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andré felipe de lima

A ÉPICA LUTA DO VASCO CONTRA O RACISMO NO FUTEBOL

por André Luiz Pereira Nunes


Camisas Negras: o time do Vasco, campeão carioca em 1923

Camisas Negras: o time do Vasco, campeão carioca em 1923

Durante vários anos, não podiam ser inscritos na Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT) elementos que exercessem trabalhos braçais remunerados, tais como, garçons, vendedores, entregadores de embrulhos, condutores de bondes e guardas, estes últimos chamados à época de praças de pré.

O futebol, cuja origem sempre foi aristocrática, era praticado pelos chamados “filhinhos de mamãe”, pertencentes às classes mais abastadas. No tempo do amadorismo era proibido ao jogador receber qualquer tipo de rendimento dentro ou fora das quatro linhas.

A partir de 1914, foram criadas centenas de associações esportivas de âmbito popular filiadas às ligas independentes, entre as quais, a Liga Suburbana, uma das mais prestigiadas, fundada a 2 de março de 1915. Tamanha efervescência ensejou a Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT) a formular, em 1915, a segunda divisão e, em 1916, a terceira.

Em 1921, graças à profusão de clubes populares, a LMDT passou a organizar o Campeonato Carioca em duas séries: A e B. As sete agremiações mais abastadas integravam a Série A, enquanto as menores foram incluídas na B, com direito a acesso do campeão, por meio de repescagem, contra o último colocado da A.

No mesmo ano o lanterninha da Série A foi o Fluminense. Em 1922, o São Cristóvão e, em 1923, o Botafogo. O primeiro e o terceiro disputaram eliminatórias contra o Vila Isabel e o segundo contra o Vasco da Gama.

O Vasco, em 1923, ascendeu à Série A, disputando de forma inédita a elite do Campeonato Carioca. Já o Vila Isabel não obteve a mesma sorte, capitulando nas duas repescagens.


Torcida do Vasco relembra as origens do clube em São Januário.

Torcida do Vasco relembra as origens do clube em São Januário.

O Gigante da Colina, por conseguinte, escreveu páginas honrosas em sua história, sagrando-se campeão carioca em seu primeiro ano na divisão máxima. Tal feito provocou uma imediata reação nas hostes adversárias, que ante à conquista cruzmaltina, temeram ter que disputar a Série B.

Os chamados grandes clubes promoveram então um projeto diabólico por intermédio de Mário Pólo, do Fluminense, Antônio Avelar, do America, e Samuel de Oliveira, do Botafogo, que consistia em considerar profissionais os humildes jogadores dos pequenos clubes, cujos pecados eram apenas o de ganhar a vida fora do âmbito futebolístico. A medida, na verdade, visava atingir o Vasco da Gama, o qual tivera a ousadia de derrotar os chamados grandes clubes em sua primeira participação entre eles.

Coube a Samuel de Oliveira, em sindicância, apontar os supostos jogadores profissionais, todos pertencentes ao Vasco e às pequenas agremiações. Do America, Fluminense, Botafogo e Flamengo não apareceu sequer um nome. E eram justamente esses que a partir de 1913 mais profissionais introduziram ilegalmente no futebol.

A famigerada lista foi, portanto, apresentada por Mário Pólo em assembléia da Liga Metropolitana. Coincidentemente, não havia nenhum branco entre os indicados, apenas os chamados homens de cor. Ficou, então, comprovado o caráter racista da denúncia.

Os chamados grandes clubes, através de Mário Pólo, conclamaram os pequenos a afastar de seus elencos os supostos profissionais. Caso contrário, os grandes se retirariam da Liga Metropolitana para fundar outra entidade.

A decisão final foi tomada em assembléia geral e é tida até os dias de hoje como uma das mais emblemáticas e memoráveis. Mário Pólo era o líder dos chamados grandes clubes enquanto Barbosa Júnior, do Mackenzie, representava os pequenos. Pólo era um homem culto e se notabilizava pela excelente oratória. Já Barbosa Júnior, alto funcionário da Central do Brasil, era um político habituado a comícios em praça pública.

Para taquigrafar a ata da assembléia, Pólo trouxe uma funcionária da Câmara dos Deputados. Barbosa Júnior levou grande vantagem oratória sobre seu oponente, alegando que o propósito dos grandes clubes nada tinha de esportivo, era puramente racista.

A confusão foi tremenda. Mário Pólo pediu a suspensão da reunião por dez minutos na tentativa de acalmar os ânimos. Durante esse intervalo, chamou o então jovem Ari Franco, do Bangu, e ambos confabularam a sós.

Reabertos os trabalhos, Pólo, para salvar a situação, exclamou:

– O nosso propósito nada tem de racista. Tanto isso é certo que o Bangu tem jogadores de cor e acaba de aderir à nossa causa”, exclamou.

Tudo, porém, houvera sido combinado no momento, pois o Bangu fora um dos clubes mais atingidos pela nova ordem.


Ao ser posta em votação, a proposta dos grandes foi amplamente derrotada e rejeitada pela maioria. Os pequenos clubes, consequentemente, permaneceram na Liga Metropolitana, enquanto os grandes fundaram a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA).

Curiosamente, a ata dessa assembléia, realizada em 1924, não existe porque a tarquígrafa da Câmara dos Deputados nunca a transcreveu. No ano seguinte, Álvaro do Nascimento e o benemérito vascaíno Aníbal Artur Peixoto, em vão, tentaram obtê-la, mas a mesma desapareceu completamente por conveniência do astuto Mário Pólo.

O Campeonato Carioca da Liga Metropolitana passou a ser constituído por Vasco, Andaraí, Ríver, Vila Isabel, Carioca, Mackenzie, Mangueira e Palmeiras.

Os clubes nobres, conforme mencionado, criaram a AMEA, na qual alinharam Fluminense, Flamengo, São Cristóvão, Botafogo, Bangu, America, Helênico e Brasil.

A extinção da prática de racismo, em 1925, se deve, exclusivamente, ao presidente do Vasco, José Augusto Prestes, José da Silva Rocha, Barbosa Júnior e ao jornalista Álvaro Nascimento, com o apoio do jornal “A Pátria”, do notório cronista João do Rio.

MUITO ALÉM DE TRÊS PULINHOS E O SINAL DA CRUZ

por André Felipe de Lima


Um lugar específico do Órun, o recanto dos espíritos, está muito feliz. Nele certamente residem muitos ídolos do passado, especialmente Zizinho, o maior do Flamengo até surgir Zico; Didi, craque do Fluminense, do Botafogo e da Copa de 58; Orlando Pingo de Ouro, grande artilheiro do Flu nas décadas de 1940 e 50; “Pai” Jaú, zagueiro do Corinthians e da Copa de 38 e um babalorixá inesquecível, e muitos outros grandes jogadores do passado que sempre nutriram fé no deus maior, Olorum, mas também em todos os orixás do panteão mais iluminado do Órun. Todos estes sagrados espíritos e os dos nossos craques do passado certamente comemoram um simples gesto de um menino, mas de significado espetacular, gigantesco, e que pode ser muito importante para que a sociedade brasileira comece a respeitar a diversidade religiosa. Paulinho tinha tudo para entrar pela porta da frente da história como promissor ídolo do Vasco, onde começou a carreira, mas os orixás determinaram a ele outro destino. Exu, o orixá da comunicação, da transformação do mundo, o equivalente a “Hermes” ou “Mercúrio”, da cultura ocidental, abriu as portas deste futuro para o Paulinho, e Oxóssi, o consolidou naquele gesto do menino, como se erguendo um ofá (arco e flecha) do rei maior das florestas de corações, saiu rumo ao vento para comemorar mais um gol do Brasil. Um gol marcante, libertador, impositivamente vencedor, como assim querem os orixás, e, como alega Paulinho, um gol ou sucesso que “nunca” foi fruto da “sorte”: “Sempre foi Exu”, diz ele.

O futebol brasileiro sempre foi marcado pela aproximação com a fé. Seja ela de origem católica, protestante ou afrodescendente. Não importa qual bandeira de fé envolve o jogador. A fé sempre esteve e está ali dentro e fora de campo. Recorrente eram os depoimentos de jogadores do passado a proferi-la sem receios de serem perseguidos ou recriminados. Tudo bem, não havia rede social por onde detratores intolerantes pudessem emitir racismo e preconceito religioso. Estes dois nefastos e enraizados aspectos estão lamentavelmente entranhados em nossa cultura. Essa intolerância com a fé alheia e a cegueira do sectarismo que a molda são responsáveis para que muitos escondam sua certeza em uma força maior, uma força que brota na particular imagem do céu de cada um. Naquele gesto do Paulinho, há muito mais além de um simples pulinho e o sinal da cruz tão “praticados” por muitos jogadores ao entrarem em campo. Entendamos e, sobretudo, respeitemos, e com muita fé, a mensagem do menino de Oxóssi. Epa, Babá!

‘A PELADA NASCE COM A GENTE’, DIZIA O CAPITA

Carlos Alberto Torres faria 77 anos neste dia 17 de julho. Muita saudade do nosso capitão do “Tri”, em 1970, que amava jogar peladas mais que tudo. Talvez até mais que a Jules Rimet que levantara no México

por André Felipe de Lima


“Quem é que não gostava ou não gosta de disputar uma peladinha, que é uma coisa que já nasce com a gente?”. Carlos Alberto Torres, que faria anos nesta terça-feira (17), foi um dos craques da Copa de 70 que mais amava as origens do futebol nas peladas que disputava na Vila da penha, bairro do subúrbio carioca em que viveu boa parte da juventude. 

Torres foi um verdadeiro fominha, e sem eufemismos. Não dispensava peladas. Quando começou a carreira profissional, no Fluminense, teve uma vontade enorme de abandonar a concentração para disputar o antigo torneio de peladas, no Aterro do Flamengo. Isso lá no começo da década de 1960. 

Confessou a tentação ao Jornal dos Sports, durante entrevista realizada meses antes da Copa de 70. “É na pelada que o torcedor de futebol se distrai. Depois de uma semana de trabalho, ele tem a oportunidade de ver na pelada jogadores que amanhã ou depois poderão estar na seleção brasileira”, disse o saudoso Capita, que lamentou profundamente ao repórter não poder participar do campeonato de peladas patrocinado pelo próprio JS, em novembro de 1969. 

Vontade de largar o escrete para cair dentro dos campos do Aterro não faltou ao querido Carlos Alberto, que foi, inegavelmente, um gênio dos gramados, mas, acima de tudo, ostentando nas entranhas da alma um peladeiro convicto e inabalável. Sem essa alma peladeira, jamais seria um craque, jamais conquistaria a humildade e sabedoria comuns aos verdadeiros ídolos do futebol.

UM ÍDOLO NO FRONT

Friedenreich não foi somente um gênio do futebol, o maior da era amadora brasileira. Foi também um bravo nos campos de batalha da Revolução Constitucionalista de 1932

por André Felipe de Lima


“Tudo por São Paulo num Brasil unido!”. Com esse clamor, em julho de 1932, fartamente publicado pela imprensa paulista da época, o maior ídolo do futebol de seu tempo, Arthur Friedenreich, convocava seus conterrâneos a aderirem à causa Constitucionalista de São Paulo. No dia 9 de julho, em que é lembrada a deflagração da Revolução dos paulistas, publicamos aqui trechos da biografia de Friedenreich que integra o primeiro volume de “Ídolos & Épocas: O amadorismo no futebol brasileiro (1900 a 1933)”, recentemente lançado pela Approach Editora, com selo do Museu da Pelada: “A igreja na qual foi batizado também denotava algo profético na vida de Friedenreich, que na pia batismal da Igreja de Santa Efigênia, a padroeira dos militares, foi abençoado. A proteção do “afilhado” estava garantida, sobretudo quando teria de se deparar com os sangrentos fronts da Revolução Constitucionalista de 1932. (…) Com Friedenreich, o São Paulo conquistou o campeonato paulista de 1931, com um elenco conhecido como “esquadrão de aço” formado por Nestor; Clodô e Bartô; Mílton, Bino e Fabio; Luizinho, Siriri, Araken Patusca, Friedenreich e Junqueirinha. No ano seguinte ao título do novo clube paulista, estourou a Revolução Constitucionalista de São Paulo contra o governo ditatorial de Getúlio Vargas. Friedenreich engajou-se na luta pela independência do estado, doando troféus, medalhas e prêmios em benefício da causa. Alistou-se e logo foi alçado à patente de sargento. Comandou uma tropa de 800 soldados esportistas, que ocupou as trincheiras de Eleutério. Um rapaz foi atingido na nuca por uma bala dos soldados governistas de Vargas. O jovem morreu nos braços de Friedenreich. Três meses após a revolta dos paulistas, El Tigre retornou a São Paulo, como tenente, mas nunca mais se recuperou do trauma pela morte do rapaz. Joanna Welker Friedenreich, a dona “Ninita”, companheira de Fried durante 57 anos, esposa de Fried, recordou detalhes do front contados a ela pelo tenente “Tigre”: “Os mineiros, ao verem o pelotão se aproximar, gritaram — ‘Cadê El Tigre, queremos matá-lo’. Ele apareceu, provocando tiros, distraindo os mineiros. Enquanto isso, metade do pelotão subia por trás e conquistava o morro.” (…) Em 1970, durante entrevista ao repórter Paulo Mattiussi, dona Joanna declarou: “Na Revolução [Constitucionalista] de 32, ele foi como sargento, voltou como tenente e herói. Comandava o pelotão dos esportistas e subiu um morro debaixo de tiros para tomar a posição.”

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RILDO, VOCÊ VENCEU

por André Felipe de Lima 


Rildo era um camarada que não se entristecia ao deixar o gramado derrotado. Isso até acontecia, mas não era o normal. Verdadeira raridade. Foi o ex-lateral canhoto, na maioria das vezes, um vencedor nas pelejas que disputou, especialmente as pelo Botafogo e pelo Santos, duas máquinas de jogar bola que contaram com Rildo firme e forte em seus poderosos esquadrões dos anos de 1960. Caso perdesse o jogo, tudo bem. Rildo chegava à sua casa e procurava assistir a um filme de comédia. “Vida que seguia”, como sempre ouvira de João Saldanha. No vestiário, nunca teve medo de banho frio. Foi, realmente, um destemido. Mas aprendeu com Nilton Santos, como ele uma vez contou à Revista de Esporte, a tomar banho morno. Imagine, tomar sempre banho frio, ora! Osabonete era Phebo, o fixador de cabelos o da marca Fios de Ouro e a colônia era a Topaze, da Avon. Em cinco minutos ele estava arrumado para regressar ao lar. Ah, Rildo como você fará falta; como você curtia crianças. Quando jogava, elas o procuravam incansavelmente e felicíssimas para um autógrafo. Ele nunca deixou de atendê-las. Os sobrinhos Raimundinho e Robertinho, filhos de dona Lindináurea, que morava em Bonsucesso, que o diga. Rildo adorava os dois garotos. Cara bacana era esse tal de Rildo. Todos gostavam do seu jeitão expansivo. Não faltavam amigos na sua lista telefônica e, claro, no seu generoso coração. O “Esquilo”, apelido que recebeu pela sua constante movimentação e alegria nas partidas, jogava limpo dentro e fora de campo. Um cracaço de alma iluminada. Gostava muito do pai, o seu Antonio da Costa Menezes, com quem pescava quando era menino, e da mamãe dona Maria Judite. Sempre que podia, mandava um dinheirinho para ajudá-los. Foi assim, sem entremeios, ao longo carreira campeã, que teve o amado irmão Beroaldo como uma espécie de guia. No comecinho dela, aliás, dividia com os amigos Edson e Nagel um pequeno apartamento de dois quartos em Copacabana. Nunca reclamou do aperto. Aprendeu a superar dificuldades desde pequeno, em Recife, onde nasceu, e sob a extremosa proteção de Nossa Senhora das Graças, sua Mãezinha do Céu que, neste exato momento, deve estar abraçando o nosso querido ídolo Rildo. Vá com Deus, nosso craque. Rildo, você não morreu. Você venceu!