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andré luiz pereira nunes

ONDA RETRÔ: VENDA DE CAMISAS DE TIMES EXTINTOS VIRA FEBRE NO RIO

Bairros históricos do Rio são revividos através de ilustres representantes de um glorioso passado esportivo

Por André Luiz Pereira Nunes


É fato que mais de uma dezena de empresas vêm produzindo camisas comemorativas de times brasileiros e europeus. Hoje um aficionado pelo Flamengo, de 1981, ou pelo America, de 1974, pode facilmente encomendar exemplares desses anos. Sabe-se que a paixão futebolística não tem limites, mas era difícil imaginar que essa fronteira seria transposta para clubes extintos, alguns até nem tão conhecidos.

O agitador cultural e professor de geografia, Pedro Henrique Gomes, 37 anos, morador do Méier, é um dos idealizadores da iniciativa. Há cerca de 12 anos, possui um projeto de incentivo à leitura, além do forte engajamento em atividades culturais e educativas, sobretudo nas ruas.

– Ao longo da adolescência, quando visitava um grande amigo, obrigatoriamente passava pela Rua Monsenhor Jerônimo, 135, sede do Engenho de Dentro Atlético Clube. Com os colegas de faculdade jogava bola na quadra. Mas sempre me perguntava sobre o que representava aquela agremiação. Ao pesquisar a respeito, me aparecia algo curioso: era o “Terror do Futebol Suburbano”. Infelizmente o time não mais existe, restando apenas uma modesta sede social. Foi daí que nasceu a ideia da produção da fanzine “Grande Méier FC – Os Fantasmas Azuis do Engenho de Dentro! – revela.

Além do incessante levantamento histórico, Pedro, não satisfeito, ainda passou a tentar reviver o fardamento dessas equipes, tendo todo o cuidado de levantar cores e modelos na tentativa de ressuscitar os uniformes.

– A partir de informações levantadas na internet, procurei uma empresa que fabrica camisas retrô e consegui que fossem produzidos os modelos de três agremiações históricas do Grande Méier: Metropolitano Athletico Club, Japoema Football Club e, obviamente, o Engenho de Dentro Atlético Clube (foto). Também disponho de um exemplar do saudoso Andaraí Atlético Clube (foto), o time de Dondon, imortalizado no samba de Nei Lopes, o qual também deu origem a outra fanzine de minha autoria! – ressalta.

O próprio Engenho de Dentro, em seu Instagram, promove no momento uma campanha junto a torcedores e simpatizantes para fabricar o modelo tradicional de sua camisa, notabilizada por listras verticais azuis em fundo branco. Em 2012, um exemplar referente ao centenário da agremiação chegou a ser produzido e comercializado com sucesso.


O empresário Renato Oliveira, 39 anos, é outro entusiasta da iniciativa. Ele é fundador e proprietário da Otaner, uma confecção existente desde novembro de 2017, a qual disponibiliza produtos na loja Botão FC, localizada no Shopping Boulevard, outrora praça esportiva do Andaraí e, posteriormente, do America. Inicialmente Renato se dedicava apenas à produção de estampas de jogos de futebol de botão. Hoje, não só detém licença para comercializar camisas do America, como ainda visa a fabricar camisas de times inativos. A do Andaraí (foto) já é encontrada em seu negócio. Na lista de pedidos se encontram nomes como Confiança, Vila Isabel, ADN de Niterói, SC Brasil, Magno, Mavílis, Modesto, Mackenzie, Valim, Irajá, Ríver, Mangueira, Riachuelo, Ramos, Catete, Fidalgo e muitos outros.

A maioria dessas agremiações desapareceu por causa de dificuldades financeiras, estruturais ou devido ao advento do profissionalismo no futebol carioca. Algumas ainda mantêm sedes sociais, mas uma grande parte estaria realmente fadada ao esquecimento completo se não fosse a sanha de grandes historiadores e pesquisadores como o saudoso Raymundo Quadros e o intrépido Sérgio Mello, 51 anos, este último, com passagens pelo Jornal dos Sports e Record TV. Graças a esses baluartes, a memória do futebol carioca estará plenamente assegurada, servindo ainda de inspiração para esse tão saudável e benéfico “revival” de camisas.

ADO: UM MOTIVO DE ORGULHO DO FUTEBOL BRASILEIRO

por André Luiz Pereira Nunes


O ponta-esquerda Miraldo Câmara de Souza, o Ado, sensação do Bangu na década de 80, tinha como característica o físico delgado, mais próximo de um maratonista do que de um jogador de futebol. Paraibano de nascimento, passaria por intensas agruras até se destacar no inesquecível time cujo patrono era o bicheiro Castor de Andrade. Com certeza, quem viveu os anos 80, se lembra com muito carinho da equipe cujo maior destaque era o ponta-direita Marinho, atleta completo e extremamente talentoso.

Ado foi levado para testes nas divisões inferiores do Vasco. Porém, lhe disseram que era muito franzino. Além disso, não queriam custear as suas despesas. Mas ele não desanimaria. Um amigo o levou até Marechal Hermes, em 1977, quando já tinha 15 anos. Outra decepção. O treinador Jair, das divisões inferiores do Botafogo, o achou raquítico e não quis sequer que mudasse de roupa. Alegou que não tinha corpo para jogar futebol. O companheiro que o tinha acompanhado ficou com pena e resolveu fazer uma última tentativa, dessa vez no Madureira, que o acabou projetando.

– Foi em Conselheiro Galvão que eu tive a melhor recepção. E devo tudo a dois treinadores. O primeiro foi Plínio Guedes, que me deixou treinando um ano, antes de jogar, para pegar corpo. Depois foi Célio de Souza que não cansou de elogiar meu futebol, alegando que era jogador para a Seleção Brasileira, relatou anos depois ao Jornal dos Sports.

De fato a ascensão foi meteórica. O atleta só permaneceria seis meses na categoria juvenil do Tricolor Suburbano. Com 16 anos foi convocado para a Seleção Carioca de juniores, dirigida por Joel Martins, mas o clube de Conselheiro Galvão não o liberou. Fora requisitado para o elenco de juniores do time, onde só atuaria por 4 meses. Jorge Ferreira, o treinador dos profissionais, o quis logo em suas fileiras.


Com 18 anos, Ado já era o destaque da equipe principal do Madureira. Mas a vida ainda era penosa. Nessa época ainda labutava numa obra em Copacabana. Treinava de manhã e misturava massa à tarde para poder viver dignamente. Trabalhava com seu pai. Ele conta que certa vez, quando passava pelas ruas de Copacabana, com duas latas de tinta, foi visto por dois jogadores do Madureira que estavam de carro. Ficaram com pena e lhe deram carona. Apesar do começo difícil, nem ele nem os colegas de profissão ficaram constrangidos com o fato de ser pedreiro.

– Estava fazendo o certo. Trabalhando. Jamais poderia ter vergonha disso, pois não estava cometendo nenhum crime. Tenho muito orgulho do meu passado, reitera.

Ado jamais se esqueceria dos dias que perdeu virando concreto. O garoto, que migrara de Campina Grande, munido de esperanças de se tornar um craque dos gramados brasileiros, olhava as mulheres, com seus biquínis mínimos, tomando sol no Posto 2, enquanto suava para conseguir uma grana extra.

Mas foi graças ao treinador Célio de Souza que não esmoreceu. Tudo mudaria quando certa feita ocorreria uma partida entre Bangu e Madureira, em São Januário. O treinador o chamou num canto e lhe disse que não se preocupasse com o placar. O adversário era favorito. O importante é que jogasse bem e demonstrasse o seu talento. Realmente o Bangu se saiu muito melhor, vencendo o rival pelo placar de 4 a 0, mas Ado, o melhor do time, levou pânico à defesa adversária, chegando a deixar o experiente Renê e o cabeça de área Índio caídos ao chão por conta de seus dribles desconcertantes.


A ótima atuação levou Carlinhos Maracanã, que assumira o cargo no Bangu de diretor de futebol, a comprar o seu passe junto ao Madureira. Na época, o treinador banguense era Jorge Vieira e Vilmar, o dono da posição. Durante um jogo-treino contra o Bonsucesso, o comandante chamou o titular num canto e lhe informou que gostaria de dar uma chance ao garoto estreante.

– Entrei no segundo tempo e me destaquei. Depois houve um amistoso contra o Guarapari, no qual entrei de cara e novamente fui o melhor em campo, marcando até gol. Nunca mais saí do time, recorda.

No início de 1985, o Bangu contratou o experiente Gílson Gênio, um dos destaques do America, campeão dos campeões, em 1982. Pela primeira vez desde que assumira a posição de titular, Ado teve que ir para o banco. Mas por muito pouco tempo. Logo recuperaria a posição, sendo peça determinante para que o time, de maneira surpreendente e inédita, chegasse ao vice-campeonato brasileiro e estadual. Em 1987, foi campeão da Taça Rio. Ainda conquistou a Bola de Prata, em 1985.

A carreira sempre foi marcada por grandes atuações e uma enorme infelicidade: o penal perdido durante a disputa de pênaltis na fatídica decisão do Brasileiro, de 1985, contra o Coritiba no Maracanã.

A ligação com o alvirrubro carioca é longa. Foram seis anos, entre 1983 e 1987, uma segunda passagem, em 1994, e ainda uma terceira, em 1997. Na temporada 1987/88, esteve no Espinho, de Portugal, intercalando um breve período no Internacional, no fim de 1988. Ao retornar a Portugal, jogou no Espinho por mais três temporadas. A carreira iria até 2002, pontuada por times como Friburguense e Barreira, e alguns da Indonésia e Peru, e finalmente encerrada no Campo Grande.

Foi considerado, em 2019, o técnico-revelação do Bangu, após promover uma excelente campanha à frente dos mulatinhos rosados de Moça Bonita.

DANIEL GONZALEZ: O TRÁGICO FIM DE UM GRANDE ZAGUEIRO URUGUAIO

por André Luiz Pereira Nunes


Em 1 de fevereiro de 1985, o Vasco perdeu um dos melhores defensores da sua rica e longa trajetória. Após ter participado de uma peixada na casa do centroavante Cláudio Adão, no Leblon, o zagueiro Daniel Angel Gonzalez Puga foi vitimado por um acidente fatal automobilístico na Autoestrada Lagoa-Barra. O Monza vermelho, o qual dirigia, derrapou vindo a bater na coluna de sustentação de uma passarela, logo após a saída do Túnel Dois Irmãos, em frente à Rocinha. O jogador estava em companhia da esposa, Mabel Puga, de 25 anos, que, com fraturas, foi internada no Hospital Samaritano, mas sobreviveu. Coincidentemente, quem atendeu Daniel no Miguel Couto foi o médico do Vasco, Válter Martins, que estava de plantão. Ele atestou que o zagueiro teve oito costelas fraturadas, afundamento do tórax e ruptura da veia aorta. Enquanto estava sendo atendido, sofreu três paradas cardíacas, não resistindo à quarta, consequentemente vindo a óbito. 

Seu companheiro de clube, Cláudio Adão, havia preparado um jantar e convidado os amigos Daniel Gonzalez e esposa, além do zagueiro Ivan, o lateral-direito Edevaldo e o meia Carlos Alberto Pintinho. Gonzalez, sempre um dos mais alegres e brincalhões do elenco, gostou tanto da peixada que a repetiu quatro vezes. Pouco depois da meia-noite, Adão o convidou para que o casal fosse com o restante do grupo a uma boate. A preferida era a Studio C, em Copacabana, mas o zagueiro declinou, alegando que deveria estar cedo em São Januário. Não quis topar mais algumas horas de lazer, durante a madrugada, sob o argumento de que precisava se preservar, preocupado com o adversário seguinte, o Fluminense. Bem que a esposa, Mabel, queria estender o programa. Uma pena, ele não ter cedido, haja vista que as mulheres dispõem de um apurado sexto sentido.

Portanto, Daniel e a mulher despediram-se do grupo e seguiram em direção à residência, localizada na Barra da Tijuca. Ele trafegava em alta velocidade, quando ao sair do Túnel Dois Irmãos se deparou com a estrada inundada pela chuva. Quis frear, mas o veículo derrapou, indo colidir com a coluna de sustentação da passarela em frente à Rocinha. Ele tinha 30 anos e deixou um casal de filhos, Marcelo e Daniela, de 5 e 3 anos, respectivamente. 

Há seis anos no Brasil, o uruguaio de Montevidéu, iniciou sua carreira no modesto Fénix, um pequeno clube de bairro da capital. Apesar disso, progrediu tão rapidamente que logo foi convocado para a Seleção Uruguaia, quando já então vestia a camisa do Peñarol. Em 1979, foi adquirido pela Portuguesa de Desportos. Após dois anos no Canindé, e ainda sem nenhum título, foi negociado junto ao Corinthians, o qual cedeu à Lusa o também uruguaio Taborda e uma alta soma em dinheiro. No Parque São Jorge, continuou sendo o marcador corajoso e líder nato da equipe campeã paulista em 1982.

Comprado pelo Vasco, no segundo semestre de 1983, chegou a São Januário prometendo muita luta e desmentindo informações de que era um dos líderes da renomada Democracia Corinthiana, movimento formado por atletas do Timão, que reivindicava maior representatividade nas decisões. O fato é que um mês antes de falecer, identificou-se claramente como um dos porta-vozes dos atletas vascaínos junto aos dirigentes, os quais cobravam atualizações de prêmios, geralmente em atraso, direitos de arena e pagamento pontual das luvas devidas ao elenco. 

Logo que souberam do seu falecimento, através das emissoras de rádio, diversos jogadores do Vasco compareceram ao Hospital Miguel Couto, entre os quais, Roberto Dinamite, Aírton, Ivan, Cláudio Adão, Acácio, Geovani, Mauricinho e o goleiro Roberto Costa. O então treinador do time, Edu Coimbra, o presidente Antônio Soares Calçada, o vice de futebol José Luís Mano e o supervisor Paulo Angioni também estiveram presentes.  


No Gigante da Colina se sagrou vice-campeão brasileiro, campeão da Taça Rio e terceiro colocado no Campeonato Estadual, todas as competições realizadas em 1984.

“Era uma ótima pessoa, um líder dentro e fora de campo, além de um sujeito sensacional. Me recordo bem que o fato aconteceu pouco depois que voltamos de Porto Alegre, quando lá perdemos para o Grêmio por 3 a 1. Todos ficamos extremamente consternados. Havia, inclusive, uma partida contra o Fluminense na mesma semana que foi adiada, pois não havia clima possível”, ressaltou o ex-volante Oliveira.

O ex-zagueiro Duílio, que foi seu companheiro na Portuguesa durante 19 meses, e atuava na época pelo Tricolor das Laranjeiras, ficou arrasado.

“Daniel era uma pessoa do bem. Bom caráter, um cara família, sem contar o excelente profissional em todos os aspectos. Fizemos uma grande dupla de zaga na Portuguesa de Desportos. Quando nos tornamos adversários, nos encontrávamos sempre após os jogos, pois permaneceram sempre a empatia e a amizade que ficaram daquele tempo. Deixou saudades”, declarou o eterno xerife da zaga do Fluminense.

O goleiro titular Roberto Costa, Bola de Ouro da Revista Placar, em 1983 e 1984, foi outro que exaltou as qualidades do amigo.

“Foi um grande amigo que tive no futebol. Inclusive nas concentrações ficávamos no mesmo quarto. Éramos parceiros de canastra. Já como profissional, era exemplar. Tinha muita garra e instinto de liderança dentro e fora de campo. Era um excelente jogador. Senti muito a sua perda, pois éramos muito próximos”, relembrou.

O técnico Zé Mário relembra uma passagem comovente de quando ambos jogaram na Portuguesa de Desportos. 


“Cheguei na Portuguesa quando ele ainda estava de férias no Uruguai. Eu estava em um hotel e procurava um apartamento para morar. Um dia saí do treino e fui à  administração. Daniel me viu e perguntou onde eu estava hospedado. Informei-lhe o lugar e ele se ofereceu para me levar até lá. Respondi-lhe que não era necessário, pois o clube já tinha me disponibilizado um motorista. Mesmo assim, ele dispensou o motorista. Entrei no carro dele e fomos até a frente do hotel, eu agradeci pela carona, tencionando me despedir, mas ele me disse que queria subir até o quarto. Retruquei que minha esposa estava lá. Ele falou que iria subir mesmo assim. Pensei que ele era maluco. Avisei a minha esposa que ele vinha comigo. Bati na porta, a Bela abriu e entramos. Ele foi direto ao meu quarto e foi juntando todas as nossas roupas e jogando dentro de uma mala. Estupefato, lhe perguntei o porquê daquilo. Ele falou que iríamos ficar na casa dele. Ficamos apavorados. Eu não o conhecia e nem ele a mim. Ele foi saindo pela porta puxando as malas e não tivemos outro jeito, senão seguirmos. Eu ia falando que aquilo não estava certo e ele ia em frente. Chegamos ao seu apartamento e ele não tinha avisado nada, até porque não existia celular como hoje. Entramos de olhos arregalados. Depois me fez comprar um apartamento no mesmo condomínio dele. Só o bloco era diferente. Graças a Deus ganhei um irmão. Mantenho até hoje contato com a família. O neto tem 8 anos e almeja ser jogador de futebol”, reitera emocionado.

Daniel Gonzalez conseguiu, em sua curta trajetória pelo Vasco, impor-se e até mesmo inscrever o seu nome na galeria dos grandes profissionais que defenderam essa camisa. Jogador vibrante, de muito destemor, costumava definir-se como um homem que não admitia derrotas. Bom amigo, excelente chefe de família, deixaria um vazio imenso em todos aqueles que o conheceram e tiveram o prazer de desfrutar da sua convivência.

LUPERCÍNIO: A EXPECTATIVA ALVINEGRA QUE GEROU DECEPÇÃO

por André Luiz Pereira Nunes


Quem é paraense se lembra muito bem dos dois ponteiros do Paysandu nos anos 70 e 80: Evandro e Lupercínio. Entortavam qualquer lateral que se apresentasse. O futebol brasileiro ainda vivenciava o apogeu da alegria, criatividade e ofensividade. A retirada dos pontas representou o fim da mágica desse majestoso e popular esporte.

A morte precoce de Lupercínio Sérgio Lima de Oliveira, um dos grandes expoentes da história do Pará, em 2 de junho de 2010, aos 52 anos, vítima de cirrose hepática, entristeceu familiares, amigos e atletas que tiveram o prazer de desfrutar da sua convivência.

Lupa, como era conhecido entre os mais chegados, era veloz, exímio driblador e de cruzamentos precisos. Jogador leve e ofensivo, fizera enorme sucesso no Paysandu e Náutico, chegando ao Botafogo, em 1983, com status de ídolo e salvador da pátria. A própria negociação envolvendo a compra de seu passe, além de ter tido várias tentativas durante três anos, acabaria concretizada de forma polêmica. O atleta  aparentemente havia acertado com o Vasco e vinha treinando em São Januário quando o Botafogo deu o bote e o levou para reforçar suas fileiras.

O Clube da Estrela Solitária vivenciava um longo e incômodo jejum de títulos que só findaria, em 1989, através do antológico gol de Maurício. Apesar de dispor de um bom elenco, em comparação com os dias de hoje, a época era conturbada e de vacas magras. A equipe, então comandada pelo experiente Zé Mário, contava com nomes como Nunes, o artilheiro das decisões, vindo por empréstimo do Flamengo, o meia Jérson, que retornara do Vasco, o goleiro Paulo Sérgio, que integrara a Seleção Brasileira, na Copa de 1982, e o volante Demétrio, campeão mundial de juniores, adquirido junto ao Campo Grande. Portanto, a aguardada chegada de Lupercínio gerava enorme expectativa por conta da torcida e dirigentes a ponto do Botafogo ter cedido ao Náutico os passes do zagueiro Zé Eduardo, do meia Ademir Lobo e do atacante Mirandinha, que anos depois se destacaria a ponto de chegar à Seleção Brasileira e ser o primeiro brasileiro a ser negociado ao futebol inglês.

Curiosamente, Lupercínio não conseguiu reeditar no Glorioso as ótimas atuações que tivera nos clubes antecessores. Em um ano, esquentou mais o banco do que atuou nas quatro linhas. Em determinadas ocasiões, chegaria a ser o terceiro reserva, abaixo do improvisado Té e do deslocado Édson. As contusões também atrapalharam bastante o seu rendimento. Para o técnico Zé Mário, faltou tempo para que o jogador se adaptasse a fim de render o que se esperava no futebol carioca.

– Ele tinha uma deficiência física muito grande para a posição. Além disso, o Botafogo não estava numa situação boa. Não havia quem pudesse ajudá-lo em campo e ele precisava desse suporte. Pensaram que ele iria resolver tudo, mas não era bem assim. Era muito talentoso, bom tecnicamente, mas em alguns aspectos deixava a desejar. Foi meu jogador também no Ceará, mas lá as coisas foram bem diferentes. O time era muito bom e as jogadas com ele fluíam de maneira muito melhor. O time do Botafogo era muito irregular. As coisas eram bagunçadas. Tive muito trabalho na organização e na disciplina! – declarou.

De acordo com o ex-meia Jérson, o fracasso adveio por conta das contusões que o impediram de se firmar entre os titulares. Com Sebastião Leônidas, o ponta teve até mais oportunidades do que com Zé Mário, mas as atuações não tiveram constância.

Após quase um ano de Botafogo e, já bem mais desvalorizado, Lupercínio se transferiria ao Fortaleza. Ainda passaria por times como Ceará, Ferroviário, Tuna Luso e Tiradentes, do Ceará. Em alguns até conseguiu reviver grandes atuações, visto que é considerado até hoje um dos maiores ídolos da Tuna Luso, mas infelizmente jamais voltaria a atuar em um grande centro.

Seu fim infelizmente foi trágico, mas não muito diferente de uma grande parcela de atletas, que ao encerrarem a carreira, encontram na bebida uma espécie de compensação pelo fim dos tempos pretéritos de glória.

O DIA EM QUE FIO MARAVILHA DETONOU O FLAMENGO

por André Luiz Pereira Nunes


João Batista de Sales, o Fio Maravilha, foi um folclórico jogador de dentes tortos dos anos 70 que se eternizou, muito em parte, graças ao sucesso imortalizado na voz de Jorge Ben Jor, presente no disco “Ben”, de 1972. A canção tornou-se um grande sucesso no Brasil, chegando a ser entoada pela torcida rubro-negra no estádio do Maracanã. Inclusive a cantora Maria Alcina venceu o Festival da Canção, de 1972, defendendo essa música.

O que pouca gente se lembra é que Fio, por um dia, foi algoz da torcida que tanto o reverenciou. Ele foi protagonista de uma improvável vitória do São Cristóvão sobre o Flamengo por 3 a 2, em pleno Maracanã, em 29 de março de 1975, em partida válida pelo primeiro turno do Campeonato Estadual.

Em exibição de gala, o São Cristóvão proporcionou a maior zebra da rodada. Foi assim que o Jornal dos Sports definiu a surpreendente derrota rubro-negra, responsável pela queda de muitos apostadores da Loteria Esportiva.

Era a sexta rodada. O Mengo já havia tropeçado na segunda, em empate sem abertura de contagem diante do Bonsucesso, no mesmo palco, o Maracanã. Inicialmente tudo parecia caminhar bem para o time da Gávea, o qual vencia sem sobressaltos por 2 a 0, gols de Zico. Entretanto, o São Cristóvão, através de Sena, diminuiu o marcador aos 44 minutos do primeiro tempo e veio completamente diferente para a segunda etapa. Seus jogadores, imbuídos de uma incrível garra, cresceram imensamente de produção no segundo tempo. Fio Maravilha, que defendera o Flamengo de 1965 a 1973 e que, pouco mais de um ano antes, havia sido dispensado por excesso de peso, foi o destaque. Foram dele os passes para os três gols da virada: Sena aos 44′ do 1º e aos 36′ do 2º, e Santos aos 42′ do 2º tempo. Final: São Cristóvão 3 x 2 Flamengo.

Apesar de Renato praticar inúmeras defesas difíceis, o São Cristóvão impôs o seu ritmo e conseguiu uma das maiores vitórias de sua história.

Tudo leva a crer que Fio Maravilha, um atleta apenas mediano, estava realmente inspirado. Seu time não foi realmente uma sensação naquele campeonato, uma vez que chegou até a sofrer uma expressiva goleada de 6 a 2 para o Botafogo, em 10 de março de 1975. Mesmo assim, teve Sena como seu artilheiro, com 9 gols.

Curiosamente, em 27 de outubro de 1956 ocorrera o placar mais elástico da história do Maracanã: Flamengo 12 x 2 São Cristóvão. Entre 1912 e 1979, aconteceram 165 jogos entre os dois times: 111 vitórias do Flamengo, 25 empates e 29 vitórias do São Cristóvão, sendo que 20 destas 29 derrotas rubro-negras aconteceram antes de 1940, 24 delas até 1947. Ou seja, desde 1948, houve apenas 5 revezes rubro-negros, o último justamente em 1975. O São Cristóvão cairia para a 2ª Divisão em 1980, retornando em 1983 (2 vitórias do Flamengo), 1991 (1 vitória do Flamengo) e 1993 (1 vitória do Flamengo e 1 empate). No total, aconteceram 116 duelos entre as duas equipes na história.