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andré felipe de lima

BECKENBAUER ÍDOLO

por André Felipe de Lima


“Olhe, tenho cinco filhos. Tive os três primeiros aos 23 anos. Não os vi crescer; estava focado no futebol. Negligenciei totalmente meus deveres como pai. Agora, recebi o presente de mais dois filhos. Se negligenciá-los, farei tudo errado novamente”. Confessar o erro é o começo para a transformação do amor. Franz Beckenbauer, o “Kaiser”, o maior jogador de futebol da Alemanha em todos os tempos e um dos “deuses” da história do futebol mundial, teve uma carreira irretocável dentro dos gramados. Dedicou-se ao extremo. Pagou um preço alto por isso: a distância da família. A confissão, feita em longa entrevista concedida em 2006, aos repórteres Jürgen Leinemann e Alfred Weinzierl, da Der Spiegel, sintetiza a importância de Beckenbauer como ídolo e figura pública para os alemães. Um camarada sincero, que não escamoteia.

Quando garoto torcia fervorosamente pelo TSV 1860, de Munique, rival do Bayern. Ele e o amigo Sepp Maier gostavam de jogar tênis, mas um dia Beckenbauer, durante uma pelada, recomendou ao Maier que ficasse no arco. Pintava ali o magistral goleiro do futuro, que se tornaria o maior goleiro da história do Bayern.

Beckenbauer realizara o sonho de todo menino: jogar pelo time do coração. Conseguira ingressar nos times infantis do TSV. Mas durante uma pelada ele saiu no tapa com meninos com quem jogava no clube. Acabou o amor. Torcer pelo TSV era passado. A desenvoltura do menino era, contudo, tão eloquente, que o rival do TSV acabou pescando-o para suas fileiras de craques, que começavam a escrever uma das páginas mais significativas do futebol germânico. Enfim, Beckenbauer iniciava sua trajetória no Bayern em 1965, como líbero, posição que o tornou célebre e a principal referência histórica. “Gostei de assumir um papel no flanco de trás. Eu era capaz de jogar com total liberdade; podia me apoiar em jogadores como (Uwe) Seeler, Willi Schulz e Karl-Heinz Schnellinger. Aqueles eram caras de verdade. Eles foram bem sucedidos. Atualmente, em quem um jovem jogador pode se apoiar? Ele vai cair!”.


Beckenbauer está certo. Um ídolo, para que exista, necessita da história anterior de outros ídolos. É como se os craques verdadeiros herdassem de geração a geração a chama do ídolo. No futebol brasileiro estamos perdendo o contato com a história dos ídolos do passado, dos próprios grandes clubes. Como frisou Beckenbauer, um jovem craque da atualidade “cairá”, ficará perdido sem a chama que deveria herdar de outro ídolo.

Mas hoje é o dia de Beckenbauer, que nasceu em Munique, no dia 11 de setembro 1945. Brotou daquela Alemanha dividida e dilacerada o maior ídolo do futebol que os germânicos reverenciariam nas décadas seguintes. O garoto cresceu no bairro de Giesing, como escreveu Torsten Körner, biógrafo do Kaiser, o campo de futebol era o “viveiro” de Beckenbauer, que adorava jogar peladas nas ruas antes de ingressar Bayern. Onde havia uma bola de futebol, lá estava o garoto. Jogou no time da escola e até mesmo no da igreja. Peladeiro de raiz e fominha, diríamos por aqui. O garoto Beckenbauer não ficava de fora das peladas que rolassem no velho Giesing, que por ironia é a casa do TSV.

Mas o Beckenbauer era tão bom de bola que, para entrar em campo com o time profissional do Bayern, teve de obter uma autorização especial da Federação Alemã de Futebol. Isso por volta de 1964/65, quando o Bayern retornava à primeira divisão do futebol alemão, a Bundesliga.

O treinador Zlatko Čajkovski foi que começou a moldá-lo para o futebol. Recomendava que o magricelo ganhasse mais peso. Tinha de comer mais. Mulher, cigarro e cerveja, nem pensar, como descreveu Körner. E deu certo, Em 1965 o garoto já estava escalado na seleção nacional, que se preparava para a Copa do Mundo que seria realizada no ano seguinte, na Inglaterra, e foi naquele Mundial que o planeta curvou-se ao genial garoto alemão, que não conquistou a Copa, mas mostrou que a escola de futebol da Alemanha não parou no título mundial de 1954. Começou a Copa de 66 no meio de campo e anos mais tarde o treinador Helmut Schön perceberia em Beckenbauer uma indiscutível vocação líbero. De 1966 em diante, era inimaginável um escrete germânico sem o Kaiser. Inimaginável também conferir uma escalação do Bayern sem ele. Clube do qual é o eterno capitão e que defendeu com brio incomum 424 vezes, assinalando 44 gols. Foi campeão da Bundesliga em 1969, 1972, 1973 e 1974; da Liga dos Campeões da Europa em 1973/74, 1974/75 e 1975/76 e Mundial Interclubes em 1976.


A primeira metade da década de 1970 foi mágica para o Kaiser. Ganhava tudo com o Bayern, e com a seleção alemã não foi diferente. Na Copa do Mundo de 1970, no México, impressionou o mundo ao permanecer em campo na semifinal contra a Itália, mesmo com a clavícula fraturada. Ídolo, herói… mito. Beckenbauer foi um jogador extraordinário.

A recompensa viria na Copa seguinte, com a Alemanha desbancando a poderosa Holanda, de Cruyff. Inesquecível vê-lo erguendo a nova Copa do Mundo, que substituíra a finada Jules Rimet, roubada e derretida no Brasil. Em 1977, após conquistar o Mundial Interclubes com o Bayern, Beckenbauer partira para uma aventura arriscada: fazer o americano gostar de futebol. E lá foi ele jogar ao lado do Pelé e do Carlos Alberto Torres, de quem se tornou amigo inseparável, no New York Cosmos. Foi campeão americano em 1977, 1978 e 1980.


O período nos Estados Unidos foi o emblema do distanciamento do Kaiser de sua amada seleção alemã. Poderia perfeitamente ir à Copa de 1978, na Argentina, mas, inexplicavelmente, a Federação Alemã de Futebol impediu que jogadores que atuassem fora do país fossem convocados. Mas por pouco essa regra estapafúrdica não foi pelos ares. Semanas antes do embarque do escrete para Buenos Aires, o treinador Helmut Schön ligou para Beckenbauer, que atendeu ao telefone às quatro horas da matina, em Los Angeles. “Ele perguntou se havia uma chance de me recuperar. Mas nenhum funcionário de alto escalão da DFB (Federação Alemã) ligou para pedir ao Cosmos que me liberasse. Enviaram o secretário-geral da associação de futebol americano, que obviamente não passou pelo porteiro (da sede da DFB). Então eu disse: ‘Não, vocês mostraram que não estão realmente interessados em minha participação (na Copa)”. O Kaiser só voltaria a brilhar com a seleção alemã em 1990, como treinador da Alemanha tricampeã mundial. Não falta mais nada ao maior dos maiores do futebol alemão. Pena ter sido o craque mencionado em um rumoroso caso de corrupção durante a escolha da Alemanha como sede da Copa do Mundo de 2006. Beckenbauer, segundo a Der Spiegel, teria recebido mais de 5 milhões de euros como chefe do comitê de organização da Copa, sobre os quais não pagou impostos. O Kaiser nega até hoje as acusações, e diz que a quantia recebida originou-se de publicidade e está devidamente declarada em impostos. Logo após a Copa de 2006, a revista Stern perguntou aos alemães se Beckenbauer mereceria manter o honroso apelido de Kaiser. Mais da metade dos entrevistados responderam com um rotundo “não”. Mas 35% votaram a favor da manutenção do Kaiser no “trono” do futebol alemão.

Pena que a sinceridade que sempre marcou a carreira de Beckenbauer tenha sido manchada por esse episódio. O povo alemão, em geral, não perdoa escorregões dessa natureza. Mas o Kaiser, apesar do imbróglio da Copa de 2006, é um ídolo. Como na Grécia Antiga, os deuses também cometeram deslizes, e assim caminha humanidade. Para o bem ou para o mal.

WALDO, O MAIOR ARTILHEIRO TRICOLOR

por André Felipe de Lima


Certa vez o poeta Victor Hugo deparou-se com estupenda interpretação da atriz Sarah Bernhardt, em A Dama das Camélias. A cada ato, bradava: “É a maior! É a maior”. Ao final da épica e insofismável apresentação da diva entre as divas da história do teatro, Victor Hugo em seu, digamos, périplo até o camarim empurra a todos que vê pela frente. Nos bastidores, berra: “Divina! Divina!”. Pois bem, aconteceu algo parecido após um Vasco e Fluminense. A pertinaz analogia não é deste cronista, mas de outro, anos luz superior: Nelson Rodrigues. “Anteontem, eu me lembrei de Vitor Hugo pelo seguinte: — no vestiário, depois do jogo, estava lá um pó-de-arroz desvairado. Ele varara as vagas sucessivas de funcionários da ADEM [Administração dos Estádios Municipais]. Com essa eficácia do penetra nato e hereditário, conseguira descer aos subterrâneos do Maracanã. E, enfim, entrara no vestiário tricolor. Aconteceu então o seguinte: — diante de Valdo, que ainda pingava de suor épico, o torcedor abriu os braços e soluçou: — ‘Divino!’. E tornou, convulsivamente: — ‘Divino!”.

Waldo — cuja grafia correta é com w e não v, como escreviam os jornais dos anos de 1950 e 60 — foi exultante, aos olhos de Nelson Rodrigues , diante do Vasco. Marcou gols aos montes no goleiro Barbosa. “Jamais Valdo foi tão Valdo, tão ele mesmo […] nem a falecida Sarah Bernhardt faria melhor […] E quando soou o apito final, cada um de nós era um Victor Hugo diante de Sarah Bernhardt. O torcedor anônimo e ignaro não falou por si, falou por todos. Ele resumia um Juízo Final e unânime. Todos nós achamos Valdo ‘divino’ da cabeça aos sapatos”.


E o placar resoluto apontava: Waldo 3, Vasco 2, com gols de Pinga e Delém, diante de um Maracanã apinhado de Sarahs Bernhardt no dia 31 de março de 1960. 
Waldo Machado da Silva é até hoje o maior artilheiro da história do Fluminense. Figuraria facilmente em listas que apontam o maior esquadrão tricolor em todos os tempos. Mas, apesar dos 319 gols [em 403 jogos] que marcou com a camisa do Fluminense, a memória social turva vem fazendo dele personagem rara nas rodas de conversa entre torcedores do Tricolor.

De 1954 até 1961, ninguém brilhou mais que Waldo nas Laranjeiras. Nem mesmo Telê Santana. Talvez Castilho… é verdade. Para quem Waldo perderia, talvez, no photochart. Foi daqueles centroavantes trombadores capazes de fazer gols em profusão e de qualquer maneira. Waldo cabia perfeitamente na brilhante frase de Dadá Maravilha: “Não existe gol feio. Feio é não fazer gol”. E tantos gols com a camisa Tricolor devem-se, sobretudo, aos passes de Didi, Maurinho e Telê Santana, que jogavam mais bola que Waldo. Outra verdade inquestionável. Mas isso não vem ao caso. O que importava era Waldo entrar nos gramados e fazer gols de cabeça, de pé direito, de pé esquerdo, de peito, de carrinho, de bico, de peito de pé, de sola, de canela, de joelho… só não fazia perder gols. Até hoje, ao lado de Heleno de Freitas, é quem mais gols marcou em clássicos entre Fluminense e Botafogo. Por dezesseis vezes balançou as redes alvinegras.

Waldo foi artilheiro do campeonato estadual de 1956, com 22 gols, e campeão em 1959. Foi também campeão do Torneio Rio-São Paulo nos anos de 1957 e 60, e artilheiro com 13 e 11 gols, respectivamente. Em 1960, seu passe acabou negociado com o Valência, da Espanha.

Na terra das touradas e do flamenco, seu faro de gol continuou apurado. Os 160 tentos com a camisa do Valência, a artilharia do campeonato espanhol na temporada de 1966/ 67, com 24 gols, e o bicampeonato da Copa da Uefa [1962 e 63] não deixam margem para dúvidas.


O grande Waldo nasceu em São Gonçalo, no dia 9 de setembro de 1934 e terminou a carreira no futebol espanhol. Após defender o Valência — até 1969 — e se consagrar como um dos maiores jogadores da história do clube defendeu o Hércules, de Alicante, e o Torrente, onde encerrou a carreira em 1976. Waldo mora até hoje na Espanha e dirige escolas de futebol.

Apesar da notoriedade, o centroavante só atuou pela seleção brasileira em quatro oportunidades. Pouco para muitos, mas não para o oportunista Waldo, que marcou dois gols.

Ao longo da carreira, Waldo marcou cerca de 500 gols. Pelo Flu, 319 [54 a 61]; pelo Valência, 160 [61 a 69]; pela seleção carioca, 6, e pela nacional, [1960], dois gols . Outra estatística incomensurável do maior artilheiro da história do Fluminense é o título de maior goleador brasileiro na história do futebol espanhol até 2006, façanha que foi superada por Ronaldo, o “Fenômeno”, quando este defendia o Barcelona e o Real Madrid.

Waldo esteve há alguns anos no Rio de Janeiro. Quem o trouxe foi o amigo e tricolor inconteste Valterson Botelho, autor da imperdível biografia do artilheiro, cujo título é “Waldo, o artilheiro”. Justa e merecida homenagem ao maior de todos os centroavantes que pisaram a grama da histórica Laranjeiras.

UBIRAJARA MOTTA, O MAIOR GOLEIRO DA HISTÓRIA DO BANGU

por André Felipe de Lima

Em novembro de 2014, eu e minha esposa Suellen Napoleão conversamos com o ex-goleiro Ubirajara Gonçalves Motta, o maior de toda a história do Bangu e o jogador que mais vezes vestiu a camisa do clube alvirrubro do subúrbio carioca. Foram 538 jogos com a camisa dos mulatinhos rosados, entre 1956 e 1969. É coisa à beça, meus caros. A entrevista foi concedida para o documentário “Simplesmente passarinho”, que narra a vida de Garrincha. A produção do filme está lamentavelmente parada por falta de apoio cultural (coisas do Brasil, conformo-me…), mas o nosso Bira está aí, firme e forte, morando na Tijuca, onde às vezes nos esbarramos, ora caminhando pela rua, ora no supermercado do Largo da Segunda-Feira. Um ídolo simples e inesquecível, que passa pelos mortais sem que estes o vejam. Sem que percebam que estão diante do Ubirajara, um gigante da história do futebol carioca. Mas não é o momento para essa digressão.

Naquela tarde em que batemos um longo papo, Ubirajara falou bastante sobre Garrincha, mas também contou muitos detalhes sobre a sua vida e carreira. Informações muito bacanas que estão na biografia que escrevi sobre ele e constará do volume com a letra “U”, da enciclopédia “Ídolos – Dicionário dos craques do futebol brasileiro, de 1900 aos nossos dias”, que um dia, quem sabe, lançarei.

Ubirajara viveu a infância e a juventude em Marechal Hermes, bairro próximo a Bangu. Ele recordou os tempos em que estudou no colégio Souza Marques, o momento em que conheceu a esposa e as primeiras conquistas com o time juvenil do Bangu, um elenco com cobras sensacionais, que levaria o clube a disputar quatro finais consecutivas (de 1964 a 1967) do Campeonato Carioca, conquistando em uma delas o título, em 1966, após a conturbada vitória sobre o Flamengo, um jogo que Almir Pernambuquinho bateu (e apanhou também!) para valer naquela que é até hoje considerada a maior pancadaria da história no gramado do Maracanã.

Ubirajara conta que o cartola Flávio Soares de Moura, do Flamengo, foi quem abordou Almir — devidamente expulso de campo — na boca do túnel e teria dito para o raivoso atacante: “Vai lá e tira o Ubirajara!”. Bira diz que Almir, que se preparava para descer as escadas rumo ao vestiário, voltou a campo intempestivamente, que nem um touro enlouquecido, dirigindo-se ao goleiro banguense: “Meu negócio é com você, para você ser expulso também. Se você não se defender, vou bater em você”. Teria dito ao goleiro. Bira recordou o diálogo: “Que isso, rapaz? Tá maluco?!… aí, o pau comeu”.

Bira contou que esteve com Almir dias após o jogo na TV Tupi. A emissora prestava uma homenagem ao Bangu pelo título de 66. Havia o temor de que Almir aprontasse no evento o mesmo que aprontou no dia da final, no gramado. Cabreiros, os banguenses assistiram ao irascível craque do Flamengo discursar. Almir elogiou o Bangu e começou a acusar os dirigentes do Flamengo de “safados”. Imediatamente cortaram o áudio de Almir, lembrou Ubirajara. Tentaram continuar o evento, mas Ubirajara disse que não dava mais. Almir tentara melar, pela segunda vez, a festa do Bangu.

Para quem não lembra ou jamais procurou conhecer detalhes, a final do Campeonato Carioca de 1966 foi uma das mais sensacionais da história do futebol carioca. O Bangu deu um verdadeiro passeio em campo. O placar estampava um insofismável 3 a 0 naquela inesquecível tarde de 18 de dezembro de 1966, com um Maracanã apinhado de gente, com mais de 140 mil. Mas, se dependesse de Almir Pernambuquinho, não haveria volta olímpica. Almir brigou com todos os jogadores do Bangu. Ubirajara, como dissemos, foi a principal “vítima” do Almir. O jogo não terminou aos 45 minutos da segunda etapa. Acabou bem antes disso, com o apito de um atônito juiz diante de alguns gatos pingados do Bangu e do Flamengo que “sobreviveram” em campo. Almir e Ubirajara, obviamente, integraram a numerosa lista de jogadores expulsos.


Ubirajara chegou à Seleção Brasileira. Disputou apenas um jogo, contra o Peru. Levou apenas um gol, que os atacantes brasileiros recompensaram com outros três. O jogo valeu como preparação para a Copa do Mundo, na Inglaterra, em 1966. Ubirajara fazia parte do grupo de 44 jogadores experimentados para embarcar para Londres, uma das maiores barbeiragens administrativas de cartolas antes de um Mundial. Acabaram indo apenas 22 e o goleirão do Bangu ficou de fora. Jamais se conformou com o corte.

Manga, que foi o goleiro titular naquela Copa de 66, dizia sempre para o Ubirajara que o Feola deveria levá-lo para a Inglaterra. “Ele tem de levar eu e você. Gilmar não dá mais e o Valdir [de Morais, do Palmeiras] está com problema na clavícula”, reconheceu o arqueiro do Botafogo. Na véspera do embarque para a Copa, Manga se dirigiu ao Ubirajara e, consolando-o, disse o seguinte: “Pô, Bira, que treinador safado”. Pelé fez o mesmo e confessou ao Bira que os jogadores da seleção estavam “entrando numa fria” para a Copa de 66.

Ubirajara disse durante a entrevista que Feola ficava o tempo todo sentado durante os treinos e dormia quase que o tempo todo. “Todos os dias víamos um filme na concentração. Olhávamos para o Feola e ele estava sempre dormindo. Saía todo mundo e deixávamos ele sozinho”. Em seguida, Ubirajara conta da liberação da CBD (Confederação Brasileira de Desportos) – a pedido do Bangu – para que ele não permanecesse na Seleção para disputar o campeonato sul-americano, em 1963, na Bolívia. O “manager” do Bangu, o notório banqueiro do jogo do bicho Castor de Andrade, não abria mão do goleiro para uma excursão pela Europa. “Com Castor, a gente fazia qualquer negócio”, confessou Ubirajara.


Depois do time de Moça Bonita, o maior goleiro da história do Bangu defendeu Botafogo e Flamengo. Com o Alvinegro, foi novamente campeão estadual, em 1968, brigando pela posição com o então jovem Cao. Vestindo rubro-negro, levantou os canecos de 1972 e 74, disputando a posição com Renato e o xará Ubirajara Alcântara. Poderia ter conquistado mais um título estadual não fosse a miopia do árbitro José Marçal Filho, que, na finalíssima entre Bota e Fluminense, em partida realizada no dia 27 de junho de 1971, validou um gol para o time da rua Álvaro Chaves. Na jogada, o lateral-esquerdo tricolor, Marco Antônio, fez falta em Ubirajara, impedindo-o de defender a bola, que sobrou para o ponta Lula, autor do gol da vitória Tricolor. “Vamos todos para cima do juiz dar uma surra naquele safado”, lembrou Ubirajara. Alguém do Fluminense ouviu a queixa dos banguenses e teria avisado ao juiz. “Acabando o jogo, os tricolores disseram para o juiz: ‘Foge que eles vão te pegar’. Ele terminou o jogo na boca do túnel e desceu… safado, já não estava mais em campo. Já tinha fugido. Futebol tem essas coisas.”

Ubirajara “entregou” Marco Antônio. O lateral do Fluminense teria confirmado, no bastidor ter feito a falta nele. “Na reportagem, ele dizia que só esbarrou em mim, mas fora dela, confessava ter me empurrado. ‘Dei uma gravatinha nele por isso saiu o gol”. Ubirajara jamais perdoou o juiz. Nem poderia.

Carioca, Ubirajara nasceu no dia 4 de setembro de 1936 e vive até hoje na cidade do Rio de Janeiro, como aposentado da bola e da profissão de contador. Foi, inclusive, presidente da Fundação de Garantia do Atleta Profissional [Fugap] e investiu na carreira de treinador. Ainda tem muita história boa para contar sobre o mundo do futebol.

CLAUDIOMIRO, QUANDO O FUTEBOL NOS BRINDA COM UM SORRISO

por André Felipe de Lima


Claudiomiro chegou a ser apontado pelo escritor Luis Fernando Verissimo como craque superior a Zico. O voto do magistral escritor e cronista em uma enquete impediu que ídolo rubro-negro ingressasse na lista da hipotética seleção dos sonhos. “Até hoje tem flamenguista que quer me matar”. Mas o atacante baixinho e atarracado ficou famoso mesmo pela célebre declaração sobre Jesus Cristo que rende, até hoje, comentários hilariantes. Não foi nenhum agradecimento por vitória alcançada, foi uma entrevista quando chegava à Belém do Pará, para o duelo entre o seu Internacional e o Paysandu, em jogo válido pelo campeonato brasileiro de 1972. “Tenho o maior orgulho de jogar na terra onde Cristo nasceu”, disse Claudiomiro a um repórter. Mas merece que falemos do futebol que tinha: era centroavante polivalente do Inter entre o fim dos anos de 1960 e a década de 1970. Batia na bola com as duas pernas e era muito veloz. Ganhou o apelido de Bigorna, pois, baixinho e atarracado, apanhava muitos adversários e saía ileso. Só perdeu três dos 34 clássicos que disputou contra o Grêmio.

Claudiomiro Estrais [ou Streis, como muitos alegam ser a grafia correta] Ferreira nasceu em Porto Alegre, em 3 de abril de 1950. Dona Adelaide, mãe de Claudiomiro, foi criada por um casal de alemães. Por isso o sobrenome germânico do craque. O pai, Elpídio Ferreira, tinha muitas dificuldades para sustentar a família. Além de Claudiomiro, havia mais três filhos, Flávio e Ivan. Todos ajudavam no parco orçamento da família, fazendo carretos em Canoas, com uma carrocinha. 


Foi Dona Adelaide quem o levou para um teste no Inter quando ainda tinha apenas 13 anos. Na primeira tentativa, o menino foi dispensado. Ambos retornaram muito decepcionados à Canoas, onde moravam, mas sem perder a esperança. Um dia surgiu um convite do Grêmio. O menino recusou-o. Afinal, toda a família era colorada. E o Inter foi mesmo o seu primeiro clube, onde chegou aos 14 anos de idade para submeter-se aos teste de Daltro Menezes, no time infantil . Uma oportunidade que surgiu graças ao comerciante José Ghilosso, amigo do pai de Claudiomiro e conselheiro do Inter . Todo o dinheiro que ganhava nos juvenis do Inter, enviava para a os pais, em Canoas.

Foi artilheiro do campeonato brasileiro de Juvenis, em 1967, e, tempos depois, subiu para os profissionais, quando contava 18 anos, por intermédio do técnico Sérgio Moacir Torres, ex-goleiro do Grêmio. Seria o começo da glória de Claudiomiro no Inter, que disputaria seu primeiro campeonato nacional, o Torneio Roberto Gomes de Pedrosa, competição em que o Inter, no dia 28 de maio, derrotaria o Corinthians dentro do Pacaembu. Foi a primeira vitória de um time gaúcho contra um paulista dentro de São Paulo. Um feito histórico, que mobilizou a torcida em Porto Alegre.

O atacante conquistou seis campeonatos gaúchos seguidos, de 1969 a 74. Na final de 72, fez o gol único sobre o Grêmio. 

Aos 22 anos, defendeu a seleção brasileira na Argentina, na disputa pela Copa Rocca. Estava no elenco nos dois jogos de despedida de Pelé da seleção, o do Morumbi e o do Maracanã. Claudiomiro vestiu apenas cinco vezes a blusa canarinho e marcou um gol. Dentre os feitos mais significativos em toda a carreira, o de ter marcado o primeiro gol no estádio Beira-Rio, na vitória por 2 a 1 sobre o Benfica, de Portugal, em 6 de abril de 1969 .


Enfrentando problemas de peso e no joelho, Claudiomiro só deixou o clube em 1975, para defender o Botafogo. Em 1976 e 77, jogou por Flamengo e, em 78, pelo gaúcho Caxias. Visivelmente fora de forma e “brigando” com a balança, o centroavante ainda encontrou forças para jogar pelo Novo Hamburgo, em 1979. Mas não por muito tempo porque o Inter resgatou-o. E, após várias infiltrações no joelho direito, concluiu que tinha de pendurar as chuteiras, com apenas 29 anos.

Em Canoas, interior gaúcho, Claudiomiro candidatou-se a vereador, mas não se saiu bem nas urnas. Repetiu a tentativa para deputado estadual e federal. Micou novamente. Como funcionário da área de comunicação social do clube, divulgou a marca “Internacional” pelo interior dos estados do Sul para conquistar novos torcedores do Colorado. E o “garoto propaganda” convencia. Afinal, foram 205 gols em 424 jogos com a camisa vermelha.

NENA, O MENINO POBRE DO BAIRRO RICO. ETERNO ÍDOLO COLORADO

por André Felipe de Lima


O grande Luiz Mendes, o “comentarista da palavra fácil”, como carinhosamente chamavam-no os locutores Waldir Amaral e Jorge Curi, tinha uma relação especial com o zagueiro Nena [Olavo Rodrigues Barbosa], um dos melhores da história do Internacional de Porto Alegre e um dos ícones do famoso “Rolo compressor” da década de 1940, como era conhecido aquele poderoso esquadrão Colorado que, além do Nena, contava também como Alfeu, Ávila, Abigail [“paixão” do Luis Fernando Verissimo] Carlitos, Adãozinho, Tesourinha e por aí vai. Mendes e Nena começaram praticamente juntos. O primeiro, na imprensa; o segundo, no futebol.

Nena morava no bairro Petrópolis, de Porto Alegre. Bairro tido grã-fino da capital gaúcha. Mas Nena era pobre. Entre uma pelada e outra, ainda garoto, jogando pelo Paraná FBC, time do bairro, o renomado treinador argentino Ricardo Diez o descobriu. Foi mais ou menos assim, como narrou Mendes. A rapaziada sabia que Diez iria assisti-la em um jogo pelo campeonato do bairro. Diez era então o melhor treinador da cidade e ficara famoso por fazer do time do Inter um respeitável elenco, convencendo inclusive cariocas e paulistas de que gaúcho também era bom de bola. E o “bom de bola” naquela tarde era o beque Nena. Sim, beque porque Nena sempre jogava por ali, na zaga. Só seria deslocado para a lateral-esquerda quando chegara ao Inter, onde o dono da zaga era o Alfeu. Pois bem, continuando. Diez mirou Nena e disse em seu portunhol arrastado: “Que belo muchacho! És um negrito flerte, hein?. És como Ademir que yo descobri em Pernambuco. És um craque, el pibe. Yo le voy hablar!”.

Para quem não recorda, Diez foi o técnico daquele timaço do Sport, que entre fevereiro de 1941 e janeiro de 1942 excursionou pelo sul e sudeste devastando quem via pela frente nos gramados. Ademir de Menezes, a grande joia descoberta por Diez, integrava o elenco. Diez ficou tão famoso em Porto Alegre, que após o passeio do Sport em Porto Alegre, permaneceu na capital gaúcha para começar a montar o time que se transformaria no “Rolo compressor”.

Nena encantou Diez. Amor à primeira vista. O rapaz foi logo treinar numa terça-feira após aquela pelada em Petrópolis. Um treino que deveria ser esmerado. Haveria um confronto no domingo seguinte contra o Cruzeiro. Em campo, os dois times protagonizaram uma partida encarniçada, mas Nena brilhou e ajudou o Inter a encerrar o placar favorável de 2 a 1. Não sairia mais do time titular.


Em 1946, já não era mais o rapaz bom de bola de Petrópolis. Era o Nena, um dos melhores jogadores dos pampas. O escrete brasileiro precisava de um jogador como ele. Naquele mesmo ano, Uruguai e Brasil disputariam a antiga Copa Rio Branco. Eis o batismo de fogo do excelente jogador gaúcho.

“Entrei no Pacaembu para enfrentar os uruguaios. Subi as escadas que unem o vestiário ao gramado e quando ergui os olhos me pareceu que estava na cratera de um imenso vulcão. Corremos o campo. Um pé de nervosismo me embargava a respiração. Depois, vi-me perfilado enquanto a bandeira do Brasil subia ao mastro e o hino nacional era executado por uma banda militar. Vieram-me as lágrimas aos olhos e eu comecei a pensar em tudo o que já havia me acontecido antes na minha vida de jogador de futebol. Eu me enxerguei jogando no bairro de Petrópolis, com a camiseta do Paraná FBC. Um campinho despretensioso, com alguns curiosos observando o jogo, as balizas desprotegidas de redes… e ali estava eu, no meio daquela gentarada toda, e com a camisa da seleção brasileira.”

Nena é de um tempo romântico, que, infelizmente, não voltará mais. Amava-se a camisa do clube. Amava-se a da seleção também. E de verdade, sem vaidade ou marketing. Nena foi o “Parada 18” [famoso ponto de bondes de Porto Alegre], como o apelidaram porque parava tudo que tentava passar por ele na zaga. Foi um dos símbolos de uma penca de títulos de campeão gaúcho do Inter nos anos de 1940. Merecia espaço na seleção da Copa de 1950, mas foi mantido por Flávio Costa na reserva de Juvenal Amarijo. Certamente, Nena não daria sopa para o Ghiggia na final e o Brasil, talvez, tivesse mais sorte contra o Uruguai, no Maracanã.

Em 1951, foi jogar, como zagueiro, pela Portuguesa de Desportos, formando — para os saudosistas da velha Lusa — o melhor “trio final” da história do clube, ao lado do goleiro Muca e do lateral-esquerdo Noronha, outro gaúcho, que havia atuado pelo Grêmio, Vasco e São Paulo. Com a Portuguesa, Nena conquistou o Torneio Rio-São Paulo de 1952, quebrou a perna duas vezes. Não dava mais. Ponto final, portanto, da esfuziante carreira.

Nena faria 95 anos hoje.