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andré felipe de lima

DANILO, 100 ANOS: O AMOR DE QUEM JOGAVA PARA A ETERNIDADE

por André Felipe de Lima


(Placar 1971)

(Placar 1971)

“Foi a mulher da minha vida. Dei sorte de encontrá-la. A seu lado, deixei a vida boêmia e fui mais profissional. Ela me acompanhou em todos os momentos. Fiquei muito abalado ao perdê-la.” — Danilo Alvim. 

Danilo Alvim completaria 100 anos nesta quinta-feira, 3 de dezembro. A glória nasceu para ele, e não contrário, como muitos insistem em rotular. Não fosse o Maracanazo de 1950, Danilo e todos os craques de sua geração que pisaram o gramado do Maracanã naquela pavorosa tarde de 16 de julho seriam lembrados ano a ano, por todas as gerações, como os primeiros brasileiros campeões mundiais. O Museu da Pelada completa hoje a série de reportagens em homenagem ao centenário de Danilo, reforçando o amor dele por sua Zelinda e seu filho Carlos Alberto e o respeito que recebia de amigos como Ademir de Menezes e Domingos da Guia, sobretudo nos últimos momentos da vida do grande craque do passado.


Casamento com Zelinda (O Cruzeiro 1948)

Casamento com Zelinda (O Cruzeiro 1948)

Na reta final, o Príncipe de outrora mostrava-se deprimido devido à morte da esposa Zelinda, a “Zélia”, como carinhosamente a chamava, no dia 11 de junho de 1985, aos 64 anos, de infecção respiratória e parada cardíaca, no Hospital Evangélico, na Tijuca, e ao tumor que parecia dilacerar mais que a matéria. Dilacerava também a melancólica alma de Danilo, como evidenciou a reportagem do Jornal do Brasil assinada por Tadeu de Aguiar[1], em 1988, que o entrevistou em uma tarde, na minúscula sala do não menos minúsculo apartamento de Danilo, na Lapa, no tradicional centro boêmio do Rio. Na conversa com o repórter, Danilo não escondia a tristeza pelo seu destino longe dos gramados e, sobretudo, pela morte da companheira.

A reportagem mostrava um Danilo amargurado, embora com o recente convite que recebera do Vasco para assumir a superintendência de futebol das categorias de base do clube. Foi a forma que o Vasco encontrou para tentar amenizar a dor de Danilo, mas também reverenciá-lo por tudo que fez em campo com a camisa do cruz-maltino. O Museu da Pelada conversou com Aguiar. “Combinei com o filho do Danilo e fui ao apartamento deles. Ele estava muito magrinho, mas estava lúcido. Estes caras não ganhavam dinheiro como jogador. Podiam ter uma vida até razoável, mas ganhavam o que dava para viver o dia a dia. Ele me recebeu bem. É difícil para um jogador que atingiu o auge que Danilo atingiu, fez sucesso, teve uma vida profissional de muito reconhecimento, adoração, e de repente é meio que marginalizado. Vem uma geração, vem outra e outra… até gente da geração de 70, às vezes, é meio escanteada.”


Danilo sendo abraçado por Flavio Costa e Ademir (O Cruzeiro 1948)

Danilo sendo abraçado por Flavio Costa e Ademir (O Cruzeiro 1948)

Danilo morava com o filho desempregado e ambos viviam com a parca aposentadoria de somente dois salários mínimos que o ex-jogador recebia. O Danilo também lutava na Justiça para que o antigo INPS reconhecesse sua carteira de treinador. Somente em julho de 1989, com a promulgação da Lei estadual de número 1319, de autoria do então vereador e jornalista Maurício Azedo, Danilo passou a receber uma pensão vitalícia de cinco salários mínimos. Lamentava-se, contudo, de que nada em sua vida dera mais certo após a partida da companheira. Foi Zelinda quem comprara o velho apartamento da Lapa. No dia seguinte em que ela, Danilo e o filho se mudaram para o imóvel, a doce “Zélia”, que além de cuidar da casa também cuidava dos negócios da família, passou mal e foi internada às pressas. Não mais retornou à casa nova. Após dois meses internada no Hospital Evangélico, um enfarte fulminante a levou. “Foi a mulher da minha vida. Dei sorte de encontrá-la. A seu lado, deixei a vida boêmia e fui mais profissional. Ela me acompanhou em todos os momentos. Fiquei muito abalado ao perdê-la.”


Foto de Gil Pinheiro (Manchete Esportiva  1978)

Foto de Gil Pinheiro (Manchete Esportiva 1978)

‘ZÉLIA’ ERA O SEU CHÃO

A partida de Zelinda devastou-o. Conheceram-se em um dancing. Ela foi bailarina dos notórios night-clubs do Rio dos anos de 1940. Imediatamente um gostou do outro. O amor e paixão foram tão intensos a ponto de Danilo e Zelinda sumirem do mapa para se casarem às escondidas em maio de 1949, com padrinhos e duas testemunhas de última hora. Ele tinha 23 anos e ela 21. A lua de mel foi em Miguel Pereira, no interior do estado do Rio de Janeiro. A imprensa entrou em polvorosa. Cadê Danilo? Os parentes, então, nem se fale. O pai de Danilo, principalmente, porque não aceitava o namoro do filho com Zelinda. “Mais tarde, Zélia virou a melhor amiga de meu pai. Chegou a lhe dar um apartamento, no Méier, de presente”, contou Carlos Alberto ao repórter Tadeu de Aguiar.


Casamento com Zelinda (O Cruzeiro 1948)

Casamento com Zelinda (O Cruzeiro 1948)

Zelinda foi a companheira prefeita para Danilo. Esteve com ele o tempo todo no dia da final da Copa do Mundo de 1950, exceto naqueles 90 minutos trágicos daquela tarde de 16 de julho. Zelinda, grávida do primeiro filho do casal, esteve com ele na concentração e depois seguiu para o Maracanã, onde cada um foi para um lado. Ela para a tribuna social e ele para o vestiário. Após o jogo, o drama. Ele mesmo recordou detalhadamente aqueles momentos ao Tadeu de Aguiar: “Na saída do vestiário para o ônibus havia muita gente. O ambiente era pesado. Nos chamavam de vigaristas. Só a encontrei no ônibus. Não trocamos uma palavra. Choramos juntos todo o trajeto de volta ao Vasco.”

Danilo e Zelinda refugiaram-se na casa de Miguel Pereira, a mesma onde passaram a lua de mel após o casamento ás escondidas. Tentavam buscar explicação para a derrota contra os uruguaios. Não a encontraram. Regressaram ao Rio e, em novembro, nasceu Carlos Alberto, o único filho do casal, ardorosamente seu maior fã.


Acervo da Família

Acervo da Família

Tadeu de Aguiar ouviu Zizinho, Flávio Costa e Luís Carlos Quintanilha, com quem Danilo trabalhou em 1974, no América. Mas também ouviu Ademir de Menezes, companheiro de Danilo no Vasco e na seleção brasileira. “Já estou preparado para o pior”, conformou-se Ademir[2], que vaticinou: “Ele vai morrer na miséria como os outros”. Danilo resistiu mais um tempo. Exatamente quatro dias depois da morte do amigo Ademir, que ocorreu no dia 12 de maio de 1996, e a de outro craque vascaíno dos anos de 1950, o atacante Pinga, no dia 7 de maio, Danilo os seguiria poucos dias depois ao Olimpo do Futebol.

O Príncipe contava 76 anos quando partiu. Somente torcedores e jornalistas mais antigos lembravam-se dele. Além da esclerose múltipla, uma pneumonia, segundo a imprensa, teria agravado seu estado de saúde e desferido um ultimato à vida de Danilo no dia 16 de maio de 1996. Nos três últimos anos de vida, morara em um asilo, a clínica geriátrica Chalé da Vovó, no Rio Comprido. Nove anos antes, o ídolo vascaíno dividia um salário-mínimo e um apartamento com quarto e sala na Lapa, no Centro do Rio, com o filho único Carlos Alberto, que se tornaria um convicto militante[3] do PDT na década de 1980. Carlos creditava as dificuldades do pai aos contratos equivocados do passado, a maioria deles assinado em branco, mas também à inflação que corroía a economia brasileira no final daquela década. “Oitenta por cento de culpa é [sic] minha. Jogava muito mais pelo prazer, por amor ao clube e ao futebol. Tinha amizade com muitos dirigentes, do que se aproveitavam na hora da renovação. Mas não aconteceu só comigo. Ninguém enriqueceu com o futebol na minha época.”


Casamento com Zelinda (O Cruzeiro 1948)

Casamento com Zelinda (O Cruzeiro 1948)

Ao repórter Tadeu de Aguiar, Danilo lamentava que o futebol brasileiro optara pela retranca e que jogar “estava mais difícil”. Dizia-se um dos culpados pela “deformação” a que chegara o futebol do país por ter, quando treinador, também recuado pontas e imaginava que orientando jovens no Vasco poderia consertar o “erro”. Àquela altura, aos 67 anos, o Príncipe conformara-se. Danilo estava destituído da coroa. Seu filho, que cuidara sempre do pai com todo esmero, desabafou[4]: “Acabar na miséria, dependendo de um salário de fome do governo, é muito triste.”

Mas Danilo era um camarada que gostava de falar de suas memórias guardando nelas só coisas boas. Até a morte de sua companheira, somente o maracanazo o atormentava. “Prefiro falar muito mais das alegrias que ficar remoendo tragédias, pedaços amargos de existência.”[5]


Acervo da Familia

Acervo da Familia

Danilo viu o tempo passar e não conseguiu manter seu lema. A reta final não foi fácil. Dinheiro escasso, debilidade física. O tempo insiste em deixar o Príncipe da bola no passado, mas sua memória permanecerá viva como deve ser e como sempre acontece com as altezas genuinamente respeitáveis, dignas. O Príncipe Danilo vive, e a melhor definição de quem foi e o que representou o craque partiu do ex-centroavante do Botafogo Octávio Moraes[6], filho da cronista e historiadora Eneida: “Danilo foi o maior artista que vi em campo. Não jogava bola como eu, como nós. Jogava para a eternidade”.

Danilo sempre estará entre nós, que amamos o futebol bem jogado. O futebol-arte. Assim seja.

 

 

 

 

 

[1] AGUIAR, Tadeu de. “Danilo reencontra no Vasco o seu destino, o futebol”. Jornal do Brasil: Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1988, p.30.

[2] Comentário de Ademir de Menezes sobre Danilo Alvim. Reportagem “Príncipe esquecido no tempo” publicada na seção “Onde anda” de edição nº 995 de julho de 1989 da revista Placar [Ed.Abril, São Paulo]. A.D..

[3] AGUIAR, Tadeu de. “Danilo reencontra no Vasco o seu destino, o futebol”. Jornal do Brasil: Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1988, p.30.

[4] Depoimento de Danilo Alvim [Príncipe esquecido no tempo] publicado na seção “Onde anda” de edição nº 995 de julho de 1989 da revista Placar [Ed.Abril, São Paulo]. A.D..

[5] SILVA, Geraldo Romualdo da. “O príncipe Danilo [II]: Com Flávio, beque tinha que dar chutão. Ninguém rebolava”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 26 de setembro de 1974, p.12.

[6] ANDRADE, Aristélio. “O príncipe perfeito”. Placar/ Ed.Abril: São Paulo, 26 de janeiro de 1979, pp.30-3.

Saiba mais:

https://www.museudapelada.com/resenha/-danilo-100-anos-um-prncipe-patrimonio-histrico-da-bola-

https://www.museudapelada.com/resenha/-danilo-100-anos-ensaio-para-um-pico-do-futebol-brasileiro

https://www.museudapelada.com/resenha/-danilo-100-anos-so-januario-recebe-sua-alteza

https://www.museudapelada.com/resenha/-danilo-100-anos-para-o-america-sempre-hei-de-torcer

DANILO, 100 ANOS: PARA O AMÉRICA SEMPRE HEI DE TORCER

por André Felipe de Lima


“Ele tinha um dom que eu gostaria de ter e nunca consegui ter: o dom de ouvir. Ele ouvia mais e falava menos. Esse dom é o mais difícil do mundo para mim. Ele era muito dócil. Danilo era uma pureza de pessoa. Fazia toda a diferença. Foi um craque como atleta, como treinador e como pessoa.” — Alex, ex-zagueiro e capitão do time do América campeão da Taça Guanabara de 1974, dirigido por Danilo Alvim. 

Após muito treinar em General Severiano, convidado pelo amigo Nilton Santos, enquanto não resolvia o impasse com a diretoria do Vasco, Danilo Alvim finalmente conseguira dar um rumo ao seu destino. O próprio Nilton Santos tentava convencê-lo de que o Botafogo era o clube ideal para ele. Gentil Cardoso, o técnico alvinegro, achou a ideia excelente. Ter Danilo no seu time era o sonho de qualquer treinador naquela época. O Vasco estava reticente. Não desejava liberar Danilo para o rival. Aceitava outro caminho para ele, porém: Portugal, onde receberia, ou jogando em Lisboa ou no Porto, 15 contos de ordenado. Mas Danilo ouviu o amigo Nilton Santos e decidiu transferir-se, em outubro de 1954, para o Botafogo, que achou o valor de seu passe caro demais, mas prevaleceu o aval de Carlito Rocha. Antes, no entanto, encontraram uma fórmula: Danilo jogaria por um clube de outro estado durante uma temporada e receberia uma espécie de “passe livre”, recurso, como frisou João Máximo, impraticável anos depois. Danilo deixou o estado da Guanabara e seguiu para o Fonseca, clube de Niterói, capital do estado do Rio, mas retornou a General Severiano. Disputou duas temporadas pelo Alvinegro e ainda recebeu convites do Bonsucesso e Olaria. Preferiu, todavia, o de vendedor de carros. Talvez não saísse de sua mente a vaia que recebera da torcida do Botafogo após ser substituído em um jogo. Ele e outros dois craques do Vasco, Maneca e Ernani, faziam parte do empreendimento com carros. Como não conseguiu esquecer o futebol, Danilo retornou aos gramados.

“Fiz duas excursões à Europa, aprendi muita coisa, de maneira que, dando volta por cima de tudo, achei que a coisa realmente certa seria ir pensando em outra maneira de ganhar a vida. Com essa ideia fixa na cuca, topei ser treinador. Levou-me a isso uma desinteligência com Zezé Moreira. Vendo que entre ele e eu o Botafogo jamais optaria por mim, procurei o do dr. [Adhemar] Bebiano e pedi que me liberasse de uma vez. Foi um diálogo curto e proveitoso. Quando a gente é criança — expliquei ao dr.Bebiano — tolera-se até mau humor. Mas quando já se é maduro, fica mais difícil de suportar a carga.”[1]

A imprensa também teria uma parcela de culpa para Danilo abandonar a carreira de jogador:[2] “Fui para o Botafogo e, à época de Zezé Moreira, tive desgostos com a imprensa. Cheguei a realizar boas partidas e quando ocorria de não ter felicidade em qualquer jogo era ‘malhado’ impiedosamente. Achei que aquilo era um desrespeito, inclusive ao meu passado, e resolvi parar.”

No Botafogo, a relação animosa com Zezé Moreira fomentou lendas, como a narrada exaustivamente por Sandro Moreyra[3], que acabou se tornando “fato”. Durante um treino, Danilo recebeu uma bola e ouviu o grito de Zezé Moreira: “Abre na direita, rápido, para o Quarentinha!”. Danilo ignorou o treinador, que irritou-se: “Pronto, ficou sem jogada”. Como resposta, Danilo deu um drible curto no marcador e chutou a bola no alto do gol, sem defesa para o goleiro. Após o lance, virou-se para Zezé e emendou, batendo na própria testa: “Não perdi não, ainda tinha uma aqui.”

Danilo chegou ao Uberaba, de Minas Gerais, para acumular as funções de jogador e técnico. O Príncipe definia a situação como “extremamente desaconselhável”, como confessara a Geraldo Romualdo da Silva, ou seja, jogar e treinar simultaneamente o time. Os cartolas mineiros “choraram” para pagar um pouco mais pela dupla função. Era pegar ou largar. Sem Danilo, os jogos teriam pouco público. Com a estrela em campo seria completamente diferente. E foi até certo tempo.

O Santos do amigo Jair Rosa Pinto visitou o time de Danilo para um amistoso, no dia 11 de maio de 1956. O primeiro tempo terminou 1 a 1 e Danilo resolveu calçar as chuteiras e jogar a segunda etapa, levando o Uberaba ao empate. Embora seu nome não conste na ficha[4] técnica fornecida pelo departamento de memória do Santos, Zizinho teria entrado em campo também, para defender o Uberaba do amigo Danilo. Era um jogo de festa. “Senti que podia ser útil ao time. O problema estava justamente no meio-campo, com Zizinho praticamente sozinho. Por outro lado achei que era uma boa jogar ao lado do Mestre Ziza e contra o Jair, meu companheiro e amigo de muitos anos.”[5]


No fim do jogo, Danilo foi abraçado por Zizinho e disse a Jair que aquela era sua última partida, mas não contou o que só a família sabia: a perna direita não dobrava completamente desde o acidente. Era o “segredo”. Muitos anos após aquele jogo, Jair, que mal se lembrava do amistoso, respondeu a repórter Aristélio Andrade[6] que somente Fausto dos Santos poderia ser comparado a Danilo como maior centromédio da história do futebol brasileiro. “Uma vez um jornalista, garoto que estava começando — como é que vocês chamam? Bem, um foca —, chegou para mim perguntando qual o maior jogador de meio-campo que já vi. Olhe bem, que não me incluí. Disse: Fausto dos Santos e Danilo Alvim. Aí, o garoto olhou pra mim, insistindo: ‘Melhores que Didi e Gerson?’ Não aguentei, mandei o garoto praquele lugar. Por isso não dou mais entrevista pra ninguém. Só tem ignorante…”. Ademir de Menezes que o diga: “Era um craque perfeito. Um fora de série. Os meus rushes ficaram famosos, mas quem dava o passe perfeito na medida exata, em profundidade, de curva para iludir a defesa adversária, era Danilo. Palavra de honra: jogada no meio-campo, bola com Danilo Alvim lançando para mim em velocidade, era meio gol. Diziam que a gente já entrava em campo ganhando de 1 a 0, e era mesmo. A jogada do Danilo era mortal. Cito um exemplo dessa gana de Danilo para ganhar um jogo. O Flamengo estava vencendo por 2 a 0, e Danilo desesperou-se. Passava pela gente dizendo que o Flamengo não era de nada. Que o Vasco tinha um timaço que podia estar perdendo de 5 a 0 e ainda virar o jogo. Antes de terminar o primeiro tempo, ele marcou o primeiro gol do Vasco. Veio com a bola debaixo do braço, para colocar na marca, e olhou para mim: ‘Eu não disse?’. No vestiário, repetiu o que havia dito em campo. Voltamos e demos uma goleada de 5 a 2. Foi o dia em que queimaram a camisa do Jair. Tudo por causa do Danilo.”[7]

Após aquele jogo contra o Santos, Danilo ficou somente como treinador do Uberaba, na mesma época em que lá chegara o veterano ponteiro Braguinha [ex-Cruzeiro e Botafogo]. Fez algum sucesso no clube do interior de Minas Gerais, que lhe rendeu um convite do presidente do Cruzeiro, Manoel de Carvalho, e para lá partiu. Embora com a vitoriosa estreia de 1 a 0 em cima do rival Atlético, no dia 19 de janeiro de 1958. Mas o time ainda não tinha as estrelas que brilhariam anos depois no futebol brasileiro, como Tostão e Dirceu Lopes. A passagem por Belo Horizonte durou pouco tempo. Alegara que a esposa e o filho tinham muita saudade do Rio de Janeiro. Ele também. “Não aguentei a barra. Voltei ao Rio e ingressei no São Cristóvão.”

Embora convidado por Nelson de Almeida, dirigente do São Cristóvão, Danilo não teve um começo tranquilo no clube da rua Figueira de Melo. Além de o time ser tecnicamente fraco, o salário era baixo e a situação financeira de Danilo não era lá essas coisas. Amargara prejuízo com um negócio para produção de flâmulas e ganhava pouco como vendedor de uma concessionária de carros chamada Gastal, onde também trabalhavam Maneca e o ex-goleiro Ernani, amigos dos tempos de Vasco, e com o salário que recebia por um emprego no Ministério da Agricultura. Danilo sempre ponderava com os cartolas que trabalharia de graça para o São Cristóvão caso não precisasse de dinheiro para sustentar a família. Mas Danilo precisava.

DOCE E VITORIOSA AVENTURA NA BOLÍVIA


Dirigentes do Bahia queriam levá-lo para Salvador. Danilo até toparia, mas os baianos não aceitaram a contraproposta de 500 mil cruzeiros de luvas e 70 mil mensais. Sem contar a multa rescisória de 100 mil cruzeiros que o Bahia teria de pagar para tê-lo no comando do time tricolor. Danilo contou, entretanto, com um fato que sempre considerou objeto da sorte naquele instante: um convite do coronel Wilson Carvalhal, que presidia o América, para uma excursão do São Cristóvão pela América do Sul. O gesto de Carvalhal foi singular, e lá foi Danilo embarcar na aventura futebolística. Seu futuro estaria selado nela.

A campanha durante a excursão à Bolívia não poderia ter sido melhor. Em La Paz, Danilo ouviu várias propostas para que permanecesse no país. A mais especial e irrecusável partiu da Federação Boliviana de Futebol: dirigir a seleção nacional que iria disputar o campeonato sul-americano de 1963. Mas havia um empecilho burocrático no meio do caminho. O governo local exigia que treinador estrangeiro ostentasse um diploma. “Foi um abacaxi. Me machuquei todo. Quem me salvou do pior foi o presidente da CBD. Com o respeito de que desfruta em qualquer parte, consultado sobre minha pessoas, o dr. João Havelange não hesitou em informar que eu estava perfeitamente capacitado a realizar honesto trabalho na Bolívia. De lambujem, ainda me deu um documento valioso, atestando que se responsabilizava por meu comportamento em La Paz.”[8]

Foram oito meses em La Paz. Um trabalho árduo, mas que rendeu ao Danilo uns bons trocados, e merecidos. No começo, alguns sustos, como as duas derrotas para o Paraguai em uma competição sem muitas pretensões. Os placares das pelejas [3 a 0 e 5 a 1] se desdobraram em uma desconfiança sem precedentes. Danilo, ainda com pouca estrada como técnico, já não era mais visto com bons olhos pelos bolivianos. As críticas eram incessantes. Mas, só Deus sabe, o Príncipe manteve-se no cargo e a redenção estava a caminho.

O campeonato sul-americano sediado pela Bolívia começou tumultuado. Os bolivianos queriam jogar na altitude, mas sofreram acirrada resistências de brasileiros, argentinos e, sobretudo, uruguaios, os campeões da edição anterior do campeonato, em 1959, ano em que foram realizados dois torneios continentais. O outro ganho pela Argentina.

De cara, o Uruguai boicotou a competição. O Chile já não ia mesmo por conta de um imbróglio político com a Bolívia, mas Brasil [com a pecha de bicampeão mundial] e Argentina mantiveram-se na tabela, porém com escretes secundários. Apesar da descrença quase coletiva em relação ao torneio, um título da Bolívia era improvável. Quase inverossímil, consideravam muitos.

Na estreia, os bolivianos encararam os equatorianos, tão acostumados quanto eles à altitude. O placar foi 4 a 4. Mas Danilo não se abatera. O time mostrou garra. Nos jogos seguintes, a afirmação ao derrotar a Colômbia [de virada] pelo placar de 2 a 1; o Peru por 3 a 2 e depois o Paraguai por 2 a 0. O embate seguinte seria contra os argentinos. A Bolívia saiu na frente no placar. A Argentina empatou, mas os bolivianos fizeram o segundo gol. A primeira etapa não havia acabado e os argentinos empataram novamente. No segundo tempo, o juiz marcou um pênalti favorável à Bolívia, mas o goleiro Andrada, o mesmo do milésimo gol do Pelé e ainda bem jovem, pegou. Para a Bolívia, o empate seria um desastre. Teria de derrotar o Brasil no jogo seguinte para manter as chances de ser campeã. Mas havia ainda tempo para a surpresa. Poucos minutos, sim, poucos minutos, mas havia esperança e tal garra que tanto Danilo exaltava em seus pupilos. Castilho, que marcara o primeiro gol da Bolívia, cobrou rapidamente um córner. Camacho recebeu a pelota e assinalou o gol redentor. Aos bolivianos um empate com o Brasil naquela tarde de domingo, 31 de março de 1963, em Cochabamba, no estádio Félix Capriles, estava de bom tamanho. Decidiram ir para cima. Chegaram a fazer 5 a 2. O placar final foi 5 a 4, com um show à parte de um de seus maiores ídolos em todos os tempos: o “El maestro” Victor Augustín Ugarte, remanescente da Copa de 1950 e com 37 anos, que fizera dois gols no jogo. “O árbitro não influiu no resultado do nosso jogo com o Brasil. Apenas o pênalti [quinto gol boliviano] foi mal marcado, mas o juiz disse que consignou a má intenção de Procópio, que entrou de carrinho e quebrou em dois pontos a perna de Alcocer. Eu mesmo fiquei admirado com a marcação do pênalti, porque a falta foi fora da área. Isto, entretanto, não influiu, pois àquela altura ganhávamos de 4 a 2 e dominávamos inteiramente a partida.”[9]


O que parecia um sonho transformara-se na mais pura, cristalina e convicta realidade. “Futebol não é só técnica. Ela é apenas a base, o fundamental para o jogo. Mas existem certos detalhes importantes. A raça é indispensável, a catimba também. Quando se dirige um time de limitações técnicas, você tem que admitir certas apelações dos seus jogadores e organizar a retranca feroz. O negócio é vencer, vencer sempre.”[10]

A Bolívia não tinha nenhuma tradição no futebol. Entrava e saía dos torneios continentais invariavelmente nos últimos lugares. Mas naquele ano foi diferente. Foi campeã sul-americana, em casa, desbancando Brasil, e Argentina, tradicionais e eternos bichos-papões. Danilo conquistara com aquela desacredita seleção, porém heroica, a maior conquista de sua carreira como treinador. Danilo foi campeão com direito à vitória sobre o Brasil bicampeão do mundo, feito para poucos na época. Inesquecível. Após o jogo, jogadores e membros da comissão técnica do Brasil o carregaram em triunfo. Era a glória. Algo surreal. Membros de um time derrotado em uma final carregando em festa nos ombros o técnico do time campeão. O “Príncipe” tornara-se rei. Porém ainda mais memorável foi ter como seu auxiliar o filho Carlos Alberto, que tinha somente 12 anos de idade. O garoto era o Mercúrio, o Hermes do time, encarregado de levar os recados de Danilo aos jogadores em campo. “Foi o campeonato mais difícil de minha vida”. Não foi para menos. Ao chegar à Bolívia, ouviu da imprensa local impropérios. Danilo chegou à capital boliviana para acabar com a mordomia dos indisciplinados jogadores, cujo estado físico era, como afirmara Danilo, “desolador”. Estavam todos mal alimentados, obesos. O treinador foi rígido e fez valer sua palavra, sempre, o que incomodou alguns jogadores e jornalistas, em geral. “Chegaram, inclusive, a me chamar de impostor, de vigarista”, declarara Danilo, em entrevista ao repórter Márcio Guedes[11], anos depois daquele jogo épico contra o Brasil. Aos jogadores bolivianos, a disciplina imposta por Danilo rendeu a eles muito mais que somente o título inédito e até hoje único na história do país. O salário de todos foi aumentado, cada um ganhou do governo uma casa de presente no bairro de Obragen, que passou a se chamar bairro dos Campeões Sul-Americanos, e receberam 21 milhões de pesos bolivianos, que equivaliam a cerca de um milhão de cruzeiros na época.

DE VOLTA AO SEU PRIMEIRO GRANDE AMOR: O AMÉRICA

A missão boliviana foi vitoriosa e estoicamente conquistada. Embora com proposta e convite do presidente da Bolívia, Vitor Paz Estensoro, para que permanecesse no país, Danilo concluíra ser hora do regresso ao Brasil. Uma vontade dele próprio e um ardoroso anseio da esposa Zelinda e do pequeno Carlos Alberto. Os três desembarcaram no final de março e logo na primeira semana de abril de 1963, Danilo, após uma conversar com Renato Estelita, assinou contrato para treinar o Botafogo. Meses depois do título continental, Danilo, já treinador do Botafogo, foi submetido a uma cirurgia[12] para corrigir um desvio secundário no braço direito, fraturado em Lima, no Peru, durante um treino especial que realizava com os goleiros do Botafogo, que se preparavam para enfrentar o Alianza de Lima. “Atrás do gol estavam alguns meninos cooperando conosco e, em um certo momento, um deles jogou uma bola para mim. Fui tentar dominá-la, mas pisei sobre ela, caindo de mau jeito”. A operação foi realizada pelo médico Lídio Toledo, na Casa de Saúde São Geraldo, dias antes de um clássico contra o Flamengo.

Antes da seleção boliviana, Danilo treinou o São Cristóvão [1961, quando o Bahia também o queria] e depois da estada em La Paz passou por Botafogo [1963], Uberlândia, Remo, São Bento [de Marília], CRB [Maceió], ABC [Natal] e Itabaiana [Sergipe], este último com o qual foi campeão estadual em 1981. Foi três vezes campeão com o Remo — onde aportou em 1969 e logo conquistou um fã incondicional: o então ministro da Educação e torcedor do Remo Jarbas Passarinho, que além de ter o filho Jarbas Junior no time juvenil do clube, era fã do Danilo desde os anos de 1940 e responsável para que treinador recuperasse seu emprego no Ministério da Agricultura, que havia perdido por conta da constante ausência devido ao compromisso com o futebol—, uma com o CRB — onde esteve em 1972 — e outra com o ABC. Volta e meia estava no Rio em férias, no apartamento que mantinha no Flamengo, zona sul do Rio. Após essa jornada vitoriosa por clubes do norte e do nordeste, o Príncipe decidira, em janeiro de 1974, retornar ao reino que o revelara. O América o aguardava, e Danilo estava ansioso por voltar às origens. Aceitara o convite do presidente do clube, o coronel Wilson Freire Carvalhal, com quem jogou pelo América quando ainda era juvenil. “Gente boa em que se pode confiar. Não é por nada, não, mas meu compromisso é unicamente com ele”, referia-se assim ao amigo Carvalhal.

O desafio não era somente amoroso. Danilo precisava recuperar a autoestima de um time, de um clube, que, como escrevera Oldemário Touguinhó[13], o América tinha um “estranho medo da vitória”. Logo nos primeiros jogos o técnico percebera isso. Não se conformava.

“Assim não é possível. Esse time precisa se mentalizar para vencer um jogo. O que não pode é entrar em campo, dominar o adversário e, no final, ficar torcendo para tudo acabar mesmo num empate. Vou conversar seriamente com todos os jogadores e tentar fazer com que eles se libertem desse medo de vencer. É preciso ter coragem e partir para liquidar o adversário. Caso contrário, não adianta possuir grandes cartazes na equipe, se ela não tem alma para a vitória. Sei bem o que é ter medo de não perder e por isso vou ajudar o meu time a acabar com esse problema”. E Danilo, como um profeta de si mesmo, atingiria sua meta, e não seria diferente. O momento era especial. O time era muito forte, realmente. Havia uma aura extremamente positiva no ar a ponto de a elegante Dona Mary Belfort Duarte, irmã do ídolo eterno e fundador do América, Belfort Duarte, decidir se integrar à torcida e acompanhar todos os jogos. O filho de Danilo, Carlos Alberto, também estava bastante confiante. O rapaz, que estava prestes a se formar em educação física e adorava a profissão do pai, haja vista seu desempenho como “auxiliar” de Danilo no campeonato sul-americano de 1963, torcia pelo América. Queria ser treinador um dia igualmente ao pai. A cada jogo, roía unhas e chegava a chutar paredes a cada lance mais emocionantes dos jogos do alvirrubro sob o comando de Danilo.


Flávio Costa integrou a comissão técnica no papel de supervisor. A preparação física ficou por conta de Luís Carlos Quintanilha. Danilo tinha, portanto, uma retaguarda respeitável. Queria levar para o clube alguns cobras do ABC de Natal, clube que treinara anteriormente e que deseja mantê-lo a todo custo. Na lista, o craque Alberi o lateral canhoto Anchieta e o artilheiro Jorge Demolidor, mas não havia dinheiro para isso. O América estava com o cofre vazio.

Em seguida, para arrumar uns trocados, o clube fez uma excursão à Colômbia, onde Alex foi o grande destaque. O América estava bem arrumado para o campeonato nacional. Nos treinos, Alex era insuperável. Tecnicamente, um craque. Grande zagueiro. Fisicamente, ninguém era páreo para ele. Danilo comumente levava os jogadores para uma corrida matinal de três quilômetros de distância nas Paineiras. Alex fazia o percurso em 14,5 minutos, deixando o restante do grupo comendo poeira. “Eu ia e voltava correndo”, diz ao Museu da Pelada o ex-zagueiro e capitão daquele timaço do América Alex Kamianecky.

Mas domar as feras do América não era fácil. Danilo ingressou em um clube endividado e com os cofres praticamente vazios. Os salários estavam atrasados viviam atrasados, motivo de insatisfação de todos, especialmente do centroavante Luisinho Lemos, o que mais demonstrava contrariedade com a situação, inclusive recorrendo à imprensa. Mas Danilo estava convicto de que a opção pelo América era a melhor. Em maio, o Sport sondou-o, mas Danilo rechaçou a proposta apresentada a ele pessoalmente por Ivan Moura Fernandes, enviado do clube pernambucano ao Rio. Apesar dos atrasos salariais e o desânimo coletivo entre os jogadores, acreditava que o clube e o time dariam a volta por cima no semestre seguinte.

Na primeira semana de setembro, a diretoria pagou um dos três prêmios atrasados a cada um dos jogadores. Mesmo assim isso não abrandou os ânimos. Durante da preleção do vice-presidente de Futebol, Álvaro Bragança, no campo do Andaraí, ninguém escondia a insatisfação. Era véspera de um jogo importante contra o São Cristóvão. Na verdade, os jogadores falaram muito mais que o cartola. O curioso disso tudo é que aquele time do América não perdia. Jogava com ímpeto todos os jogos do primeiro turno, a Taça Guanabara, e com toda pinta de campeão. “Cheguei várias vezes a dizer ao Danilo que eu não queria mais ser capitão porque estava difícil a situação. O salário do clube atrasava muito e toda reclamação vinha para cima do capitão, que era eu. Aí, eu falava para todo mundo: ‘: ‘Vamos ganhar para termos direito de cobrar, de depois reivindicar. Se perdermos, vai ser pior’. Sem a vitória, ficaríamos sem as gratificações, que às vezes era maior que o próprio salário. Eu era muito sincero”, recorda Alex.

Mas nem mesmo a bucólica concentração do América no sítio Taquara, em Petrópolis, parecia acalmar a rapaziada, que, na manhã seguinte após a confusa reunião com Bragança, desceu a serra para encarar o São Cristóvão e vencê-lo de 3 a 0, com dois gols de Luisinho Lemos e um de Gilson Nunes, com Flecha jogando uma barbaridade e sendo responsável das jogadas que culminaram no primeiro e no terceiro gol, e o juiz Carlos Costa deixou de dar três pênaltis claros para o América: um em Luisinho, outro no próprio Flecha e o terceiro em Edu. O América do Danilo parecia insuperável.


Aquele jogo[14] foi, talvez, o divisor de águas. Lusinho, que tanto pleiteava um aumento, conseguiu um incremento salarial. Na folha, receberia os 5 mil cruzeiros e por fora o combinado com os dirigentes: mais 3 mil. O jogo só não foi bacana para um jogador: Madeira, do São Cristóvão, que após uma dividida com Bráulio fraturou perônio. Mas Danilo ainda teria que acalmar Flecha, o mais tenso daquele time, que brigara com Gilson Nunes no jogo seguinte, contra o Madureira[15]. Danilo chamou os dois num canto e explicou que o América seria o campeão. Ambos entenderam o recado do treinador. Faltava pouco. Era bater o Olaria e depois a final, contra o Fluminense. O time da rua Bariri foi superado. Placar magro, como o do jogo contra o Madureira. Um insosso 1 a 0. Igualmente ao jogo anterior, Lusinho salvou a pátria com um gol aos 35 minutos da segunda etapa. Orlando Lelé foi expulso no começo do segundo tempo. O risco de não entrar em campo contra os tricolores era grande. Danilo estava bastante preocupado, mas confiante. E o dia contra o Fluminense viria. Do lado dos tricolores, o técnico Parreira vivia um desafio: a contusão de Gerson na coxa esquerda. O médico Durval Valente não conseguia diagnosticar com precisão a extensão do problema. Sem Gerson, que daria lugar a Silveira, bater o América representava missão bastante difícil. E havia outro problema: o ponta Zé Roberto também estava fora da final. Do lado do América de Danilo Alvim, a confiança, sobretudo após a absolvição de Orlando no Tribunal de Justiça da Federação Carioca. O lateral havia sido expulso no jogo contra o Olaria por ter quase batido em um bandeirinha. Conhecendo o famoso “Lelé”, o bandeirinha correu sério risco. Um dado curioso: o voto de minerva que garantiu Orlando na final partiu do juiz José Maria da Mota, torcedor do Fluminense. “O América pode ser um clube acostumado a perder títulos, mas esse time, não. Rogério foi tricampeão no Coritiba e jogou depois no Ceub; Orlando, no Santos e também no Coritiba; Gilson Nunes conquistou títulos pelo Vasco e pelo próprio Fluminense, enquanto Flecha, Ivo e Bráulio, ainda recentemente, conquistaram campeonatos no Sul. E isso sem contar com o técnico do time”[16]. Danilo era um esperançoso. Parecia o Danilo do Vasco e da seleção brasileira. O espírito do “Príncipe” jamais o abandonara, e contra o Fluminense recheado de estrelas somente uma haveria de brilhar mais intensamente, a de Danilo, que comentava em entrevistas e aos mais chegados ter visto poucas vezes um time tão tranquilo na véspera de uma decisão. Mas Danilo, por considerar seu time bastante ofensivo pelas pontas, temia dois pontos do esquema do Parreira: os avanços dos laterais Toninho [pela direita] e Marco Antônio [pela esquerda]. Mas prevaleceu o seu esquema tático e o talento de seus comandados. Durante todo o primeiro tempo só deu América. Aos 11 minutos, aproximadamente, Gerson fez uma falta boba em Edu bem na entrada da área. Reclamou. Disse que não fez, que saltou na bola e que a cabeceou com os braços abertos e que Edu caiu e gritou. Para O Canhotinha de ouro, o juiz José Aldo Pereira “embarcou” na manha do Edu e acabou reconhecendo o erro logo em seguida ao lance e à reclamação imediata de Gerson. “Bom, eu sou humano e tenho direito de errar”. Gerson teria rebatido assim, segundo o Jornal dos Sports[17]: “Bom, está certo. É lógico”.


O “choro” do Gerson de nada adiantou. Orlando, que por pouco não ficou de fora, pegou a pelota, preparou-a e chutou-a. Foi um chute violentíssimo, com a bola quicando pela grama. Indefensável para um aturdido Félix, que até tentou interceptá-la. Gol do América, para quem o empate bastaria para ser campeão. Aos 22 minutos da etapa inicial os refletores se apagaram, mas sem consequências porque a noite ainda não se avizinhara. Foi nesse momento da peleja que o Fluminense deu seu primeiro chute em gol, com Gil. Veio o segundo tempo. O Tricolor, que até ali estava invicto na Taça Guanabara, precisava reagir. Precisa ser campeão. Ao América um simples empate bastaria. Escalado na última hora, Gerson jogava no sacrifício, contido, tímido ao extremo até mesmo para receber as bolas e armar as jogadas talvez receoso em agravar a contusão. Não estava fácil. A torcida empurrava o time. Eram quase 100 mil pessoas no Maracanã. Era mesmo um jogaço. Emocionante a todo instante. Pressionado o tempo inteiro, o América explorava os contra-ataques. Quase fez o segundo gol. Na arbitragem, José Aldo Pereira, indicado minutos antes do jogo, bem como os bandeirinhas Luís Carlos Félix e Valquir Pimentel, cometeu um erro aos 14 minutos do segundo tempo. Marcara impedimento de Luisinho quando este entrava livre para assinalar o segundo gol do América. Aos 19 minutos, Danilo tirou Edu e colocou em campo Renato. A mudança não agradou Edu, que vinha bem no jogo, e também não surtiu efeito algum. O Alvirrubro foi levando a partida com inteligência tática. Havia a mão do Danilo ali, sem dúvida. O treinador pegou um grande time, recheado de craques, mas sem autoestima. Após o apito final do juiz, a grande festa. América novamente campeão. O Maracanã inteiro aplaudia. Tricolores, resignados e educados, reconheceram a alegria que envolvia aquele time. O grande time campeão do Danilo Alvim, o “Príncipe”.


No vestiário, o sorriso misturava-se ao choro. Tudo pela alegria. Havia champanhe e muitos torcedores engalanados com a camisa rubra ou mesmo a bandeira do clube. A Taça Guanabara era incessantemente beijada por todos. Danilo estava emocionado. Dizia a todos ter sido um dos jogos mais emocionantes e sofridos de sua vida. Queria abraçar seus jogadores, mas era difícil. Danilo era o mais assediado por todos que se espremiam no vestiário.

Danilo apostara tudo naquele jogo. Ele chegara à sede da Rua Campos Sales no começo do ano alertando que o América deveria deixar de lado o “medo de ser campeão”. Todos se doaram. Um deles foi o zagueiro Alex[18]. Jogou na com a cara, coragem e dores no tendão de Aquiles do pé direito. O pé estava anestesiado. “No final do jogo, porém as dores eram tão fortes que nem si como consegui ficar. Foi o coração que não me deixou sair”. Alex foi um das unanimidades para Danilo. Outros craques, nem tanto. Por pouco Danilo não sacou Luisinho Lemos do time antes dos jogos finais da Taça Guanabara de 1974. Revelou[19] esse propósito dias depois de ser campeão. “Chegou um momento que precisamos nos desfazer de dois ou três atacantes. Dentre os quais Luisinho, ainda sem posição definida, pois, ora atuava na meia, ora na ponta, e agora ele é isso que estamos vendo. Dá para entender?”. As dificuldades de lidar com jogadores do elenco por pouco não comprometeu tudo. “Longe dos olhos dos fanáticos é mais fácil trabalhar. Trabalha-se com mais liberdade. Tínhamos uma penca de jogadores temperamentais no elenco. O Flecha, por exemplo. Devagar, sem apertar demais a disciplina, fomos conseguindo o que desejávamos.”[20]


Danilo foi brilhante. Seu esquema neutralizou Gerson, que estava fisicamente mal, e os avanços dos dois laterais tricolores, Toninho pela direita e Marco Antônio pela esquerda. Essa era a jogada mortal do Fluminense. Mas nem tão “mortal” assim para Danilo. A rapidez de Edu, Luisinho Lemos e Bráulio deixou a zaga adversária atônita. Assis e Brunel erraram muito na tentativa de pará-los. Para Danilo, não foi difícil armar o esquema contra o Fluminense. “Esquema difícil de armar é o de conseguir dinheiro para pagar os jogadores”, teria dito ele, segundo o cartunista Otelo Caçador[21].

“O Danilo tinha o grupo na mão. Ele tinha um dom que eu gostaria de ter e nunca consegui ter: o dom de ouvir. Ele ouvia mais e falava menos. Esse dom é o mais difícil do mundo para mim. Ele era muito dócil. Danilo era uma pureza de pessoa. Fazia toda a diferença. Foi um craque como atleta, como treinador e como pessoa. Tinha muita admiração pelo Danilo pela maneira dele ser. Meigo, carinhoso com todos. O ‘não’ dele era tão suave que você tinha de aceitar. Ele era uma liderança e uma pessoa que praticamente fez sucesso em tudo. Era super-humilde. Tinha simpatia, sabedoria. Ele era demais”, elogia Alex.

Para o capitão daquele grande time alvirrubro comandado por Danilo, o América sofreu todas as oposições possíveis, algumas até mesmo desleais, para que não fosse o campeão carioca de 1974. “Não tinha jeito. A arbitragem era demais. A gente entrava em campo e o presidente da federação [antiga Federação Carioca de Futebol] falava que o América ‘não podia ser campeão porque não ia dar renda’. Os jogadores [no caso, Orlando Lelé e Geraldo] que jogaram no América e depois foram para o Vasco comentaram isso”. Na entrevista ao Museu da Pelada, Alex se referiu ao jogo contra o Vasco realizado no dia 18 de dezembro de 1974, que terminou 2 a 2. Era a segunda partida do triangular decisivo do campeonato carioca que também incluía o Flamengo. O juiz da peleja foi Arnaldo Cézar Coelho, tendo como auxiliares os bandeiras Luis Carlos Félix e José Roberto Wright, os três muito criticados pelos sucessivos erros no jogo. A partida era a segunda do triangular decisivo. O Flamengo, que derrotara o América por 2 a 1 na primeira partida decisiva, terminaria campeão ao empatar em 0 a 0 com o Vasco no jogo seguinte.

A PERFEIÇÃO EM DANILO


Danilo campeão como treinador deveria ser uma rotina após aquela magistral conquista. “Ele merecia uma sorte melhor como treinador. Era uma pessoa fora de série. É que ele era muito puro. Não pode ser muito puro não. Não pode ser muito verdadeiro não. Ele não sabia dizer um ‘não’. Ele era muito humilde”, resume Alex, para quem Danilo tinha uma visão ampla da importância do técnico para um time de futebol e a humildade necessária para reconhecer o que aprendera com quem trabalhou quando era jogador. “Quando estive na Bolívia, encontrei um senhor que disse para mim que Danilo foi um dos maiores jogadores que ele tinha visto jogar. Ele era perfeito”, completa Alex.

 “Técnico não é Deus”, dissera uma vez ao ainda jovem repórter Arnaldo Niskier[22]. Danilo também dizia que de Gentil Cardoso extraíra o jeito de dialogar e de Flávio Costa o sentido de comando, amor e disciplina. Mas a importância da estratégia aprendera com Ondino Vieira. “O brasileiro só entende de futebol com o barulho da festa. Como festa significa vitória, ocorre que todos nós, técnicos de futebol, só temos alguma importância enquanto ajudamos o time a ganhar. Em tudo é assim. Inclusive na seleção.”[23]

O ano de 1976 seria o derradeiro no América. O clube não vinha bem no campeonato carioca. A campanha no primeiro turno foi abaixo do esperado. Alguns jogadores, inclusive remanescentes do título da Taça Guanabara de 1974, queixavam-se de Danilo, como Ivo, por exemplo, que, embora respeitando Danilo, não aceitava a reserva e reclamava de saber de decisões sobre a escalação do time somente pelos jornais. Em junho de 1976, um grupo de mais de 100 conselheiros do América, liderado por Silvio Vereza e Sergio Dias, entregaram ao presidente do clube, Wilson Carvalhal, um manifesto[24] pedindo o afastamento de Danilo, que acabaria substituído pelo supervisor Admildo Chirol[25], e de toda a comissão técnica. Além deles, partiram em seguida Flecha e Luisinho Lemos. Estava desfeito o grande time do América, e Lucio Lacombe, então diretor de futebol, procurava encontrar “culpados” para o ocaso do time. Danilo seria um deles: “Há dois anos o América era dirigido por Danilo Alvim e a amizade que ele fez com os jogadores acabou por destruir sua autoridade. De técnico ele passou a amigo dos jogadores. Acho que sua substituição devia ter acontecido bem antes. Danilo só foi demitido após o penúltimo jogo da fase. Contra o Vasco, o time foi dirigido por Admildo Chirol. Uma vitória deixaria o América no chamado grupo forte, até mesmo um empate o classificaria, desde que Olaria ou Goitacás perdessem”. Quanto ao Danilo, já estava bem longe, treinando o Londrina.

UM MINISTRO DA DITADURA O IDOLATRAVA


O “Príncipe” voltaria ao América para uma breve passagem em 1979. Em cinco anos, ou seja, de 1974 a 79, Danilo passou cinco vezes pelo América. Ao todo, ele dirigiu dezenove times até 1984, quando encerrou a carreira no Flamengo do Piauí e com uma aposentadoria mixuruca que conseguiu quando ainda treinava o Remo. Danilo peregrinou bastante como técnico. Certa vez — como narrou Otelo Caçador[26] —, ele treinou um time, cujo nome jamais revelara aos jornalistas, e que era, digamos, muito pobre. Quando chegou ao clube, assustou-se porque lá não havia departamento médico. “Mas não há um departamento médico? Como vocês cuidam da saúde dos jogadores?”, indagou Danilo ao presidente do “paupérrimo” clube. “Para que gastar dinheiro com departamento médico? Temos uma caixinha de ‘band-aid’ e, aqui, qualquer problema de saúde é resolvido com ela”, respondeu o cartola ao treinador.

No clube paraense, Danilo chegou a ser demitido porque viajava muito para o Rio. Mas a decisão foi revogada devido à influência de ninguém menos que o então ministro Jarbas Passarinho, cujo filho, Jarbas Junior[27], foi levado por Danilo para o time profissional do clube paraense. Uma mão lava a outra.

Com o futebol, o craque do passado ganhou relativamente pouco. Muito abaixo do que merecia pelos serviços inestimáveis prestados à história do futebol nacional. Em 1977, ele e Danilo Alves, então técnico do Botafogo, chegaram a ser sócios em um armazém. Mas o negócio durou muito pouco tempo. O que ganhou com o futebol rendeu um apartamento no Flamengo e outro em Copacabana, que acabou cedendo aos pais. Nada mais. Desde que encerrara a carreira de jogador, mudara o comportamento. Era arredio e até mesmo dos amigos se afastara. “Ele sentiu muito quando deixou de ser estrela e passou a se esconder dos amigos”, revelara Flávio Costa[28], que foi quem deu a primeira chance da Danilo em um escrete carioca quando o treinava no campo do América e estava sem centromédio após a contusão de Zarzur. Costa mirou Danilo, que ainda era um garoto recentemente egresso dos juvenis, e o convidou para entrar em campo. “Ele possuía duas coisas: muita raça e a classe que lhe valeu o título de Príncipe. Era pau para toda obra: jogador de esquema, de resolver problemas dentro do campo improvisando jogadas, jogador capaz de desequilibrar uma partida. Nos meus 50 anos de futebol, poucos vi tão completos como ele.”[29]


José Lins do Rego[30] escreveu em 1953, ou seja, três anos após o maracanazo, que Danilo era tarimbado e sabia contar histórias, facetas que permitiam aos novatos enxergá-lo como se fosse um “pai de santo”. “Sabe coisas demais para merecer a confiança dos dirigentes”. Talvez tenha sido esse o motivo para Danilo não emplacar de vez na carreira de técnico. Era esclarecido e um líder nato entre os jogadores, reivindicava “bichos” e salários justos. Isso sempre incomodava dirigentes pouco ortodoxos. Danilo amava, acima de tudo o futebol, e, talvez aí resida seu principal ensinamento como craque e ídolo que foi e excelente treinador: “Digo para os meus comandados que o principal não é jogar futebol, mas gostar de jogar futebol. São muitos os exemplos de elementos que jogam futebol somente como meio de vida e não como prazer, não amam a profissão que abraçaram. Estes nunca chegarão a ser grandes jogadores.”[31]

***

Na quinta e última reportagem da série DANILO, 100 ANOS, os momentos derradeiros do Príncipe, a paixão por Zelinda e a última grande e emblemática entrevista.

 

 

 

[1] SILVA, Geraldo Romualdo da. “O príncipe Danilo [Final]: A difícil arte de jogar e escalar ao mesmo tempo sem chiar”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 28 de setembro de 1974, p.12.

[2] NISKIER, Arnaldo. “‘Técnico não é Deus’”. Manchete Esportiva: Rio de Janeiro, 2 de novembro de 1957, p.36.

[3] Nota do autor: Sandro Moreyra atribuiu a Gentil Cardoso a mesma história que narrara de Danilo com Zezé Moreira. Na verdade, Danilo nunca se deu bem com nenhum dos dois treinadores. Sendo assim, é plausível que o “causo” tenha sido verdadeiro.

[4] Ficha Técnica: 11/05/1956 – Uberaba-MG 2 x 2 Santos. Gols: Pagão [2]; Leonaldo [2]. Local: Estádio Dr. Boulanger Pucci, em Uberaba, Minas Gerais. Competição: Amistoso. Renda: Cr$ 114.000,00. Árbitro: Antonio Musitano. Uberaba: Villamondes; Marabaia e Adelino; Leonaldo, Danilo e Pampolini; Lazinho, Paulinho, Miro, Tatu e Baltazar. Santos: Manga; Hélvio e Ivan; Feijó, Zito e Urubatão [Cássio]; Alfredinho, Jair Rosa Pinto, Pagão, Vasconcelos e Pepe. Técnico: Lula.

[5] ANDRADE, Aristélio. “O príncipe perfeito”. Placar/ Ed.Abril: São Paulo, 26 de janeiro de 1979, pp.30-3.

[6] Idem.

[7] Ibidem. Ficha técnica daquele jogo: 21/8/49 – Vasco 5 x 2 Flamengo. Local: São Januário. Juiz: MacPherson Dundas. Gols: Augusto[contra] 3′, Gringo 6′, Danilo 17′ e Maneca 27′ do 1º tempo; Maneca 8′, Nestor 16′, Ipojucan 32′ do 2º. VASCO: Barbosa; Augusto e Sampaio; Eli, Danilo e Jorge; Nestor, Maneca, Ademir, Ipojucan e Mário. FLAMENGO: Garcia; Juvenal e Job; Valdir, Bria e Jaime; Luisinho, Gringo, Zizinho, Jair e Esquerdinha. Expulsão: Esquerdinha.

[8] SILVA, Geraldo Romualdo da. “O príncipe Danilo [Final]: A difícil arte de jogar e escalar ao mesmo tempo sem chiar”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 28 de setembro de 1974, p.12.

[9] A.D.. “Darei o tricampeonato ao Botafogo”. Revista do Esporte: Rio de Janeiro, 25 de maio de 1963, pp.48-9.

[10] GUEDES, Márcio. “A Copa só se ganha com catimba”. Correio da Manhã: Rio de Janeiro, 3 de janeiro de 1970, p.8.

[11] REINA, Nilton. “Danilo venceu as críticas e deu a Bolívia um título!”. A Gazeta Esportiva Ilustrada, São Paulo, 2ª quinzena, abril de 1963, nº 228, pp. 36-7.

[12] A.D.. “Operado Danilo”. O Globo: Rio de Janeiro, 16 de julho de 1963, p.18

[13] TOUGUINHÓ, Oldemário. “América: o estranho medo da vitória”. Jornal do Brasil: Rio de Janeiro, 11 de março de 1974,p.17.

[14] A.D.. “Clube deu aumento a Luisinho como prêmio”. Jornal do Brasil: Rio de Janeiro, 8 de setembro de 1974,p.39.

[15] O jogo contra o Madureira, realizado no dia 11 de setembro, terminou 1 a 0 para o América, com um gol do Luisinho Lemos aos 30 minutos do primeiro tempo. O Alvirrubro entrou em campo com: Rogério; Orlando, Alex, Geraldo e Álvaro; Ivo, Bráulio e Edu [Manuel]; Flecha, Luisinho e Gilson Nunes [Mauro].

[16] A.D.. “Danilo mostra diferença entre clube e seu time”. Jornal do Brasil: Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1974, p.24.

[17] A.D.. “O Flu só perdeu porque o juiz era humano. Certo?”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1974, p.12.

[18] A.D.. “Alex jogou na marra. Agora pode ficar de fora”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 24 de setembro de 1974, p.3.

[19] SILVA, Geraldo Romualdo da. “O príncipe Danilo [Final]: A difícil arte de jogar e escalar ao mesmo tempo sem chiar”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 28 de setembro de 1974, p.12.

[20] SILVA, Geraldo Romualdo da. “O príncipe Danilo [Final]: A difícil arte de jogar e escalar ao mesmo tempo sem chiar”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 28 de setembro de 1974, p.12.

[21] CAÇADOR, Otelo. “Danilo & ‘vida dura’…”. O Globo: Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1974, p.8.

[22] NISKIER, Arnaldo. “‘Técnico não é Deus’”. Manchete Esportiva: Rio de Janeiro, 2 de novembro de 1957, p.36.

[23] SILVA, Geraldo Romualdo da. “O príncipe Danilo [Final]: A difícil arte de jogar e escalar ao mesmo tempo sem chiar”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 28 de setembro de 1974, p.12.

[24] A.D.. “Grupo de conselheiros exige saída de Danilo”. O Globo: Rio de Janeiro, 30 de junho de 1976, p.30.

[25] QUADROS, Raul. “A solução é nascer de novo”. Placar/Ed.Abril: São Paulo, 13 de agosto de 1976, pp. 58-9.

[26] CAÇADOR, Otelo. “Danilo & ‘vida dura’…”. O Globo: Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1974, p.8.

[27] Reportagem sobre Danilo Alvim [Danilo foi príncipe só no campo] publicada pela Revista dos Esportes na década de 1970. S.D. e A.D..

[28] RANGEL, Sérgio. “Danilo Alvim: Craque da Copa de 50 morre de pneumonia no Rio”. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 17 de meio de 1996, p.30.

[29] ANDRADE, Aristélio. “O príncipe perfeito”. Placar/ Ed.Abril: São Paulo, 26 de janeiro de 1979, pp.30-3.

[30] RÊGO, José Lins do. “Cônegos e abutres do futebol”. Manchete Esportiva: Rio de Janeiro, 25 de abril de 1953, pp.101-3

[31] A.D.. “Para ser técnico é preciso ter sido bom jogador”. Revista do Esporte: Rio de Janeiro, 3 de novembro de 1962, pp. 24-5.

Saiba mais:

https://www.museudapelada.com/resenha/-danilo-100-anos-um-prncipe-patrimonio-histrico-da-bola-

https://www.museudapelada.com/resenha/-danilo-100-anos-ensaio-para-um-pico-do-futebol-brasileiro

https://www.museudapelada.com/resenha/-danilo-100-anos-so-januario-recebe-sua-alteza

DANILO, 100 ANOS: SÃO JANUÁRIO RECEBE SUA ALTEZA

por André Felipe de Lima

No gramado, o repórter Jaime Moreira Filho aproximou-se, com um BTP, da RCA, sem fio, para ouvir Danilo, que tivera uma crise de choro. Não conseguiu. Chorou, também.” — Teixeira Heizer, jornalista, em depoimento do livro O jogo bruto das Copas do Mundo, de sua autoria


Campeão Sul-americano 1948 (Acervo Mário Américo)

Em 1945, Zizinho e Danilo Alvim estavam juntos na seleção brasileira que disputaria o campeonato sul-americano. Danilo, porém, na reserva de Rui Campos. Só entrou contra os chilenos quando a possibilidade de título já havia ido para o brejo. O rapaz regressou ao Brasil na esperança de o clube da rua Campos Sales sacudir o elenco e brigar palmo a palmo pelo título estadual. Mas nada disso aconteceu. No final do ano, o treinador uruguaio Ondino Vieira apareceu na sede do América para contratá-lo. Os cartolas americanos botaram a plaquinha de venda: o passe do Danilo valia 300 contos, quantia que dava para comprar casa, carro e até garagem, regozijava-se Danilo. Domingos da Guia estava no Corinthians[1] e tentava a todo custo convencer os cartolas a levar Danilo para o clube paulista. O Botafogo idem, também queira Danilo, e para tê-lo em General Severiano oferecera 90 mil cruzeiros mais o passe de dois jogadores. Os argentinos Papetti e Spinelli estavam na jogada. Danilo gostou da ideia de ir para o Botafogo, os cartolas do América ficaram de pensar na oferta alvinegra. Mas — após um pagamento de 250 mil cruzeiros — sua nova casa seria o Clube de Regatas Vasco da Gama, então campeão estadual de 1945, e invicto! Mas Danilo não era, formalmente, daquele time campeão. Na posição dele figurava como titular o uruguaio Berascochea, o “Bera”, simplesmente. Mas os cartolas estavam eufóricos com a chegada do jovem craque egresso do Américo. Colocaram-no até mesmo na fila para a entrega das faixas de campeão. “Eles estavam na deles, eu estava na minha, e a hora era de soltar foguetes. Aí, não me acanhei: entrei de cabeça. Que fazer? Já estava na fila, recebi [a faixa de campeão]. O pior foi que apanhei justamente a faixa de um titular que não faltara a um único jogo, o pobre Berascochea. Berascochea era um crioulo [sic] fosco, meio índio, meio negrão, cabelo e traços de branco, boa gente, boa pinta, bom apoiador. Quando Bera percebeu que eu estava armando o bote para levar comigo a faixa dele, pulou na frente e gritou não. ‘Pega outra, compadre, que esta é minha!’. Não dava mais para recuar. Meti a faixa dele no meu corpo e toquei pra frente. Assim, escamoteando uma faixa de campeão que não me pertencia, comecei a percorrer a minha longa e frutificante carreira de oito anos no Vasco da Gama.”[2]

A estreia formal de Danilo no Vasco aconteceu no dia 5 de junho de 1946, em um jogo amistoso com o América para levantar fundos que pudessem ajudar ao Vasco a pagar pelo passe do jovem talento. Na época, especulava-se na imprensa que o centromédio Dino, que também brilhara como médio esquerdo, sobretudo no Corinthians, onde formou a célebre linha média “Jango, Brandão e Dino”, teve o passe emprestado ao alvirrubro para facilitar a ida de Danilo para o Vasco. O jogo, realizado em São Januário, terminou 4 a 0 para os americanos, com Dino já vestindo vermelho. Mas a forra viria no dia 12 daquele mesmo mês, e novamente em uma partida amistosa em São Januário. No placar, 5 a 2 para os vascaínos. Com estes dois jogos, o Vasco conseguiu, presume-se, juntar a quantia necessária que atendesse aos anseios dos cartolas do América. Deveria haver um terceiro jogo entre os dois times, mas ele não foi realizado.


Acervo Vasco

Sobre a estreia de Danilo no Vasco, o Museu da Pelada conversou com o escritor e jornalista João Máximo, o biógrafo de Danilo, que narrou a história do craque no livro Gigantes do futebol brasileiro, cuja primeira edição foi lançada em novembro de 1965:

“Na ocasião em que eu o entrevistei para o livro, ele era técnico do São Cristóvão. Eu fui ao campo do São Cristóvão, e entrevistei ele depois de um treino. Foi muito legal, até. Agora, deixe eu te falar uma coisa interessante em relação à minha vida. A primeira partida de futebol que eu assisti na minha vida, o Danilo foi um dos personagens principais dessa partida. Foi um Vasco e América, amistoso, em 1946, eu tinha meus 10 anos de idade. Tive a sorte de ter um tio que me levava para todos os jogos de futebol. Na época não era o Maracanã, você tinha que ter um adulto para levar uma criança a um estádio de futebol. Era tudo muito apertado, muito sem conforto. E esse meu tio era torcedor do América. Ele foi lá, todo feliz da vida — para ver como as coisas foram enganosas para ele como torcedor e para muitos torcedores na época —, porque o América, naquele amistoso, trocava o Danilo pelo Dino, que, como se dizia, era um centromédio, center-half do Vasco. Então, o Dino foi para o América e o Danilo foi para o Vasco. Nessa troca, pelo o que eu vi ali, eu entendia muito pouco das coisas, mas sabia qual era o objetivo desse jogo, porque meu tio me falou, as pessoas achavam que o América tinha feito um grande negócio, porque o Danilo tinha quebrado a perna. Ele era um garoto, que jogava pelo América e era torcedor do América, e fraturou uma perna após ser atropelado na Praça da Bandeira. Ele ficou com uma perna mais curta que a outra, mas que a gente não notava bem vendo ele jogar. E houve essa troca. Só que quem ganhou, na verdade, embora o Dino fosse um bom jogador, foi o Vasco. Ele continuou jogando no América, mas some com o que o Danilo vai fazer no Vasco. O Danilo marcou muito a minha vida, embora eu seja torcedor do Fluminense, e cresci com admiração pelo time do Vasco, numa época em que comecei a acompanhar, ainda muito menino, o futebol.”


Os valores que envolviam a ida de Danilo para o Vasco eram altos para a época: 90 contos de réis de luvas e 2 contos por mês ao atleta. O América levou 400 contos mais a bilheteria daqueles dois jogos contra o Vasco. Investimento que valeu a pena porque deslocaram Ely do Amparo para a lateral-direita e Danilo manteve-se como centromédio [volante] e, posteriormente, grande líder da meia cancha vascaína até 1953. Teve, contudo, de cumprir espinhosa missão no início: ocupar a lacuna deixada por Fausto, a “Maravilha Negra”, centromédio ídolo da torcida nos anos de 1920 e 30. Danilo não decepcionou. Disputou pouco mais de 300 jogos com a camisa vascaína. Seus passes milimétricamente precisos alimentavam um ataque onde sobravam craques. Na primeira leva, Danilo jogou com Isaías, Jair Rosa Pinto e Lelé. Na segunda, com Tesourinha, Ademir de Menezes, Ipojucan, Maneca, Dimas, Chico e Friaça. Um Vasco impiedoso com os adversários, entre os quais o badalado River Plate de Di Stéfano, Labruna e Lostau. A turma da fuzarca não tomou conhecimento dos argentinos e fez do Vasco o primeiro clube campeão sul-americano, em 1948, em Santiago do Chile. Um ano depois da estupenda campanha, Danilo e o Vasco enfrentaram o Arsenal e impuseram aos ingleses a primeira derrota por estas paragens.

Show de bola no gramado e no altar, mas escondido. Contrariando os pais, Danilo casou-se com a ex-bailarina de cabaré Zelinda Tojal, exatamente dez anos mais velha que ele, que incorporou “Alvim” ao sobrenome. O casório na encolha — sacramentado pelo juiz Luciano Álvares Ferreira da Silva — e a lua de mel foram em Vassouras, em junho de 1948. Dias de sumiço que preocuparam a família de Danilo. Até a polícia foi acionada para tentar localizá-lo após queixa do pai ao delegado, pedindo garantias de vida para o filho. Quando o craque reapareceu, já usava no dedo anelar da mão esquerda uma reluzente aliança de ouro. Alcídio e Edite tiveram de aceitar Zelinda como novo membro dos Alvim. Mas muito a contragosto. O casamento estava marcado para o dia 25 de maio, mas Alcídio, na última hora, reteve Danilo em seu escritório. Com isso, o craque não compareceu à pretoria, deixando a noiva esperando-o. Danilo estava “dividido”, segundo reportagem de Jean Manzon[3]. Chegara a cogitar desfazer o casamento para atenuar a rusga com os pais. Mas foi o disfarce que encontrou para ludibriá-los e foi aí que escapou para o casamento às escondidas semanas depois.


Ficha no Vasco

O pai de Danilo abominava a ideia de ver o filho casado com Zelinda. No começo, tentou anular o casamento. Foram tumultos os primeiros momentos de casado do Danilo. “Meu filho, você não é um homem, é um covarde!”, chegou a ouvir do próprio pai impropérios como esse. Ramiro Simões e Seltímio Gavio, amigos de Danilo, foram testemunhas do casamento. Mas para o pai do jogador os amigos do filho não passavam de raptores. Amigas de Zenilda foram à delegacia para desfazer a tese de Alcídio. Danilo casara por livre e espontânea vontade. Após o quiproquó diante dos policiais, Danilo e Zenilda procuraram uma igreja em Olaria. No altar, acenderam velas. Era o primeiro momento de paz do casal.

VASCO E SELEÇÃO; GLÓRIA E TRISTEZA

Danilo exibiu toda a elegância no trato da bola que lhe valeu a alcunha de “Príncipe Danilo”, que viraria até nome para o corte de cabelo que usava, verdadeira febre nas barbearias cariocas. O apelido partiu do locutor Oduvaldo Cozzi, que se encantara com o desempenho de Danilo no campeonato sul-americano de clubes, em 1948, no Chile, armando jogadas para a linha de ataque ou mesmo paralisando os avanços do River Plate, especialmente os que partiam do armador Nestor Rossi e do ponta-de-lança Di Stéfano. Cozzi se inspirara[4] na personagem Príncipe Danilo, da opereta Viúva Alegre, de Franz Lehar, que teve um roteiro adaptado para o cinema, em 1934, tendo o ator Maurice Chevalier como protagonista no papel não de um conde Danilo, mas sim de um “Príncipe Danilo”. Apenas dois repórteres acompanharam Cozzi, a quem coube a cobertura radiofônica da inesquecível e pioneira competição continental: Hélio Fernandes, então repórter da revista O Cruzeiro, e Ricardo Serran, na época editor de esportes de O Globo. “De fato fiquei devendo a existência de meu apelido de ‘Príncipe’ à bondade do amigo Cozzi.”[5]

Pelo clube de São Januário, Danilo foi também campeão estadual em 1947, 49, 50 e 52, comandando o meio de campo do “Expresso da Vitória”, como era chamado o time vascaíno. Mas a conquista mais emblemática foi mesmo aquele campeonato sul-americano de clubes de 1948, o primeiro do gênero no continente, considerado hoje o preâmbulo da Taça Libertadores da América implantada doze anos depois, em 1960. Para Danilo, o “Expresso” vascaíno foi incomparável e seu comandante, o técnico Flávio Costa, um gigante inigualável naquele torneio e em toda a trajetória daquela geração de craques do cruz-maltino:

“Foi um torneio tão importante que transformou nosso time em base da seleção brasileira. A vantagem de ser campeão, numa briga dessas, é que para botar a faixa tinha-se, também, que enfrentar autênticas seleções: a Argentina, representada pelo River Plate de Alfredo Di Stéfano e outros cobras famosos; o Uruguai puxado pelo Nacional; o Chile, pelo Colo-Colo; o Peru, pelo Alianza, de Lima, e o Equador, pelo Emelec, de menor potência, naturalmente, mas defendido por jogadores vibrantes e de fôlego inesgotável. Nessa época, posso garantir, sem nenhum ranço de saudosismo e despeito, que nada foi mais importante no grande futebol brasileiro desse tempo, nem capaz de produzir maior atração onde quer que aparecesse, inclusive no estrangeiro, do que esse time mitológico. Era time demais. Para o que desse e viesse. Apesar de imbatível e do apelido envolvente que ganhou, jamais perdeu a humildade, a consciência da força de que dispunha para triunfar. Sabia, ao mesmo tempo, ser modesto e agressivo, imponente e discreto, brilhante e pau puro. Pronto para dançar conforme a música. Mas sem rebolar. Flávio [Costa] não consentia. E quando Flávio dava bronca, as paredes tremiam de medo. Apesar de sábio e justo, Flávio não perdoava insensatez. Fosse de quem fosse. Aí endurecia. Somente ele mandava e desmandava nos jogadores. Tinha que ser assim. Se quisessem. Se não quisessem, ia embora, de cabeça erguida. Não faltava clube para trabalhar. Foi o melhor, sempre, e por muitos e muitos anos continuará sendo o melhor de todos que eu conheci […] a autoridade de Flávio Costa não se apoiava no poder de aconselhar, apenas aconselhar, mas impor sua vontade acima de conveniências e das intuições pessoais. O admirável dom de Flávio estava em detestar defeitos, e não pessoas […] como o homem não gostava de rebolado, ninguém rebolava.”[6]


Danilo (Revista Goal 1950)

O título internacional de 1948 foi, sem dúvida, o marco mais expressivo de Danilo com a camisa do Vasco, porém, foi em um jogo contra o Flamengo, em 1949, que Danilo talvez tenha feito seu melhor jogo pelo cruz-maltino. Para João Máximo, não há dúvida quanto a isso:

“Houve um jogo fundamental para o campeonato de 1949. Esse jogo foi um Vasco e Flamengo. Para o Vasco era questão só de manter a invencibilidade. E se o Flamengo perdesse aquela partida, ficava mais ou menos fora da luta pelo título, que ficou mais ou menos no final com o Vasco e o Fluminense, mas o Vasco bem na frente do Fluminense. Ary Barrozo, nosso grande compositor, mas também locutor esportivo, e um torcedor do Flamengo mais do que conhecido, foi visitar a concentração do Flamengo na véspera do jogo. Os jogadores estavam lá, jogando dominó, aqueles negócios todos que faziam na concentração. O Ary foi cumprimentando um a um. Ele tinha acesso à concentração do Flamengo na hora que quisesse pela importância que tinha como compositor e torcedor do Flamengo. Ary vai para o Jair Rosa Pinto e diz: ‘Olha, eu apostei uma grande nesse jogo’. Jair, com aquele jeito debochado, irônico, que ele tinha, de gozador, diz: ‘Mas você apostou em quem, Ary?’. O Ary Barrozo ficou uma fera com aquilo, porque, em quem ele apostaria? Era Vasco e Flamengo e, claro, ele apostaria no Flamengo. O Jair não tinha a menor confiança no Flamengo naquele dia. Por quê? Durante a semana o Flamengo fez um treinamento todo pensando no Danilo, que era o seguinte: o centroavante do Flamengo chamado Gringo cairia mais para a esquerda, quase como um meia-esquerda, atraindo o Danilo. No famoso jogo com o Vasco, conhecido como o ‘jogo da camisa do Jair’, o Togo Renan Soares, o Kanela, que também era treinador de basquete e tio do Jô Soares, fez uma tática — segundo o Jair me contou — que era de jogar o Gringo bem para o lado esquerdo para tirar o Danilo daquele meio onde ele ficava. O Danilo estava de olho no Zizinho, de quem era grande rival e amigo pessoal. Como o Gringo era um jogador que marcava gol, um centroavante esperto, o Kanela achou que o Gringo indo para o lado do Jair, o Danilo teria dois caras ali para tentar anular, tentar marcar, e isso, na cabeça do Kanela, ia abrir um buraco no meio para o Zizinho entrar. Nenhum deles acreditou que daria certo. O Danilo não caiu nessa conversa. Foi uma das melhores partidas dele, aliás, e o Vasco goleou de 5 a 2.”

A seleção brasileira também treinada por Flávio Costa foi outro capítulo especial na vida de Danilo, que disputou 27 jogos e marcou dois gols pelo escrete, e sempre treinado por Costa, que tinha no craque o seu homem de confiança em campo. Danilo despontou como peça essencial do meio-campo da seleção campeã sul-americana em 1949. Um indício indelével de que o Brasil caminhava célere rumo ao título mundial que seria disputado no ano seguinte. Danilo tinha todas as credenciais para isso. Era calmo, tinha a dose certa de malandragem — Danilo era um contumaz jogador de sinuca nas concentrações e fora delas — para acalmar ânimos mais exaltados. Jamais se compreendeu porque Flávio Costa não o escolheu para capitão e sim Augusto. Situação que o treinador levara do Vasco para o escrete.


Acervo da Família

Danilo e todos os que fizeram daquela seleção de 50 uma das melhores de todos os tempos viveram, porém, uma tragédia: o maracanazo do dia 16 de julho. Uma derrota de 2 a 1 para o Uruguai na final da Copa do Mundo, de virada, com o Brasil jogando pelo empate. Um Maracanã com 200 mil pessoas chorou copiosamente. Quantos não enfartaram com o ouvido colado ao rádio? Muitos. É de Danilo uma das mais marcantes imagens da dor que marcou o país naquela tarde, sendo consolado por repórteres. Assim, como tantos que estavam em campo, Danilo jamais se recuperaria da derrota, embora sempre negasse isso em entrevistas. Naquela Copa, só não permaneceu durante um jogo inteiro contra a Suíça, partida realizada no Pacaembu. Flávio Costa decidira acalmar os ânimos dos paulistas exaltados por Cláudio, craque corintiano, ter sido preterido da lista de convocados. Nem mesmo Baltazar, que por sua vez era reserva de Ademir, servia de consolo aos corintianos. Queriam Cláudio, que para Danilo era o craque da época. Então Costa escalou Rui Campos, que formava a linha média do São Paulo com Bauer e Noronha, no lugar do “Príncipe”, que fez um comentário conciso, porém preciso, sobre a euforia que embalou a delegação brasileira e os equívocos que destruíram o sonho de um título conquistado dentro de casa: “O maior erro de 50 foi a transferência da concentração para o estádio do Vasco, em São Januário. Estávamos tranquilos na Barra da Tijuca, então um lugar de difícil acesso para o público. De repente os cartolas mudaram tudo, e no campo do Vasco foi aquele inferno. A época era de campanha eleitoral, e não pararam as fotos, as entrevistas, as reuniões com figurões que disputavam cargos […] Na manhã do jogo com o Uruguai a coisa piorou: todo mundo era campeão do mundo, amigo e protetor de jogador A ou B. E tome de fotografia, de discurso, de um movimento digno de feira-livre. Nós, a mercadoria, estávamos apodrecendo e não sabíamos […] Eu já disse que a gente devia colocar uma pedra sobre tudo isso. Mas é preciso falar, transmitir a lição. A questão dos erros técnicos, por exemplo. É claro que Flávio Costa não foi o culpado direto, mas ele teve pecados, como a dispensa de Cláudio, do Corinthians. Depois de Tesourinha. Cláudio era o melhor da época. Aí Tesourinha se machucou e nós ficamos com o Maneca na ponta. Maneca era craque, mas não era ponta. E sua índole não se coadunava com o espírito de uma decisão como Brasil e Uruguai. Na reta final sentiu dores nas pernas. Aí entrou o Friaça […] E o Cláudio acompanhando a Copa como um torcedor qualquer.”[7]


(O Cruzeiro 1948)

A jogatina no banheiro da concentração era o único “lazer” dos jogadores, e isso com a conivência do próprio Flávio Costa. Afinal, estavam todos sufocados por políticos, jornalistas e celebridades apinhados dia a dia na concentração impedindo os craques até de comerem sossegados. Isso tudo teria contribuído para a que a seleção caísse na final. Mas Danilo sempre afirmou o contrário. Nada daquilo prejudicou a seleção. Nem mesmo a história de que no caminho para o estádio o ônibus enguiçou e todos teriam descido para empurrá-lo. “Não é verdade”. Quando o jogo contra os uruguaios acabou, o choro copioso de Danilo era um misto de vergonha e tristeza. Ele estava errado. As horas intermináveis de carteado e o assédio impertinente dos políticos influenciaram na alma dos jogadores. Do Maracanã, junto com a delegação, seguiram para a concentração, em São Januário. Chegaram sob vaias de parte da multidão. Dali, Danilo foi para casa, na Praça João Pessoa, num edifício de esquina, na Lapa, Centro do Rio. Uns vizinhos o vaiavam, outros o apoiavam. Não conseguiu permanecer muito em casa, e na segunda-feira arrumou as malas e refugiou-se no interior. “Quando consegui chegar em casa, foi um problema descer do carro. Quando saltei, parecia que tinha chegado o presidente da República. Vaias. Era eu. Tive que sair do Rio. Fui para Miguel Pereira.”[8]

Para o “Príncipe”, a pouca experiência em decisões foi outro fator que pesou. Ao contrário, os uruguaios — defendia-se sempre Danilo — eram mais cascudos, mais traquejados em finais. “No dia do jogo, já no vestiário, sentindo que deveria advertir o técnico, corri para Flávio e falei: ‘Professor, precisamos tomar cuidado. O pessoal anda meio contagiado com facilidades criadas pela imaginação da imprensa e da torcida, Tenho medo de nos estreparmos.”[9]


(Esporte Ilustrado 1950)

O jornalista João Máximo narrou ao Museu da Pelada o que ouvira de um comentarista já falecido e de quem era amigo que Danilo não deveria ter sido titular na Copa de 50. “E esse comentarista achou que o Ruy deveria ser o titular na Copa do Mundo porque o Danilo era “lento”. Ora, o futebol, na época, era mais lento. O Danilo tinha um jogo compassado. Lembra o do Carlinhos, do Flamengo. Tinha seu próprio estilo, naturalmente, muito bom jogador também, mas acontece que ele lembrava um pouco o Danilo, com aquele jogo de muita elegância e de precisão no passe. O Danilo foi um cracaço. Lembrando esse amigo comentarista, se houve algum erro que o Flávio Costa cometeu na Copa de 50, e é possível até que tenha cometido, esse ‘erro’ não foi barrar o Danilo. Na cabeça dele jamais passaria a ideia de barrar o Danilo.”

O Príncipe garantiu ao repórter Geraldo Romualdo da Silva que Flávio Costa ouviu atentamente o alerta e que exigiu dos jogadores sacrifício extremo em campo. Nada de firula: “No fim, foi o eu se viu. Nada adiantou. Nem havia de adiantar. Estava marcado. Foi um equívoco universal… deplorável.”[10]

O amargurado jogador deixou o gramado sob um choro intenso, que perdurou no vestiário, do estádio à concentração e da concentração a sua casa, um pequeno apartamento na Praça João Pessoa, encravada no centro da cidade do Rio de Janeiro. Chorava sem parar. Ficou dois dias trancado em sua residência. Sentia-se culpado pela derrota. Tinha a sensação de que o olhavam com raiva na rua. Mas Danilo tinha de recomeçar. O Brasil e o seu futebol tinham também de recomeçar. Um mês após a derrota para os uruguaios, o craque voltava ao Maracanã para disputar um clássico do Vasco com o Botafogo. “Aí é que eu sofri mesmo. Quando saí do túnel, olhei o campo, as arquibancadas, palavra de honra que me arrepiei todo. Ninguém viu e eu estou contando isso pela primeira vez, mas naquela hora eu chorei de novo. Um companheiro, não me lembro quem, aproximou-se e perguntou se eu tinha alguma coisa. Continuei passando a gola da camisa nos olhos e respondi que era só um cisco no olho.”[11]


Danilo Alvim sendo consolado

Danilo estava mal em campo. Era como se só visse pela frente jogadores vestidos de azul celeste e não de preto e branco do Botafogo. Mas reagiria no momento em que um adversário, cujo nome jamais revelara, virou-se para ele e disse: “Vocês entregaram a Copa e ainda querem cantar de galo?”

“Juro que suei frio. Aquilo era demais. Depois fui me acostumando, de tanto ouvir gracejos. Há tanta gente inconsequente e má no mundo que o homem acaba endurecendo, quase virando pedra. Mal sabem que uma desgraça daquelas é capaz de arrasar uma pessoa para o resto da vida. Se a gente vencesse, eu e o resto daquela geração de jogadores estaríamos em outra situação, inclusive financeiramente. Más nós perdemos, e tivemos de recomeçar a vida como verdadeiros principiantes. Caímos do penúltimo degrau, e ninguém apareceu para amparar nossa queda. O destino é cruel. Por que eu não fui campeão do mundo?”[12]

Vinte anos após aquele dia fatídico, Danilo comparou a seleção de 50 com a campeã de 58. Ao repórter Márcio Guedes[13], ele narrou o seguinte: “Você vê. Tanto na seleção de 58 como na de 50, havia uns quatro ou cinco craques e o resto constituído de jogadores de um nível técnico razoável. Creio que o amadurecimento do jogador brasileiro, a experiência anterior de nomes como Didi e Nilton Santos, a liderança de um Zito e o aparecimento de revelações como Pelé e Garrincha foram as razões simples do sucesso de 58, assim como a falta de personalidade, de ímpeto na decisão, as causas do fracasso de 50.”


(O Globo Sportivo)

Ainda abatido pela decepção de 1950, Danilo obteve outros títulos com o Vasco, mas não era a mesma coisa. Não era mais o garoto prodígio dos tempos de América e também lhe faltava fôlego. Reconhecia esse estágio físico, mas acreditava que permaneceria no Vasco ou até mesmo encerrasse a carreira no clube. “Acreditei demais nos homens do Vasco e eles falharam incrivelmente comigo. Eu podia esperar tudo do Vasco; menos que o Vasco fizesse o que fez comigo; menos me deixar de mãos abanando, sem emprego, e o que é pior, sem recursos, sem meios para me empregar. Pedi meu ‘passe’ e não quiseram de dar. Reiterei, formulei apelos constantes, disseram que me responderiam depois. Os dias ia passando. As dificuldades aumentando. Até que o campeonato chegou e não houve mais jeito. Fiquei desesperado, mas resignei-me. Supunha que os diretores voltassem atrás. Uma prova é que não recorri a ninguém, não disse uma palavra de mágoa a quem quer que seja. Sofri em silêncio, calado, sem perceber que estava sendo ludibriado. Sempre supus que o Vasco não me largasse na rua. Sempre pensei que o Vasco também me ajudaria, como ajudou a outros, que o defenderam com carinho e sacrifício. Comigo, entretanto, o Vasco procedeu diferente.”[14]


Com Zelinda e Carlos (Manchete Esportiva, 1950)

Danilo estava profundamente magoado com o Vasco. Dizia que merecia ter recebido o mesmo tratamento dado a jogadores como o lateral-esquerdo Jorge e o ponta-direita Friaça, que receberam o passe livre. Danilo pedia o mesmo, não recebia. Com o impasse, a as regras da federação carioca de futebol o impediam de jogar pelo Vasco ou mesmo outro clube. Seu pai, que era advogado, acompanhava-o frequentemente à sede da federação para tentar liberá-lo do Vasco. Havia clubes interessados. Dentre eles, o Botafogo. Danilo alegava ter defendido o clube por nove anos e que por conta disso mereceria um tratamento mais generoso. Alegava não ter disputado apenas cinco jogos. Ficou fora de três jogos seguidos devido a uma suspensão e os outros dois por contusão e por uma substituição de última hora do treinador. A glória, a fama, os elogios e os sucessivos retratos em jornais e revistas de nada valiam quando os cartolas do clube decidem que o ídolo, o craque, está em fim de carreira. Danilo queixava-se que jamais assinara um contrato vantajoso com o cruz-maltino. O primeiro contrato durou de 1946 a 1948 e rendeu ao jogador 90 mil cruzeiros da época; o segundo, de 1948 a 1950, 120 mil cruzeiros e o terceiro e derradeiro, de 1950 a 1952, 200 mil cruzeiros, com os quais, confessara Danilo, conseguiu comprar sua primeira casa, alguns terrenos — em Niterói, Miguel Pereira e Nova Iguaçu — e um carro. Além de todo esse dinheiro ao longo da carreira no Vasco, Danilo recebia “bichos” por vitórias e salários fixos mensais, que giravam entre dois mil e quatro mil cruzeiros. No dia 26 de setembro de 1954, o Vasco liberava Danilo em definitivo. Era o fim do glorioso ciclo em São Januário.

***

Na quarta reportagem da série DANILO, 100 ANOS, o fim da carreira de jogador e começo auspicioso da trajetória como treinador, inclusive com um inédito título de campeão sul-americano com os bolivianos, maior façanha da Seleção da Bolívia no futebol até hoje.

 

 

[1] A.D.. “Com um pé no Vasco e outro no América”. O Globo Sportivo: Rio de Janeiro, 3 de maio de 1945, p.15.

[2] SILVA, Geraldo Romualdo da. “O príncipe Danilo [I]: Jogou futebol-arte, agora ensina futebol total”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 25 de setembro de 1974, p.12.

[3] MANZON, Jean. “O rapto do campeão”. O Cruzeiro: Rio de Janeiro, 26 de junho de 1948, pp. 28-33 e 90.

[4] ANDRADE, Aristélio. “O príncipe perfeito”. Placar/ Ed.Abril: São Paulo, 26 de janeiro de 1979, pp.30-3.

[5] SILVA, Geraldo Romualdo da. “O príncipe Danilo [III]: Também está de acordo com Cruyff: — Derrota não se chora”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 27 de setembro de 1974, p.12.

[6] SILVA, Geraldo Romualdo da. “O príncipe Danilo [II]: Com Flávio, beque tinha que dar chutão. Ninguém rebolava”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 26 de setembro de 1974, p.12.

[7] A.D.. “Lições do passado”. In “O drama do príncipe de 50”. Placar/Ed.Abril: São Paulo,  26 de novembro de 1971, pp.26-7.

[8] MORAES NETO, Geneton. Dossiê 50. Ed.Objetiva, Rio, 2000, pp. 83-4.

[9] SILVA, Geraldo Romualdo da. “O príncipe Danilo [III]: Também está de acordo com Cruyff: — Derrota não se chora”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 27 de setembro de 1974, p.12.

[10] Idem.

[11] A.D.. “O drama do príncipe de 50”. Placar/Ed.Abril: São Paulo, 26 de novembro de 1971, pp.26-7.

[12] Idem.

[13] GUEDES, Márcio. “A Copa só se ganha com catimba”. Correio da Manhã: Rio de Janeiro, 3 de janeiro de 1970, p.8.

[14] A.D.. “‘O Vasco me faltou na hora mais difícil’”. O Globo: Rio de Janeiro, 28 de setembro de 1954, p.12.

Saiba mais:

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DANILO, 100 ANOS: ENSAIO PARA UM ÉPICO DO FUTEBOL BRASILEIRO

“A classe e a habilidade de Danilo no trato com a bola eram algo de anormal. Eu me lembro muito dele quando vejo jogo em campo pesado. Era na lama, no gramado escorregadio, que ele mais demonstrava seu talento. Era o dono do jogo alto. No campo pesado, o adversário o respeitava mais ainda, pois tinha medo de ser desmoralizado por aqueles dribles e cortes que o homem criava não sei como.” — Ademir Marques de Menezes, o Queixada, maior ídolo da história do Vasco, em depoimento à revista Placar[i], em novembro de 1971.

[i] A.D.. “O drama do príncipe de 50”. Placar/Ed.Abril: São Paulo, 26 de novembro de 1971, pp.26-7.

por André Felipe de Lima


América (Sport Illustrado)

Setembro de 1940. Em um dia daquele longínquo ano, o repórter saiu da redação para cumprir mais uma pauta corriqueira de sua jornada diária cobrindo o futebol carioca. Teria de ir à Tijuca entrevistar um rapaz de 19 anos que diziam jogar muita bola, um jovem que, e isso também comentaram com ele na redação, sempre desejou ser jogador profissional de futebol desde as peladas disputadas nos asfaltos das ruas do Rocha, bairro em que nascera, e depois nos da própria Tijuca, onde foi morar com os pais nos primeiros momentos da adolescência. Não havia erro para o repórter, que lera o papel várias vezes para certificar-se de que a pauta era realmente mais uma do dia a dia do futebol na cidade. Clubes, cartolas, jogadores, torcedores, peladeiros, enfim, era um cotidiano com o qual se acostumara. Nada, mas nada mesmo o surpreenderia mais no futebol. Estava convicto disso. Nada soaria como novidade no futebol. Convencera-se de que tudo o que podia ter visto, realmente presenciara. Mas o resignado e não menos entediado repórter rumou a mais tijucana de todas as ruas da Tijuca: a Campos Sales. Chegando ao local e na hora combinados com o rapaz que entrevistaria, o periodista mirou-o, desconfiado, e questionou-se a si mesmo, em voz baixa para não constranger o menino: “Será que tudo o que ouvi dele é verdade? Não é possível? Vendo-o de perto parece tratar-se de um personagem de opereta do que uma figura de atleta”. O espanto do jornalista não era de um todo infundado. Estava diante de um garoto sem músculos, franzino demais, de caminhar vagaroso e de poucas palavras. Monossilabicamente tímido. Impossível que fosse a mesma pessoa da pauta determinada pelo editor. “Você gosta de futebol, menino?”, indagou o desconfiado repórter imaginando àquela altura tratar-se de uma pauta perdida ou mesmo de uma brincadeira de mau gosto do colega editor. “Sim, gosto”, respondeu a figura acanhada como se soletrasse cada palavra. Surgindo como se fosse um anjo da guarda, ou algo do gênero, um camarada interveio em defesa do retraído garoto. Interrompeu a entrevista sem a menor parcimônia ou pudor. Poderíamos compará-lo a um senador romano no parlatório da Cidade Eterna e naqueles dias de oratória afiada contra os que desafiassem os direitos dos plebeus. Sem temor, o “advogado do rapaz emendou: “Mas será craque e viverá muito!”. O convicto em questão não estava definitivamente incorporado por uma entidade da Roma Antiga ou algo que o valha. Estava em sua plena e sã consciência dos que enxergam o futuro como se dele fosse o irmão mais velho. Um conselheiro. Um oráculo de carne e osso. O cidadão uruguaio Ricardo Diez era, sem dúvida, pródigo em vaticínios. O cético repórter acreditava nele e não acreditava em Deus. Conversara outras vezes com Diez. Ele e outros jornalistas também. Fonte com novidades no futebol como ele eram poucas. Diez falava das coisas da bola, mas, em especial, dos bons fatos do América, e um deles era aquele menino sereno, porém magrelo, que conhecera semanas antes daquela entrevista. Ao olhá-lo pela primeira vez com uma bola nos pés estava certo de que naquele instante mágico a realeza personificara-se no tranquilo garoto, regido por uma calma e técnica que o determinariam, sim, o craque que se avizinhava, o craque do profético Diez, que sob uma leitura subjetiva, quase ontologicamente filosófica, tentou convencer o incrédulo repórter do que verdadeiramente significava aquele introspectivo garoto para o futuro do futebol brasileiro: “O dinamismo é uma personalidade; a calma é uma virtude inquebrantável. Um footballer pode perder o dinamismo pelo desespero, mas o jogador sereno jamais. A serenidade só admite uma expansão: é a reação para o absolutismo, para o desdobramento de suas forças. Consegue-as quando deseja. Eis aí porque acredito nele, porque vejo nele a pinta do craque, porque não o troco por ninguém.”[1]


Canto do Rio. Botinha e Alcebíades (Sport Illustrado)

Danilo Faria Alvim. Assim foi batizado aquele garoto aparentemente macambúzio, mas de uma eloquência futebolística fora de série e nunca contrito. Um clássico por natureza, como o descreveu Diez. Clássico para encantar um deus grego ou inspirar um Mozart, um Liszt para que compusessem a ópera das óperas. Danilo ensaiava os primeiros passos para se tornar uma celebridade da bola. Dizia naqueles primeiros momentos de fama que nunca trocaria o clube que o revelara, o América, e que por ele seria um dia campeão, exatamente como foi Oswaldinho, ídolo do clube, duas décadas antes. Para Oswaldinho, que era carinhosamente chamado de “Príncipe” por torcedores e jornalistas, Danilo era indiscutivelmente seu herdeiro. “Parece-se comigo. É o único que joga como eu costumava jogar”. Mas era pilhéria de Oswaldinho. Não havia dúvida de que o rapaz diante dele, do repórter e de Diez estava um grau acima, muito acima, por sinal, de qualquer outro craque de sua época. “Eu estava brincando. Imaginem vocês se eu tivesse começado assim! Naturalmente que teria sido um craque”. Oswaldinho disse aquilo sob uma devastadora humildade. Foi ele craque também, obviamente, mas tanto ele quanto Diez sabiam que diante de ambos estava um menino que entraria para a história do futebol brasileiro, com direito a bola, cetro e coroa de ouro, indefectíveis apetrechos dignos de um… príncipe!

QUANDO O DESTINO ENGANA A MORTE

A história de Danilo Alvim encontrava-se entre dois “principados” do futebol carioca. O de Oswaldinho, ídolo do América, na década de 1920, e o do propalado por Nelson Rodrigues em torno de Didi, o “Príncipe Etíope de rancho” rodrigueano. Três “príncipes” da pelota. Quanto ao Danilo, ele foi indiscutivelmente o melhor centromédio [hoje volante] do futebol brasileiro dos anos de 1940 e 50. Para compreender com mais exatidão quem foi este exímio jogador, ele representou para sua época o mesmo que Zito e Falcão significaram para os anos de 1960 e 70, respectivamente. Embora, ressalta-se, o estilo de Falcão é o que mais lembrou a desenvoltura do magro e alto Danilo, um craque que só jogava com a cabeça erguida e matava a bola na coxa ou no peito, fosse a mesma oriunda de um petardo. Com Danilo, ela se acalmava.

É deste assombro de jogador a singular história — com certeza uma das mais impressionantes — de “volta por cima” e amor ao futebol.

Nascido[2] e criado na rua Conde de Porto Alegre, número 64, no Rocha, bairro da zona norte carioca, no dia 3 de dezembro de 1920, bem perto da estação de trem da Central do Brasil, Danilo cresceu torcendo pelo América, paixão da qual nunca se desfez, e jogando muitas peladas pelas ruas próximas de casa. Seu primeiro clube foi o Ana Néri, também no Rocha. Teve uma infância feliz, que se tornou ainda mais alegre quando o pai Alcídio Alvim contou a ele que toda a família se mudaria para um apartamento alugado na esquina da rua Campos Sales com a praça Afonso Pena, quase enfrente ao campo tijucano do América. O sonho de garoto começava a se tornar realidade, para isso bastava atravessar a rua, e foi o que passou a fazer diariamente, mas, em 1940, deparou-se com o [quase] fim do sonho de um dia tornar-se um dos melhores jogadores do Brasil, como profetizara o técnico Ricardo Diez. Um atropelamento quebrou-lhe as duas pernas, somando 39 fraturas e a tíbia exposta na direita. O motorista que o atropelou acelerou o carro e fugiu. Quando o acidente aconteceu, Danilo já era um senhor jogador. O “Olívia Palito”[3], como os amigos o chamavam por causa da silhueta. Magro vara-pau, mas craque dos bons. Na época, o América estava sob o comando de Diez e Danilo transitava entre o time de aspirantes e o profissional. “O América está fazendo o maior center-half do Brasil”. Diez inflava o peito com indisfarçável orgulho para falar do jovem talento[4].


Kim e Amaro (Sport Illustrado)

O acidente foi assim: o jovem meio-campista, que ambicionava ser centroavante, voltava da comemoração com amigos na zona boêmia da Lapa, no Rio. Festejavam o convite que Danilo recebera de Flávio Costa para integrar-se à seleção carioca[5]. O fato é que, na Praça da Bandeira, bem em frente ao Corpo de Bombeiros, Danilo tentou pegar um bonde em movimento e foi atingido por um automóvel. Na verdade, foi tanta dor que ele nem se lembrava da pancada que levara. “Desci do ônibus e fui correndo para pegar o Malvino Reis [um bonde que passava na porta do América], quando senti a pancada e a vista escureceu. Ao dar por mim, vi a perna partida, virada para trás. Mas enquanto me curava aproveitei para por a cuca no lugar. No fim, até que a fratura me fez um bem danado.”[6]

Quando acordou[7] após o violento baque, Danilo estava cercado de um sem número de curiosos e preocupados. A maioria, como sempre, curiosos. Não sentia dor, apenas dormência nas pernas. Desmaiou novamente e quando acordou já estava no hospital, ouvindo a conversa velada dos médicos de que, provavelmente, nem andar poderia mais. Restou-lhe o choro calado. Contido, mas com esperança sutil.

Foram 18 meses com as duas pernas engessadas, muita reeducação muscular, o apoio das muletas e o carinho dos pais Alcídio e Edith Alvim, que sempre cercaram o filho de cuidados. As irmãs mais novas, Délia e Dalva [que se tornaria nadadora do América na mesma época], estavam sempre por perto. Nada faltou para que Danilo tivesse a garantia de que voltaria a andar e, inclusive, ao futebol. E voltou mesmo. Em 1940. Após uma recuperação espantosa para os parâmetros médicos da época. Na rua Campos Sales, no campo do seu América, retomou o contato com a bola. No início, tímidas embaixadas, um chute ali outro lá. Precisava, contudo, correr. Arriscou um pique e percebeu que a perna direita não dobrava como antes.

O médico do clube querendo saber de Danilo se tudo estava bem. Danilo respondendo que sim. Mas ele sabia que não. E sempre escondeu o problema. Não queria deixar o América, time do coração dele e do pai. Esforçava-se, portanto, para evitar que se desfizessem dele. Não corria tanto, mas aprimorou o estilo. Mais paradão, mais técnico. Cerebral. Exatamente como o Brasil o conheceu e, sobretudo, reverenciou. Mais se parecia com um príncipe. Talvez fosse mesmo, em vida pregressa, em encarnação anterior, quem sabe.

TIMIDEZ QUASE PAROU O JOVEM ‘PRÍNCIPE’


Antes do acidente (O Globo Sportivo 1940)

Quando garoto Danilo jogava bola [feita de meia] com a molecada num terreno baldio ao lado da estação de trem do Rocha. Estudava no Ginásio Vinte e Oito de Setembro [onde hoje há um centro politécnico do Senac], na avenida 24 de maio, número 543, para onde levava livros, lápis e, claro, a inseparável bolinha de meia. Com 15 anos, trocou a improvisada pelota por uma de couro e também calçou chuteiras para jogar no antigo campo do Garnier. Acreditava piamente ser um centroavante “fora de série”[8]. E ai de Sebinho, ex-técnico do São Cristóvão e dirigindo o Garnier, discordar do garoto. Mas ele não discordou. Constatou que o magrinho e longilíneo Danilo, com dribles desconcertantes, daria mesmo para a coisa.

O pai de Danilo, corretor de imóveis, levou a família para a Tijuca, mais precisamente para um sobrado em cima de um bar na esquina da rua Campos Sales com a praça Afonso Pena. Danilo instigou-o a levar a família para bem perto do América. Defronte ao clube seria melhor. Alcídio fez a vontade do filho na esperança de vê-lo craque do Alvirrubro, mas nada de Danilo ingressar no América. Estava, segundo João Máximo[9], sem confiança. Afinal, o América foi campeão da categoria em 1938, com um elenco que dava de dez a zero no simulacro de time do Garnier. O pai de Danilo não estava satisfeito. Fez um grande sacrifício e tanto, mais pelo filho que pelo restante da família. E Danilo preferia, contudo, as peladas na rua a bater na porta do América.


Danilo, Biguá e Jayme

Mas a timidez de Danilo tinha de ter fim. Um amigo o convidou para jogar como centromédio do time de uma fábrica de calçados da rua Mariz e Barros. Só havia peladeiro como ele. Aceitou o convite meio contrariado. Achava-se “o centroavante”. De centromédio aparecia pouco ou quase nada. Danilo era tímido, mas vaidoso. Sabia que era bom de bola. Acima da média. Terminada a pelada, Armando Coelho Antunes, o “Coelhão”, técnico do América, abordou Danilo e o intimou a trocar o asfalto pelo gramado. Mas o garoto teimou. Batia a mesma tecla: “Sou centroavante e não quero jogar como médio”. Coelhão foi paciente e sempre que o via, alertava. “Me dou por satisfeito com você de center-half, garoto. Largue estas peladas”. O pai ajudava a convencê-lo, os amigos da rua, idem. Uma hora ou outra se daria por vencido.

Não demorou. No finzinho de 1939, Danilo já era titular do time juvenil do América. No ano seguinte, foi campeão do carioca de amadores. Mal começou 1941, assistindo a um treino da seleção carioca no campo do América, Danilo acabou sendo surpreendido com um convite de Flávio Costa para que descesse da arquibancada, calçasse as chuteiras e participasse do treino do escrete do Rio. Rui Campos, centromédio titular, machucou-se e o técnico havia colocado Zarzur em seu lugar. Para completar o time reserva, Costa aproveitou Danilo, que agradou e foi convocado pelo entusiasmado técnico.

Festa dos Alvim, mas não mais no sobrado da Campos Sales. Alcídio mudou-se com todos para Niterói. Apenas a mãe do futuro craque estava receosa. Afinal, futebol profissional tem lá suas mazelas. Entram para valer. E Danilo, aos olhos de dona Edite, era ainda um garoto magrinho, “indefeso”, “imaturo” para cumprir jornada tão ousada. De Campos Sales à Niterói era mesmo uma jornada e tanto. Ônibus até a Praça Quinze e depois a travessia de barca pela Baía de Guanabara.


Danilo (Sport Illustrado)

Foi na então capital fluminense que Danilo serviu ao Exército com outro craque de primeira grandeza que viria a ser seu grande amigo fora das quatro linhas: Zizinho, que já era considerado genial e também fazia parte do escrete de Flávio Costa. Como o treinador da seleção carioca queria a contraprova do futebol de Danilo, testou-o mais uma vez. Marcaria justamente o amigo Zizinho. Não se intimidou com o jogo sensacional de Ziza e saiu de campo para comemorar. Flávio Costa estava convencido de que Danilo também era um fora de série. Que geração aquela…

Costa fez, porém, uma ressalva: “Quero você mais tarde na concentração da seleção”. Danilo respondeu um “sim senhor” e foi para a farra na Lapa com os amigos. Já pensou, dividir o mesmo espaço com Tim, Domingos da Guia? Mas veio o acidente na Praça da Bandeira e acabou com o sonho do garoto Danilo.

Todo mundo o visitava no hospital Gaffrée Guinle, na rua Mariz e Barros, ali mesmo na Tijuca. No dia seguinte ao atropelamento, o próprio Flávio Costa foi consolá-lo junto ao leito. Dizia para que não desistisse, mas Danilo, que tanto custou para entrar no América devido à timidez e insegurança, convenceu-se de que era o fim. Ricardo Diez, que o viu brotar em Campos Sales, também o visitava e comentava com jornalistas que Danilo seria o “maior centromédio desta terra”. Mas nenhum estímulo, palavra amiga mudava sua desesperançada opinião. Implicava até com o sobrenome: “Ao ‘Faria’ eu renuncio: só serve para gozação, já que é, também, um verbo fantasiado de substantivo”, respondeu aos médicos, que ouviam a lamúria do Danilo e, num átimo respondiam aos parentes e amigos do jovem um diagnóstico desesperançado: “Se esse rapaz tornar a jogar é bem possível que estejamos diante de algum milagre”. Eles não estavam errados. Danilo quebrara as duas pernas, e em várias partes, ou seja, em 39 lugares. Foi o primeiro grande desafio de sua vida, como contou ao repórter Geraldo Romualdo da Silva[10], em uma série de reportagens biográficas, em 1974: “Aquele calor de esperança que me afagava, havia desaparecido. E não era para menos. Afinal, quem poderia adivinhar que jogador de perna quebrada em muitos lugares, numa época em que menisco costumava destruir carreiras fascinantes como a de Adolfo Milman, o grande Russo, do Fluminense, tivesse sorte e tutano para dobrar tanto azar?”


Acervo Pessoal

João Máximo[11] o biografou melhor que qualquer outro jornalista ou pesquisador e pinçou minúcias da luta de Danilo, do América e dos médicos para recuperar a saúde do jovem jogador: “O tratamento a que Danilo se submeteu, orientado pelo Dr. Caio do Amaral, compreendia, após a retirada do gesso, uma série de exercícios especiais, massagens e radioterapia. O América pôs todos os recursos do seu modesto Departamento Médico à disposição do centromédio que queria ver recuperado, talvez para jogar ao lado de Oscar e Laxixa no time titular. No princípio, seu Alcídio saía de casa com Danilo, todas as manhãs, e ia ao clube acompanhar de perto o tratamento. Depois, viu que nova mudança seria melhor para todos, e a família voltou para a Tijuca, desta vez indo morar na Travessa São Vicente, bem atrás do campo do América.”

Gentil Cardoso acabara de assumir o comando técnico do América no lugar de Ricardo Diez e precisava diminuir os gastos do clube. Danilo estava na lista de dispensas. No topo dela, assinala-se. Mas nada a ver com o fato de estar aquém do que poderia fazer antes do acidente, quando se achava um “grande” centroavante. Gentil não descobriu o “segredo” de Danilo. Sequer referiu-se à perna direita dele, o motivo do “segredo”. O caixa do clube estava vazio mesmo e a limpa no elenco era inevitável. Danilo tentara ingressar no Fluminense, mas corria um boato de que sofria do pulmão. O fato é que as portas do estádio das Laranjeiras foram fechadas para ele.


Acidente com Délia e Dalva (O Globo Sportivo)

Martim Silveira[12], ex-craque do Botafogo e capitão da seleção nas Copas de 34 e 38, treinava o Canto do Rio quando decidiu convidar Danilo para jogar pelo clube de Niterói. Já corria o ano de 1942. Final do ano, mais precisamente. O garoto estava deprimido, mas tentou a volta por cima. Aliás, Martim intercedeu junto a Gentil e aos cartolas do América para que o liberassem o quanto antes. Um ano de empréstimo estava de bom tamanho. Martim fez um trato com Danilo. Deu três meses para que recuperasse a boa forma que tanto impressionou torcedores, dirigentes e jogadores do América antes do trágico acidente da Praça da Bandeira. Não haveria contrato assinado, mas o rapaz receberia um salário de 300 mil réis. Caso se recuperasse, antecipara Martim a Danilo, a prioridade de registro na Federação de Futebol seria do Canto do Rio. Danilo, obviamente, topou. Na manhã seguinte atravessou a Baía de Guanabara rumo a Niterói, convicto de que venceria todos os obstáculos físicos e, talvez os mais difíceis de superar, os da alma. A paixão pelo futebol era tudo. Era onde podia se agarrar para vencer. “Era uma alucinação. No fundo, é isso aí, foi o toque que me conduziu ao ponto mais alto da minha felicidade”. O América até tentaria emperrar a ida de Danilo, em 1943. Tinha o passe dele. Desdenhara o garoto, que mal se livrara dos gessos e talas em ambas as pernas. Não venderam o passe de Danilo, mas o emprestaram ao Canto do Rio, que já não tinha mais como treinador Martim e sim Orlando Fantoni. “Emprestado pelo América, tive de enfrentá-lo. Me senti mal antes do jogo e pedi ao técnico, Fantoni, que era também centroavante, que não me escalasse. Mandou-me trocar de roupa e empurrou-me para dentro do campo [do estádio Caio Martins, em Niterói]. Fiquei 15 minutos sem ver a bola. No final, vencemos de 2 a 1.”[13]

Pelo Canto do Rio, Danilo não ganhava jogos do campeonato carioca de 1943 — a equipe de Niterói terminaria em penúltimo lugar na tabela —, mas se destacava no time. A mais pura verdade. Caso contrário, Flávio Costa não o chamaria novamente para compor uma linha média na seleção carioca com Ivã e o bastião rubro-negro Jaime de Almeida. Era, enfim, a tão desejada e não menos surpreendente volta por cima. Ao lado dos companheiros da linha média, de Zizinho, o amigo e compadre de Niterói, de Heleno de Freitas e de Ademir de Menezes, Danilo Alvim sagrou-se campeão brasileiro pelo Rio de Janeiro. O destino lhe reservava, porém, o retorno ao time da rua Campos Sales, levado pelo mesmo Gentil Cardoso, arrependido e, evidentemente, constrangido.


Acidente com Ricardo Diez (O Globo Sportivo 1941)

O América figurou mal na tabela do campeonato de 1944. No ano seguinte, outro papelão. Até conquistou um torneio início, mas era pouco. Muito pouco para a grandeza do América e também para Danilo, que já demonstrava impaciência. Chegou ao ponto de trocar pontapés com Zizinho, logo o Ziza, seu grande amigo, durante um clássico contra o Flamengo. O pai o repreendeu. Disse que futebol não era simplesmente jogo para macho. Era muito mais. Era para ser praticado por craque. E craque, todos sabem, tem de ser sábio, nunca um cabeça-de-bagre. Alcídio não admitia os dois amigos se engalfinhado nos gramados. Eram craques genuínos e muito amigos mesmo. Disputavam peladas juntos em Niterói quando Danilo serviu o Exército na cidade. Aproximaram-se naquele momento e não se desgrudaram mais. Tanto que, anos depois, tornar-se-iam compadres. Talvez, naquela metade da década de 1940, os dois estavam na seletíssima lista dos melhores do momento no futebol brasileiro. E como disse Ricardo Diez ao Danilo e ao repórter que o entrevistara quatro anos atrás, para ser craque era preciso calma, serenidade, leveza. Danilo nunca poderia se desfazer dessa qualidade. Ainda mais em um arranca-rabo com um amigo do peito como Zizinho.

Os dias de Danilo no América estavam contados. Quem muito lamentaria era um menino filho de um conselheiro do clube e ardoroso fã do centromédio. O nome do garoto ficaria imortalizado na história do futebol alguns anos depois, mas ninguém poderia imaginar isso naquele instante, nem mesmo o próprio menino Mário Jorge Lobo Zagallo, que desejava somente que o seu ídolo permanecesse em Campos Salles.

***

Na terceira reportagem da série DANILO, 100 ANOS, a chegada triunfal ao Vasco do jovem ex-craque do América e, após muitas conquistas e notoriedade, uma amarga despedida de São Januário.

 

[1] A.D.. “Danilo, a promessa real do football brasileiro”. O Globo Sportivo: Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1940, p.9.

[2] Nota do autor: como consta em sua ficha cadastral no Vasco da Gama. Porém Danilo, em várias entrevistas, sempre afirmara ter nascido em 1921.

[3] SILVA PINTO, José Luiz da. Campeão da magreza e da técnica. Reportagem publicada pela revista O Globo Sportivo, em 14 de julho de 1951, p. 15.

[4] SILVA, Geraldo Romualdo da. “Existe um crack perfeito? Danilo é um milagre da natureza”. O Globo Sportivo: Rio de Janeiro, 2 de janeiro de 1948, pp.8-9.

[5] CASTRO, Marcos de, e MÁXIMO, João. Gigantes do futebol brasileiro. Editora Lidador, Rio: 1965, p. 231.

[6] ANDRADE, Aristélio. “O príncipe perfeito”. Placar/ Ed.Abril: São Paulo, 26 de janeiro de 1979, pp.30-3.

[7] SILVA PINTO, José Luiz da. “Campeão da magreza e da técnica”. Reportagem publicada pela revista O Globo Sportivo, em 14 de julho de 1951, p. 15.

[8] CASTRO, Marcos de, e MÁXIMO, João. Gigantes do futebol brasileiro. Editora Lidador, Rio: 1965, p. 232.

[9] Idem, p. 233.

[10] SILVA, Geraldo Romualdo da. “O príncipe Danilo [I]: Jogou futebol-arte, agora ensina futebol total”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 25 de setembro de 1974, p.12.

[11] CASTRO, Marcos de, e MÁXIMO, João. Gigantes do futebol brasileiro. Editora Lidador, Rio: 1965, p. 237.

[12] SILVA PINTO, José Luiz da. “Campeão da magreza e da técnica”. Reportagem publicada pela revista O Globo Esportivo, em 14 de julho de 1951, p. 16.

[13] A.D.. “Dos cães aos craques, o paraíso do incrível”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 12 de outubro de 1986, p.46.

DANILO, 100 ANOS: UM PRÍNCIPE PATRIMÔNIO HISTÓRICO DA BOLA

por André Felipe de Lima


O Cruzeiro 1953

“Gênova, Itália. Meu amor. Este é o porto aonde vamos tomar o navio que me levará aos teus braços para tornar a te beijar muito e me fazer o homem mais feliz dos homens, minha vida. Dê muitos beijos no Beléto, que o papai está com muitas saudades. Para você, meu grande amor, um milhão de beijos nesta boquinha e neste corpinho todo, do teu marido, que te ama acima de tudo neste mundo. Danilo”. Um amor assim é indizível. Sente-se. Vive-se em cada linha escrita pelo casal, em cada beijo, carinho ou presentes que dão um ao outro. Danilo Faria Alvim e Zelinda Tojal Alvim viveram intensamente uma história de amor, mas também de superação. Depararam-se com a resistência dos pais de Danilo e com o preconceituoso deboche da imprensa quando decidiram se casar no final dos anos de 1940. A história de Danilo e Zelinda é exemplar. A de Danilo, particularmente, é memorável, gloriosa. Digna. No dia 3 de dezembro, ele completaria 100 anos. Ary Barrozoo descrevia da seguinte forma: “A técnica de Danilo lembra Chopin, manso, doce, inspirado.”

A trajetória do magistral jogador merece registro. Aliás, muitos e imprescindíveis registros de diversas fontes são necessários para contar quem foi essa inesquecível personagem do futebol brasileiro, um dos melhores jogadores em todos os tempos. Sua vida dentro e fora dos gramados pode ser resumida em uma única palavra, e sem pieguismo: amor. Amava o futebol. Amava o seu América, clube para o qual torceu a vida toda. Danilo amava o seu Vasco, com o qual se consagrou ao conquistar inúmeros títulos de campeão, principalmente o do primeiro campeonato sul-americano de clubes, em 1948. O “Príncipe”, como todos o chamavam, amava a seleção brasileira, que o permitiu tornar-se mundialmente conhecido, independentemente do maracanazo de 1950. Mas, acima de tudo ou qualquer fato, Danilo amava sua família. Amava Zelinda e Carlos Alberto, seus dois indissolúveis e mais genuínos amores.

“Ele falava muito da esposa, que ela era dançarina, que conheceu ela dançando. Era o amor da vida dele mesmo. Nas fotos dela, ele escrevia ‘Zelinda, eu te amo!’. Não cheguei a conhecer a Zelinda. Quando conheci ele e o Carlos Alberto, a esposa dele já tinha falecido”, diz Maria Conceição da Silveira, ex-esposa do Carlos Alberto Alvim, com quem casou-se e teve duas filhas, Mariane, 27 anos, e Carine, 21 anos. Quando Danilo morreu no dia 16 de maio de 1996, a neta Mariane era muito pequena. Carine sequer teve contato com o avô.

DESABAFO DO AMIGO DOMINGOS DA GUIA


Com Zelinda e Carlos (O Globo Sportivo)

A partir desta reportagem, o Museu da Pelada recuperará a grandiosa história de Danilo Alvim, um jogador memorável e inesquecível que conquistou mais que amigos por onde passou. Conquistou respeito e colheu admiração, além de muitos títulos de campeão, claro. Impossível haver alguém que não tenha gostado do Danilo. Esse carinho persistiu inclusive nos momentos derradeiros do grande craque e ídolo vividos na clínica de repouso Chalé da Vovó, bem embaixo do viaduto Paulo de Frontin, no Rio Comprido, zona central do Rio. Era lá onde recebia visitas de outros ídolos do Vasco. Ademir de Menezes foi um deles. Danilo e Queixada sempre foram grandes parceiros. Mas também compareciam ao asilo ex-jogadores do América treinados por Danilo nos anos de 1970 e ídolos históricos de clubes rivais, como, por exemplo, Domingos da Guia, o maior zagueiro do Flamengo em todos os tempos.

“Quem também foi visitá-lo foi o Domingos da Guia. Fui até eu que o atendi. Só lembro mesmo é do Domingos da Guia. Ele dizia que o ‘Príncipe’ foi um profissional muito bom, uma pessoa muito correta, e que ele ficava triste por ver a que ponto ele chegou, praticamente sozinho, esquecido dos amigos. Só tinha o filho por ele”, afirma Maria Aparecida Pereira de Moura, 57 anos, torcedora do Fluminense e aposentada há três anos. Aparecida era a administradora do Chalé da Vovó na época em que Danilo esteveinternado lá. “Eu era secretária, na época. Mas lembro de que ele já chegou lá naquela fase da esclerose. Era um cara calmo, tranquilo, não era agitado. Ele não lembrava mais da vida dele. Vivia naquele mundinho mesmo. Danilo ficou no Chalé da Vovó cerca de um ano e meio, dois anos, acho. Quem procurava falar mais de futebol com ele eram os funcionários. A gente ficava tentando perguntar, mas ele não lembrava, não conseguia responder.”


Acervo Família

Acervo Família

Danilo não se recordava do passado de glóriasque honradamente construiu. Apenas na memória do Príncipe restavam as imagens do filho Carlos Alberto e da amada Zelinda, que partira antes deDanilo, em 1985. Nossa reportagem encontroupersonagens tão caras à história de Danilo graças à Emanuelly, que trabalha, atualmente, na secretaria do Chalé da Vovó. 

Emanuelly, que não conhecia a história de Danilo, sensibilizou-se com o que descrevemos para esta reportagem do Museu da Pelada. Com esmero e paciência, ela, após três semanas de intensa procura, resgatou a ficha de Danilo em um antigo arquivo do asilo. Nela, há antigos númerostelefônicos de Carlos Alberto e do casal Cesar e Arminda, pais de Conceição, e o número da própria ex-esposa de Carlos Alberto. Todos os telefones não existem mais. Somente um deles, em nome do Carlos Alberto, completa a chamada, mas ninguém atende. Perdi a conta das vezes que liguei para o número do Carlos Alberto. Não me conformei e decidi ir à rua do Riachuelo, Centro do Rio, no endereço que consta na ficha encontrada por Emanuelly no Chalé da Vovó.

PÉRIPLO DE UM REPÓRTER


Foto: Marco Antonio Cavalcani (Placar 1989)

Foto: Marco Antonio Cavalcani (Placar 1989)

Dormi pouco naquela madrugada de 28 de outubro de 2020. Na minha agenda da manhã, uma pauta que me recusava definir comoinexequível, ou seja, precisava e iria descobrir o paradeiro de Carlos Alberto Alvim. Convicto disso, levantei-me com a esperança de encontrá-lo, talvez o único que poderia falar mais pessoalmente da trajetória do Danilo. Embarquei em um carro e cheguei ao prédio. Recebeu-me um jovem porteiro, o Flávio, que, após minha descrição de quem foi Danilo e o motivo para minha reportagem, respondeu que era “novo no edifício” e que “não tinha como ajudar”. Ponderei se havia algum funcionário mais antigo para informar detalhes do Danilo. Para minha sorte, havia. O seu Tião, que falou comigo pelo interfone. 

Ele imediatamente lembrou-se do Danilo e do filho. Disse que Carlos Alberto e a esposa haviam se mudado anos depois da morte do Príncipe. Indaguei: “Esposa?”. O velho zelador respondeu: “Sim, esposa, a Conceição”. Imediatamente veio à minha memória a ficha mostrada por Emanuelly, onde constavam os nomes das pessoas ligadas ao Danilo. Até ali o repórter não sabia ser Conceição a nora do Danilo. Retruquei, então: “Mas o nome da esposa do Danilo era Zelinda, e ela morreu anos antes do Danilo partir”. Seu Tião corrigiu-me. “A Conceição, meu filho, era esposa do Carlos Alberto. Via sempre ele passar por aqui depois que se mudaram. Há muito tempo que não o vejo mais. Mas vejo sempre a Conceição. O Carlos Alberto deve ter morrido. Acho que sim. Ele trabalhava, me lembro bem, no [órgão públicodo] estado”. Insisti, porém, se saberia informar para onde teriam ido o filho do Danilo e a Conceição. Ele respondeu: “Aqui pertinho, na [rua] André Cavalcanti. Não sei o número, mas não há erro. Fica quase enfrente ao IBGE. Pega [sic] à direita que você consegue.”

Localizei o prédio do IBGE descrito por seu Tião. Estava convicto de que encontraria a ex-nora do Danilo. Toquei o interfone de vários edifícios, como ele recomendou, e perguntei por Conceição aos porteiros e alguns moradores que, gentilmente, atenderam-me. Mas em alguns prédios não obtive resposta. Pressenti, entretanto, que estava prestes a encontrá-la. Prostrei-me uns quinze minutos embaixo das janelas de alguns destes pequenos edifícios onde ninguém atendia e, presumivelmente, não havia porteiro: “É agora! Conceição vai pintar em uma destas janelas”, pensei, para, em seguida, gritar. E,incansavelmente, gritei, sei lá, uns quinze minutos.

Minha ida à rua André Cavalcanti naquela manhã foi, em tese, infrutífera. Mas obtive a importante informação de que havia uma Conceição que ajudou a cuidar do Danilo Alvim na reta final do ídolo e que tinha sido esposa do filho dele. Voltei ao edifício da rua do Riachuelo e informei meus contatos ao seu Tião, que garantiuque os passaria à Conceição logo que a encontrasse casualmente pelas ruas do bairro de Fátima.

FARO VERSUS SORTE OU QUEM PROCURA ACHA


Nilton Santos e Zizinho (Manchete Esportiva 1957)

Nilton Santos e Zizinho (Manchete Esportiva 1957)

O passado do Danilo parecia arredio e insistia-se em perder-se. Mas esse passado parece render-se à obstinação do repórter. Dois dias depois da investida pela rua do Riachuelo, o resultado foi mais que positivo. Foi excepcional. Conceição ligou. Seu Tião a encontrou e avisou que havia um jornalista a procura dela para entrevistá-la. No mesmo dia, ela telefonou para o repórter. 

A história de Danilo Faria Alvim começara, enfim, a ser definitivamente recuperada. No breve telefonema, a nora do ídolo da seleção brasileira recordou o momento em que conviveu com Danilo e imediatamente se prontificou a nos conceder uma entrevista. Mas e o Carlos AlbertoAlvim? Qual, afinal, seu paradeiro? Igualmente à Emanuelly, do Chalé da Vovó, Conceição tornou-se peça imprescindível para ouvirmos o filho do Príncipe Danilo, que é (ou deveria ser) a principal fonte da ampla série de reportagens do Museu da Pelada sobre o pai dele.

Conceição conheceu Carlos Alberto em 1991. Iniciaram um namoro e logo foi apresentada ao Danilo. No ano seguinte, casaram-se e foram morar em um pequeno apartamento na rua do Riachuelo. Pouco tempo depois, mudaram-se todos, inclusive Danilo, para outro edifício na mesma rua, o mesmo onde trabalhara seu Tião. “Dali é que ele foi viver na clínica geriátrica, no Chalé da Vovó. Quando eu conheci o Danilo, ele já estava começando a apresentar problemas de depressão, não se lembrava de muitas coisas. De algumas pessoas ele já não se lembrava mais, mas do filho ele lembrava sim. Era uma luta para sair, até mesmo para ir ao banco receber um pagamento. Ir ao médico. Ele só gostava de ver televisão, ver jogos na televisão, dormia muito. Eu me lembro que ele falava que tinha calos e que se um jogador descobrisse que ele tinha aquele problema no pé, atacava ele. Ele gostava muito de criança. Era alegre, porém depressivo. Falava que quando jogava era o ‘Príncipe Danilo’ e que as crianças cortavam o cabelo com aquele tipo dele, sabe? Ele gostava muito de doce. Não era diabético. Clinicamente, ele não tinha nenhum problema. Não era hipertenso, não era diabético. Era só mesmo a demência que ele tinha”, descreve Conceição, em entrevista ao Museu da Pelada.

SAUDADE DA “ZÉLIA” FOI DEMAIS PARA DANILO


Danilo com a neta Mariane (Acervo Família)

Danilo com a neta Mariane (Acervo Família)

Danilo sofreu com a perda de Zelinda. O impacto da morte dela em 1985 foi muito forte para ele. Perdera o amor de sua vida. Daquele dia em diante, a vida ficou sem luz para o grande ídolo do futebol. Sem a sua “Zélia”, como carinhosamente a chamava, nada mais faria sentido. O filho foi seu grande amigo, seu incondicional companheiro ao longo da vida e, fundamentalmente, nos últimos momentos dela. Danilo e Carlos eram inseparáveis. “A única coisa que recordo é o seguinte: não ia parente lá visitá-lo. Só o filho. O Carlos Alberto, que na época morava ali no bairro de Fátima, na rua do Riachuelo. Era só esse filho que o visitava. Dizia que era filho único. Ele trabalhava e não tinha como ficar com o pai em casa. Não tinha alguém para cuidar do pai. Eu via ele lá, geralmente, uma vez por semana”, recorda a ex-secretária administrativa do Chalé da Vovó, a aposentada Aparecida. Testemunha daqueles últimos anos de Danilo, Conceição confirma a extrema dedicação do filho com o pai: “Carlos Alberto pagou tudo e ficou ao lado do pai o tempo todo.”

“Lembro que uma vez, ouvindo uma rádio, um locutor, que já faleceu, falou do Danilo, que ele estava internado na clínica Chalé da Vovó, deu até o número errado, aí eu entrei em contato para ele dar o número certo para quem quisesse ir lá visitá-lo, mas não consegui. Esse locutor foi quem deu a notícia de que ele estava internado no Chalé da Vovó, no Paulo de Frontin, para quem quisesse — amigos ou parentes — irem lá visitá-lo”, recorda Aparecida, referindo-se ao radialista Afonso Soares (1923-2007), que ganhou notoriedade pelos inúmeros bordões que criou para suas transmissões de rádio. E a mensagem do Afonso Soares realmente deu certo. Domingos, Ademir de Menezes e outros craques e também ídolos do passado foram visitar o Príncipe. Menos um: Pelé.


Foto: Gazeta Esportiva

Foto: Gazeta Esportiva

O Rei, que se diz vascaíno desde criança e que certamente teve Danilo como um de seus ídolos de infância, infelizmente, não visitou o Príncipe. Teve oportunidade para isso. Conceição garante que Pelé teria escrito uma carta para Danilo, exaltando-o. A própria Conceição confundiu-se ao dizer que achava tê-la em sua casa. Mas essa suposta carta parece ter se perdido ou sequer existido.

Independentemente da existência ou não desta carta, outra situação envolvendo Pelé e Danilo foi descrita por Aparecida. Uma senhora parente de uma das internas no Chalé da Vovó teria ido a um evento no Maracanã em que Pelé estaria presente. A tal senhora — enfatiza Aparecida — queria entregar uma carta sobre Danilo, mas Pelé a teria ignorado, o que a enfureceu. “Ela ficou revoltada, porque ninguém falava do Príncipe Danilo e ninguém procurou fazer uma homenagem para ele”, conta Aparecida, lembrando que a senhora tinha praticamente a mesma idade do Príncipe e dizia ter acompanhado, pelos jornais e revistas, toda a carreira do ex-jogador.

Carlos Alberto Alvim entrou em contato com a reportagem do Museu da Pelada. Após a primeira e breve conversa por telefone, agendamos com ele uma entrevista, porém, um dia antes da data marcada, o filho de Danilo recuou. Em mensagem por WhatsApp, laconicamente escreveu: “Peço desculpas, mas não farei qualquer depoimento. Agradeço por lembrar do mesmo”. Respeitamos a decisão do Carlos Alberto, mas o Museu da Pelada não desistiu de resgatar a maravilhosa história de um dos mais gigantescos ídolos da história do futebol brasileiro: Danilo Alvim, patrimônio histórico da bola.

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Na próxima reportagem, a segunda da série DANILO, 100 ANOS, em homenagem a um dos mais brilhantes craques da história do futebol, você conhecerá detalhes do começo da carreira do ídolo e de como um trágico acidente quase o fez abandonar precocemente a carreira de jogador.

NASSER, David, e MANZON, Jean. “Em ritmo de samba”. Revista O Cruzeiro: Rio de Janeiro, 22 de julho de 1950, p.24.