla, os Leões venceram os egípcios pelo placar mínimo. No segundo cotejo, empate em 1 a 1 com a Nigéria. No último duelo, nova igualdade, dessa vez sem gols, com o Quênia, resultado que eliminou o Egito e classificou Camarões para a fase seguinte. Na semifinal, Makanaky assinalou o gol da vitória contra o Marrocos, colocando a equipe camaronesa na decisão continental contra a Nigéria. Kundé, de pênalti, decretaria a vitória para os Leões. Estava sacramentado o título para Camarões, que viria fortalecido e motivado nas Eliminatórias para a Copa do Mundo.
Após a conquista, veio um revés. O treinador Le Roy deixaria o comando ao aceitar uma proposta do Senegal. A Federação Camaronesa então se mexeu rapidamente, trazendo o inexperiente soviético Valeri Nepomniachi. Ainda que iniciante, mostrou talento ao levar o time à fase final das Eliminatórias, eliminando a Nigéria. Na decisão, venceu a Tunísia em duas partidas, se classificando de maneira incontestável para o Mundial de 1990.
Logo após o bicampeonato continental, o astro Roger Milla, 38 anos, havia anunciado a sua despedida da seleção. No entanto, o clamor popular e um pedido especial do presidente da nação, Paul Biya, o fizeram mudar de ideia. A estreia não poderia ser mais difícil. Os Leões defrontariam a campeã Argentina, de Maradona, além de Romênia e União Soviética. Porém, o time africano não se intimidou com os adversários sul americanos. O gol de Oman-Biyik decretaria o triunfo, ainda que diante de uma falha homérica do goleiro Pumpido. Na partida seguinte, novo obstáculo. A Romênia, composta pelos campeões europeus do Steua Bucareste, em 1986, vinha reforçada pela sua principal atração, o habilidoso meia Gheorghe Hagi. Mesmo assim, Camarões não se acovardou e bateu os romenos por 2 a 1, chegando às oitavas de final com uma rodada de antecedência. No último cotejo da fase de grupos os africanos foram goleados pela União Soviética por 4 a 0, mas a classificação já estava assegurada.
O rival a seguir era a Colômbia, de Higuita, Valderrama, Escobar e Rincón. Uma derrota diante dos sul americanos seria normal, haja vista que os colombianos eram tidos como grandes jogadores. Roger Milla, no entanto, acabou com o jogo em dois lances épicos que entraram para a história da Copa do Mundo. Em um deles, aproveitou-se da audácia do arqueiro Higuita, que ao tentar driblá-lo, acabou perdendo a posse de bola, resultando em gol. A vitória punha o continente africano pela primeira vez nas quartas de final de um mundial. “Ele tentou me driblar, e ninguém dribla o Milla”, diria posteriormente o veterano astro camaronês.
A imponente Inglaterra, de Bobby Robson e de craques como Gary Lineker, Peter Shilton, Paul Gascoigne, John Barnes e David Platt se colocava à frente dos Leões Indomáveis. A partida, realizada em Nápoles, é considerada uma das melhores de todas as Copas do Mundo. Os africanos jogaram como nunca, de maneira extremamente ofensiva, enchendo os olhos dos espectadores. Se não fosse a estrela e o talento do goleiro Shilton, fatalmente teriam saído com a vitória. O jogo só seria resolvido na prorrogação com o triunfo dos ingleses por 3 a 2.
Mesmo vencendo novamente a Copa Africana de Nações, em 2000 e 2002, além das Olimpíadas de 2000, Camarões não conseguiu igualar a campanha de 1990 em uma Copa do Mundo. Mesmo o talento de Samuel Eto`o não foi suficiente para conduzir o país a um retrospecto tão marcante.
O retrospecto de Camarões certamente inspiraria outras seleções africanas a acreditar que o sonho de ir mais longe em Copas seria possível. Em 2002, Senegal se classificou em uma difícil chave contendo a então campeã França e também cairia na prorrogação durante as quartas de final. Já em 2010, Gana esteve muito próxima de quebrar a barreira das quartas, mas a inesquecível defesa de Luís Suarez no último minuto da prorrogação e o subsequente pênalti perdido por Asamoah Gyan impediram o histórico feito.