Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

andré felipe de lima

CLÁUDIO ADÃO FAZIA GOL ATÉ DORMINDO

por André Felipe de Lima


Um “desconhecido íntimo”, como Nelson Rodrigues se referia a seus amigos, abordou-o e perguntou o que o genial cronista e teatrólogo achava da performance de Cláudio Adão, egresso do Flamengo, no Fluminense. E Nelson foi curto: “Está formidável”. Mais adiante em sua crônica, avalia os porquês de os cartolas da Gávea dispensarem um dos melhores atacantes brasileiros. “Quando ele saiu do Flamengo, tive o maior espanto. Sempre digo que o brasileiro não se espanta mais. Pois eu me espantei quando vi que o Rubro-Negro resolveu enxotar o jogador, sendo que era um jogador da maior utilidade em qualquer time. Mas como diz minha vizinha, gorda e patusca: — ‘Amarra-se o burro à vontade do dono’ […] Sim, o Flamengo era o único que não enxergava o óbvio ululante […] Aí está o goleador fazendo gol até dormindo.”

Goleador não somente no Tricolor, mas em várias equipes pelas quais passou — e foram muitas —, Cláudio Adão venceu o preconceito frequente com os jogadores nômades e sempre foi respeitado. Fez 591 gols distribuídos entre os 26 clubes onde jogou no Brasil, na Áustria, nos Emirados Árabes, em Portugal e no Peru. O preconceito que enfrenta hoje, encerrada a carreira, é inexoravelmente de origem racista. Negro, denuncia a barreira da cor que o impede de alavancar a carreira de treinador, apesar de ser formado pela Fifa e campeão no exterior. Tentou se firmar no Flamengo, mas foi apenas auxiliar de outros treinadores. Daquela época, na Gávea, não guarda boas lembranças. Publicamente, acusou Evaristo de Macedo, técnico, na ocasião, do Rubro-negro, de tê-lo preterido por causa da cor de sua pele. Evaristo negou, baseando-se no argumento de que teve como auxiliares em outros clubes vários profissionais negros.


Mas há fundamento para a indignação de Cláudio Adão. Não pelo imbróglio com Evaristo, mas sim devido a um contexto cultural deplorável e injusto lamentavelmente entranhado na sociedade brasileira. Foram poucos os treinadores negros que tiveram oportunidade para se firmar na função. Nos anos de 1940, tivemos Gentil Cardoso e Gradim… somente. Talvez mestre Didi anos depois, mas seu trabalho, como o de Adão, foi mais reconhecido lá fora que por estas paragens.

Quanto ao que o craque fez dentro das quatro linhas, não há o que polemizar. O fato é que Cláudio Adão foi impecável, cabeceava bolas indefensáveis para os arqueiros. Só mesmo Adão para girar no ar e testar com força e precisão contra a meta adversária. Para quem era sempre definido como “bichado”, o centroavante calou a boca de muitos ao marcar mais de 500 gols ao longo da carreira, sendo artilheiro do campeonato carioca por três vezes: em 1978, no Flamengo [dividiu a ponta com Roberto Dinamite, do Vasco, e Zico, companheiro de clube], com 19 gols, em 1980, no Fluminense, com 20, e em 1984, no Bangu, com 12, ao lado do botafoguense Baltazar.

Cláudio Adalberto Adão nasceu em Volta Redonda, interior do Rio de Janeiro, em 2 de julho de 1955. Começou no Santos, em 1972, e foi campeão paulista em 1973. Jogou com Pelé e Coutinho, mas enfrentou o desafio da reformulação santista, depois do gradual desmanche do fantástico time que atravessou a virada dos anos de 1960 e 70. Cláudio Adão tem Pelé como grande ídolo. Conta que foi o Rei quem o ensinou a cobrar pênaltis, a escapar de faltas violentas e a fugir da marcação cerrada.

Num jogo contra o América, de Rio Preto, na casa do adversário, fraturou o tornozelo. Desacreditado, foi para o Flamengo, em 1976, onde jogou com Zico, Carpegiani e Júnior. Pelo clube da Gávea, entrou em campo 153 vezes e marcou 80 gols. Foram 99 vitórias e 31 empates. Venceu os dois campeonatos cariocas realizados em 1979.


Nelsinho, técnico do Fluminense, levou-o para as Laranjeiras, em 1980, para que pudesse comandar os mais jovens. Ficou no Flu até 1981 e rumou para o exterior. Jogou pelo Austria Viena, em 1981, mas, no mesmo ano, transferiu-se para o Vasco. Em 1982, passou a temporada na Arábia Saudita, no Al Ain, e defendeu ainda o Botafogo (RJ). No ano seguinte, estava mais uma vez no Flamengo e também jogou pelo Benfica, de Portugal. Mais uma vez, no Botafogo, em 1984, mas por poucos meses, porque Castor de Andrade resgatou-o para o Bangu, no qual Adão teve grande fase entre 84 e 85, quando foi vice-campeão carioca e brasileiro. Na final do campeonato estadual de 1985, protagonizou um polêmico lance contra o Fluminense. Teria sofrido pênalti de Vica, no último minuto do segundo tempo, mas o árbitro José Roberto Wright não marcou e o jogo terminou 2 a 1 para os tricolores.


Em 1986, defendeu o Bahia. No ano seguinte, Cruzeiro. Mais um ano e foi a vez da Portuguesa Santista. Jogou pelo Corinthians, em 1989, e em 1990 transferiu-se para o Sport Boys, do Peru. Atuou ainda no Campo Grande, em 1991, e, em poucos meses, regressou ao Peru, desta vez para o Alianza de Lima, onde permaneceu até 93. Jogou pelo Ceará, ainda em 1993. No ano seguinte, peregrinou por Santa Cruz, pelo peruano Deportivo Pesquero e, no final de 1994, pelo Volta Redonda. Em 1995, defendeu o capixaba Rio Branco e, em 96, a Desportiva. Jogou ainda por CSA de Alagoas, Sipesa, do Peru, e Itumbiara.

Não teve muitas oportunidades na seleção brasileira, pela qual só jogou 11 vezes. Foi, entretanto, campeão pan-americano pelo Brasil, na Cidade do México, em 1975. Casou-se com Paula Barreto, filha do produtor de cinema Luiz Carlos Barreto. Adão e Paula tiveram dois filhos, uma menina, Camila, jogadora de vôlei, e um menino, Felipe, prata da casa do Botafogo.

ZÓZIMO, ÚNICO DA SELEÇÃO A FALAR INGLÊS EM 58

Um dos maiores ídolos da história do Bangu, Zózimo, irmão do ponta Calazans, faria anos hoje. Foi reserva de Orlando Peçanha na Copa de 58 e titular na de 62. Um craque que jamais levantou taça expressiva pelo Bangu, mas foi bicampeão mundial com a seleção brasileira. Conheça um pouco mais sobre esse grande beque do passado.

por André Felipe de Lima


Se tivesse de escalar a melhor dupla de zaga da história do Bangu, não pestanejaria: Domingos da Guia e Zózimo. O primeiro é, sem dúvida, o melhor zagueiro da história do futebol brasileiro; o segundo foi simplesmente campeão de duas Copas do Mundo com o Brasil, em 1958 e em 1962, sendo titular do escrete desta última, formando a zaga com Mauro Ramos de Oliveira, o capitão. Um detalhe pouco conhecido do Zózimo é que foi ele o único jogador da delegação de 58 a falar inglês, informação confirmada pela Revista do Esporte.

Baiano, do pequeno bairro da Plataforma, Zózimo faria anos hoje. Por pouco deixou de ingressar na lista de convocados de 62. Na Copa anterior, discutira com Vicente Feola, treinador da seleção brasileira. Nunca se soube ao certo o motivo da rusga, mas Zózimo comentava com jornalistas que dificilmente seria novamente chamado para a seleção. Mas Feola saiu e em seu lugar entrou Aymoré Moreira, que inexplicavelmente barrara Bellini e perdera Orlando Peçanha, que seguira para o Boca Juniors. A zaga titular de 58 estava desfeita e a chance de Zózimo ressurgiu, confirmando-se com a convocação de Aymoré.

Deixou o Bangu, que defendeu em quase 500 jogos, em 1964, brigado com a diretoria e a torcida. Jogava pelo clube desde o começo da década de 1950.

Desde que comprara o passe de Zizinho, no começo dos anos de 1950, o Bangu vinha montando grandes times, mas sem conquistar títulos. Em 1963, o alvirrubro liderou todo o campeonato carioca, mas tombou nas rodadas finais. Zózimo, o zagueiro bicampeão mundial, foi um dos mais criticados pelo fracasso do time, porque, de forma inusitada, pegou com as mãos a bola dentro da área durante um jogo decisivo contra o Fluminense. A peleja estava 2 a 1 para os tricolores, mas o juiz Armando Marques não se intimidou e soprou o apito. Pênalti e, em seguida, o terceiro gol tricolor, que enterrou de vez as pretensões do Bangu na competição.


O lance incomum levantou suspeita contra Zózimo, que acreditava ter Armando Marques paralisado o jogo quando tocara com a mão a bola. Cartolas esbravejavam nos jornais e torcedores mais irascíveis faziam ponto na porta da casa de Zózimo para xingá-lo. Punido com o corte de salário, o beque revoltou-se com os dirigentes, começou a faltar aos treinos. Decidiu deixar o Bangu para trás, juntamente com Roberto Pinto, que também era acusado de ter se “vendido” aos tricolores.

Zózimo foi emprestado ao Guaratinguetá, onde permaneceu praticamente um ano em completo ostracismo. Retornaria, porém, ao futebol carioca. O clube que o acolheu em abril de 1965 foi o Flamengo. Era, contudo, o começo do declínio do jogador, que poucas vezes entrou em campo pelo novo time. Do clube da Gávea, partiu para outros times. Perambulou bastante até chegar ao futebol peruano e, por fim, ao salvadorenho e ao hondurenho. Parou de jogar bola em 1969.


O grande beque — e também centromédio — banguense era caladão. Na dele. Parte da imprensa não compreendia o jeito macambúzio do Zózimo, um leitor inveterado, e o definia como mascarado. Injustiça. Zózimo era simples. Queria apenas jogar a bola dele, e com pompa. Foi zagueiro brilhante. “Tenho de plantar a minha árvore”, dizia ele, pensando em amealhar uns caraminguás para não passar dificuldades financeiras no futuro. Mas o futuro lhe foi roubado na Estrada do Mendanha, em Campo Grande, zona oeste do Rio, no dia 21 de setembro de 1977, quando o Fusca que dirigia chocou-se violentamente em um poste. Zózimo chegou a saltar do carro, deu dois passos e caiu sem vida no asfalto molhado. Seu relógio parou na hora exata do acidente: 14h45m. Sob um temporal daqueles, o ídolo rumava para o estádio do Campo Grande, onde garotos do time juvenil o aguardavam para mais um treino e um papo com Zózimo, que sabia tudo de bola e um pouco mais. Estudava Pedagogia na Faculdade de Letras. Além do inglês que esbanjara na Suécia, em 58, falava também francês e espanhol fluentemente. Dizia que se um treinador não soubesse falar tais idiomas estaria frito na carreira e longe de qualquer chance de treinar um time do exterior.

Zózimo era artigo de luxo no futebol. Além de saber muito de futebol, era poliglota, culto e, o mais importante, muito bom caráter. Um gentleman.

QUEM ERA MÍOPE, AFINAL?

por André Felipe de Lima


Para muitos, João “Sem medo” Saldanha estava louco ou, no mínimo, no ápice de seu furor costumeiro, que oscilava entre um estilo docemente ranzinza e ações capazes de desferir um tiro. O ex-técnico Yustrich e o ex-goleiro Manga conheceram bem esse traço da personalidade de Saldanha. Mas a “loucura” que causou uma comoção nacional aconteceu durante as eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970. Saldanha, então treinador do escrete canarinho, chamou de míope ninguém menos que Pelé, e publicamente e sem subterfúgios, como era sua característica. Papas na língua não eram do seu feitio. Sob o pragmatismo que lhe era comum, falava que Pelé tinha dificuldades para cabecear a bola e que enxergava mal à bola em jogos noturnos.

A notícia desencadeou uma comoção nacional. A imprensa se incumbiu disso. Saldanha tivera acesso aos exames oftalmológicos de Pelé, que acusaram graus de 2 no olho direito e de 2,5 no esquerdo. Os médicos se lixaram, afinal a miopia, especialmente no grau detectado no Rei, não lhe traria transtornos em campo. A prova disso é que Pelé foi em campo o que jamais outro será. João Havelange, que presidia a Confederação Brasileira de Desportos, a antiga CBD, não gostou do, digamos, excesso de sinceridade de Saldanha. Ambos iniciaram ali uma animosidade nos bastidores da seleção, que culminaria na saída do treinador, sobretudo após a interferência do então presidente da República, o ditador Emílio Garrastazu Médici, que impusera a convocação do centroavante Dario, despertando a ira do João “Sem medo”.

Zagallo, que ocupou o lugar de Saldanha em 70, sempre afirmou que a rusga entre Pelé e o então técnico começara numa preleção. O Rei questionara o esquema tático adotado no jogo contra os argentinos. Saldanha respeitou a opinião, mas conhecendo seu histórico é previsível o desfecho do “debate” com Pelé. Quando Zagallo assumiu (palavras do próprio Velho Lobo), Pelé pediu ao novo comandante para que não fosse mais sacaneado como vinha ocorrendo.


por André Felipe de Lima

“A miopia ficará pior. Há um ano, mais ou menos, percebi que Pelé já não enxergava direito. Isso explica suas más atuações no Santos e na própria seleção. Precisamos de muito mais do que meio jogador. E Pelé, como está, é meio jogador, pelo menos em partidas duras como as que teremos no México”, resmungara João nos jornais logo após sair da seleção. “Isso é golpe dele. Saldanha sabia que ia ser demitido e, por isso, me barrou, usando-me como uma espécie de ‘bode expiatório’. Ele sabe, há muito tempo, que tenho uma ligeira deficiência visual no olho direito. Desde 1958, quando participei de uma seleção pela primeira vez, essa minha miopia, que penso ser hereditária, é conhecida por todos que estão ligados ao futebol”, rebatia Pelé.

Muitas décadas depois do episódio Pelé voltaria a falar da miopia que tem desde a infância. Até aquele exame em 1969, ignorava o problema ocular. Não o incomodava. Afinal, o cara já batera a marca dos mil gols quando bateu boca com Saldanha. No Santos mesmo já haviam identificado a miopia. Ninguém deu bola para isso na Vila Belmiro. Somente Saldanha, pelo visto, encasquetou. Resultado: barrou Pelé e deflagrou a sua fritura no cargo.


A imagem do Rei no banco era inimaginável, mas Saldanha ousou desafiar as forças da natureza futebolística ao retirar Pelé do combate. Para muitos, uma infâmia. Resignado, o Rei sabiamente aceitou o banco (com reservas, claro), que, sabemos, seria repentina e indolor. Retomou a camisa dez que lhe é ternamente de direito, jogou uma barbaridade na Copa e trouxemos, em definitivo, para casa a “finada” Taça Jules Rimet, roubada na noite de 19 de dezembro de 1983 e, certamente, derretida. Mas essa é outra história. E, para encerrar o papo, Pelé terminou a carreira usando lentes de contato.

NILTON SANTOS SABIA DAS COISAS: ‘PÕE O BELLINI, QUE É SÉRIO E SERÁ RESPEITADO POR TODOS’

Bellini sequer imaginaria ser um ídolo do futebol. Era menino, cursava o primário, mas já tinha como fãs especiais os professores. O grande capitão da Seleção Brasileira na Copa de 1958 faria anos neste dia 7 de junho. A seguir, os primeiros momentos dele no futebol. Boa leitura.

por André Felipe de Lima


Filho de Hermínio Bellini e Carolina Levatti, Hilderaldo Luiz Bellini nasceu em Itapira, interior paulista, no dia 7 de junho de 1930, mas só foi registrado em cartório no dia 21 do mesmo mês. Deveria se chamar Ederaldo, em homenagem ao médico Ederaldo Prado Queiroz Telles, de Mogi-Mirim, onde Maria, irmã mais velha do menino Hilderaldo e também sua madrinha, morava com o marido e a filha Ivone. Durante a cerimônia de batismo, como narra Giselda Bellini, que se tornaria esposa do futuro craque e sua principal biógrafa (Bellini: O primeiro capitão campeão, Ed.Prata, 2015), o padre exigiu um nome de santo católico. Dona Carolina imediatamente sugeriu “Luiz” como o segundo nome. O primeiro seria mesmo Ederaldo. “Seria” é o tempo verbal correto, porque o tabelião escorregou feio no momento de datilografar o registro do garoto. Sabe-se lá por qual motivo ele fez o mais difícil, e escreveu “Hilderaldo”. E assim ficou lavrado.

O pai do menino Bellini, um imigrante italiano tradicionalíssimo, trabalhava como carroceiro para sustentar a numerosa prole composta por 12 filhos, seis deles sequer atingiram a idade de dois anos. A maioria morreu vítima da pneumonia. Hilderaldo, que era o penúltimo da prole, não os conheceu. A vida seguia para o arrojado casal Bellini. Detinham, afinal, um vigor transformador passado aos filhos. O garoto Hilderaldo foi, talvez, o principal herdeiro de Hermínio e Carolina nesse quesito. Acordava às 5h para ajudar o pai. Religiosamente todos os dias.

A seriedade de Bellini, que todos que amam o futebol aprenderíamos admirar, também foi marcante nele desde os primeiros anos. Há duas histórias que provam isso. A primeira, embora não conste da biografia de Bellini escrita por Giselda, foi contada pelo repórter Carlos Maranhão na revista Placar; a segunda foi descrita pela própria Giselda. Bellini, segundo Maranhão, batia de porta em porta para convocar os colegas gazeteiros para irem à escola, onde o pai do ator Tony Ramos, além de ministrar aulas para Bellini, era o camarada mais querido da molecada do colégio porque garantia a autorização para que jogassem bola no único campo de Itapira. Havia, porém, uma condição: que todos não matassem mais aulas. Algo parecido narrou Giselda, porém a boa alma para os meninos foi uma professora do Grupo Escolar Júlio Mesquita, dona Suzana Pereira da Silva, que prometeu ao Bellini e aos coleguinhas dele que daria a todos uma bola de couro, mas sob uma condição: que as gazetas acabassem, e com todos em sala de aula. Dois incorrigíveis gazeteiros não compareceram à aula. Bellini foi ao encalço deles: “Um estava com quase quarenta graus de febre! O outro estava longe, mas Bellini foi atrás e levou os dois para a classe”, escreveu Giselda. Foi a primeira pelada da vida de Bellini com uma bola couro. Até então ele só jogava com bola de meia.


Durante as peladas no campinho municipal surgiu o gosto definitivo pelo futebol. A carreira começou para valer em 1948, no Itapirense. No ano seguinte, foi pescado pelo olheiro Mauro Xavier da Silva para atuar na Sociedade Esportiva Sanjoanense, de São João da Boa Vista, ao lado de ninguém menos que Mauro Ramos de Oliveira. Foi um custo para que Xavier da Silva convencesse o presidente do Sãojoanense, Francisco de Bernardes, de que Bellini estava sendo assediado por outros clubes. Bernardes havia ignorado a indicação de Xavier da Silva, que foi importuná-lo sobre Bellini durante a madrugada.

Mas o inusitado viria a seguir. O futuro capitão de 1958 tinha postura intermitente em relação a testes com bola. Era a condição para tê-lo. Sem testes, ou não haveria novo zagueiro. Tanto o dirigente quanto o olheiro aceitaram a condição do zagueiro. Ao primeiro treino de Bellini, entenderam o porquê da recusa do zagueiro em realizar os testes antes da contratação. Ficou por lá até 1951. Chegou a ser oferecido ao Palmeiras, mas os olheiros do Parque Antarctica o dispensaram.

A redenção veio em 1952, quando os dirigentes do Vasco da Gama, dono do melhor time do Brasil na época, o levaram para São Januário. Mas a diretoria que o contratou deixaria o clube logo em seguida. No lugar dela, assumiu o comando da nau vascaína o gaúcho Cyro Aranha (1901–1985), talvez o cartola mais popular da história do clube. Especulava-se, porém, que Aranha implicara com Bellini pelo simples fato de o rapaz, que dormia na concentração do clube, ter sido contratado pela diretoria anterior. “Quando o senhor resolver escalar este rapaz, por favor me avise para que não vá ao campo” – teria dito Aranha ao então técnico Flávio Costa, que emendou à queima roupa: “Então é melhor o senhor ficar em casa no domingo”.

Flávio Costa e o também treinador Oto Glória deixaram Bellini amadurecer no time de aspirantes até ser aprovado e integrado ao primeiro escalão do “Expresso da Vitória”. “Jogar bem, você não sabe. Trate de despachar a bola e deixe que seus companheiros façam as jogadas”, aconselhou Flávio Costa, que pedia calma ao jovem Bellini, sobretudo quando se deparava com críticas azedas iguais às que ouvia de Cyro Aranha. “Não ligue para as pressões e continue rebatendo, porque o último zagueiro que sabia jogar foi o Domingos da Guia”.


O titular absoluto da posição de Bellini era Haroldo (Rodrigues Magalhães de Castro – 1931–2010), que também havia chegado há pouco tempo no clube. Foi reserva no time campeão estadual de 1952. Mas as coisas iriam melhorar para Bellini com a chegada de Gentil Cardoso ao Vasco da Gama. Foi o treinador o responsável por encontrar a verdadeira posição de Bellini em campo: zagueiro-central e não quarto-zagueiro, onde Haroldo predominava. No entanto, Bellini, como assinalam Aldir Blanc e José Reinaldo Marques (autores de “A Cruz do Bacalhau”, da coleção Camisa 13, Ediouro, 2009), tinha mágoa de Gentil: “Fui campeão em 1952, porque joguei dois jogos. Gentil fez de tudo para o Vasco da Gama me mandar embora. Não sei os motivos”.

Mas a verdade é que com a nova posição em campo, o jovem paulista foi conquistando a confiança de técnicos e dirigentes. Ganhou a braçadeira de capitão e foi decisivo para o Campeonato Estadual de 1956. No ano seguinte, a estreia com a “Amarelinha” no empate de 1 a 1 com o Peru, no dia 13 de abril, em Lima, pelas eliminatórias da Copa da Suécia.


Em 1957, na crônica “O Javali do Vasco”, Nélson Rodrigues resumiu a importância de Bellini para a cruz-de-malta: “…um Vasco da Gama sem Bellini já seria menos Vasco da Gama – seria um Vasco da Gama descaracterizado, um Vasco da Gama mutilado na sua flama e no seu tremendo apetite de vitória”.

Mas 1958 foi o ano especial. O zagueiro conquistou o supersuperCampeonato Estadual. No time do Vasco da Gama, só feras: Miguel, no gol; Paulinho de Almeida, Orlando Peçanha (com quem Bellini formou a melhor dupla de zaga da história vascaína), Coronel, Sabará, Pinga, Roberto Pinto, Vavá, Écio… timaço!

O supersuper poderia ser, no entanto, um campeonato comum. O Vasco da Gama poderia ter conquistado o título a duas rodadas do final do campeonato. Bastaria um empate com o Botafogo ou o Flamengo, também seus adversários nas finais extras. Mas o Vasco da Gama perdeu para os dois rivais e provocou o turno extra, que terminou empatado entre os três e culminou em uma nova rodada. Aí, deu Vasco da Gama campeão.

Mas os cartolas vascaínos e parte da imprensa não entendiam a queda vertiginosa do Vasco da Gama na reta final da competição. Muitos atribuíam o baixo rendimento do time às estrelas que moravam em Copacabana: Almir, Orlando, Écio e, claro, Bellini. Acusavam os craques de se esbaldarem na agitada noite do bairro.

Bellini defendeu o Vasco da Gama em 385 jogos, marcando apenas um gol a favor e quatro contra, sendo expulso quatro vezes. É um dos que mais vestiram o manto da cruz-de-malta. Sobre a fama de capitão que ostentou, ele contava: “Sempre joguei sério, sem brincadeiras, tentando vencer de qualquer maneira. Esse meu jeito de ser fez com que o Flávio Costa me colocasse de ‘capitão’ do Vasco da Gama. Na Seleção, o Feola reuniu os jogadores que eram capitães em seus clubes, ainda na concentração de Poços de Caldas, para definir quem exerceria a função durante o Mundial (de 1958, na Suécia). Nilton Santos tomou a palavra e falou: ‘Põe o Bellini, que gosta disso, é sério e será respeitado por todos’. E todo mundo foi a favor”.


Mas, como escrevíamos anteriormente, o ano de 1958 foi mesmo especialíssimo para Bellini. E de forma incondicional. Inapelável. Vicente Feola o convocou para a Copa do Mundo na Suécia.

O restante da história, bem, pode ser recordada com mais exatidão – e em cores vivas na memória – pelas palavras narradas pelo inesquecível locutor Oduvaldo Cozzi (1915–1978) durante um dos gols de Pelé naquele mundial: “Garrincha passa para Didi. Este lança a Vavá, que passa para Pelé… e é gol, senhores! Gooool do Brasil! Brasil, campeão mundial!”. Impossível esquecer aquela irradiação de Cozzi. Impossível esquecer o grande Bellini erguendo a Jules Rimet.

MILHÕES DE CORAÇÕES BATERAM NO PEITO DE UM SÓ HOMEM: PASSARELLA

por André Felipe de Lima


A tarde daquele frio de 25 de junho de 1978 foi mais que especial para o zagueiro Daniel Passarella. É um dia inesquecível. Exatamente 30 dias após completar 25 anos, o jovem zagueiro, o “El gran capitán” do povo argentino, ganhara um presente sensacional. Levantava, portanto, a tão sonhada Copa do Mundo, e em pleno e lotado Monumental de Nuñez, em Buenos Aires.

Não vamos discutir aqui se aquele Mundial foi ou não arranjado pelos milicos da ditadura local com a suspeitosa turma da Fifa. Isso já está mais do que discorrido e provado. Houve mutreta. Mas não se pode apagar da história a qualidade daquela seleção, especialmente da figura de Daniel Passarela, que sem exagero é considerado um dos melhores zagueiros em todos os tempos e, a meu ver, o mais emblemático da história do futebol da Argentina.

Daniel Alberto Passarella foi exatamente o que achavam dele. Um grande capitão. Um zagueiro espetacular que todos queriam ter em seus times. Sorte do River Plate e do escrete biceleste tê-lo em suas fileiras. Há muitos jogadores relevantes na história do futebol argentino, mas somente ele, o Passarella, guardará algo que nenhum outro jamais igualará: foi o primeiro argentino a tocar uma Copa do Mundo. A beijá-la e a acariciá-la. Foi o primeiro a ver de perto aquele reluzente e cobiçado ouro maciço.


Naquele frio de 25 de junho de 1978, havia alguém para aquecer milhõesde corações que batiam aceleradamente em todo o solo no qual cantou Gardel, em que sorriu enternecida Evita Perón. Um solo onde sempre se luta pela democracia. Um solo do povo daquela grande zagueiro. Naquele dia, milhões queriam ser Passarela. Milhões foram, sim, o Passarella.