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andré felipe de lima

O DIA EM QUE PAULINHO PERDEU O MEDO

por André Felipe de Lima 


Botafogo e Fluminense estavam a três dias da decisão do Campeonato Carioca de 1957. Entrariam no sagrado gramado do Maracanã no dia 22 de dezembro. Havia um clima de muita ansiedade. Um dos protagonistas do embate oque se avizinhava já estava devidamente confirmado. Era o craque Didi. Haveria outro, mas isso ninguém jamais suspeitava. Falava-se em Nilton Santos, em Garrincha. Mas Didi, sim, com sua inigualável clarividência de fazer inveja a um Zaratustra ou a um Houdini já sabia quem deveria ser coroado com ele no domingo.

Naquela tarde da antevéspera do jogo, Didi disse o seguinte à esposa Guiomar: “Esse menino, no dia em que perder o medo, e não quero dizer medo no sentido de covardia, falo melhor, no dia em que ganhar confiança em si, vai ser uma parada. Tem tudo para ser um bom jogador. Seu chute é uma pedrada”. Didi falava reservadamente sobre o rapaz “Paulinho” que os aguardava na sala de jantar. O convidado em questão chamava-se Paulo Ângelo Valentim, que frequentemente visitava o casal. Didi e Paulinho — como era carinhosamente chamado pelos amigos — jogavam juntos no Botafogo, que não conquistava títulos desde aquela polêmica final contra o Vasco, em 1948. Por isso a ansiedade, a magia que cercava aquele jogo. Afinal, seria a primeira decisão do Didi contra seu ex-clube, que deixara para trás com uma dose cavalar de mágoa na alma e no coração.


A superstição estava em alta em General Severiano. O letreiro do clube inexplicavelmente estava sem todas as letras “e”. Quem por ali passava, lia: “Botafogo d FutbolRgatas”. Um cenário simplesmente nonsense que só mesmo o Alvinegro carioca para promovê-lo. Durante um papo com o amigo Rafael Casé, autor, entre outros, do maravilhoso “O artilheiro que não sorria”, uma sedutora biografia do artilheiro Quarentinha, e de “Somos todos Carlito”, sobre o impagável cartola botafoguense Carlito Rocha, ele recordou que a história certamente teria começado com Carlito, figura notória pela superstição com tudo e todos. Dias após nossa conversa sobre o episódio, Casé enviou uma nota de um jornal de 57, confirmando que o dirigente foi a um pai de santo nas vésperas do jogo. Carlito se benzeu, mas também pediu para que a macumba “amarrasse” os pés dos tricolores. O religioso foi enfático: “Retire todos os “es” do letreiro no portão do estádio”. Missão dada, missão cumprida.

Mas o que, afinal, tanto assustava Paulinho? Guiomar foi incisiva e perguntou o que mais o atemorizava. Ele respondeu que estava inseguro por ter custado tanto ao Botafogo e que as vaias também o importunavam. Sentia-se desvalorizado e sem ânimo para continuar jogando futebol e não descartava a possibilidade de não entrar em campo no domingo, contra o Fluminense. Ou, talvez, nunca mais.

O sábio Didi, o mais efetivo “psicólogo histórico” do futebol brasileiro, procurava levantar o moral do Paulinho, dizendo a ele que também sentia temor, e que isso era normal. Tanto que até promessas fez para cumpri-las em caso de vitória na final. A primeira seria estender a camisa do jogo no altar da Igreja do Nosso Senhor do Bonfim, em Salvador, mas Didi — como é público e notório — só a cumpriria no ano seguinte, após o Brasil levantar o caneco mundial na Suécia; para cumprir a segunda, a mais complicada, teria de caminhar do Maracanã até General Severiano logo após o jogo, e com o uniforme completo, da chuteira à camisa: “Deixa isso para lá, rapaz, você tem jogo para muito tempo. Você leva jeito para o negócio. Precisa sair um pouco mais, aprender a desmarcar-se. O resto é fácil. Deixa que eu dou na frente.”

Mais calmo após o papo com Didi e Guiomar, Paulinho confessara que desejava jogar de meia e não de centroavante, como o escalara João Saldanha: “Já falei com Saldanha. No jogo de domingo contra o Fluminense eu vou tirar fotografia na posição de meia. Tenho certeza que isso dará sorte. Eu tenho minhas manias.”

O tempero da Guiomar e a “psicologia” do Didi injetaram no rapaz uma vontade incontrolável de brilhar, de ser a representação mais esfuziante da estrela solitária. Naquele dia 22 de dezembro de 1957, a “mandiga” do Paulinho, o letreiro louco de General Severiano, as promessas do Didi e os conselhos que o jovem ponta-de-lança recebeu do próprio Didi e da Guiomar funcionaram.


Botafogo e Fluminense entraram em campo diante de cerca de 100 mil torcedores. Após o apito final do juiz Alberto da Gama Malcher, estava lá, no placar do estádio: Botafogo 6, Fluminense 2, com cinco gols do renascido Paulinho Valentim.

No vestiário, Guiomar beijou calorosamente o marido Didi. “Tudo que sou devo a você, Guiomar, e à nossa Rebequinha (a filha do casal)”. Após as entrevistas, Didi cumpre a primeira das duas promessas e, vestido ainda com o uniforme alvinegro completo, caminha do Maracanã até sua residência cercado de uma multidão incrivelmente feliz em preto e branco.

Quanto ao Paulinho, foi amar — com todas as cores possíveis — sua querida Hilda.

O PRIMEIRO DA “DINASTIA ESQUERDINHA” FARIA 95 ANOS

por André Felipe de Lima


Antes de chamarem o canhoto William Kepler de “Esquerdinha”, chamavam-no “Pequenino”. O apelido que o consagraria anos mais tarde no Flamengo nascera, porém, quando, em uma pelada do time do Morrinho contra o da rua Pereira, no subúrbio carioca, o “Pequenino” foi deslocado para a ponta-esquerda. Começou a marcar muitos gols com a potente canhota e o batismo definitivo tornou-se inevitável: nascera o “Esquerdinha”, que se tornaria, anos depois, um dos melhores ponteiros-esquerdos da história do Flamengo. Foi a partir dele que muitos “Esquerdinhas” despontaram com o mesmo apelido Brasil afora.

Hoje, no mesmo dia em que o Rio de Janeiro completa 453 anos, Esquerdinha faria 95. Saudade do grande craque, com quem tive o imenso prazer de entrevistar em 2011. Talvez a última entrevista concedida pelo grande ponta-esquerda dos anos de 1950.

Esquerdinha ingressou no futebol em 1941, nos juvenis do Madureira. Em 1946, tornara-se profissional. Foi craque da bola e do jornalismo. Durante a célebre excursão do Flamengo à Europa em 1951, escreveu crônicas para o já extinto Diário Carioca. Tornou-se um bom escriba de imprensa e passou a assinar artigos para vários jornais durante alguns anos. Suas crônicas eram sempre muito requisitadas.

Com a bola nos pés, o craque tinha um chute forte, verdadeiro petardo. Mas não era muito bom em cobranças de pênaltis. Chegou a perder dois em um só jogo. Se marcou gols aos montes também perdeu muitos outros. Se a pontaria fosse quase 100%, Esquerdinha estaria, no mínimo, entre os quatro maiores goleadores da história do Flamengo.

Primeiro filho do casal Raimundo Santa Rosa e Terezina da Costa Santa Rosa, Esquerdinha nasceu em Belém, no Pará, no dia 1º de março de 1924, e recebeu o nome de William Kepler. Seu irmão Walter Kepler nasceria no ano seguinte, no dia 22 de fevereiro.


O pai de Esquerdinha decidira mudar-se com a esposa e os dois filhos para Nova Iorque. Seguiu viagem antes de levar a família para tratar de documentação, moradia e trabalho, o que garantiria mais segurança a todos. Certa noite, antes de retornar para a casa recém-adquirida, Raimundo decidiu parar em um bar acompanhado de um amigo. Ladrões renderam os clientes e exigiram o dinheiro de todos. Raimundo, ao colocar a mão no bolso de trás de calça para pegar a carteira com o dinheiro e entregá-la aos assaltantes, levou um tiro no peito que atingiu o coração, matando-o em seguida. Terezina, após saber da trágica morte do marido, embarcou com os filhos para Nova Jersey onde seus pais já moravam. O bandido foi preso e condenado à cadeira elétrica.

Passara o tempo e Terezina casou-se, lá mesmo nos Estados Unidos, com o brasileiro Antônio Jerônimo da Silva. Ficaram por lá até 1930, quando todos retornariam a Belém. Do novo casamento da mãe de Esquerdinha nasceram Amélia e Wilson. Permaneceriam poucos meses na capital paraense e toda a família trocaria os Estados Unidos, no mesmo ano, pelo Rio de Janeiro, mais precisamente pelo bairro do Santo Cristo, no centro da cidade, no qual ficariam pouco tempo, mudando-se todos para o suburbano bairro de Oswaldo Cruz, na Travessa Blandina, nº33.

Esquerdinha não gostava de jogos de azar, tampouco de carteado; não bebia e nem fumava. Apesar de torcedor do Flamengo, nunca escondera gostar do São Paulo. Confessou isso aos mais próximos e em poucas entrevistas. Ao contrário da maioria dos jogadores de sua época, gostava das concentrações antes dos jogos. Seu treinador preferido foi Gentil Cardoso e o melhor jogador que vira jogar, Zizinho. Seu melhor amigo foi o centroavante Índio. Ambos eram compadres. Uma amizade que perdurou até o fim da vida. Aliás, neste dia 1º de março, Índio também faz anos. Foi um dos grandes atacantes do Flamengo nos anos de 1950. Ele e Esquerdinha eram infernais pelo lado esquerdo.

O ponta canhoto dizia que as maiores alegrias na carreira foram as vitórias contra o Arsenal, o Rapid Viena e o Malmoe, em 1949, e a vitoriosa excursão do Flamengo à Europa, em 1951, quando o Flamengo venceu os 10 jogos que disputara. O maior desgosto, ainda no começo da carreira, foi ter sido vetado pelo treinador Picabea para uma excursão do Madureira ao Pará, terra natal do Esquerdinha, o que só aconteceria com o Flamengo, anos depois.

Esquerdinha permaneceu 15 dias fora do time para curtir a lua de mel e, quando voltou, seu posto na ponta-esquerda estava ocupado por um rapaz que acabara de chegar do América. Treinou até no carnaval e logo retomaria a vaga. Mas, nos dois anos seguintes, o grande ponta-esquerda começava a abrir espaço para o mesmo rapaz que chegara à Gávea tempos atrás vindo do Alvirrubro. Um jogador que entraria para a história do clube e do futebol mundial. Um jovem que se chama Zagallo.

O PRIMEIRO DA “DINASTIA ESQUERDINHA”

por André Felipe de Lima


Antes de chamarem o canhoto William Kepler de “Esquerdinha”, chamavam-no “Pequenino”. O apelido que o consagraria anos mais tarde no Flamengo nascera, porém, quando, em uma pelada do time do Morrinho contra o da rua Pereira, no subúrbio carioca, o “Pequenino” foi deslocado para a ponta-esquerda. Começou a marcar muitos gols com a potente canhota e o batismo definitivo tornou-se inevitável: nascera o “Esquerdinha”, que se tornaria, anos depois, um dos melhores ponteiros-esquerdos da história do Flamengo. Foi a partir dele que muitos “Esquerdinhas” despontaram com o mesmo apelido Brasil afora.

Hoje, no mesmo dia em que o Rio de Janeiro completa 453 anos, Esquerdinha faria 95. Saudade do grande craque, com quem tive o imenso prazer de entrevistar em 2011. Talvez a última entrevista concedida pelo grande ponta-esquerda dos anos de 1950.

Esquerdinha ingressou no futebol em 1941, nos juvenis do Madureira. Em 1946, tornara-se profissional. Foi craque da bola e do jornalismo. Durante a célebre excursão do Flamengo à Europa em 1951, escreveu crônicas para o já extinto Diário Carioca. Tornou-se um bom escriba de imprensa e passou a assinar artigos para vários jornais durante alguns anos. Suas crônicas eram sempre muito requisitadas.

Com a bola nos pés, o craque tinha um chute forte, verdadeiro petardo. Mas não era muito bom em cobranças de pênaltis. Chegou a perder dois em um só jogo. Se marcou gols aos montes também perdeu muitos outros. Se a pontaria fosse quase 100%, Esquerdinha estaria, no mínimo, entre os quatro maiores goleadores da história do Flamengo.

Primeiro filho do casal Raimundo Santa Rosa e Terezina da Costa Santa Rosa, Esquerdinha nasceu em Belém, no Pará, no dia 1º de março de 1924, e recebeu o nome de William Kepler. Seu irmão Walter Kepler nasceria no ano seguinte, no dia 22 de fevereiro.


O pai de Esquerdinha decidira mudar-se com a esposa e os dois filhos para Nova Iorque. Seguiu viagem antes de levar a família para tratar de documentação, moradia e trabalho, o que garantiria mais segurança a todos. Certa noite, antes de retornar para a casa recém-adquirida, Raimundo decidiu parar em um bar acompanhado de um amigo. Ladrões renderam os clientes e exigiram o dinheiro de todos. Raimundo, ao colocar a mão no bolso de trás de calça para pegar a carteira com o dinheiro e entregá-la aos assaltantes, levou um tiro no peito que atingiu o coração, matando-o em seguida. Terezina, após saber da trágica morte do marido, embarcou com os filhos para Nova Jersey onde seus pais já moravam. O bandido foi preso e condenado à cadeira elétrica.

Passara o tempo e Terezina casou-se, lá mesmo nos Estados Unidos, com o brasileiro Antônio Jerônimo da Silva. Ficaram por lá até 1930, quando todos retornariam a Belém. Do novo casamento da mãe de Esquerdinha nasceram Amélia e Wilson. Permaneceriam poucos meses na capital paraense e toda a família trocaria os Estados Unidos, no mesmo ano, pelo Rio de Janeiro, mais precisamente pelo bairro do Santo Cristo, no centro da cidade, no qual ficariam pouco tempo, mudando-se todos para o suburbano bairro de Oswaldo Cruz, na Travessa Blandina, nº33.

Esquerdinha não gostava de jogos de azar, tampouco de carteado; não bebia e nem fumava. Apesar de torcedor do Flamengo, nunca escondera gostar do São Paulo. Confessou isso aos mais próximos e em poucas entrevistas. Ao contrário da maioria dos jogadores de sua época, gostava das concentrações antes dos jogos. Seu treinador preferido foi Gentil Cardoso e o melhor jogador que vira jogar, Zizinho. Seu melhor amigo foi o centroavante Índio. Ambos eram compadres. Uma amizade que perdurou até o fim da vida. Aliás, neste dia 1º de março, Índio também faz anos. Foi um dos grandes atacantes do Flamengo nos anos de 1950. Ele e Esquerdinha eram infernais pelo lado esquerdo.

O ponta canhoto dizia que as maiores alegrias na carreira foram as vitórias contra o Arsenal, o Rapid Viena e o Malmoe, em 1949, e a vitoriosa excursão do Flamengo à Europa, em 1951, quando o Flamengo venceu os 10 jogos que disputara. O maior desgosto, ainda no começo da carreira, foi ter sido vetado pelo treinador Picabea para uma excursão do Madureira ao Pará, terra natal do Esquerdinha, o que só aconteceria com o Flamengo, anos depois.

Esquerdinha permaneceu 15 dias fora do time para curtir a lua de mel e, quando voltou, seu posto na ponta-esquerda estava ocupado por um rapaz que acabara de chegar do América. Treinou até no carnaval e logo retomaria a vaga. Mas, nos dois anos seguintes, o grande ponta-esquerda começava a abrir espaço para o mesmo rapaz que chegara à Gávea tempos atrás vindo do Alvirrubro. Um jogador que entraria para a história do clube e do futebol mundial. Um jovem que se chama Zagallo.

O AZAR ROUBOU CHANCES, MAS JAMAIS O TALENTO DO SADI

por André Felipe de Lima


Quando o lateral-esquerdo do Internacional, Sadi — que para muitos colorados é o melhor que tiveram. Melhor até que o Oreco — viu suas chances se esvaírem de ir à Copa do Mundo de 70, muitos ficaram surpresos. Mesmo com as sucessivas contusões entre 1968 e 1969, era um nome bastante cogitado para integrar a lista de convocados. Mas a sorte sumira do mapa para ele, e Sadi passou a falar e sorrir pouco quando entrava ou saía do antigo estádio dos Eucaliptos, onde aprendeu a amar o Inter onze anos antes daquela Copa. Onde lá chegou garotinho e sozinho, sem que ninguém o levassem ou o convidassem. Cara, peito e coragem.

Sadi chegou à seleção em 1965. Até 1968 era nome certo no escrete, e foi exatamente naquele ano que começou o seu ocaso no escrete. Ou seriam “ocasos”?

O primeiro deles aconteceu em um jogo do Inter contra o Santos. Os times entraram em campo para rolar a bola. Mas era tanta gente no gramado paparicando Pelé, que Sadi não conseguiu espaço para se aquecer. Resultado: logo aos oito minutos de jogo sofreu uma severa distensão. Ficou de molho alguns jogos até retornar contra o Flamengo e, após uma dividida com Chiquinho Pastor, fraturou o pé. Acabou aí? Não. Veio 1969 e o Inter de casa nova. Era o gigante Beira-Rio. Logo em abril, no primeiro Gre-Nal do estádio, o pau comeu violentamente. Era soco, voadoras, mordidas… rolou de tudo, menos carinho. No meio da pancadaria, Sadi levou uma porrada violentíssima na batata da perna, que teve o músculo perfurado pela chuteira de algum rival. Jamais se soube que gremista acertou-lhe em cheio a panturrilha. Acham que foi pouco para o Sadi? No final de 69, ele voltou aos gramados e sofreu uma ruptura do músculo da coxa. Definitivamente, a Copa do Mundo estava cada vez mais distante.

Zagallo não o levou, mas levou Everaldo, do Grêmio, com quem o craque e capitão colorado disputava o posto de melhor lateral canhoto do Rio Grande do Sul.

Sadi treinava avidamente. Doava-se pelo Inter e tinha uma canhota magistral. Era verdadeiramente viril, mas sabia jogar bola. Conta o repórter gaúcho Rogério Amaral, apresentador do programa “Virando o Jogo”, do canal RDCTV, de Porto Alegre, que durante a cobertura da Copa do Mundo de 1998, bateu um papo com Rivellino, que conviveu um tempo com Sadi na seleção brasileira. Rivellino, de quem se imagina que tudo de bola trouxe do ventre, confessou ao Amaral ter aprendido a cruzar a bola de “três dedos” com Sadi.

Ainda no começo dos anos de 1970, a política “roubou” Sadi do futebol. Foi vereador de Porto Alegre, pelo antigo MDB, entre 1973 e 1982, ano este em que tentou se candidatar a deputado estadual, mas acabou derrotado nas urnas. Mas Sadi, como vereador, foi bem e criou inúmeros projetos que se transformaram em ações verdadeiramente úteis para o cidadão da capital gaúcha.

Sadi Schwerdt, que nasceu em Arroio dos Ratos, no interior do Rio Grande do Sul, era impetuoso desde garoto. Sozinho, abordou Clóvis Dias, treinador dos infantis do Inter, que gostou do menino. Com 18 anos, chegava ao profissional. Teve uma rápida passagem pelo Atlético Paranaense, em 1962. Tornou-se ídolo em Curitiba. Voltou logo para o clube de origem, tomou a posição de titular do Gilberto Tim — o mesmo que se tornaria preparador físico das seleções do Telê Santana — e foi duas vezes campeão gaúcho, em 1969 e 70. Chegou a ser emprestado ao Corinthians, em 1971.

Regressou ao Beira-Rio, mas uma fratura na perna direita em um acidente de carro fez com que abandonasse a carreira. Logo com ele, o Sadi, que sofrera tantos reveses entre 1968 e 1970. Concluiu que não dava mais brigar com o azar. A política começou naquele instante a tomar o lugar da vida do Sadi.

Ontem, dia 27, um dos maiores da história do Inter partiu.

O VERDADEIRO DIA EM QUE LARA SE DESPEDIU DO FUTEBOL

O primeiro volume de “Épocas & Ídolos” trará craques de A a Z da Era amadora do futebol, que marca o período de 1900 a 1933, quando emergiu por aqui o profissionalismo. Muitos dados perdidos dos primeiros momentos do futebol no país estamos recuperando, como, por exemplo, o fato de o lendário goleiro Eurico Lara, o maior ídolo da história do Grêmio, ter, antes de morrer em 6 de novembro de 1935, apitado alguns jogos após o memorável Gre-Nal“Farroupilha” de 1935, realizado em setembro do mesmo ano. A informação provoca uma reviravolta na biografia do ídolo, contrariando a descrição de que ele teria entrado num gramado pela última vez exatamente naquele épico Gre-Nal do qual teria saído diretamente para o hospital onde permaneceria até sua morte. Ou seja, Lara pode não ter entrado novamente em um gramado como jogador de futebol, mas certamente voltou aos campos após o Gre-Nal “Farroupilha” como um homem que ama o futebol acima de tudo. Leia um trecho do verbete de Lara que será publicado em “Épocas & Ídolos”.

 

 por André Felipe de Lima


Não havia jeito. Parecia o fim da carreira [e da vida] de Eurico Lara. Os médicos vaticinaram: “O futebol acabou para ele”. Lara nem aí. Tinha um Gre-Nal pela frente. E não era qualquer clássico. Era o “Gre-Nal Farroupilha”, do dia 22 de setembro de 1935. Não perderia aquilo por nada. Não só entrou em campo, como foi um dos personagens principais da decisão do campeonato do centenário da Revolta Farroupilha. Jogou apenas os primeiros 45 minutos. O bastante para levantar o ânimo dos companheiros e conduzir o Grêmio  à vitória por 2 a 0 e, consequentemente, à conquista de mais um título contra o eterno rival. Tudo era festa. Lara esqueceu-se das dores no peito e caiu nos braços da torcida no pavilhão da Baixada. Mas o esforço foi grande. Internaram-no. Após receber alta, obviamente ainda fragilizado pela doença [ou doenças], voltaria a campo para suas derradeirasperformances num gramado de futebol, episódio esquecido no tempo. Não como jogador, mas apenas como juiz.

Na semana seguinte após o Gre-Nal “Farroupilha”, Lara entrara em campo para apitar o jogo entre Nacional e Leopoldense, realizado no dia 27 de setembro e que terminou 3 a 1 para o Nacional. “Serviu de juiz o consagrado arqueiro Eurico Lara, que atuou com sua costumada competência”, escreveu o jornal A Federação na edição do dia seguinte. A saúde parecia não incomodá-lo. No dia 6 de outubro de 1935, como narra o mesmo jornal, às 14h, no estádio do Eucaliptos, Lara apitara a partida entre dois Rio Grandenses, o de Cruz Alta e o de Santa Maria. “Dirigiu esta pugna, com sua habitual correção, o velho arqueiro Eurico Lara”. Mas não seria aquela a peleja final. Lara voltaria aos gramados para apitar mais um jogo, no dia 29 de outubro. Em campo, Força e Luz e Cruzeiro de Porto Alegre. A partida terminou 3 a 1 para o Força e Luz e Lara mais uma vez apitou muito bem, com “precisão e energia”, como destacou A Federação. 


Na edição do dia seguinte, o jornal publicou as resoluções da AMGEA (Associação Metropolitana Gaúcha de Esportes Atléticos), dentre as quais uma informa a criação de uma comissão para visitar “o consagrado arqueiro Eurico Lara, atualmente enfermo”.Lara baixara novamente no hospital provavelmente logo após aquela peleja. Diante dessa importante informação, constata-se que a última vez que o maior ídolo gremista da história entrou em um campo de futebol não foi no “Gre-Nal Farroupilha” de setembro e sim naquele jogo entre Força e Luz e Cruzeiro. Acreditava-se até aqui que Lara teria saído do memorável Gre-Nal para o hospital, onde permaneceria até morrer.

Lara se superando e a doença o matando vagarosamente.O goleiro resistiu o quanto pôde, mas, às 7h10 da manhã do dia 6 de novembro de 1935, o grande Lara morreria em um leito do hospital da Beneficência Portuguesa. Seu corpo foi velado no salão nobre da Baixada, com bandeira do Tricolor sobre o caixão. Era casado com Maria Cândida Lara, com quem teve Odessa, que contava apenas 12 anos quando perdera o pai.

Mas quem o esqueceria? Eduardo Bueno recorda as palavras de Foguinho, que iniciou a vitória do Grêmio naquele inesquecível Gre-Nal [gols dele e de Laci], que sempre dizia, com inconfundível sotaque germânico, quando o abordavam com aquele papo de que havia pintado um goleiro “bom à beça” na praça: “O senhorr não sabe o que é um goleirro. O senhorr nunca viu um. Eu joguei com o maiorr de todos”.


Nos anos de 1970, era o único atleta, no Brasil, de quem o clube fez uma máscara mortuária para que todos que viveram em sua época perpetuassem a admiração pelo goleiro. Há um gesso com seu rosto na sede do Grêmio, junto aos troféus mais importantes. Anualmente, no aniversário do Grêmio e no da morte de Lara, era costume dirigentes gremistas irem ao cemitério São Miguel e Almas depositar flores no túmulo do grande ídolo.

Em 15 anos de Grêmio, Eurico Lara trocou de time apenas uma vez, em 1928. Brigou com o presidente do clube e vestiu a camisa do F. C. Porto Alegre. Em seu único jogo pelo clube, Lara enfrentou o Grêmio e perdeu de goleada. O bastante para perceber que nunca poderia abandonar o Tricolor.


Como confessou certa vez o escritor e jornalista Fausto Wolff, todo mundo da geração dele, em Porto Alegre, nas peladas dos campinhos da cidade, queria jogar como goleiro e ser chamado de Lara. Verdade. Luiz Mendes, o saudoso “comentarista da palavra fácil”, torcia pelo Grêmio. Levado pelo tio Oscar, presencio o mítico Gre-Nal Farroupilha, de 1935. O tio era colorado e queria convencer o sobrinho de que deveria também vestir vermelho. Mas Mendes viu os feitos de Lara. Ali, naquele instante, naquele Gre-Nal, encantado por Lara, decidiu: “Sou Grêmio!”