por André Felipe de Lima
Um “desconhecido íntimo”, como Nelson Rodrigues se referia a seus amigos, abordou-o e perguntou o que o genial cronista e teatrólogo achava da performance de Cláudio Adão, egresso do Flamengo, no Fluminense. E Nelson foi curto: “Está formidável”. Mais adiante em sua crônica, avalia os porquês de os cartolas da Gávea dispensarem um dos melhores atacantes brasileiros. “Quando ele saiu do Flamengo, tive o maior espanto. Sempre digo que o brasileiro não se espanta mais. Pois eu me espantei quando vi que o Rubro-Negro resolveu enxotar o jogador, sendo que era um jogador da maior utilidade em qualquer time. Mas como diz minha vizinha, gorda e patusca: — ‘Amarra-se o burro à vontade do dono’ […] Sim, o Flamengo era o único que não enxergava o óbvio ululante […] Aí está o goleador fazendo gol até dormindo.”
Goleador não somente no Tricolor, mas em várias equipes pelas quais passou — e foram muitas —, Cláudio Adão venceu o preconceito frequente com os jogadores nômades e sempre foi respeitado. Fez 591 gols distribuídos entre os 26 clubes onde jogou no Brasil, na Áustria, nos Emirados Árabes, em Portugal e no Peru. O preconceito que enfrenta hoje, encerrada a carreira, é inexoravelmente de origem racista. Negro, denuncia a barreira da cor que o impede de alavancar a carreira de treinador, apesar de ser formado pela Fifa e campeão no exterior. Tentou se firmar no Flamengo, mas foi apenas auxiliar de outros treinadores. Daquela época, na Gávea, não guarda boas lembranças. Publicamente, acusou Evaristo de Macedo, técnico, na ocasião, do Rubro-negro, de tê-lo preterido por causa da cor de sua pele. Evaristo negou, baseando-se no argumento de que teve como auxiliares em outros clubes vários profissionais negros.
Mas há fundamento para a indignação de Cláudio Adão. Não pelo imbróglio com Evaristo, mas sim devido a um contexto cultural deplorável e injusto lamentavelmente entranhado na sociedade brasileira. Foram poucos os treinadores negros que tiveram oportunidade para se firmar na função. Nos anos de 1940, tivemos Gentil Cardoso e Gradim… somente. Talvez mestre Didi anos depois, mas seu trabalho, como o de Adão, foi mais reconhecido lá fora que por estas paragens.
Quanto ao que o craque fez dentro das quatro linhas, não há o que polemizar. O fato é que Cláudio Adão foi impecável, cabeceava bolas indefensáveis para os arqueiros. Só mesmo Adão para girar no ar e testar com força e precisão contra a meta adversária. Para quem era sempre definido como “bichado”, o centroavante calou a boca de muitos ao marcar mais de 500 gols ao longo da carreira, sendo artilheiro do campeonato carioca por três vezes: em 1978, no Flamengo [dividiu a ponta com Roberto Dinamite, do Vasco, e Zico, companheiro de clube], com 19 gols, em 1980, no Fluminense, com 20, e em 1984, no Bangu, com 12, ao lado do botafoguense Baltazar.
Cláudio Adalberto Adão nasceu em Volta Redonda, interior do Rio de Janeiro, em 2 de julho de 1955. Começou no Santos, em 1972, e foi campeão paulista em 1973. Jogou com Pelé e Coutinho, mas enfrentou o desafio da reformulação santista, depois do gradual desmanche do fantástico time que atravessou a virada dos anos de 1960 e 70. Cláudio Adão tem Pelé como grande ídolo. Conta que foi o Rei quem o ensinou a cobrar pênaltis, a escapar de faltas violentas e a fugir da marcação cerrada.
Num jogo contra o América, de Rio Preto, na casa do adversário, fraturou o tornozelo. Desacreditado, foi para o Flamengo, em 1976, onde jogou com Zico, Carpegiani e Júnior. Pelo clube da Gávea, entrou em campo 153 vezes e marcou 80 gols. Foram 99 vitórias e 31 empates. Venceu os dois campeonatos cariocas realizados em 1979.
Nelsinho, técnico do Fluminense, levou-o para as Laranjeiras, em 1980, para que pudesse comandar os mais jovens. Ficou no Flu até 1981 e rumou para o exterior. Jogou pelo Austria Viena, em 1981, mas, no mesmo ano, transferiu-se para o Vasco. Em 1982, passou a temporada na Arábia Saudita, no Al Ain, e defendeu ainda o Botafogo (RJ). No ano seguinte, estava mais uma vez no Flamengo e também jogou pelo Benfica, de Portugal. Mais uma vez, no Botafogo, em 1984, mas por poucos meses, porque Castor de Andrade resgatou-o para o Bangu, no qual Adão teve grande fase entre 84 e 85, quando foi vice-campeão carioca e brasileiro. Na final do campeonato estadual de 1985, protagonizou um polêmico lance contra o Fluminense. Teria sofrido pênalti de Vica, no último minuto do segundo tempo, mas o árbitro José Roberto Wright não marcou e o jogo terminou 2 a 1 para os tricolores.
Em 1986, defendeu o Bahia. No ano seguinte, Cruzeiro. Mais um ano e foi a vez da Portuguesa Santista. Jogou pelo Corinthians, em 1989, e em 1990 transferiu-se para o Sport Boys, do Peru. Atuou ainda no Campo Grande, em 1991, e, em poucos meses, regressou ao Peru, desta vez para o Alianza de Lima, onde permaneceu até 93. Jogou pelo Ceará, ainda em 1993. No ano seguinte, peregrinou por Santa Cruz, pelo peruano Deportivo Pesquero e, no final de 1994, pelo Volta Redonda. Em 1995, defendeu o capixaba Rio Branco e, em 96, a Desportiva. Jogou ainda por CSA de Alagoas, Sipesa, do Peru, e Itumbiara.
Não teve muitas oportunidades na seleção brasileira, pela qual só jogou 11 vezes. Foi, entretanto, campeão pan-americano pelo Brasil, na Cidade do México, em 1975. Casou-se com Paula Barreto, filha do produtor de cinema Luiz Carlos Barreto. Adão e Paula tiveram dois filhos, uma menina, Camila, jogadora de vôlei, e um menino, Felipe, prata da casa do Botafogo.