por André Felipe de Lima
Gandhi faria anos hoje, dia 2. Nasceu em 1869. Quando nos lembramos de paz seu nome é sempre associado. Foi uma das personagens mais espetaculares da humanidade. Morreu vítima da violência que sempre combateu com amor e concórdia. Suas nobres palavras paralisavam tropas, desmontavam armas, e agindo assim ele conseguiu unir a Índia, tornando-a livre, independente sem que ele e seus seguidores usassem da violência para atingir a meta libertadora.
O grande arauto da paz gostava de futebol, e percebeu no esporte um caminho especial para fortalecer seu propósito. Quando estudara na Inglaterra, no final do século XIX, teve o primeiro contato com uma bola de futebol. Já jogara críquete na Índia. Esporte dos ricos. Isso o incomodava. Mas o futebol era diferente, era tendencialmente mais próximo do povo. Apaixonou-se pelo novo esporte. Esteve na África do Sul e lá ajudou a fundar os Passive Resisters Football Club (Resistentes Passivos Futebol Clube), um grupo de três times que trazia como emblema intocável o Satyagraha (a verdade firme).
Aquela viagem de Durban a Pretoria, nos trilhos do solo sul-africano, inspiraria o jovem advogado Mohandas Gandhi. Era 1893. Viajava em um vagão da primeira classe, mas teve de descer. “Este vagão é exclusivo para brancos”. Gandhi indignara-se com o que acabara de ouvir do guarda. Mas não esboçou reação, prosseguiu a viagem em um comboio de terceira classe, no qual havia hindus, como ele, e negros. Mas o pior estava por vir. Mesmo mostrando-se firme e inabalável, foi jogado para fora do trem. Não esboçara reação alguma. Nem com palavras tampouco violência. A noite lhe reservara ao frio da estação de Pitermaritzburg. Dormira ali, no chão, pensando em tudo que acabara de acontecer, porém com uma chama transformadora latente em sua alma. Começaria a mudar o mundo que o cercava naquele instante. O futebol pode ter sido um passo inicial para isso. Como gostava muito do esporte bretão, pressentia que este poderia ser útil no combate à intolerância e ao racismo que avançavam sobre a África do Sul.
O nome Passive Resisters Football Club brotou da obra de Leon Tolstói, de quem era ardoroso fã e amigo. A correspondência de Gandhi e Tolstói foi intensa e por anos. A grande alma hindu, filho de uma humilde família Vaishya; um advogado; encontrara seu paralelo russo, filho de um nobre rico, que renegara a vida aristocrática herdada para, em troca, dedicar-se à humanidade e ao humanismo.
Imbuído de todo amor e vigor, Gandhi não teve mais dúvidas de que o futebol poderia reverter (ou pelo menos ajudar a mudar) o racismo que impregnara a África do Sul. Durban, Johanesburgo e Pretoria presenciaram as primeiras pelejas do times do Resistentes Passivos. Não há registro se Gandhi entrara em campo em um daqueles jogos. Muito provavelmente sim. Mas demonstrava denodo como gestor do grupo futebolístico. A democracia que envolvia o futebol o seduziu. Brotava ali a semente da frondosa árvore cujas flores e folhas se espalhariam inicialmente pela Índia e depois pelo mundo inteiro. O futebol que Gandhi conheceu e ajudou a implantar na África do Sul tem sua parcela nisso tudo.