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andré felipe de lima

ASSIS, UM ÍDOLO TRICOLOR QUE NASCEU NO DIA DO FLUMINENSE

Assis foi um jogador mágico. Encantou milhões de tricolores país afora. Hoje, o saudoso ídolo faria anos. Lei nas linhas a seguir a biografia do “Carrasco” do Fla-Flu

por André Felipe de Lima

Inquestionável. Os primeiros anos da década de 1980 foram dominados pelo Flamengo de Zico, um time [aparentemente] insuperável, conquistador de tudo o que via pela frente. Diante da superioridade rubro-negra, os rivais precisavam responder à altura. Missão espinhosa, sobretudo para Vasco, Fluminense e Botafogo. Um destes clubes daria, contudo, o troco ao clube da Gávea… e na mesma moeda. Ou, talvez, mais.

Em 1983, despontava um time Tricolor, comandado pelo técnico Cláudio Garcia, que poucos acreditavam ir longe. Tampouco afrontar aquele indefectível e intransponível Flamengo. Pena Nelson Rodrigues, que morrera em dezembro de 1980, não ter visto aquela até então desconhecida fileira heroica, da qual o líder chamava-se Assis. Quantas odes Nelson escreveria para reverenciá-los o Tricolor e, por que não, o Assis?

Fluminense e Assis — reunidos em uma única entidade, a vitória — encantaram o futebol carioca. E ao Flamengo restou a conformação. Era necessário aturá-los, pelo menos entre 1983 e 1985. Nesse período, só deu Flu, e mais ninguém.

À frente da trupe das Laranjeiras, Assis, o “carrasco rubro-negro”, um camarada que, como poucos na humanidade, ostenta a aura dos heróis predestinados. Seres mitológicos, que sofrem o pão que o diabo amassou até alcançarem o reconhecimento do Olimpo.

Bastaria a trajetória de Assis para que se instaurasse um encantamento imediato entre ele e o “profeta tricolor”. Seria amor à primeira vista. Amor santificado, imaculado, porque o ídolo tem nome e sobrenome de santo popular: “Benedito” é o primeiro, “Assis”, o segundo. Sobra espaço para o “Silva”, o derradeiro. “Silva”, de santo genuinamente brasileiro. Assim foi batizado o ídolo: Benedito de Assis da Silva, um ex-meia-atacante, que nasceu em São Paulo, no dia 12 de novembro de 1952. Uma data que, segundo a Lei Estadual nº 5094 de 27 de setembro de 2007, se tornaria, oficialmente, o Dia do Fluminense Football Club. Uma coincidência divina, peremptória. “Minha ligação com o Fluminense começou quando era criança em São Paulo. Colecionando figurinha, me encantei com o cartola que era o mascote tricolor […] Acompanhava os jogos pelas TVs Excelsior e Tupi e em 1968 vi o Fluminense pela primeira vez no Parque Antártica. Foi 1 a 1, comemorei o gol do Dário e só não apanhei da torcida do Palmeiras porque era moleque”.

A carreira de Assis começou em 1970, na divisão de base do Clube Atlético Juventus. Ficou apenas dois meses na Rua Javari, no bairro paulistano da Mooca, e seguiu para a Portuguesa de Desportos. Por pouco, desistiria de jogar bola. Seria uma lástima para o futebol. Um pecado mortal, cuja pena pagariam muitos tricolores que ficariam privados da história de Assis. “Eu nasci na Vila Prudente [zona leste de São Paulo] e jogava na várzea. Nunca tive um trabalho de base. Fui para o Juventus, fiquei dois meses, mas fui dispensado. Aquilo me desiludiu. Aí fui para a Portuguesa e aconteceu a mesma coisa. Resolvi parar com o futebol […] comecei tarde na carreira, nos contratempos da ilusão e desilusão”.
De segunda-feira à sexta-feira, Assis, órfão de mãe aos cinco anos e de pai, aos 19, trabalhava durante o dia, inicialmente na Ford e depois na Persiana Columbia, e à noite estudava. Como a paixão pelo futebol falava mais alto, continuou jogando em campos de várzea nos fins de semana para receber alguns trocados. Um olheiro do São José o descobriu nas “peladas” e, em 1975, o levou para lá. Foi contratado e passou a morar no alojamento do clube. Mas Assis, já com 22 anos, vivia uma indefinição profissional. Como o São José não pagava o seu salário, resolveu parar por um tempo. Reapareceu em 1976, na Internacional de Limeira, e, no ano seguinte, na Francana, enfim decolou. Foi o destaque do time e artilheiro do campeonato paulista, na série B da competição.

Durante uma partida contra o São Paulo, um gol de Assis chamou a atenção do técnico Rubens Minelli, que recomendou a contratação do jovem ponta-de-lança da Francana aos dirigentes do São Paulo. Minelli saiu do tricolor do Morumbi em 1980 e em seu lugar entrou Carlos Alberto Silva, que endossou a ida de Assis para o São Paulo. No Morumbi, Assis realizou um antigo sonho do pai, que faleceu sem vê-lo brilhar.

CONTRAPESO

Assis permaneceu no São Paulo até 1981. Foram 88 jogos, 40 vitórias, 31 empates, 15 gols e alguns constrangimentos durante sua estada no Tricolor paulista. Muitas vezes, Assis e a torcida não se bicaram. Chegou a ouvir um grito cruel logo que o alto-falante do estádio do Morumbi anunciara a entrada do jogador em campo: “Vai, morto!”. Assis era motivo de chacota, e isso o perturbava
Sem espaço na “Máquina”, que contava com Renato, Serginho, Oscar, Dario Pereyra e Mário Sergio, foi negociado com o Internacional, de Porto Alegre. Lá, conheceu o centroavante Washington, com quem formaria uma das melhores duplas de ataque do futebol brasileiro na década de 1980. Mas não no time gaúcho. A futura dupla só vingaria no Atlético Paranaense, em 1982, quando foram trocados pelo lateral Augusto, que seguiu para uma obscura passagem pelo Inter.

Se o Atlético os recepcionou muito bem, o mesmo não se pôde dizer de parte da imprensa paranaense, como destacou reportagem da revista Placar: “A manchete da Tribuna do Paraná, de Curitiba, opinava com todas as letras: não passavam de dois mercenários. E suas fotos estavam estampadas sob um grotesco xis”.

A prioridade dos dirigentes do Furacão era, inicialmente, apenas o centroavante Washington, mais jovem que Assis. “Fui de contrapeso, fiquei mal, mas não queria atrapalhar a vida do Washington. Jurei para mim mesmo: vou provar meu valor”, disse Assis ao jornalista Paulo Fávero. Não tardou, e os dois começaram a jogar partidas memoráveis pelo Rubro-negro. Tanto que foram apelidados de “Casal 20”, em referência ao seriado americano de TV. Juntos, foram fundamentais na conquista do campeonato paranaense de 1982, cujo troféu o Atlético não erguia há 12 anos, e da ida do time às semifinais do campeonato brasileiro, realizado no primeiro semestre de 1983.

O futebol refinado de Assis, com passes precisos e velocidade, e os gols e cabeçadas de Washington deixaram a “Baixada” de Curitiba e foram parar nas Laranjeiras, após os cartolas dos clubes fecharem a negociação dos passes dos dois craques em 130 milhões de cruzeiros, mais o empréstimo de Cândido e os passes definitivos de Cristóvão, Zezé Gomes e Lela, que estava emprestado ao Coritiba.

Embora tenha chegado ao Rio novamente como contrapeso na negociação entre Atlético e Fluminense, Assis, que vestiria a camisa 10, outrora de Rivelino, foi tranqüilizado pelo então supervisor do Flu, Roberto Seabra, e pelo diretor de futebol, Nílton Graúna — este o responsável direto pela ida do Casal 20 para as Laranjeiras —, de que seria muito bem acolhido no Rio de Janeiro. Promessa cumprida. Dos dois lados. Assis abraçou a cidade e os torcedores, literalmente, o amavam. Tudo à primeira vista.

Nos seis primeiros jogos do Fluminense pela Taça Guanabara, o primeiro turno do campeonato carioca, Assis realizou façanhas em campo, com suas passadas largas e dribles. Sim, dribles apesar das longas pernas e do corpo, vá lá, esbelto, perfil que lhe rendeu o apelido “Linguiça”, que abominava.

O estilo lembrava o de Ademir da Guia. Marcou vários gols e tornou-se o cérebro daquele time, que conquistara cinco vitórias e um empate. No jogo contra o competitivo Bangu, Assis marcou dois dos 3 a 0. O primeiro gol marcou após a bola rebatida da defesa. Com malícia, Assis jogou o corpo um pouco para trás e desferiu um voleio inesquecível, com a canhota. O goleiro Tião procura a bola até hoje. Na saída do Maracanã, nos tempos em que um Bangu e Fluminense levava, fácil, fácil, mais de 60 mil ao estádio, um coro de cerca de 30 mil vozes gritava seu nome.

COMO É BOM GANHAR DO FLAMENGO

Assis nascera para liderar multidões, tal e qual um Moisés tricolor conduzindo seu povo rumo à liberdade, pela aridez do deserto. Os fiéis a segui-lo, não questionavam o ídolo, que agradecia pela incontida fé: “O futebol no Rio é diferente: mais técnico, bonito de se ver. O tratamento também é diferente: a gente vê que as pessoas torcem para que você cresça, seja bom, seja amado. Sinto-me muito bem aqui”.

Após aquela Taça Guanabara, da qual o Flu foi campeão invicto [nove vitórias e dois empates], Assis continuou a fazer gols — principalmente os dois na final contra o América —, proporcionou outras grandes conquistas ao Flu e ingressou definitivamente para o panteão de heróis tricolores, tornando-se um dos maiores jogadores de todos os tempos do clube e figurinha fácil em qualquer escalação de time dos sonhos do Fluminense. E o Flamengo que o diga…

Marcou gols antológicos, sobretudo em clássicos Fla-Flu, como o da final do campeonato carioca de 1983, realizada em dezembro, assinalado aos 45 minutos do segundo tempo. O mais marcante de sua carreira, confessou Assis, que foi o artilheiro da campanha do estadual, com 11 gols, e considerado o grande ícone daquele novo Fluminense que emergia.

A premonição de que o Flamengo tombaria diante do Flu viera às três horas da madrugada de sábado para domingo, na concentração tricolor. Assis, cumprindo uma espécie de ritual em vésperas de jogos, telefonara para seis amigos, entre eles a então noiva Ane Valéria e Ivair, ex-companheiro do Atlético Paranaense, definido por Assis como pé de coelho. “Olha, bicho, domingo à noite nos encontramos nos Gols do Fantástico”.

Dito e feito.

Faltavam apenas 15 segundos para se esgotarem os 45 minutos do segundo tempo. O 0 a 0 no placar colocaria o Flamengo para decidir o título contra o Bangu e tiraria o Fluminense do páreo. Naquele momento, o bandeirinha Eraldo Prevot apontou impedimento de Adílio, na intermediária tricolor. O meia [e maestro] Delei, exímio lançador, ajeitou a bola rapidamente, esticando-a até Assis, que, pela meia-direita, e completamente desmarcado, troca de pé, tirando o goleiro Raul da jogada. Um chute preciso de canhota. Gol que, após o empate entre Flamengo e Bangu, entraria para a história como o do primeiro título da “Era Assis”.

“Ali [após o gol aos 45 minutos] o Flamengo não teve mais chance de reação. Era meu primeiro ano no Fluminense e foi um dos dias mais importantes da minha vida. Meu parceiro de quarto na concentração era o Jandir. Antes do jogo, estávamos no hotel depois do lanche e senti que ele estava nervoso. Daí eu falei: “’Tá com medo, Jandir? Se estiver, fala comigo, que eu te tranquilizo fazendo um gol na final.’ Depois, já no vestiário, passei pelo Newton Graúna, que era o diretor de futebol da época e foi uma pessoa que lutou muito pela minha contratação. Ele estava estranho e eu logo falei: ‘Alguém arruma um calmante pro Graúna? O cara está tremendo! Pode deixar que eu vou fazer o gol’”.
O “intranquilo” e feliz Jandir, já nos vestiários, agradecia a Deus ter Assis no mesmo time. “Olha, gente, quem tem esse neguinho Assis no time, tem bicho certo”.
Edinho ganhou de Zico. Ambos estavam na Itália, defendendo a Udinese, que acabara de empatar um jogo encarniçado contra a Juventus, de Platini. Edinho, preocupado com o Fla-Flu, telefonou para Assis horas antes de o jogo começar no Maracanã. “Cara, eu e Zico apostamos umas mussarelas [sic], provolones e vinhos neste Fla-Flu. Quero ganhar, Assis”. De supetão, O Galinho de Quintino entra na linha: “Assis, o Tita é melhor que você!”. Restou ao Assis emitir uma sonora gargalhada e rebater a tese de Zico: “Melhor que eu, só você, Zico. E trate de pagar o Edinho, porque o Flu vai massacrar”.
No final do jogo, o craque-profeta Assis vaticinou: “Ao olhar o presidente do Flamengo [George Helal], senti que nem precisarei jogar com o Bangu. Eles vão fazer o serviço para nós. Pena que não poderei me despedir da torcida, nem dar volta olímpica. Azar. Ano que vem tem mais”.

E teve.

Além do campeonato brasileiro, no primeiro semestre de 1984, em cima do Vasco, na final do campeonato carioca, no segundo semestre, Assis repetiu a dose sobre o Flamengo e, após uma cabeçada certeira contra a meta do argentino Fillol, deu ao Flu o bi-campeonato. Com esse feito incomparável, tornou-se o único jogador a marcar o gol do título estadual do Rio em duas decisões seguidas entre Flamengo e Fluminense.

O “carrasco do Flamengo” não se satisfez com o “bi” e conquistou o estadual em 1985, para cima do Bangu, em um controvertido jogo apitado por José Roberto Wright. Embora tenha sido um dos pilares do time durante toda a campanha do “tri”, Assis não entrara em campo na final. Em novembro daquele mesmo ano, sofrera uma grave contusão após uma entrada violenta do marcado Jair, do Bangu. Como o joelho direito baleado, só voltaria a tocar numa bola em março do ano seguinte.

Assis estava tenso naquela final contra o Bangu. Sentado nas cadeiras azuis do Maracanã, observava o time apático. Terminado o primeiro tempo, com o Flu em desvantagem no placar, desceu ao vestiário tricolor para incentivar os companheiros. Assis não retornou às cadeiras especiais do Maracanã, preferindo ficar no bando de reservas. A imagem do ídolo foi fundamental, mesmo que fora de campo. Com Assis mais próximo, os jogadores sentiram-se seguros e Flu virou o jogo. Flu, enfim, “tri”. Assis, decididamente, mestre.

No Maracanã, durante os anos de glória de Assis no Flu, a torcida do Flamengo ouviu diversas vezes o coro tricolor ecoar nas arquibancadas: “Recordar é viver, Assis acabou com você”. Era a especialidade dele: demolir o Flamengo. Gostava de aporrinhar a torcida rubro-negra com os seus gols em Fla-Flu. Já contra Vasco e Botafogo, isso não acontecia. No time de São Januário, só marcou um gol, contra o Alvinegro, nunca balançou as rede.

Assis era o jogador mais espirituoso daquele grupo tricolor. Embora nunca tenha aprendido a tocar instrumentos musicais, era o “músico” número dos jogadores. Como narrou o jornalista Marcelo Rezende, Assis herdara do pai Oswaldo, compositor e festeiro da Vila Prudente, o gosto pelo samba e chorinho. Nas rodas de samba dos jogadores, fazia questão de ajudar na marcação do samba com a boca. E não era apenas com música que o craque se dava bem. Era o “Maneca”, como o chamava Washington, por ser o jogador do Flu que mais elegantemente se vestia. Nos tempos em que defendeu a Francana, já havia experimentado o gostinho de ser manequim por um dia ao posar para um figurinista da cidade de Franca. Era um período ruim para sua carreira nos gramados, como saía sempre em colunas sociais, a torcida pegava no seu pé. Do bando de reservas, pensava: “Meu Deus, protege este filho, que não é manequim e vai acabar sendo ex-jogador”.
Não foi isso que aconteceu.

TAL PAI, TAL FILHO

Assis brilhou [e muito!] para manter, na fase em que esteve nos gramados, uma vida confortável e alimentar o gosto pela moda e bom estilo. Tinha um farto guarda-roupa, com cerca de 200 camisas esportivas, 50 calças, 40 pares de sapato e, curiosamente, apenas cinco de tênis.
O salário de cerca de dois milhos de cruzeiros, engordado após o título nacional de 84, permitia-lhe alimentar seus refinados gostos e comprar imóveis para garantir-lhe um tranquilo futuro pós futebol. Mas Assis acreditava piamente que após deixar os campos teria de trabalhar. Isso, definitivamente, não seria problema para ele, que reconhecia sofrer de carência, talvez pelo fato de ter perdido a mãe muito cedo, sempre lutou bravamente contra as adversidades que a vida o fez confrontar. O pai, enquanto esteve vivo, nunca admitiu casar novamente, optou por criar sozinho Assis e os cinco irmãos do futuro craque. Viviam em um apertado apartamento na Vila Prudente, com apenas um quarto e sala.

Oswaldo vivia para os filhos. Era um grande companheiro de Assis, o caçula dos cinco. Passava horas com ele tocando um pandeiro ou ouvindo Ray Coniff, na velha vitrola. Mas ambos também não dispensavam um bom papo, de pai para filho. Troca de experiências que seria indispensável para moldar o caráter de Assis.
Do pai, ouviu, quando tinha apenas sete anos, uma profecia: “Ela [a mãe de Assis] foi para o céu, meu filho. Mas eu juro que fico ao seu lado e você vai ser um grande jogador de futebol”.

Oswaldo sabia o que dizia. Afinal, também jogara futebol no varzeano Estrela Vermelha, do bairro do Bixiga. Deu tempo para o pai ver o filho a ensaiar os primeiros passos com uma bola de futebol nos também times de várzea Itamarati e Vip’s, da Vila Prudente, e o Parque da Mooca, onde era tratado como ídolo e “Rei da várzea”. Um dia Assis marcou um gol de bicicleta para o orgulho pai vislumbrá-lo da arquibancada. Recebeu efusivos aplausos, mas o pai alertou-o: “Meu filho, isso não dá profissionalismo. Você precisa ser profissional”.
A figura de Assis pode ser espelho da generosidade do exemplar pai que teve. Em 1984, o campeoníssimo Fluminense excursionou em Angola. Na capital Luanda, Assis foi surpreendido por um menino de 12 anos chamado José Maria, órfão de pai e mãe, igualmente a Assis. O garoto apegou-se tanto ao craque brasileiro, que passou a segui-lo por onde estivesse a delegação tricolor em Luanda. Fosse no hotel, lá estava o menino a espera de Assis para dizer-lhe que havia descoberto um novo pai. “Aquilo me tocou tanto que tomei uma decisão: um dia, vou adotar um garoto”.

E o “Pernalonga”, como o apelidou o jornalista Milton Neves — o também “Maneca”, do Washington, e “Carrasco do Flamengo” —, tornou-se muito mais que apenas profissional. Tornou-se ídolo de um memorável grupo formado também por Aldo, Duílio, Romerito, Washington, Ricardo Gomes, Branco, Tato, o goleiro Paulo Victor, Leomir, Vica, Paulinho e Delei, que ajudaria ao Flu na vitoriosa campanha do “Brasileirão” de 1984. Além deste título nacional, Assis conquistou pelo Flu os torneios de Seul [1984] e de Paris [1987] e a Copa Kirin [1987]. Vestiu a camisa do tricolor em 177 jogos e marcou 54 gols. Na época em que esteve nas Laranjeiras, Assis participou de três convocações para a seleção brasileira em 1984. As únicas em toda a carreira.

Após a grande conquista do campeonato brasileiro de 1984, Assis, no auge, mas já com 31 anos, idade considerada, na época, a ideal para o fim de carreira dos jogadores, Assis mostrava-se maduro para pendurar as chuteiras, embora não o faria naquele momento: “Eu sei que o fim é mais real do que este começo de glória”, dizia.
E o fim nas Laranjeiras começou a se configurar em 1987. O clube já o achava “velho” demais para continuar a carreira. Apesar da opinião torta dos cartolas, o clube renovou, em maio, o contrato de Assis por oito meses. A proposta inicial indignou o craque. Queriam pagar-lhe 60 mil cruzados de luvas e 40 mil mensais. “Se fosse para ganhar isso, preferiria jogar de graça, só por amor ao Fluminense”. Mas o inusitado aconteceu. Um fanático e milionário torcedor do Fluminense — cujo nome nunca foi revelado — comprometeu-se a completar o ordenado de Assis, que recebeu 800 mil cruzados de luvas e um salário mensal de 80 mil. Vaia tudo para manter o ídolo no dia a dia do Fluminense.

Assis, o “encanto do Fluminense”, como bem o definiu Delei, deixou o Fluminense no dia 27 de setembro de 1987.

O último capítulo da longa paixão do ídolo vestindo a camisa tricolor, em campo, aconteceu na vitória de 2 a 0 [gols de Romerito] sobre o Vasco, em jogo que valeu pela Copa União. Foi também a última vez que o “Casal 20” entrava no gramado. “Estou perdendo metade de mim. Assis era um companheiro para todas as horas”, confessou Washington, que permanecera no clube enquanto Assis, com passe livre concedido pelo Flu, partia para aventurar-se no futebol americano, onde defendeu o Miami Sharks, cujo treinador era Carlos Alberto Torres.

Assis, porém, não se aclimatou ao futebol dos Estados Unidos e teve dificuldades para obter o registro de permanência no país. Diante disso, regressou ao Brasil, em abril de 1988, para jogar novamente pelo Atlético Paranaense. Recebeu 700 mil cruzados de luvas, um apartamento mobiliado e um carro por um contrato, inicialmente, de apenas quatro meses. Como no Fluminense, a torcida atleticana também o reverenciava.
Mesmo sem a condição de titular absoluto do time, ajudou-o a ser campeão paranaense em 88. A segunda passagem pelo Furacão não foi tão amena. Assis deixou o clube magoado com os cartolas e se dizendo arrependido de ter deixado o Fluminense, em 1987. Queria que o Atlético renovasse seu contrato, mas os dirigentes negaram-lhe outra chance. Enquanto não surgia nova oportunidade, Assis passava o dia exercitando-se. Corria, diariamente, 10 quilômetros, no Parque Barigui, em Curitiba, e fazia musculação na clínica do amigo fisioterapeuta Benny Camlot.

Assis só encontraria um clube que o quisesse em 1989. O Paysandu ofereceu-lhe uma chance para o craque veterano. No ano seguinte, fez as pases com o Atlético. Apesar da reserva na maioria dos jogos, viu o time levantar a taça do estadual em 1990. No mesmo ano concluiu que deveria parar.

Assis tenta afirmar-se como técnico de futebol, carreira que começou no Iraty, do Paraná, em 1995. Já comandou o Rio Branco, de Cariacica, e o Vitória, ambos do Espírito Santo. O ídolo Tricolor e Rubro-negro é casado desde 1985 com Anne Valéria, com quem tem um casal de filhos, e mantém residência entre Curitiba e Rio.

“Viver no Rio naquela época [de 1983 a 1987] era muito legal. Lembro que ia brincar com a minha filha na Lagoa e deixava o carro aberto. O Leomir, que era metido a pescar nas pedras, ficou amigo de um espanhol, garçom do Parque Recreio. O Seu Paulo pegava os peixes à noite e levava fresquinho para gente no dia seguinte. Frito, moqueca, do jeito que a gente quisesse. Toda terça-feira, iam os dezoito jogadores ia lá tomar um chopinho. Também éramos amigos do pessoal do Flamengo. A gente ia ao Hippopotamus, onde o Leandro era sócio. Na primeira vez, eu e o Romerito estávamos lá fora, no Pizza Palace, tomando um chope, o Leandro passou e nos levou para a boate. Depois, como o gerente era tricolor, quando eu chegava já tocava o hino do Fluminense”.

Em 2009, optou mais pelo Rio para trabalhar no centro técnico do Fluminense, em Xerém, ensinando aos futuros craques tricolores que façam no futuro o mesmo que Assis fez para a glória do clube das Laranjeiras. Teve, porém, uma única frustração: “Acho que faltou isso: poder ver um texto do Nelson Rodrigues sobre os meus gols. Gostaria muito que ele estivesse vivo para ver. Seria uma honra para mim”. Com certeza o “Profeta tricolor”, de onde estiver, também sentira a mesma frustração do herói Assis, que hoje, indiscutivelmente, está ao lado dos tricolores mais ilustres no olimpo do futebol.

O incomparável Assis deixou-nos prematuramente na madrugada do dia 6 de julho de 2014, duas semanas após a morte do grande companheiro Washington. Assis travava uma árdua batalha contra uma doença renal crônica, cujo tratamento acabou lhe causando uma infecção. Permaneceu internado com peritonite durante 15 dias e não resistiu, morrendo devido à múltipla falência dos órgãos às 5h30.

ARUBINHA ESTÁ ENTRE NÓS

por André Felipe de Lima

Desenterrem o sapo do gramado de São Januário, pelo amor de Deus. O clamor não é do cronista em questão, mas de todo vascaíno que hoje nem em “SAF” e seus milhões de dólares e afins acredita mais

por André Felipe de Lima

Olhe, não é novidade para ninguém minha devoção vascaína. Ver meu time há anos sendo maltratado por elencos sofríveis e diretorias deploráveis só pode me permitir a certeza de que o Pai Santana faz muita falta. Acho que somente ele, o nosso amado guru que nos “livrava da dor” (como entoava a torcida), poderia tirar esse “trabalho feito” de cima do Vasco. Não tenho dúvidas de que há muita força sobrenatural (…de “Almeida”, rubro-negra ou seja lá qual for) para fazer São Januário ruir, e não haverá “SAF” e milhões de dólares que deem jeito na situação. A figura do sr. Altair Sérgio Calixto, o “Arubinha”, parece estar em cada canto do clube. Se o nome não soa familiar mesmo para quem conhece a história do futebol carioca, o apelido decerto é inesquecível. Especialmente para os vascaínos. Ao Altair, ou melhor, Arubinha, é atribuída uma sina da qual muitos torcedores do Vasco jamais esqueceram. Tudo começou no chuvoso dia 30 de dezembro de 1937, quando Vasco e Andarahy deveriam entrar em campo para uma partida sem muita importância na tabela do campeonato carioca. No campo do Fluminense, lá estavam os jogadores do Andarahy e nada de vascaínos. Até que surgiu a notícia de que os jogadores do Vasco sofreram um acidente a caminho do estádio e estavam todos no pronto-socorro. Os jogadores do Andarahy foram solidários aos colegas hospitalizados, mas aguardaria os reservas do Vasco, que escaparam do acidente. É aí que Arubinha entra na história, com um pedido inusitado: que o Vasco não abusasse no placar. Os reservas do Vasco fizeram ouvidos moucos. E logo no primeiro tempo sapecaram 5 a 0. Na segunda etapa, ampliou-se a sova e o placar impiedoso marcava 12 a 0.

Arubinha, dizem, ficou irritado. Afinal, os jogadores do Andarahy ficaram horas sob uma forte chuva aguardando os reservas vascaínos. Ademais, Arubinha antes de o jogo começar pedira clemência ao Vasco. Há quem garanta que após o juiz encerrar a peleja, Arubinha ajoelhou-se e pediu ao céu que punisse o Vasco com amargo jejum de 12 anos sem títulos de campeão. Mas esse pedido teria sido pouco para o transtornado Arubinha. Durante uma madrugada, ele teria ido ao campo do estádio de São Januário e lá enterrara um sapo com a boca costurada. A praga, agora sim, estava completa.

Os anos passaram e nada de o Vasco levantar troféu. A mitológica história do “Sapo de Arubinha” começava a ganhar cores dramáticas e há quem diga que até dinheiro os cartolas vascaínos ofereceram para que Arubinha revelasse onde enterrara o maldito sapo. O pobre Arubinha negava ter enterrado sapo ou mesmo praguejado contra o Vasco. A história nunca se confirmou, mas ganhou fama pelos textos do cronista Mario Filho. Verdade ou não, o Vasco só voltaria a ser campeão em 1945, o ano em que o melhor time já montado em São Januário começaria a encantar o Brasil e o mundo durante mais de uma década.

Arubinha não foi um craque na acepção mais rigorosa do termo. Entrou para a história do futebol graças à “mandiga” que teria derrubado o Vasco durante quase 10 anos. Mas pode-se dizer que foi um dos principais jogadores da história do Andarahy, que tantos craques revelou para os grandes clubes cariocas, entre os quais o genial Russinho, ídolo [logo de quem…] do Vasco.

Arubinha também jogava na ponta-direita, sobretudo nos tempos em que defendeu o Bonsucesso, de 1929 a 1934, mas sua posição oficial era mesmo a extrema esquerda. Antes de defender o Bonsucesso, Arubinha atuou, em 1929 e 1930, pelo Mazda F.C., um time amador do Rio. Em 1936 e 1937, defendeu o Escolas de Samba, um time formado por jogadores oriundos das agremiações de samba da cidade do Rio de Janeiro. Em meados de 1937, o craque “mandigueiro” aportou no Andarahy, que formava naquele ano com Panello: Cazuza e Dondon [ele mesmo, o do famoso samba interpretado por Zeca Pagodinho]; Reynaldo, Flodoaldo e Tide; Nilo, Astor, França, Armando e ele, o “algoz” do Vasco, Arubinha. Em abril de 1938, o Madureira o levou do Andarahy. Defendeu o Tricolor suburbano até 1939.

No começo da década seguinte, Arubinha ainda atuou por times amadores do subúrbio carioca, especialmente o Brasil Novo, um dos destaques do campeonato de times suburbanos. No Brasil Novo, o velho Arubinha “brincava nas onze” e até de zagueiro jogou. Tornou-se treinador, mas não abandonou a bola. Dirigiu e defendeu times amadores. Um deles, em 1947, o brioso Adelia Futebol Clube. Em 1948, o Brasil Novo retomou as atividades e Arubinha, veteraníssimo, foi imediatamente convocado pelo ex-clube.

Altair nasceu no Rio de Janeiro e era filho de João Sérgio Calixto e de Julia Sérgio Calixto, como descreve o Diário Oficial da União, de 8 de julho de 1930, o nome de Arubinha estava na lista da “Classe de 1908”, ou seja, o craque “mandigueiro” teria nascido naquele ano. Em setembro de 1977, aposentou-se do serviço público. Trabalhava, desde a década de 1940 na Estrada de Ferro Central do Brasil.

Depois disso, nunca mais se ouviu falar do Arubinha, mas a figura mítica que construiu [ou construíram sobre ele] jamais será esquecida. Os vascaínos que o digam. E atenção: o sapo continua lá, no gramado de São Januário. “São” Pai Santana, entre em ação, por favor.

NILO NEVES E O CORITIBA COMO ETERNIDADE

por André Felipe de Lima

Há torcedores que afirmam convictamente: “O melhor lateral-esquerdo da história do Coritiba foi Janguinho”. Mas o gaúcho Nilo Roberto Neves, que teve o brilhante Oreco, do Internacional, como ídolo, surgiu no Coxa em 1968 para disputar espaço com os ex-laterais-esquerdos Janguinho e Carazzai nos corações coritibanos. Para as gerações mais recentes, não há dúvida: dos três, Nilo Neves foi o melhor. Quem o buscou no São José de Porto Alegre e o indicou ao pessoal do Alto da Glória foi Rui “Motorzinho”, um excelente meia-atacante do Internacional no início dos anos de 1940, cujo time era conhecido como “Rolo-compressor”. Logo que pendurou as chuteiras, Rui tornou-se treinador do Atlético Paranaense, onde montou, em 1949, um timaço, com Jackson, Neno e Cireno. Um time chamado de “Furacão”, apelido que se tornou marca registrada do Atlético.

O começo da carreira de Nilo foi, entretanto, nas divisões de base do Internacional, no finzinho da década de 1950. Menino ainda, Nilo conviveu com o ídolo Oreco, lateral já consagrado na seleção brasileira.

Oreco foi para o Corinthians e nunca mais pintou um lateral-esquerdo como ele no Inter. Deveriam apostar na prata da casa. Nilo deveria ser o virtual herdeiro de Oreco, mesmo com pouca idade. Mas foi tratado com indiferença pela desesperada e xucra comissão técnica, que não conseguia parar o rival, o Grêmio, de ganhar tudo pelas paragens gaúchas. Nilo saiu magoado do Inter e seguiu para o São José de Porto Alegre em 1963. Foi campeão da segunda divisão estadual, em 1965, e permaneceu no modesto clube gaúcho até 1968. Estava sem clube. Cinco meses parado. Mas surgiu uma proposta do Banrisul. Salvação da lavoura para Nilo, que já demonstrava pouca motivação para continuar a carreira de jogador de futebol. O Banrisul o chamou, mas não para um emprego formal. Foi contratado para compor o time titular que disputaria o campeonato dos bancários.

Motorzinho, que nos idos de 1940 foi treinador do Atlético Paranaense, estava no papel de olheiro do Coritiba quando deu de cara com Nilo. “Dois dias depois, ele levou o dinheiro vivo numa sacola. Se fosse cheque, eu nem aceitaria.”

O rapaz ainda estava com dúvida entre o gramado e… o palco. Quando morava em Porto Alegre, inspirado pelo movimento musical Jovem Guarda, Nilo cantava e também era percussionista do conjunto “Evolução”. Nilo confessou ao repórter Ayrton Baptista Jr. que se trava de um “samba, mas não tradicional”, no estilo Golden Boys. Optou pela bola. Melhor para ele e para o Coritiba.

Baixinho e atarracado, não dava moleza para ninguém. Cobertura à zaga era como ele mesmo. Quantas bolas, cujo endereço era o gol do Coritiba, Nilo desviou a trajetória? Inúmeras. Dezenas. Era leal. Leal ao Coritiba. Sobretudo em dia de enfrentar o rival.

Atletiba inesquecível — senão o melhor de todos — para Nilo foi o que decidiu, no dia 28 de agosto de 1968, o campeonato paranaense daquele ano.

O placar estava 1 a 0 para o Furacão, gol de Zé Roberto, que anos mais tarde iria para o Coxa. O juiz Arnaldo César Coelho — prontinho para apitar o final do jogo — marcou uma falta para o Coxa. Nilo correu para buscar a bola e cobrar o quanto antes a bendita falta. Bellini, em fim de carreira no Atlético, tentou cortar, mas sobrou para Paulo Vecchio meter a cuca na bola e marcar o gol de empate. Do título. Festa para a torcida, para Nilo no estádio Durival de Britto.

O técnico Elba de Pádua Lima, o Tim, deve ter sido mesmo o maior que já comandou times do Coritiba. Competente como jogador no passado, manteve o estigma positivo como técnico. Todos gostavam dele. Krüger, Leocádio… Nilo não fugiu à regra. “Queriam me tirar do time, os diretores. Aí, acabei com um jogo contra o Botafogo, marcando o Zequinha. No final, o Tim zombou deles: ‘Queriam tirar você. veja como ficaram chateados…’. O Tim e o Francisco Sarno foram os melhores que vi no Coxa.”

Na lateral-esquerda, não havia gente melhor que Nilo nos gramados do Paraná. Acabou lembrado por Aymoré Moreira para a seleção brasileira. No mesmo ano em que chegou ao Coritiba foi convocado para o jogo em que o escrete nacional colocou a faixa de campeão estadual nos jogadores do Coxa. Nilo vestia a amarelinha, apesar de ter participado da campanha campeã do Coritiba. Mas há um dado que desperta curiosidade: naquele período em que aconteceu o jogo amistoso, Nilo estava emprestado ao Atlético Paranaense para a disputa do Torneio Roberto Gomes Pedrosa.

O Coxa perdeu de 2 a 1, mas deu uma canseira danada na seleção. Nilo começou no banco. O titular de Aymoré Moreira era Paulo Henrique, do Flamengo. No segundo tempo, enfim, sua oportunidade aconteceu.

Nilo nasceu em Porto Alegre, no dia 2 de dezembro de 1942. Até 1975 foi o titular absoluto da lateral-esquerda do Coxa. Ajudou ao time nas conquistas dos títulos estaduais de 1968, 69, 71, 72, 73, 74 e 75 e do Torneio do Povo, em 1973. Pendurou as chuteiras no Palmeiras, de Santa Catarina, aos 32 anos, e assumiu uma nova fase no futebol. Como treinador.

O início foi em divisões de base do Internacional de Porto Alegre, depois Coritiba, Atlético Paranaense, Pinheiros [atual Paraná Clube] e Criciúma. Em equipes profissionais, fincou o pé em Mato Grosso, estado em que dirigiu times do Sinop, Mixto, Operário de Várzea Grande, Barra do Garças, Sorriso e Tangará. Nilo também comandou o time de Francisco Beltrão, no Paraná. A frente do Sinop foi campeão mato-grossense em 1990 e 2000. Com o Barra das Garças, um surpreendente título nacional da Série C, em 1993.

Nilo, nos tempos em que treinou o time do Sinop, foi técnico e preparador de goleiros de Rogério Ceni.

Nilo Neves está devidamente eternizado na linda história do Coritiba.

AS DÉCADAS DERRADEIRAS DO ANDARAÍ – PARTE 1 (1938 A 1943)

por André Luiz Pereira Nunes


O gradual e acentuado declínio do Andaraí Atlético Clube, histórica agremiação esportiva que pertenceu à primeira divisão do Rio de Janeiro de 1915 a 1924, se iniciou por ocasião da perda de sua praça de esportes e o posterior arrendamento a partir da Associação Atlética Portuguesa, em janeiro de 1938, através de um acordo do clube luso com a Polícia Municipal.

Alegando, portanto, possuir campo de jogo, a Portuguesa manifestou interesse em manter-se na Liga de Futebol do Rio de Janeiro (LFRJ) em definitivo entre os profissionais. O estádio, o qual apresentou à entidade, era justamente o mesmo que pertenceu ao Andaraí até 1934, quando o então presidente deposto, Jansen Muller, cedeu o espaço para os praças.

Como nada costuma ser uma mera coincidência no mundo do futebol, ele teria sido aceito como sócio da Portuguesa dias após ter sido banido do cargo máximo do Grêmio Alviverde. É evidente que a partir da cessão desse espaço esportivo, o qual já não mais pertencia ao Andaraí desde 1934, a agremiação entra em um profundo e irreversível estágio de decadência. As atividades foram mantidas, contudo de maneira frágil e irregular. Não só o clube, como seus jogadores, já não mais faziam parte do ambiente fabril do bairro, afetando consequentemente a identidade da agremiação, ferida ainda pela perda de outras modalidades esportivas como o basquete e o tênis.


Ao longo de 1939, o Andaraí passou a conviver com as ameaças de expulsão da Associação de Futebol do Rio de Janeiro (AFRJ). Em 17 de junho foi anunciado que o clube seria suspenso caso não cumprisse com as obrigações de filiado de acordo com o estatuto. Sem saber quando voltaria a atuar e com seus jogadores “presos”, portanto, impedidos de atuar em outras equipes, a agremiação vivenciou um ano praticamente ocioso.

Em mais uma infrutífera e desesperada tentativa de se reerguer, o Andaraí anunciou, em abril de 1940, não só o retorno do ex-presidente afastado Jansen Muller, como o plantel formado pelos jogadores de 1932 para atuar no campeonato da Associação de Futebol do Rio de Janeiro (AFRJ). O time daquele ano fora convocado a comparecer a uma reunião marcada na própria residência de Jansen Muller, localizada na rua Visconde de Santa Isabel, bem próximo à sede social do clube. Jogadores como Bianco, Aragão, Palmier e outros, que haviam se destacado oito anos antes já não se encontravam em favoráveis condições físicas. No início dos anos 1930 eram desejados por outros clubes que já haviam se profissionalizado. Por sua vez, o Andaraí só oficializou contrato com seus atletas depois da criação da Federação Metropolitana de Desportos (FMD), em 1935. Agora, esses jogadores atuavam em equipes que não faziam parte da liga profissional, como o próprio Dondon, zagueiro imortalizado pelo samba de Nei Lopes, dos anos de 1980, que vinha jogando junto a Bianco no Confiança, clube ainda mais modesto e vizinho.

O grêmio verde e negro ficava sediado na Rua General Silva Teles, a cerca de dois quarteirões da rua Barão de São Francisco, onde se localizava o estádio do Andaraí. Todavia, os esforços para refazer uma equipe, a qual obtivera certo destaque em um passado recente, a volta de dirigentes famosos e as tentativas de recuperar um espaço perdido entre os clubes de maior projeção da cidade se tornaram cada vez mais difíceis.

Em reunião realizada pelo Conselho Superior da Liga de Football, que controlava a AFRJ, no dia 29 de maio de 1940, ficou determinado o desligamento do Andaraí por ter infringido os estatutos daquela entidade. Portanto, já desvinculado da AFRJ, o clube não participou do Torneio Início daquela associação, realizado em 9 de junho de 1940. E, a partir daí, as notícias que traziam o nome de Jansen Muller e dos antigos jogadores provenientes do plantel do começo da década de 1930 tratavam apenas de jogos festivos e amistosos.

Entre 1939 e 1941, o time se restringiu a promover jogos e excursões sem compromissos profissionais a fim de relembrar tempos mais gloriosos.

Em 1942, o Andaraí passa a integrar o Campeonato Carioca de Amadores, Primeira Categoria, promovido pela Federação Metropolitana de Futebol (FMF). Com o estabelecimento do futebol profissional pela Liga Carioca de Futebol (LCF), em 1933, a disputa da antiga categoria de segundos quadros foi substituída pelo campeonato de quadros amadores, destinado aos atletas que não desejavam aderir ao profissionalismo. A campanha, no entanto, foi bastante insatisfatória. O clube ficou na penúltima posição, superando apenas o Carioca, com a campanha de 34 jogos, 6 vitórias, 6 empates e 22 derrotas, sofrendo algumas goleadas humilhantes.

Partidas: Primeiro turno: 29.03 – 2 a 5 Bonsucesso (F); 4/04 – 4 a 3 America (C); 11/04 – 2 a 6 – Vasco (F); 2/05 – 1 a 2 Fluminense (F); 10/05 – 2 a 5 Flamengo (C); 17/05 – 2 a 2 Carioca (C); 24/05 – 2 a 2 Ríver (F); 31/05 0 a 7 Confiança (C); 7/06 – 5 a 7 Olaria (F); 14/06 – 1 a 9 Botafogo (C); 28/06 – 3 a 4 Ideal (C); 5/07 – 6 a 1 Mavílis (F); 12/07 – 3 a 3 Bangu (F); 19/07 – 1 a 2 Ruy Barbosa (C); 26/07 – WO Canto do Rio (C); 2/08 – 1 a 1 Madureira (F); 8/08 – 2 a 6 São Cristóvão (C). Segundo turno: 16/08 – 6 a 4 Bonsucesso (C); 22/08 – 2 a 6 America (F); 29/08 – 0 a 6 Vasco (C); 12/09 – 1 a 12 Fluminense (C); 20/09 – 0 a 8 Flamengo (F); 27/09 – 2 a 3 Carioca (F); 4/10 – 2 a 4 Ríver (C); 11/10 – 1 a 2 Confiança (F); 18/10 – 0 a 12 Olaria (C); 25/10 – 1 a 17 Botafogo (F); 8/11 – 1 a 1 Ideal (F); 15/11 – 2 a 5 Mavílis (C); 22/11 – 3 a 2 Bangu (C); 29/11- 2 a 2 Ruy Barbosa (F); 5/12 – 5 a 0 Canto do Rio (F); 13/12 – 3 a 5 Madureira (C); 22/12 – 1 a 5 São Cristóvão (F).

Classificação da Primeira Categoria de Amadores:

1º Botafogo (campeão) – 64; 2º Flamengo (vice) e Vasco – 55; 4º Olaria – 52; 5º Fluminense – 51; 6º São Cristóvão – 43; 7º Ideal – 35; 8º Confiança – 33; 9º America – 31; 10º Mavílis – 29; 11º Madureira – 25; 12º Canto do Rio – 24; 13º Bonsucesso e Ruy Barbosa – 22; 15º Bangu e Ríver – 19; 17º Andaraí – 18; 18º Carioca – 15.


Em 1943, os times amadores passaram a integrar a Segunda Categoria da Federação Metropolitana de Futebol (FMF) por imposição das equipes profissionais que não desejavam dividir espaço. O campeonato foi disputado por Manufatura, Confiança, Andaraí, Ruy Barbosa, Ríver, Mavílis, Ideal e Oposição. O Andaraí, que atuou no campo do Mavílis, ficou na quarta colocação final no certame, cujo vencedor foi o Manufatura, ficando o Oposição na segunda posição. Na categoria juvenil o Grêmio Alviverde foi o lanterna. O campeão e o vice foram, respectivamente, Ríver e Ruy Barbosa.

Partidas: Primeiro turno: 13/06 – 4 a 3 Ruy Barbosa (C); 20/06 – 4 a 4 Oposição (C); 27/06 – 2 a 3 Manufatura (F); 4/07 – 1 a 2 Ideal (C); 11/07 – 5 a 2 Confiança (C); 18/07 – 1 a 1 Ríver (F); 25/07 – 6 a 3 Mavílis (C). Segundo turno: 1/08 – 3 a 1 Ruy Barbosa (F); 8/08 – 3 a 1 Oposição (F); 15/08 – 1 a 2 Manufatura (C); 22/08 – 1 a 8 Ideal (F); 29/08 – 3 a 2 Confiança (F); 5/09 – 3 a 4 Ríver (C); 12/09 – 3 a 2 Mavílis (F).

Classificação da Segunda Categoria de Amadores:

1º Manufatura (campeão) – 24; 2º Oposição (vice-campeão) – 19; 3º Ideal – 18; 4º Andaraí – 16; 5º Confiança – 12; 6º Mavílis – 10; 7º Ríver – 7; 8º Ruy Barbosa – 6.

O IMPRESSIONANTE PELADEIRO BOLONHA

por André Felipe de Lima


Foto da Revista JCB

Sempre gostei de jogar bola. Desde bem pequeno. Tinha lá meus oito, nove anos, quando coloquei minha bola de couro embaixo do braço e fui fazer o que mais gostava: rolá-la e chutá-la no gramado em frente à tribuna geral do Hipódromo da Gávea. Meu pai gostava dali e, sobretudo, do bar que havia ao lado da tribuna. Quanto a mim, adorava o pão francês com queijo prato que faziam por lá. Comia facilmente dois deles, mas bebendo, sempre, uma garrafa de Crush, que, acho, nem existe mais. Comia, bebia e voltava a jogar minha bola. No bar, meu pai e seus amigos “estudavam” (em meio a algumas latinhas de Skol) o programa das carreiras. Entre estes amigos do papai, havia um singular. Jamais o esqueci. Era um cara alto, bastante bronzeado e quase totalmente careca. Sobravam-lhe poucos fios brancos, integralmente brancos. “Tordilho”, diriam os turfistas de raiz. Ah, a personagem de que falo portava uma, digamos, “sutil” barriga e entendia tudo de turfe, e de bola também. Afinal, por bater um bolão nas peladas, ele mereceu o apelido com o qual passou a ser conhecido no meio turfístico do Rio: “Bolonha”, cujo nome na identidade registrava-se Heitor de Lima e Silva, um dos cronistas mais respeitados da história do nosso turfe. Bolonha era sensacional. Gostava muito dele. Foi cronista na fase áurea da rádio JB (Jornal do Brasil) ao lado de ninguém menos que o “Pelé” dos locutores de turfe: Theóphilo de Vasconcellos. E até de júri do programa do Chacrinha Bolonha foi titular. Foi mesmo um camarada craque de bola, de turfe e de crônicas. Mas o que mais impressionava aquele garoto que um dia fui era o que Bolonha fazia com os pés.

— “Paulinho” — gritava ele do bar, chamando-me, embora meu nome seja André. Explique-se, portanto: chamavam-me “Paulinho” por conta do meu pai, Paulo Lima, hipólogo que aprendeu tudo com o fenomenal Atahualpa Soares, então diretor da caixa beneficente dos profissionais do turfe durante décadas e um dos mais antigos sócios do Jockey Club, era um velhinho gente boníssima. Mas a história dele fica para outra crônica. Falemos do nosso querido Bolonha.

Ao ouvi-lo gritar pelo meu “nome”, corri até o bar, levando a bola comigo, claro, pois sabia que ele faria aquela impressionante performance. Era pule de dez!

— Me dá aqui a bola, “Paulinho”.

— Toma aí.

Bolonha sentou-se no degrau único do barzinho (espaço suficiente para o que pretendia fazer) e começou a deixar todo mundo que ali estava de queixo caído. Era uma… eram duas, três, quatro… eram cem, eu disse cem embaixadinhas! E sentado! Quando chegava próximo da impressionante contagem, ele perguntava:

— E aí, “Paulinho”, quer mais ou tá de bom tamanho?

Conformado com a minha insignificante pretensão de um dia ser jogador de futebol (jóquei seria impossível devido à altura), respondi até mesmo com uma ponta de saudável e inocente inveja juvenil:

— Tá legal, “seu” Bolonha. Cem ficou legal…

Ele levantou-se, apertou minha mão e voltou para a mesa onde estavam papai e os turfistas.

Virei-me e voltei para casa pensando como era possível alguém com aquele corpanzil fazer cem embaixadinhas. No bar, o futebol dava lugar ao turfe. Os caras voltaram atenção para o que realmente interessava: as carreiras. Era hora do cânter. Binóculo sobre os olhos, porque a raia estava leve naquela tarde de bastante sol na Gávea e as barbadas certamente não decepcionariam Bolonha, papai e todos os saudosos turfistas daquele já bem distante 1977.