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JOEL, O MELHOR PONTA-DIREITA DA HISTÓRIA DO MENGÃO

por André Felipe de Lima


E pensar que um dia, levado pelo irmão João, Joel quase iniciou a carreira no Vasco. Não o fez por um motivo torpe: ao tentar um gol de letra durante o teste em São Januário, teria humilhado ninguém menos que o goleiro Barbosa. Nunca mais retornou ao clube da Colina. O jovem poderia ter desistido de tudo após o decepcionante desfecho com o Vasco. Mas não. Quis seguir adiante. Sabia que algo bom o destino lhe reservara. Se um dia chove, no outro reluz o sol. Esse clichê, diria Nelson Rodrigues, é “batata”.

Em 1951, ainda juvenil, Joel começou a mostrar o seu valor.  O Botafogo, clube onde iniciou a carreira em 1948, e o Flamengo travaram uma belicosa batalha pelo passe do rapaz. O embate era um prato cheio para a imprensa da época, que estampava manchetes sobre os porquês de uma briga pelo passe de um garoto que consistia apenas em uma “promessa de craque”. Questionamento que o cronista Geraldo Romualdo da Silva fazia constantemente: “Por causa de um moço calmo, não ainda um nome feito em sua promissora esportiva, pelejam ardentemente, tenazmente, demagogicamente, furiosamente, dois grandes clubes. Dois clubes. Dois clubes que deveriam constituir poderosos alicerces morais de um regime. Dois clubes que juntos, sinceramente unidos e sinceramente entendidos, muito poderiam fazer pela boa causa e pela causa justa do futebol nacional”.

Na mesma crônica, Geraldo Romualdo da Silva cita o que o primeiro técnico de Joel no Botafogo, Newton Cardoso, dissera sobre a “promessa” de craque: “Pra que negar? É um craque de extraordinário futuro! Tão bom é que já havia ultrapassado a categoria de aspirantes, numa idade em que não é comum o aproveitamento de aspirantes nos quadros efetivos dos chamados grandes clubes. Dos clubes que só gostam de craques feitos. Este ano Joel deveria ser o nosso ponteiro titular, pela alta capacidade demonstrada nos amistosos que disputou no Rio Grande, Porto Alegre, Pelotas e Bagé, quatro ao todo, dois em Pelotas, um em Bagé e um em Porto Alegre — além de mais dois que cumpriu em São Paulo — um contra o Corinthians e um contra o Santos”.

Veja o que o craque Geninho, do Botafogo, achava do então menino Joel ao vê-lo reluzente em campo: “Craque inato, de clara percepção nos lances, talentoso e extremamente valente a despeito da idade e do físico um pouco frágil. Tinha um maravilhoso futuro pela frente [nota: no Botafogo]. Acredito que ainda o tenha e torcerei para que triunfe. Mas se por ventura não chegar ao que promete, culpa não será somente sua, e sim, acima de tudo, de quem o conduziu pelos tortuosos caminhos do escândalo”. Escândalo esse a que se refere Geninho a briga de bastidores pouco, muito pouco, ortodoxa, entre cartolas dos dois clubes para ter o garoto. Ou seja, não é primazia do século 21, a briga de foice entre os clubes por jovens talentos.


Interessante reportagem de Alfredo Curvelo mostrava a preocupação da imprensa com o “Caso Joel” e as consequências que tal disputa poderia provocar na relação entre os clubes de futebol dali em diante. “Joel, na qualidade de amador, menor, vítima inclusive da modalidade com que lhe poderiam ter deformado a condição de amador, tinha e tem o direito de ficar onde está ou transferir-se para onde bem quiser. O tribunal equivocou-se na recusa ao reconhecimento desse direito que lhe conferem as leis desportivas, mesmo conhecida a situação, de fato, do dinheiro recebido, no que não existe exceção, sabendo-se que a própria Federação assim o premiara como premiara os seus outros companheiros de seleção. Contrato não se conhece entre o jogador e o seu clube de origem e o contrato é condição essencial para que se reconheça a condição de profissional.”

O passe do ponta-direita acabou comprado por Alberto Borgerth, então presidente do rubro-negro, que pagou 100 mil cruzeiros, uma quantia elevada e comparada a um carro de luxo. Carlito Rocha, que presidia o Botafogo, enfureceu-se com o assédio e levou o caso às raias da justiça. Em vão, porém.

Em 1951, o Botafogo perdera Joel, que estreara no profissional no dia 2 de outubro de 1950, em uma derrota por 2 a 1 do Botafogo para o São Cristóvão, no campo da rua Figueira de Melo. A certeza de Carlito Rocha de que deveria mantê-lo aconteceu em um torneio realizado em Porto Alegre, do qual o Botafogo saiu campeão e Joel, o grande nome da competição.

Batizado Joel Antônio Martins, o ex-craque nasceu no dia 23 de novembro de 1931, na cidade do Rio de Janeiro, mais precisamente na rua Andrade Pertence, no bairro do Catete. Filho de José Antônio Martins e de Deolinda de Almeida Martins, Joel teve dois irmão mais velhos que também jogavam futebol. O mais velho, José, defendeu os juvenis do Fluminense. Parou logo. O do meio, João, iniciou no Flu e chegou a jogar entre os profissionais do Vasco. O pai não os queria como jogadores. Definia futebol como “um esporte estúpido”. O quiproquó entre Flamengo e Botafogo pelo passe de Joel por pouco não o retirou dos gramados. Seu José não gostava da dimensão que o assunto ganhou na imprensa. O próprio Joel ameaçou desistir da carreira. Pediu 30 mil cruzeiros ao Botafogo, que não o atendeu, mas também não quis liberá-lo. Como ainda era amador, tentou a transferência para o Flamengo via Tamoio de São Gonçalo. Foi o estopim para a crise do Alvinegro com craque.

E que grande craque. Ponta na melhor das definições, Joel sabia driblar e cruzar com perfeição, além de ser bastante veloz. Aliando estas características, ajudou o Mengão a ser tricampeão do Rio de Janeiro, em 1953,54 e 55. Ao lado de Rubens, Índio, Evaristo de Macedo e Zagallo formou um dos melhores ataques da história do time rubro-negro. Logo foi convocado para a seleção brasileira.

Enquanto isso, em General Severiano, um ponta-direita com pernas tortas e apelido de passarinho chegava do interior do Rio para tentar a sorte no futebol. Seu nome? Manoel dos Santos, também conhecido como Garrincha. A sete que seria de Joel foi parar no corpo de Mané.

Joel e Garrincha foram convocados para a Copa do Mundo de 1958, na Suécia.  Era o titular até o técnico Vicente Feola barrá-lo e em seu lugar escalar Garrincha. Com a camisa da seleção, Joel atuou em 15 partidas. Foram 10 vitórias, três empates e quatro gols.


Joel também defendeu o Valencia, da Espanha, entre 1958 e 1961, ano em que voltou para o Flamengo. Pelo clube da Gávea, disputou 404 jogos, venceu 244, empatou 74 e marcou 115 gols. A estreia do craque foi na derrota de 1 a 0 em um Fla-Flu, no dia 14 de outubro de 1963. A despedida, em um empate cujo placar foi 0 a 0, com CCA Rostov, da Rússia, no dia 28 de maio de 1963. Joel jogou ainda pelo Vitória, de 1963 a 1964, ano em que foi campeão baiano.

O ex-ponta Joel, já em fim de carreira, sofreu uma humilhação do então treinador Flávio Costa, exatamente no dia 15 de dezembro de 1962, a poucas horas do jogo decisivo entre Flamengo e Botafogo. A caminho do estádio do Maracanã, Costa, segundo o cronista Roberto Porto, teria mandando parar o ônibus da delegação rubro-negra na Praia do Flamengo, na rua Silveira Martins, e supostamente disse a Joel: “Pode descer aqui que você não vai jogar”. O jovem ponta Espanhol foi escalado no lugar de Joel. Gérson, de forma equivocada, foi deslocado para a ponta-esquerda para marcar Garrincha e o Botafogo deu um passeio e saiu de campo campeão. 

Joel chegou ao Botafogo por intermédio do irmão João, que o apresentou a Newton Cardoso, que dirigiu João no Fluminense e estava, naquele momento, em 1948, no Botafogo. O início nos juvenis não foi tão fácil devido às brincadeiras de Dino da Costa, que depois tornou-se seu grande amigo. Joel apresentava um corte no lábio que provocava afonia. Dino o apelidou de “Choeim” e de “Cobrinha”. Durante uma partida inteira o chamava pelo apelido. “Felizmente nunca soube [referindo-se a Dino] o verdadeiro sentido da palavra complexo”. Mas Joel e Dino eram grandes amigos. Subiram juntos para os profissionais.

Após pendurar as chuteiras, foi treinador, principalmente das divisões de base do Flamengo. Morreu no dia 1º de janeiro de 2003, uma quarta-feira. Embora sofresse de problemas gastrointestinais, Joel faleceu após uma parada cardíaca. O corpo do ex-jogador foi enterrado no cemitério São João Batista, no bairro de Botafogo, na zona sul do Rio.

VÍDEO/ JOEL, O MELHOR PONTA-DIREITA DA HISTÓRIA DO FLAMENGO

DRIBLES E PALMAS DO EVANGELISTA… GOL DO FEITIÇO

por André Felipe de Lima 


Foi como guarda aduaneiro que Evangelista ganhou a vida. O futebol amador de sua época não rendeu dividendos para o futuro

Drible para lá, drible para cá, e lá vai o Evangelista rumo ao gol. Pelo que se lê sobre o ponta-esquerda João Evangelista dos Santos, um dos maiores ídolos do Santos F.C. antes da Era Pelé, percebe-se que o jogador era mesmo carne de pescoço. Pará-lo não devia ser fácil para nenhum médio direito ou beque central da remotíssima década de 1920. Um gesto peculiar ajudou a torná-lo uma legenda do futebol paulista naquela época: antes de cruzar a bola na área, batia palmas. Era o já conhecido sinal para que a pelota chegasse precisa na cabeça do centroavante Feitiço ou nos pés do cracaço Araken Patusca. O gol do Santos era a maior das verdades da terra naquele instante sublime de festa da torcidaalvinegra. 

Evangelista — o “Buda”, como também erachamado — nunca conseguiu explicar os motivos que o induziram a bater palmas antes dos cruzamentos na área. Dizia apenas que a estranha mania começara ainda nos campos de peladas de Santos. O não menos mítico goleiro Tuffy tentava convencer o ponta a parar com o gesto porque supostamente desconcentrava os atacantes. Que nada. Evangelista não só permaneceu com o incomum hábito como se manteve absoluto na ponta-esquerda do Santos até o fim da carreira.

De 1925 a 1931, período em que jogou somente pelo alvinegro praiano, Evangelista, que nasceu em Mocambo, Sergipe, no dia 28 de dezembro de 1902, construiu uma carreira extraordinária, porém sem conquistar um título expressivo. Deveria ter sido o de campeão paulista de 1927, quando o Santos encarou o Palestra Itália [hoje Palmeiras] em uma das finais mais polêmicas da história da principal competição bandeirante.

Ao lado de Siriri, Camarão, Feitiço e ArakenPatusca, o ponta formou aquela que para muitos foi a linha de ataque mais poderosa da Era do amadorismo do futebol paulista. Talvez mais potente até que a do poderoso Paulistano, do fora de série Friedenreich. Juntos, os cinco craques — além de Hugo, com quem Evangelista disputava a posição — marcaram incríveis 100 gols em apenas 16 jogos — incrível média de 6,25 gols por partida, até hoje insuperável — naquela memorável campanha de 1927, mas o Santosperdeu a decisão para o Palestra pelo placar de 3 a 2, um dos mais questionados até hoje por historiadores e pesquisadores do futebol.

Como informa em uma de suas crônicas o emérito jornalista e, claro!, santista Adriano de Vaney, Evangelista teria começado a carreira nos juvenis da Portuguesa Santista, a “Briosa”, mas atuando pelo quadro B, em 1923. O titular da ponta no time principal da Portuguesa chamava-se Arnaldo, que acabou machucando-se. Foi a chance que o jovem Evangelista esperava. Entrou no time principal e deu verdadeiros shows de bola até 1925, quando seguiu para o Santos levado pelo goleiro santista Alzemiro Ballio, que se tornaria árbitro de futebol e com quem estudara no Externato Santa Cruz, fundado em 1908 e que ficava na rua Senador Feijó, 217, em Santos.Outra fonte, no caso Celso Jatene, autor do livro A história do Santos Futebol Clube (2012), afirma, no entanto, que o começo da carreira de Evangelista foi no Docas F.C.


No América, Evangelista destacou-se na excursão do clube carioca à Argentina em 1929. Além dele, ostros craques santistas foram emprestados ao alvirrubro, como Camarão, Feitiço e Siriri

Independentemente das duas fontes sobre a origem do craque, a informação inequívoca é queEvangelista rumou para o Santos, onde realizou testes e impressionou, de cara, Urbano Caldeira, então presidente do clube, que não teve dúvidas em lançá-lo imediatamente no time principal. Em 15 dias, Evangelista era o titular da ponta canhota do time principal, onde estreou no dia 22 de março de 1925, contra a Associação Atlética das Palmeiras, que saiu de campo derrotada pelo acachapante placar de 5 a 0, com dois gols do arisco ponteiro estreante.

Evangelista disputou o jogo inaugural do estádio de São Januário, contra o Vasco, o dono da casa, no dia 21 de abril de 1927. Um evento tão marcante para a época que contou inclusive com a presença do presidente da República, Washington Luís. No final, deu Santos, 5 a 3, sem a menor chance para o time carioca na contenda, e o primeiro gol do estádio aconteceu aos 20 minutos do primeiro tempo. O iluminado Evangelista foi, claro, o autor dele.

Se o ano de 1927 não foi de títulos, embora aquele timaço do Santos merecesse ao menos uma taça, o ano seguinte foi auspicioso para o Evangelista, que ganhou um dos prêmios da Loteria Federal de Natal. O dinheiro veio em boa hora para o craque, que não ganhava nada com o futebol. Vivia apenas do salário de guarda aduaneiro.

Defendendo o Santos, Evangelista assinalou 54gols em 125 jogos. Foi algumas vezes titular da seleção paulista. Quando abandonou de vez a carreira, dedicou-se integralmente à família e à religião. Evangelista era diácono da Igreja Batista. Teve quatro filhos — João, Miria, Regina e Eli, os dois últimos ainda vivos — com Esmeralda Rocha dos Santos, com quem se casou em 1929 e permaneceu ao lado durante mais de 50 anos, e vários netos e bisnetos. Seu último jogo pelo Santos foi no dia 5 de novembro de 1931. O Alvinegro praiano perdeu de 4 a 0 para o Hespanha F.C., na Vila Belmiro.


A bordo do S.S.Arlanza, o time do Santos. Na foto, em pé, estão o goleiro Athié, Aristides, Feitiço, Evangelista e Araken Patusca; agachado está Osvaldo; sentados estão Camarão (com a criança no colo) Amorim, Julio, Alfredo e Siriri

Além do Santos, Evangelista vestiu a camisa do América do Rio de Janeiro. Ele, Siriri, Camarão e Feitiço foram emprestados ao clube carioca para uma excursão à Argentina, entre fevereiro e março de 1929. O América levou uma tunda da 6a 1 da seleção argentina, empatou em 1 a 1 com o Estudiantes de La Plata, goleou de 5 a 1 o Ferrocarril Oeste e empatou em 1 a 1 com um combinado portenho.  O time brasileiro atravessou o Prata e seguiu para Montevidéu, no Uruguai, onde empatou em 1 a 1 com o Peñarol; regressou a Buenos Aires e novamente perdeu para a seleção argentina, agora pelo placar de 2 a 0. Porém a façanha mais emblemática foi mesmo com a camisa santista, na Vila Belmiro, no dia 30 de julho de 1930, mesmo dia em que Uruguai e Argentina decidiam, em Montevidéu, a primeira edição de uma Copa do Mundo. A façanha santista foi uma inapelável goleada de 6 a 1 na seleção francesa. Feitiço marcou quatro gols e Mário Seixas dois. A equipe responsável pelo massacre formou com Athié, Aristides e Meira; Osvaldo, Roberto e Alfredo; Omar, Camarão, Feitiço, Mario Seixas e Evangelista. O técnico era Ramon Platero. Os franceses entraram em campo com Thepot, Mattler (Capelle) e Andoire; Laurent, Delmer e Chantrel; Liberati, Pinel, Maschinot, Delfour e Villaplane. O treinador eraRaoul Caudron.

Daquele time do Santos que massacrou os franceses pelo menos dois jogadores eram cotados para integrar a seleção brasileira que participou da Copa realizada no Uruguai: Feitiço e próprio Evangelista eram um dos craques de São Paulo que imprensa alardeava. Mas a crise política entre paulistas e cariocas culminou no boicote dos clubes de São Paulo à seleção.


Este timaço dos 100 gols merecia o título paulista. Da esquerda para a direita: Tuffy, Feitiço, Hugo, David Pimenta, Bilu, Alfredo, Júlio, Araken Patusca, Evangelista, Omar e Camarão

Evangelista teve, contudo, uma oportunidade de enfrentar os campeões do mundo. No dia 23 de abril de 1931, na Vila Belmiro, em jogo amistoso, o Santos enfrentou o temido Bella Vista, do Uruguai, cujo time contava com sete jogadores que ergueram a taça Jules Rimet no ano anterior. Eram eles José Nasazzi, o grande capitão da Copa, Ballestero, Mascheroni, Andrade, Dorado, Iriarte e Castro, além de Borja, que esteve em campo na disputa da medalha de ouro do futebol nos Jogos Olímpicos de 1928 conquistada pela Celeste. Com gols de Camarão e Natinho, o Santos derrotou de 2 a 1 a base uruguaia. Doradodescontou para o Bella Vista.

Evangelista não marcou gol naquele jogo, mas é possível imaginar o misto de alegria pela vitória com a frustação por não ter ido à Copa. O futebol a partir dali era passado para ele. O ex-craquepermaneceu acompanhando cada passo do seu querido Santos, mas a prioridade era a família, esempre ao lado da companheira Esmeralda.

Sabiamente, Evangelista defendia a importância dos ponteiros para qualquer esquema tático, algo que hoje, quase 100 anos após a época dourada daquele estupendo time do Santos, um ou outro técnico mais sagaz explora em seus times. Mas longe de qualquer unanimidade.


No América, Evangelista destacou-se na excursão do clube carioca à Argentina em 1929. Além dele, ostros craques santistas foram emprestados ao alvirrubro, como Camarão, Feitiço e Siriri

“O futebol de hoje exige rapidez, mas parece que ninguém entende isso. Notem quantas vezes apenas um toque a mais na bola destrói a jogada”. Evangelista disse isso em 1980, bem antes, portanto, da explosão física e da velocidade que começaram a determinar os esquemas táticos a partir de 1980, com a figura dos pontasdesaparecendo gradativamente das escalações. A escassez de gols era o que mais preocupava o Evangelista. Mas às 19h do dia 13 de janeiro de 1985, na cidade de Santos, um ACV o levava embora. 

Evangelista foi um dos mais importantes jogadores do Santos antes do surgimento da geração de craques geniais que moldou a Era Pelé. Não ergueu tantos troféus como Pepe, inegavelmente o mais emblemático ponta-esquerda da história do clube e segundo maior artilheiro santista depois do Pelé, mas não há duvida caso Pepe não existisse: o melhor ponta canhoto do Santos em todos os tempos seria o cidadão João Evangelista dos Santos, o craque que batia palmas para Feitiço ser artilheiro.


Evangelista defendeu a seleção paulista em várias ocasiões nos anos de 1920. Na foto, ele está ao lado do companheiro de Santos, o avante Feitiço. Também na imagem aparecem outros craques que defenderam o alvinegro praiano: o goleiro Tuffy e o meia atacanteCamarão

DE KISSINGER PARA PELÉ: ‘QUERO VOCÊ AQUI, NO COSMOS’

por André Felipe de Lima


Pelé estava milionário — apesar dos graves problemas financeiros com a Fiolax, indústria de borracha de sua propriedade — e não sabia bem o que fazer na reta final da carreira, ou seja, administraria o tantão de dinheiro que merecidamente conquistou ou permaneceria por mais tempo num gramado jogando bola? Esse dilema pintou na cuca do Rei lá pelos meados de 1975. Já havia se despedido da seleção brasileira e do Santos. Nada mais haveria, em tese, a fazer no futebol. Digo “em tese” porque ao falarmos do “Negão” a saudade da bola era preponderante e vice-versa. Despedir-se dela e ela dele parecia improvável. O fim do Pelé constituía-se em algo que todos neste planeta categoricamente negavam. Afinal, o Rei é eterno e sempre terno com seus súditos. Nunca poderia abandoná-los. Não havia e até hoje não há fronteiras que impeçam de oidolatrarmos. Idiomas, culturas, nuances e salamaleques de cada um em cada canto do mundo jamais impediram que um cidadão — mesmo aquele mais distraído com as coisas do futebol — amasse Pelé. Um destes “distraídos”foi o todo poderoso e não menos controverso Henry Kissinger, então secretário de estado americano naquele ano do dilema “peleniano”, que mandava mais que o próprio presidente dos Estados Unidos, o pouco ou nada carismático Gerald Ford. Kissenger tem em seu currículo um suspeitíssimo Nobel da Paz e a péssima fama de ter idealizado ditaduras na América Latina, no Timor e até o golpe militar no Chile, que matou Salvador Allende. Mas estamos falando do Pelé, e foi por ele que Kissinger clamou. Exatamente no dia 2 de junho de 1975, o chanceler brasileiro Antonio Azeredo da Silveira recebera um telegrama do americano implorando para que convencessem Pelé a aceitar a proposta do New York Cosmos. Kissinger alegava que a permanência de Pelé nos Estados Unidos contribuiria para estreitar as relações entre os dois países, principalmente no campo esportivo. Ele dizia que a ida de Pelé para lá popularizaria o futebol em um país onde reinavam (como é a até hoje) o baseball e o basquete. Um apelo similar de alguém tão poderoso dos Estados Unidos, quase um chefe de estado, para que um jogador estrangeiro defendesse um clube de seu país é algo que, humildemente confesso, ignorava. Kissinger “convocar” Pelé é algo quase inverossímil. Mas Pelé é Rei, é fora de qualquer lógica futebolística. Com ele, tudo poderia acontecer, como guerras cessarem e o relógio parar.

Obviamente, a imagem de mítico jogadorbrasileiro estava sendo explorada por um marketing político descarado. O Brasil vivia um período dos mais dolorosos e cruéis da ditadura militar. O mesmo acontecia no Chile desde 1973 e estava prestes a emergir na Argentina. Para o plano de supremacia americana na América Latina, ter Pelé defendendo um clube de Nova York era perfeito. O fato é que Azeredo tratou de entrar imediatamente em contato com Pelé para comunicar o apelo do secretário de estado americano que mais soaria como ordem:

“Tenho o prazer de comunicar-lhe que recebi mensagem do secretário de estado norte-americano, Henry Kissinger manifestando seu interesse pessoal em que possam chegar a bom termo as tentativas entre o Cosmos Clube e V.Sa. para a sua contratação pela equipe de Nova Iorque. Caso V.Sa. decida firmar aquele contrato, estou seguro de que sua permanência nos Estados Unidos contribuirá de forma muito significativa para uma aproximação brasileiro-norte-americana no campo esportivo. Cordiais saudações. AntonioAzeredo da Silveira, ministro de estado das Relações Exteriores.”

Alguns dias após Kissinger pedir ao Rei para aceitar a proposta do clube americano, o Cosmos, no dia 10 de junho, informou oficialmente que Pelé assinara um contrato de três anos, confirmando as especulações da imprensa e até mesmo por parte de Pelé de que estava tudo certo entre ele o clube antes mesmo do telegrama de Kissinger.


O acordo com os gringos permitiu ao Rei matardois coelhos com uma cajadada só. Ele manteve-se perto da sua bola de futebol, rolando-a nas gramas sintéticas de estádios de basebol adaptados para o bom e violento esporte bretão, e de quebra engordou ainda mais sua já parruda conta bancária com estratosféricos salários em dólares que o tornaram o mais bem pago atleta do planeta na ocasião.

A relação de Pelé com a turma da Casa Branca era mais estreita do que se supõe. Recentemente, a CIA revelou documentos que provam que Kissinger promovera um encontro de Pelé com Ford e o conselheiro de segurança nacional Brent Scowcroft dias após o envio do telex ao chanceler brasileiro. Seria aquela a segunda ida de Pelé ao famoso salão oval da Casa Branca. Richard Nixon, antecessor de Ford, recebera o jogador em 1973.

O marketing politico estava consumado. Pelé e Kissinger se tornaram chapas, como vários registros fotográficos apontam em uma breve pesquisa em algum software de busca na internet. Enquanto isso, por aqui, o país andava para trás, e Kissinger tinha um dos dedos (ou mesmo a mão inteira) nesse plano político sórdido na contramão dos direitos humanos. Seria mera semelhança vivermos resquícios disso hoje no Brasil? A despeito da especulação política o pior de tudo é que não temos sequer um craque com pelo menos um por cento do Pelé para fazer farol no exterior. Vivemos a decadência total. O país, a política e o futebol.

SANTIFICADO SEJA O GOL, E VIVA QUARENTINHA

por André Felipe de Lima


Seria injustiça, ou mesmo uma bobagem inominável, dizermos que um goleiro, ou mesmo um zagueiro, um meio de campo ou um ponta são menos ídolos que um centroavante. Não se mede talento e afeto clublísticos pela lógica que tanto arrefece paixões. Desde que o mundo é mundo a lógica tenta frear a arte e a libido. Freud explica. Outros tentam também. Mas há algo que não se questiona. Nenhum proporciona mais alegrias ao torcedor senão o centroavante artilheiro. Ou será que os lógicos e chatos de plantão dirão que o gol é apenas um detalhe? Não, amigos, o gol é a alegria máxima do futebol. Sem blefe, é dele que nascemos todos. Daquele grito único proferido por milhares de bocas simultaneamente, tornando-nos irmandade indissolúvel. Viemos ao mundo várias vezes no momento do gol. A sensação é de nascimento. O artilheiro nos torna um Prometeu acorrentado às avessas ao marcar seus gols a todo instante. Amarra-nos deliciosamente na pedra que se chama felicidade, e que venha a ave de rapina repetidas vezes a nos devorar o fígado.  Somos inexpugnáveis. Não estamos nem aí para dores do corpo ou da alma quando se tem o gol para nos limpar a vida. Pelo menos, naquele dia em que o nosso amado centroavante nos acarinhou, sentimo-nos vivos, e renascidos graças aos gols dele. Ser torcedor é assim, um eterno dependente do gol. Venham vitórias e taças, mas é aquele gol do artilheiro que jamais nos sai da memória. Hoje, dia 15 de setembro, deveria se chamar “Dia do Quarentinha”, quando todo botafoguense deveria rezar, sem contrição, sem pesar, sem temor, pois o santificado Quarentinha nunca os deixou à margem da alegria do gol. Nenhum outro ídolo alvinegro, nem mesmo Heleno, Garrincha ou Nilton Santos, proporcionou tantas e repetidas vezes a alegria do gol como Quarentinha. Foram mais de 400 momentos de puro êxtase dionisíaco.

BIRA, O ‘BURRO’ QUE TODOS QUERIAM

por André Felipe de Lima


A torcida do Remo nunca esquecerá Ubiratã Silva do Espírito Santo, ou simplesmente “Bira”. Afinal, é dele a marca de maior artilheiro de uma única edição do campeonato paraense, feito memorável e inigualável até hoje, alcançado em 1979, quando Bira balançou as redes adversárias 32 vezes. O ensaio para a extraordinária marca se deu no estadual do ano anterior, quando Bira marcara 29 gols.

Corpulento, raçudo e trombador. Os três adjetivos correspondem ao perfil de Bira que,com todo o vigor do mundo, fazia dos gols adversários verdadeiras peneiras; e, dos pobres goleiros, vítimas inconsoláveis. Perguntem aos arqueiros que defenderam o Paysandu no final da década de 1970 quem foi Bira.

Quando Bira esteve em campo, os clássicos entre Remo e Paysandu foram memoráveis. Aliás, Bira sempre se confessou uma geleira nos dias em que tinha de enfrentar o rival. A certeza inabalável de que faria gol, permitia-lhe a altivez. 

“Tive a oportunidade de jogar vários clássicos, e entrava em campo tranquilo, porque sabia que ia marcar. Meu melhor gol em Re-Pa foi em 1979, quando entrei no gol com bola e tudo. Foi lendário”. 

Quem tem lá seus 40 anos deve se lembrar do lance: após um contra-ataque fulminante, Bira deixou para trás o zagueirão Paulo Guilherme e atirou um petardo contra as redes do conformado goleiro Carlos Afonso que. sozinho diante da fera, nada pode fazer. Remo dois, Paysandu (que abrira o placar), um. Remo, campeão, Bira, artilheiro e recordista.

O tal Ubiratã Silva do Espírito Santo era assim: impiedoso, sobretudo contra o Paysandu. E não era para menos. Sua história com o rival do Remo não foi amena fora dos gramados.

Quando menino, Bira – que nasceu em Macapá, no dia 22 de setembro de 1979, em uma família com oito irmãos, filhos de Erondino e Joana – era o destaque das peladas que rolavam na Praça Nossa Senhora da Conceição, no bairro do Trem, o famoso Bairro Operário, na Zona Sul de Macapá. 

Tudo, digamos, com o aval da Igreja; afinal,todos os peladeiros frequentavam a paróquia local. Já adolescente, Bira foi parar no Reminho, do mesmo bairro. Ironia ou não, o destino já lhe reservava o manto azul como estandarte. Antes, porém, era preciso começar efetivamente a jogar bola. E fez isso no Esporte Clube Macapá. Como amador, foi campeão do Amapá e do extinto Copão da Amazônia. 

A bola de Bira era cheia. Logo, viria convite dos principais clubes nortistas. Seria a volta por cima do rapaz que, em 1974, foi reprovado em uma peneira pelo treinador Miguel Cecim, da Tuna Luso, retornando desiludido para Macapá. Mas o destino havia reservado o sucesso para o jovem Bira. 

Em 1976, o Paysandu largou na frente e o contratou. Em apenas dez meses no clube, Bira ajudou a conquistar o campeonato paraense daquele ano. No começo de 1977, na primeira fase do inchado campeonato nacional, com 62 clubes, a Confederação Brasileira de Desportos (antiga CBD) identificou indício de mutreta no contratoassinado por Bira com o Paysandu. 


O papel continha rasuras e foi considerado nulo pela CBD. Fulo da vida e sentindo-se enganado pelo cartolas do Paysandu, Bira arrumou as malas e voltou para Macapá. Dez dias depois do bafafá, retornou a Belém, e para jogar bola, para vingar-se da melhor forma, ou seja: defendendo o rival do Paysandu, o Remo, que sempre ambicionou tê-lo no time. 

O Paysandu chiou e tentou melar a negociação de Bira com o Remo. O parangoléparou no tapetão com uma ação do Paysandu. O Remo respondeu acusando o rival de ter escalado um jogador irregular na campanha do título estadual de 1976.

A pendenga rolou uns dez meses, com idas e vinda à CBD até que os dois rivais selaram a paz. O Remo retirou sua ação e pagou 50 mil cruzeiros ao Paysandu, que não mais perturbou Bira. Simplesmente, uma transação inédita na história do futebol: um clube troca um jogador para garantir um título e recebe mais uma grana por isso. 

Ao jornal “Diário do Pará”, Bira declarou certa vez: “Na minha época, o Remo era como uma família. Grande parte do time era local e poucos eram de fora. Eu era um deles”, relembra. “Confiávamos uns nos outros e na diretoria. Nossa confiança era tanta que chegávamos a assinar contrato em branco. A gente só se preocupava em ajudar o Remo”.

Bira foi um incontestável herói azulino. De uma genuína relação de amor entre craque e torcida. Naquele campeonato nacional de 1977, Bira superou a traumática migração do passe para o Remo e mostrou a todos que chegara ao clube para demarcar seu espaço na história do futebol paraense. 

Um jogo, em especial, realizado no dia 13 de novembro, no Baenão, pode ser considerado o marco inicial desse processo. De um lado docampo, o Remo; do outro, o poderoso campeão da Taça Libertadores da América e mineiro, o grande Cruzeiro, treinado pelo carrancudo Yustrich com os cracaços Raul, Nelinho e Joãozinho, em campo. Um timaço! 

Mas o Remo, treinado por Joubert, não estava nem aí para o currículo cruzeirense. Bira meteu três gols e o Cruzeiro saiu de campo humilhada por uma acachapante goleada de 4 a 0.


De “burro”, Bira não tinha nada. Aliás, esse apelido atribuído a ele é injusto. Embora a técnica nunca tenha sido o forte de Bira, compensava a falta dela com fibra e gols, como todo bom centroavante. No melhor estilo “Dadá Maravilha”.

Sobre a origem da inapropriada alcunha, há muitas versões. Uma delas, quando ainda jogava no Remo, Bira confessara a um repórter um desejo; um, não… dois, na verdade: conhecer, inicialmente, Roma e, em seguida, a loba que amamentou (sic) Romeu e Julieta. Pura pilhéria. 

Outra historinha famosa é a do Motoradio, prêmio concedido aos craques dos jogos, de Norte a Sul, pelas rádios transmissoras. Um destes rádios/toca-fitas de carro foi para o Bira que, caridoso, respondeu ao jornalista: “A moto vou dar pro meu pai, e o rádio pra minha mãe”. 

Se a frase surreal foi verdade ou não, Bira nunca confirmou, mas também não desmentiu.

O faro de Dadá Maravilha – Com um sucesso retumbante em Belém, não tardaria para Bira atrair a atenção de olheiros do Sul e Sudeste. O Internacional de Porto Alegre levou a melhor graças a Dario “Dadá Maravilha”, que conhecera Bira no Pará e o achava seu sucessor. Estilo não faltava. 

Grandalhão e desengonçado como Dario e com uma insaciável fome de gols. Bira era um novo Dadá. E foi Dario quem o recomendou ao Inter, em 1979. Pegou o telefone e tocou para Frederico Ballvé, então presidente do Colorado. “Ele joga essa bola toda ou é onda da imprensa?”, perguntou o cartola gaúcho. “Joga, doutor. Contrata que eu assino embaixo”, respondeu Dario. Com o aval do grande Dadá, Bira aportou no Beira-Rio. Mas o começo no Sul não foi fácil.

De setembro de 1979, quando chegou ao Inter, até meados de novembro, Bira disputou apenas quatro jogos.. E o mais incômodo: sem completar 90 minutos em campo. Bateu o pavor. Na estreia contra o Santa Cruz, marcou um gol e quebrou o braço. Na volta, já no mês seguinte, marcou duas vezes contra o Rio Branco (ES) e luxou a clavícula. Na terceira partida, contra o Goytacaz, não marcou gol e deixou o gramado reclamando de dor no braço. Recuperou-se para um jogo contra o São Paulo. Deixou sua marca de artilheiro com um gol, levou um chute no braço já machucado e saiu de campo inconsolável, chorando muito e dizendo que não mais vestiria a camisa nove.

Na manhã do dia seguinte, diante do espelho, constatara o fim da dor no braço. Afinal, a radiografia logo após o jogo contra o time paulista não acusara fratura. Respirava aliviado, o Bira, mas sempre um pouco ressabiado. 

“Isso é ruim. Os caras começam a falar. Parece que eu sou de vidro. Então, dá o desespero. Vou falar com os dirigentes e largar a camisa nove. Não é possível. Só pode ser ela. Está pesando demais, já virou mística”, disse certa vez ao repórter Emanoel Mattos, da revista “Placar”.

Trombador sim, mas sem perder a ternura. Bira mostrava-se sentimental. Às vezes,chorava sozinho, sentado no banco de reservas, com o braço enfaixado após a contusão nos primeiros momentos no Internacional. Agarrou-se à fé religiosa, especialmente em N.S. do Perpétuo Socorro, de quem sempre foi devoto e para quem fazia novena toda semana, em Belém. 

No Sul, recorreu a N.S. de Lourdes, cuja igreja ficava no Morro da Glória. No altar da santa, deixara a camisa nove que julgava “intolerante” com ele e, claro, muitas velas acesas. Ajoelhado, pedia para que a “nove” o aceitasse. Bira, de burro, nunca teve nada.

De burro, Bira nada tinha – Mas havia outro clube entre o Remo e o Inter, até Bira acomodar-se em Porto Alegre. À “Rádio Guaíba”, o centroavante explicou a situação: 

“Cheguei a Porto Alegre com o apelido de Bira Burro. Na verdade, ganhei este lindo (sic) nome porque escolhi vir para o Inter e não para o Flamengo. O Mengo tinha Zico, Adílio, Tita, Júnior, mas eu queria jogar com o Falcão, Mário Sérgio, Valdomiro e ser treinado pelo Ênio Andrade. Disse isso para uma rádio do Rio de Janeiro e os caras começaram a me chamar de ‘Bira Burro’. Nem me importei, porque tinha um medo enorme. Com 23 anos, mal sabia assinar o meu nome e nunca tinha saído de Belém. Imagina, só tinha jogado no Remo e, de repente, todo mundo me queria!”. 

(Pronto, enfim, a verdadeira origem do provocativo apelido!)

— * —

Com um time estelar do Inter, onde figuravam os geniais Batista, Falcão, Jair e Mário Sérgio, Bira fez definitivamente o nome no cenário nacional. Foi peça fundamental na campanha do tricampeonato nacional, em 1979, com um Internacional simplesmente imbatível e, de quebra,levantou um caneco estadual.

Bira tinha um sonho, longínquo mas genuíno, de conhecer Roma. Jogando brilhantemente, acreditava ter vaga na Seleção Brasileira. Uma chance apenas, imaginava Bira. Mas não deu. Uma lesão nos joelhos acabou com suas pretensões. 

“Era artilheiro do Campeonato Brasileiro e,naquele ano, fiz 11 gols. Foi aí que acabei lesionando os dois joelhos e fiquei de fora. Infelizmente, isso é coisa do futebol e fiquei sem vestir a camisa do Brasil”, conformou-se.

A vida não parou. Se não deu na Seleção, o Inter supria essa carência. Foi em Porto Alegre que Bira viu dinheiro. Foi no Colorado que sentiu o peso da camisa, mas também o reconhecimento – em sua conta bancária, do futebol que jogava. 

Os primeiros meses de salário foram o bastante para comprar um confortável apartamento que custava, na época, pouco mais de um milhão de cruzeiros, como narrou à “Rádio Guaíba”: 

“Quando cheguei ao Inter, fiquei apavorado quando recebi meu primeiro salário. Era uma dinheirama incrível. O Falcão veio falar comigo e perguntou o que eu ia fazer com a grana. Respondi que ‘ia gastar, ué’. Falcão me falou supereducadamente que eu precisava de alguém para cuidar de mim. Passou dois dias e me ligou a Dª. Belmira, mãe do Batista, me convidando para almoçar. Durante o almoço, ela começou a fazer um monte de perguntas: ‘Meu filho, quanto tu ganha no Inter?’, ‘O que vai fazer com os bichos por vitória?’, ‘Tu sabe que a vida de jogador é curta?’. Me deu um monte de lição de moral e mandou eu lhe dar toda a grana que eu ganhava”.

“Santa” Mãe do Batista – Enfermeira aposentada, a mãe de Batista tinha fama de superprotetora do filho único. Fez isso com boa parte dos craques do Inter. Bira era um deles. Era Dª. Belmira mandando e Bira respondendo, na dele, sem dar um pio. Dª. Belmira o deixava à míngua. Se a fome vinha, nada de gastança em restaurante, o almoço era na casa da mãe do Batista. A mãe do Batista juntava o dinheiro na conta do chá – nem mais nem menos – para o Bira ir ao treino. Empresária melhor, impossível. O que falava era religião, era mantra. E assim Bira acertou o passo no frio Sul. 


“Um dia, ela escolheu um apartamento para mim e disse: ‘É lá que tu vai morar, Bira. É um lugar que está valorizando. Um bom negócio’. E foi assim que arranjei uma mãe gaúcha. Uma baita mãe. Era dureza, mas eu obedecia”, disse à “Rádio Guaíba”.

Bira teve muito que agradecer à mãe de Batista e ao próprio companheiro de Inter. Além deles, Falcão também o ajudou muito em Porto Alegre. “Não fosse ela (Dª. Belmira), o Falcão e o Batista, eu não teria uma filha advogada e um filho administrador de empresas. Teria jogado tudo fora. É gozado como as coisas acontecem. Depois, eu me machuquei, fui para outros clubes, mas aprendi a me preparar para o futuro”.

Após a grande trajetória no Remo e no Inter, Bira rodou pelo País, passando por vários clubes, dentre eles o Atlético Mineiro, com o qual foi campeão estadual, em 1982. A pedidodo técnico Carlos Alberto Silva, o Galo pagou 20 milhões de cruzeiros pelo passe dele, mesmo tendo no elenco centroavantes como Reinaldo (o titular absoluto) e os reservas Rubão e Fernando Roberto. 

Mas Bira também brilhou no exterior, mas precisamente no mexicano Chivas (Rayadasdel) Guadalajara, onde levantou troféu. Ao retornar ao Brasil, despontou no Náutico onde – apesar de permanecer no clube apenas seis meses – foi campeão pernambucano após dez anos de espera: 

“Essa também foi uma importante conquista para mim. Fiquei apenas seis meses no Náutico, o suficiente para também contribuir”, disse ao GloboEsporte.com.

Bira, que é irmão do ex-lateral-direito Aldo, ídolo do Fluminense nos anos 1980, encerrou a carreira como jogador em 1989, no VilaNova EC, de Castanhal, interior paraense, no qual iniciou imediatamente a trajetória como técnico.

Mas o destino de Bira era mesmo regressar aMacapá. Lá, durante algum tempo, manteve a carreira de treinador com a de Gerente de Projetos Esportivos da Secretaria de Esportes e Lazer do Amapá, e foi superintendente do Estádio Estadual Zerão, em Macapá. Sua mais recente missão: comentarista esportivo no Amapá.

Embora tenha brilhado intensamente no Inter, Bira nunca escondeu sua paixão pelo Remo. “Lógico que ter me tornado campeão brasileiro no Inter foi a maior conquista e me orgulho muito disso. Lá, vivi os melhores momentos da minha vida. Mas no Clube do Remo foi onde vivi o auge, estava jogando muito e marcando muitos gols. Tanto é que até hoje ninguém bateu essa marca que é minha”, declarou ao GloboEsporte.Com. Os paraenses o reverenciam até hoje. 

Em janeiro de 2012, na solenidade que marcou a abertura oficial do Campeonato Paraense de 2012, em sua centésima edição, a Federação Paraense de Futebol (FPF) homenageou Bira, que recebeu um troféu por ter sido o maior artilheiro da história da competição.

Hoje, pela manhã, infelizmente, Bira, que sofria com um câncer, partiu. Vá, Bira, alegrar os times do céu.