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andré felipe de lima

CORONEL E VASCO, O VÍNCULO DO AMOR

por André Felipe de Lima


— André, meu amigo, entregue ao seu pai este cartão com o meu autógrafo. Ele ficará muito feliz, acredito.

— Coronel, poxa, nem sei como agradecer a você. Meu pai o considerava muito como ídolo na adolescência dele. Vendo-o jogar, marcando Garrincha, sendo campeão pelo nosso Vasco… poxa, Coronel, que alegria. Você nos fez muito feliz. Obrigado.

Não entreguei até hoje ao meu pai o cartão autografado por Coronel, o maior e melhor lateral-esquerdo que o Vasco já teve em todos os tempos. Sofro muito nesta quarta-feira por isso e, sobretudo, pela partida do sr. Antônio Evanil da Silva, com quem estive recentemente, em Porto Real, no Sul Fluminense, entrevistando-o com a equipe do Museu da Pelada.

Coronel se foi, mas deixou conosco um amor incondicional por ele e pela camisa que vestia. Nas duas entrevistas que realizei com ele, Coronel falava do Vasco com uma emoção indescritível e os olhos marejados, igualmente como estou neste momento, escrevendo este texto já sentindo uma saudade enorme e incontida dele.

— O Vasco foi tudo para mim.

Assim disse Coronel em vários momentos dasentrevistas e, certamente, em toda a sua jornada na terra. O Vasco e o Coronel; o Coronel e o Vasco. O vínculo do amor.

Vá em paz, meu amigo. Olhe por nós daí do céu, nosso ídolo. Viva o Coronel! Viva o nosso Vasco!

ARTIME E O GOL COMO MELHOR AMIGO

por André Felipe de Lima


Os torcedores do Nacional de Montevidéu ficaram mal acostumados com os gols em profusão que o grande ídolo Luis Artime assinalava no começo dos anos de 1970. Gols que inclusive renderam ao arquirrival do Peñarol muitos títulos.

É natural que a paixão cega os mais afoitos. Que para defender o ídolo, alguns torcedores beiram às raias do inverossímil. Isso tudo é compreensível. Mas afirmarem que Artime marcara mais de mil gols, com o milésimo em um jogo contra o Peñarol, é um exagero inaceitável.

Mito. O argentino Artime sequer passou dos 300 gols oficiais em toda a carreira. Não há, porém, como negar que o Peñarol sofreu horrores com ele. Foram 16 jogos, com 10 vitórias do Nacional, seis empates e 10 gols de Artime.

Mas quem era esse craque tão badalado pelo torcedor uruguaio, que também fez sucesso defendendo o River Plate, o Independiente e o Palmeiras?

Artime não era um atacante alto, mas foi exímio cabeceador. A habilidade não era o forte do “trombador” Artime, mas fazia muitos gols. Por onde passou, deixou sua marca de artilheiro.

Foi quatro vezes goleador do campeonato argentino, duas pelo River Plate, em 1962 e em 1963, marcado 25 gols nas duas temporadas, e outras duas pelo Independiente, em 1966 [23 gols] e em 1967 [11 gols], ano em que conquistou o seu único campeonato argentino.

Estreou no Nacional no dia 16 de agosto de 1969 diante do Danúbio, em jogo válido pelo campeonato uruguaio. Marcou dois dos três gols na vitória de 3 a 0. Não há dúvidas de que Artime viveu seus melhores momentos na carreira defendendo as cores do Nacional, clube com o qual conquistou três campeonatos uruguaios, em 1969, 70 e 71, sendo artilheiro das três competições nas quais assinalou 24, 21 e 16 gols respectivamente. Foi também campeão da Taça Libertadores da América e do Mundial Interclubes, em 1971.

Na fase de grupos da Libertadores, o Nacional precisava derrotar o Penãrol para seguir adiante. No dia 30 de março, os dois times entraram em campo. O Peñarol saiu na frente no placar. Mas nos últimos cinco minutos do segundo tempo, Artime apareceu. Fez um gol e, logo em seguida, sofreu um pênalti convertido por Mujica. Dali para frente, o Nacional fez uma bela campanha até o jogo final, no dia 9 de junho, contra o Estudiantes de La Plata, com gols de Espárrago e [claro] Artime.

O desafio seguinte seria o inédito título mundial já conquistado pelo rival, o Peñarol. E Artime novamente mostraria sua importância histórica para o Nacional.

Por pouco o Mundial Interclubes de 1971 não foi disputado por conta da grande confusão na final da edição do ano anterior, disputada na Argentina entre o Estudiantes e o Feyenoord, da Holanda,

O Nacional vencera a Libertadores em 1971, mas havia um impasse na Europa. O campeão continental, o Ajax, da Holanda, recusou-se a jogar a final contra o Nacional. Diante disso, a Uefa decidiu indicar o vice-campeão europeu, o grego Panathinaikos.

Nos dois jogos decisivos do Mundial, contra o Panathinaikos, Artime marcou três gols: 1 a 1, na Grécia, e 2 a 1 para o Nacional, em Montevidéu. O Nacional tinha um timaço. Para os mais antigos, o melhor da história do clube. Jogavam lá o goleiro brasileiro Manga, Ángel Brunell, Juan Masnik, Luis Ubiña, Julio Montero Castillo, Juan Carlos Blanco, Luis Cubilla, Ildo Enrique Maneiro, Víctor Espárrago, Luis Artime e Juan Carlos Mamelli.

O saldo no futebol uruguaio não poderia ser melhor. Até hoje Artime se mantêm como o sexto maior goleador da história do Nacional, com 158 gols, e o oitavo da história da Taça Libertadores, competição na qual dividiu a artilharia em 1971 com o compatriota Raúl Castronovo que defendia [vejam só a ironia] o Peñarol. Os dois marcaram cada um 10 gols.

Luis Artime iniciou a carreira no Independiente de Junín, e, posteriormente, com a recomendação de Osvaldo Zubeldía e “Coco” Luis Alberto Mannini transferiu-se para o Atlanta, em 1958, quando atuou ao lado daquele que para muitos foi o melhor time da história do clube, que contava, entre outros, com Errea, Gatti, Clariá, Griguol, Bettinotti, Gonzalito e Guenzatti.

Mas foi no River Plate, a partir de 1962, que Artime tornou-se craque renomado. Em 1965, antes, portanto, de ir para o Independiente, Artime teve o passe cedido por meio ano ao Real Jaén, um clube da terceira divisão do futebol espanhol. Retornou ao River para deixá-lo em definitivo em 1966, sem conquistar títulos, mas mostrando-se um goleador extraordinário. Marcou 71 gols pelo clube.


No Independiente, Artime não só manteria o posto de artilheiro, mas conquistaria o seu primeiro título Argentino, em 1967. No clube “Rojo” formou um ataque avassalador com Raúl Emilio Bernao, Raúl Armando Savoy, Héctor Yazalde e Aníbal Tarabini. Uma turma da pesada que mantém até hoje o recorde de pontos corridos na era do profissionalismo no futebol argentino, com 86,67% dos pontos disputados. Foram 15 jogos, com 12 vitórias, dois empates e apenas uma derrota, para o San Lorenzo. No Independiente, Artime marcou 45 gols em 72 jogos.

No período em que esteve no clube “Rojo”, Artime teve mais oportunidades na seleção argentina. Disputou a Copa do Mundo, na Inglaterra, em 1966, chegando às quartas de final. No ano seguinte, jogou a Copa América, competição da qual foi o principal goleador da Argentina, com cinco gols.

Com o escrete argentino, Artime manteve excepcional média de 0,96 gol por partida, em 25 jogos.

Luis Artime nasceu em Mendoza, na Argentina. A data de seu nascimento é 2 de dezembro de 1938. Inexplicavelmente, quando chegou ao Brasil em julho de 1968, para defender o Palmeiras, informaram à imprensa paulista que Artime teria nascido no dia 25 de novembro de 1941.

Ficou pouco tempo no Parque Antártica [até julho de 1969], mas tempo suficiente para se sagrar ídolo da torcida ao lado de Ademir da Guia na “Academia”. Segundo os pesquisadores Celso Unzelte e Mário Sérgio Venditti, Artime vestiu a camisa do Palmeiras em 57 jogos, com 32 vitórias, 13 empates e 48 gols assinalados [mais uma média sensacional do craque] e conquistou o “Robertão” de 1969, a Taça de Prata que equivale ao que é hoje o campeonato brasileiro.

Uma de suas grandes façanhas aconteceu vestindo o manto verde, no dia 16 de janeiro de 1969. Artime marcou os cinco gols da goleada de 5 a 0 no Rapid Viena.

Em julho de 1969, o craque foi brilhar no Nacional, onde permaneceu até o dia 3 de maio de 1972, quando disputou seu último clássico contra o Peñarol. Saiu de campo ovacionado após marcar os três gols da vitória de 3 a 0 sobre o rival. Artime trocaria o Nacional pelo Fluminense.

Nas Laranjeiras, a diretoria do Tricolor movimentava-se para montar um time forte. Trouxera Artime, em maio de 1972, e Gerson.

Com a chegada de Artime para ocupar a vaga de Flávio Minuano, Gerson arriscara um vaticínio. O “Canhotinha” afirmara que ganhar jogo com aquele time do Tricolor seria “mole”, que ele, Gerson, receberia a bola do volante Denílson, lançaria a pelota ao ponta-direita Cafuringa e correria para abraçar Artime, que na certa faria o gol. Não foi bem assim. Artime reclamava, em entrevistas, que era boicotado pelos colegas, o Fluminense acabou em 14º lugar no campeonato brasileiro de 1972 e foi mal no campeonato carioca.

Quando Artime chegou ao Fluminense, o primeiro jogador a boicotá-lo foi o ponta-esquerda Lula, como assinalara o repórter Marcelo Rezende, doze anos depois da efêmera passagem do jogador argentino pelas Laranjeiras: “Lula deixou claro que não gostava dele, de seu salário mais alto que dos demais e da badalação que se armou em torno do seu nome. Resultado: só lhe cruzava bolas erradas. E boicotou-o tanto que quando o argentino foi embora tinha marcado, em 12 meses, apenas um gol. E seu passe custara nada menos que 100.000 dólares [cerca de um milhão de cruzeiros, na época].”

Lula sempre negou haver atrito com o argentino: “Artime é nosso amigo, só que não deu sorte aqui”. A verdade era inexoravelmente decepcionante para Artime, que perdia gols fáceis. Acabou no banco de reservas, por determinação de um insatisfeito treinador Pinheiro. Pediu um “tempo” à diretoria do clube e, simplesmente, escapou dez dias das Laranjeiras para, supostamente, curar “problemas estomacais” e ver como estavam seus negócios na Argentina: uma metalúrgica, uma financeira e uma loja de eletrodomésticos. “Em quinze anos de futebol, em todos os clubes que passei, nunca deixei de ser o artilheiro. Não sei o que está acontecendo comigo.”

Considerado “velho” para futebol, o craque argentino não rendeu no Fluminense como nos tempos de River Plate, Independiente, Palmeiras e Nacional. Em outubro de 1972, a diretoria do Tricolor já esboçava uma despedida para o jogador.


O ex-técnico da seleção brasileira e radialista João Saldanha entrevistou Artime para um programa de rádio. O craque confessou ao “João sem medo” que a maioria dos gols que assinalara na carreira acontecia porque errava o arremate tanto com o pé quanto com a cabeça. Pensava num canto e a bola era disparada no outro. Para quem não acredita em milagres…

Artime deixou as Laranjeiras no final de 1972, devolveu ao clube parte das “luvas” que recebeu e foi imediatamente repatriado pelo Nacional, onde sempre fora “rei”. Lá, o ídolo encerrou a gloriosa carreira recheada de gols, em 10 de fevereiro de 1974, quando o time enfrentou o Olímpia, do Paraguai, pela Taça Libertadores da América. Artime deixou sua marca, após balançar as redes do time adversário, e, no vestiário, após a partida, anunciou que aquele era o seu último gol na carreira. Ponto final da brilhante trajetória de um dos maiores goleadores da história do futebol sul-americano.

Se os gols que marcou foram “sem querer”, pouco importa. Eles alegraram estádios e deram títulos aos clubes por onde passou Artime, que hoje goza sua merecida aposentadoria em Buenos Aires, mantendo uma rede de lojas de material esportivo.

OXE, MESTRE, BOBÔ É O REI DO ARERÊ!

por André Felipe de Lima


“Quem não amou a elegância sutil de Bobô?” O refrão da música “Reconvexo”, composta por Caetano Veloso e interpretada por Maria Bethânia, diz tudo.

Como frisa o jornalista Bob Fernandes – no livro “Bora Bahêeea! A história do Bahia contada por quem a viveu”, da Coleção Camisa 13 (DBA, 2003), há quem afirme peremptoriamente que a personagem da famosa letra não é Bobô e sim Bubu, outrora dono de um botequim em Salvador onde Caetano teria ouvido pela primeira vez a música de João Gilberto e se encantado com a Bossa Nova.

Mas quem ousaria dizer que a letra não fala de Bobô? Que torcedor do Bahia acharia o contrário? Talvez nem Caetano mexesse nesse vespeiro para contrariar milhões de torcedores do amado Tricolor. A música fala do craque… e ponto final! Fala do maior jogador que o Bahia já teve em todas as suas fileiras. Fala de Bobô. Fala de Raimundo Nonato Tavares da Silva, seu nome de batismo, recebido no dia 28 de novembro de 1962, quando veio ao mundo na baianíssima Senhor do Bonfim.

O incomum apelido partiu da irmã caçula Rita, que não conseguia chamá-lo de Raimundinho, como faziam os outros seis irmãos. O que ninguém imaginaria, porém, é que aquele menino seria o mais badalado baiano do final dos anos de 1980. Mais até que Jorge Amado, João Ubaldo, o próprio Caetano ou Antônio Carlos Magalhães. Na Bahia daquela virada de década só se falava de Bobô.

Bobô que, ainda garoto, começou no futebol de salão, em 1980, no intermunicipal da cidade natal. No ano seguinte, a Associação Desportiva Catuense o descobriu. Fez sucesso e fez do clube do interior um dos melhores do campeonato local. Mas isso se restringia à boa terra. Fora da Bahia, Bobô ainda era um mero desconhecido.

Em 1982, durante a transmissão radiofônica de um jogo da Catuense contra o América carioca, no Maracanã, em jogo válido pela Taça de Prata (segunda divisão nacional), o repórter e comentarista Washington Rodrigues, então na “Rádio Globo”, não conteve a gargalhada: “O time baiano tem até Bobó”, debochou o radialista, fazendo alusão ao prato típico baiano.

Bobô é filho de Florisvaldo Tavares da Silva, o “seu” Flori, e Antonieta, a “dona Tieta”, como a chamavam em Senhor do Bonfim. O médico Pedro Amorim, grande ponta-direita do passado e ídolo do Fluminense no começo dos anos de 1940, foi grande amigo do pai de Bobô e um dos primeiros incentivadores do rapaz ainda nos tempos em que começou a despontar na Catuense, ainda bastante franzino. Fisicamente tão fraco que outro apelido pegou mais que Bobô: “Tinquim”, nome de um pássaro muito frágil comum no norte baiano.

“Ele era bem fraquinho”, recordou João Corrêa, que descobriu Bobô em uma quadra de futebol de salão em frente à sua casa, em Senhor do Bonfim. Já em 1980, olheiros de vários clubes queriam levá-lo. Por pouco o Vitória, time para o qual Bobô torcia desde pequeno (por influência de “seu” Flori), levou a melhor; mas um amigo da família acabou desviando-o para a Catuense.

Em dois meses, Bobô já estava no time principal. Quando começou a se firmar no time titular, rompeu os ligamentos do joelho direito. Foi operado em Salvador e intrigou os médicos com um impertinente inchaço no pé-direito que o incomodava todas as manhãs. Jamais os médicos conseguiram explicar o misterioso inchaço e um desesperado Bobô quase largou o futebol. Foi demovido da desastrada ideia e tocando a carreira até que em 1984, a Catuense trouxe como treinador o renomado Aymoré Moreira. Sucesso absoluto do time, Bobô não cabia apenas na pequena Senhor do Bonfim.

Quatro anos após o deboche de Washington Rodrigues, exatamente em janeiro de 1986, o Bahia pagou 1100 cruzeiros pelo passe de Bobô. Um valor muito criticado pela torcida da época. Junto com ele seguiram para o Tricolor os laterais Zanata e Alcir. E logo no primeiro ano, o craque mostrou a que veio. Formou excepcional dupla com Claudio Adão (juntos marcaram mais de 40 gols na temporada) e foi campeão estadual em 1986.

No ano seguinte, o do bi, João Saldanha empolgou-se com o futebol esbanjado por Bobô: “Um bolão. Trata-se de um cara em condição de ganhar prêmios em qualquer partida.”

E a bola de Bobô não parou de crescer, mesmo com uma grave lesão no menisco, em 1987, que o afastou sete meses do futebol. Quase foi negociado com o Cruzeiro, mas manteve-se no Bahia e comandou o time no tri em 1988. Chegara, portanto, ao olimpo baiano ao conduzir o time ao inédito título da nova versão do Campeonato Brasileiro. O segundo em escala nacional do Bahia, que já havia destronado o Santos de Pelé, na final da Taça Brasil de 1959.

Um dos heróis da conquista do título brasileiro de 88, Bobô marcou nove gols na competição. Dos 27 jogos do Bahia, foram 13 vitórias e 11 empates. O tricolor despachou o Fluminense na semifinal e, na final, mandou às favas o Internacional de Porto Alegre, na casa dos gaúchos, em um empate sem gols com o estádio Beira-Rio para lá de lotado. Deu pra ti, Colorado!

“O bom disso tudo foi a chegada ao estádio: fizeram uma macumba e puseram na porta do nosso vestiário. Macumba de gaúcho. Era um boi, cara! Um boi com farinha (…). Puta merda, era um pedaço enorme de boi!. Não era um frango, um bodinho, como é aqui. Na porta do nosso vestiário, com velas acesas e tudo mais. Aqui (no primeiro jogo da final, em Salvador), tinham feito no vestiário deles, e os caras ficaram assustados”, disse Bobô ao repórter Bob Fernandes.

Apesar da notoriedade, o craque não teve tantas oportunidades para se firmar na Seleção Brasileira. Quando se esperava uma convocação, era esquecido. Apenas Sebastião Lazaroni lembrou-se dele, logo após o título brasileiro; mas foram poucas vezes.

Deixou o Bahia em 1989 e seguiu para o Morumbi. Na transação, o São Paulo pagou um milhão de dólares por Bobô e cedeu os passes do centroavante Marcelo e do zagueiro Wágner Basílio.

Apesar do desempenho distante do que rendeu no Bahia, foi campeão paulista de 1989. No São Paulo, jogou 63 vezes, venceu 27, empatou 23 e marcou apenas 11 gols. Um ano após o título paulista, foi emprestado ao Flamengo. Um fiasco! Ficou à disposição do São Paulo em 1991, que preferiu trocá-lo pelo ponta-esquerda Rinaldo, do Fluminense. Nas Laranjeiras realizou alguns bons jogos ao lado do atacante Ézio. Em 1993, regressou a São Paulo para defender o Corinthians. Não deu certo. Foi para o Internacional, de quem foi algoz em 1988, e voltou para a Catuense em abril de 1995, após permanecer quase um ano inteiro sem jogar futebol.

Encerrou a carreira em 1997 no clube que o projetou no cenário nacional: o Bahia, com o qual marcou 81 gols e onde figura no 16º. lugar no ranking de artilheiros do clube.

Dos gramados para as cabines de transmissões esportivas de rádio e TV nos estádios. De craque, Bobô transformou-se em comentarista de jogos de futebol. Não durou muito tempo. Resolveu que a carreira de treinador lhe cairia como uma luva.


Vem tentando, mas sem resultados extraordinários. Chegou a dirigir o próprio Bahia, que não consegue abandonar de forma alguma. Sua responsabilidade no clube era a de acompanhar e organizar as divisões de base do clube. Afinal, um grande time de futebol que se preze tem de fazer “Bobôs” todos os anos.

Em 2007, o jogador viveu, contudo, uma das piores fases de sua vida. Conclusão do inquérito da Polícia Civil sobre a queda da arquibancada da Fonte Nova, em novembro daquele ano, que causou a morte de sete pessoas, indiciou quatro autoridades esportivas por homicídio doloso (quando se tem intenção de matar), com pena que poderia chegar a dez anos de detenção. Entre essas autoridades, estava Bobô que, à época da tragédia, era diretor-geral da Superintendência de Desportos do Estado da Bahia (Sudesb), órgão responsável pela manutenção da Fonte Nova.

O Ministério Público Estadual pediu o afastamento das diretorias da Sudesb e do Esporte Clube Bahia. Para o MP, a instituição e o clube eram responsáveis diretos pela tragédia. No caso da Sudesb, por manter o estádio sem condições de funcionamento; no do Bahia, por omissão em aceitar jogar no estádio e não elaborar um plano de segurança para a ocasião. O MP também considerou a Polícia Militar, a Federação Baiana de Futebol e a Confederação Brasileira de Futebol culpadas pela tragédia.

O alívio para Bobô viria no dia 18 de agosto de 2009, com o juiz-substituto da 10ª Vara Criminal de Salvador, José Reginaldo, absolvendo-o e permitindo que se mantivesse no cargo de diretor-geral da Sudesb.

Um ano depois da absolvição em primeira instância, exatamente no dia 15 de julho, a desembargadora Aidil Conceição, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia, reconheceu a decisão do juiz José Reginaldo e entendeu que o ídolo do Tricolor baiano não poderia ser responsabilizado pelas sete mortes ocorridas no episódio que ficou conhecido como “a tragédia da Fonte Nova”.

Ao longo da carreira, Bobô marcou 258 gols, e isso não se apaga da memória dos torcedores. Mesmo com o triste episódio do estádio marcado na lembrança de muitos baianos, não somente a Justiça, mas a imensa torcida baiana o absolveu.

A trajetória de Bobô é gloriosa. E, indiscutivelmente, o maior ídolo do Bahia em toda a linda história do clube. Em qualquer rua de Salvador um cidadão da boa terra e responderá: “Oxe, mestre, Bobô é o rei do arerê!”.

BELFORT DUARTE, O ‘PAI’ DO AMÉRICA

por André Felipe de Lima


Quando um atleta se torna referência incontestável do esporte, a ponto de seu nome batizar um dos mais importantes prêmios do futebol, sua história deveria ser sempre reverenciada através das gerações. Mas, lamentavelmente, não é isso o que ocorre no Brasil.

Caso exemplar dessa perda de memória social é a trajetória do ex-zagueiro Belfort Duarte, um dos responsáveis pela popularização do futebol no Brasil, no começo do Século XX, e, portanto, um dos maiores desportistas que já surgiram no País.

Em 1946, um prêmio que leva o nome do ex-ídolo do América do Rio de Janeiro foi criado para os jogadores que permanecessem dez anos sem receber nenhuma punição em campo. A premiação, extinta em 1981, foi recriada pela TV Globo e o portal GloboEsporte.Com, em 2008, para ser concedida ao jogador da Série A do Campeonato Brasileiro que obtivesse menos pontos descontados por infrações cometidas durante a competição.

Mas quem foi, afinal, esse atleta exemplar capaz de ser lembrado até hoje como sinônimo de retidão nos gramados?

O engenheiro civil João Evangelista Belfort Duarte foi o primeiro zagueiro clássico do futebol brasileiro. Seu pai, o Dr. Francisco de Paula Belfort Duarte, tribuno, foi o primeiro governador republicano do Maranhão e ministro na Embaixada Brasileira, em Londres.

Belfort Duarte nasceu no dia 27 de novembro de 1883, em São Luís, no Maranhão, mas começou a jogar bola em São Paulo, na Faculdade de Ciências e Letras do Mackenzie College. Na instituição de ensino, fundou, no dia 18 de agosto de 1898, o primeiro time de futebol formado basicamente por brasileiros, o que contrariava a tendência de tornar o futebol um esporte dirigido às elites, portanto “coisa de estrangeiros”.

Formado engenheiro no Mackenzie, Belfort se transferiu para o Rio de Janeiro, em 1907, para trabalhar na canadense The Rio de Janeiro Tramway, Light and Power (que fornecia iuminação a gás, depois energia elétrica e, além disso, operava diversas linhas de bondes e carris urbanos que funcionavam na Cidade Maravilhosa).

Antes, contudo, o amigo Gabriel de Carvalho, com quem se comunicava constantemente por meio de cartas, narrava a situação na então Capital Federal e o afeto que criou pelo América, um pequeno time de futebol da Zona Norte da cidade.

Gabriel mostrava a Belfort a sua frustração pelo time de seu coração não ter alguém com pulso firme para livrar o clube das crises cada vez mais constantes, que o impediam de igualar-se ao Fluminense, o então todo-poderoso.

“Na tarde de 27 de dezembro de 1907, Gabriel achava-se em seu quarto, na pensão de Dª. Laura Brito, no terceiro andar do nº. 50 da Avenida Central (hoje, Avenida Rio Branco), quando inopinadamente surge à sua frente o amigo, carregado de malas” – escreveram Orlando Cunha e Fernando Valle, pesquisadores da história do América, sobre a chegada de Belfort ao Rio de Janeiro.

O jovem maranhense ambicionava ser jogador do Fluminense, mas, convencido por Gabriel, logo aportaria no time do América. Poderíamos defini-lo como um vira-casaca? Mas Belfort teve motivos de sobra para mudar de rumo. Ou de camisa, como queiram.

Após um jantar com o amigo, convencera-se da gravidade da situação do clube. “O América precisa muito mais de você que o Fluminense”, ponderou Gabriel e, de imediato, sugeriu a integração de Belfort ao clube e uma reunião informal, entre amigos, no Bar do Leme, para convencê-los a aderirem à “causa americana”.

Ninguém resistiu à eloquência de Belfort e decidiram segui-lo. Dias depois, uma assembleia o elegeu capitão do time. E foi com esse estilo pé-no-chão, que o novo comandante da nau proferiu a célebre frase: “O América não recebe nada de graça; tem de lutar para viver”. No ano seguinte, Belfort levou para o Rio de Janeiro muitos amigos que estudaram com ele no Mackenzie: Aquino, Dinorah Assis e Roberto Shalders foram alguns deles que vestiram a camisa do América nos primeiros momentos do clube.

O espírito inovador de Belfort Duarte não tinha limites, e sob essa égide promoveu sua primeira revolução no clube carioca. Traduziu as regras do Inglês para o Português e propôs a troca do uniforme preto e branco pelo vermelho e branco, o mesmo que era utilizado pelo Mackenzie College. Não houve objeção. Do arrojo de Belfort nasceu a mitológica camisa rubra. A decisão foi oficializada no dia 12 de abril de 1908, um uniforme vermelho e a bandeira, semelhante à do Japão (branca, com um círculo vemelho, dentro dele, as letras AFC como vemos hoje no escudo do clube).

Nitidamente, a opção pela cor vinha do amor que Belfort nutria pelo seu ex-time, o Mackenzie College. Já o novo escudo do América, como o conhecemos até hoje, foi criado pelo goleiro Marcos Carneiro de Mendonça, em 1913.

Inovação e fleuma eram marca da personalidade de Belfort. Dizem os historiadores que, em 1909, antes do início de um embate do América, de Belfort, contra o Botafogo, os jogadores americanos saudaram a torcida, gesto então pioneiro que acabou sendo repetido por outros times e se eternizando nos estádios do País. Tudo sob o espírito conciliador do capitão Belfort.

O craque era um político nato. Mas sua altivez fora dos gramados foi muitas vezes confundida com arrogância. Sua palavra, porém, sempre era acatada. Tanto que, em 1908, a sede do clube foi transferida para uma sala na Rua do Passeio, número 56, no segundo andar do prédio Centro Paulista, onde funcionava o Clube dos Boêmios e o carteado – permitido na época por lei – rolava solto.

A nova casa não deu certo. E o capitão, que nem presidente do América era, determinou nova mudança de QG. E foram todos parar na casa do próprio Belfort, na Rua Torres Homem, 279, em Vila Isabel. Mas, com a mudança de residência de Belfort, no final de 1908, a troca da sede também foi inevitável. Tudo foi para o porão da nova casa do Capitão, na Rua Maria José (hoje, Zamenhoff), nº. 63, na Tijuca. Tudo era decidido lá, em 1909. Sempre sob o comando de Belfort. Mas como ele mesmo sempre afirmava, tudo era muito difícil para o América.

Incomodavam-no, por exemplo, os privilégios concedidos pela Liga aos times da Zona Sul. Em face disso, liderou um projeto que fundaria uma nova liga e ergueria um campo na Zona Norte, que sustentaria a dissidência. A ideia do campo, de certa forma, acabou se concretizando, 42 anos mais tarde, com a construção do Estádio do Maracanã.

O projeto rebelde de Belfort não foi adiante. Em 1911, em busca da solução para o impasse do campo de jogo, o clube concretizou parceria com o antigo Haddock Lobo Football Club. Assim, incorporou ao seu patrimônio o terreno da Rua Campos Sales, 118, onde havia a sede oficial do clube, recentemente negociada em função de dívidas. Seria preciso existir um Belfort Duarte para resolver de novo esse problema do América?

Ideia tão ousada só poderia mesmo partir de Belfort Duarte. Mas, por pouco, os dirigentes do Haddock Logo fizeram a parceria com o Sport Club Mangueira, o mesmo que servia de saco de pancadas para os times da Zona Sul, deixando de lado América. Não fosse a habilidade política de Belfort, talvez o América terminasse sua história, ali, no comecinho do Século XX. “O acordo teve, entretanto, consequências inesperadas. Ou não teriam sido inesperadas? Há quem garanta que Belfort tinha plena consciência da armadilha que preparara. O Haddock Lobo não conseguiu resistir ao progresso, cada vez mais envolvente, do América e as fronteiras entre as duas agremiações foram, pouco a pouco, ruindo”, contaram Orlando Cunha e Fernando Valle, no livro “Campos Sales, 118 — A história do América”.

Propuseram a fusão, que Belfort rechaçou, pois o clube teria de trocar o nome. Manteve-se América, em assembleia realizada no dia 17 de maio de 1911 pelas diretorias dos dois clubes. Belfort estava ainda mais forte.

Como assinalaram Cunha e Valle: “Nunca é demais ressaltar a extraordinária sagacidade de Belfort que, em inteligente jogada, conseguiu tudo de que o clube necessitava: campo, sede, bons jogadores e a consolidação do gabarito social”.

O time a ser montado seria um dos mais fortes do futebol carioca. A começar pelo gol. Entre os novos jogadores, o jovem arqueiro Marcos Carneiro de Mendonça, que veio do Haddock Lobo.

O temido esquadrão conquistaria o Campeonato Carioca de 1913. Aliás, no ano do primeiro título, o clube já se mostrava tão grande quanto os da Zona Sul. Se o clube crescia, a autoridade de Belfort, idem. E isso já causava desconforto entre os cartolas.

Alberto Carneiro de Mendonça era o presidente do América, e não concordava com a excessiva autoridade de Belfort, então tesoureiro, que, por sua vez, era avesso a dar satisfações. Não demorou, o caldo entornou durante a vinda da delegação chilena, que disputaria algumas pelejas no Rio de Janeiro. Belfort era favorável aos jogos com os andinos; Alberto, contra. Não houve consenso, mas prevaleceu a palavra de Belfort. E os chilenos vieram.

Alberto renunciou no dia 29 de agosto e, somente no dia 9 de setembro, após assembleia geral, Joaquim Amarante assumiu a presidência com a condição de manter-se no cargo até a chegada dos chilenos, o que aconteceu no dia 15 de outubro. Guilherme Medina substituiu-o, também por pouco tempo. O impasse permaneceu até Belfort publicar a seguinte declaração, em novembro, na imprensa: “Sendo voz corrente que o ‘team’ do América não jogará hoje completo por eu ser ainda diretor, declaro que, ao entrar em campo, não serei mais diretor do clube, no caso do ‘team’ inteiro disputar o ‘match’ de hoje, no campo do Fluminense. É esta uma resolução que tomo, escudado no meu acendrado amor ao América”.

O time não só entrou em campo, como foi campeão de 1913. E Belfort consolidou-se como o maior líder, dirigente, capitão e zagueiro que o clube já teve em toda a sua história.

Ele era o primeiro a chegar aos treinos. “Só desculpava faltas de Marcos de Mendonça porque sabia que o goleiro treinava em casa, com as suas bolas de tênis, com suas laranjas e latas (…). também ele (Belfort) dava o exemplo se matando em campo”.

Essa descrição feita por Mario Filho traduz o estilo de Belfort: líder incontestável. Nasceu para aquilo, ou seja, comandar. Um comando, por sua vez, tratado com ironia, não dos jogadores. Isso, afinal, era inadmissível, mas pela molecada que assistia aos treinos e jogos do América. O sisudo Belfort tinha cadeiras largas, e isso lhe rendeu o apelido de “Madama”.

O calção, escreveu Mario Filho, reforçava a tese da garotada debochada. Era mandão, parecia uma dona de casa ao passar carão nos passivos subordinados. E ai daquele que o questionasse!

Os pesquisadores Orlando Cunha e Fernando Valle relembraram uma curiosa história que se passou com o ponta Gabriel de Carvalho, responsável pelo ingresso de Belfort no América: “Certa vez, durante uma partida amistosa, expulsou de campo seu amigo Gabriel de Carvalho, que, por mero capricho, resolvera tentar uma série de dribles desnecessários. Daí, aliás, o apelido que recebeu – Madame”.

O temperamento do craque não era fácil. Generoso, porém franco, revelava uma vontade incontrolável de vencer, inclusive nos treinos.

Essa alma se estendeu aos seus comandados, como ressaltou Mario Filho: “Um jogador encarnava a bandeira do América, a camisa de ganga (o bom e velho brim, que tingido, ganhou o nome mais pomposo e americanizado “jeans”), bordeaux, de sangue velho. A bandeira, a camisa de Belfort Duarte. Para o time, para a torcida. Só assim o América vencia. Era campeão. Os onze jogadores ouvindo, obedecendo a Belfort Duarte, querendo ser América com ele”. E isso era comum.

Vitti, por exemplo, era um dos jogadores mais confiáveis da lista de Belfort. Dava voltas e mais voltas pelo campo após o treino. Só parava de noitinha, mesmo assim precisava alguém chamar Belfort Duarte para convencê-lo a parar. Vitti e todos os americanos só ouviam – e inapelavelmente – obedeciam Belfort.

Durante um jogo beneficente para angariar fundos para a Cruz Vermelha, enfrentando um time de alemães radicados em São Paulo, o América saiu de campo com um placar favorável de 6 a 1. Mas, em contrapartida, perdeu o zagueiro e capitão Belfort Duarte, que recebera uma bolada no peito. Saiu de campo para não mais voltar.

Os dias passavam, mas as dores por conta da bolada persistiam. Não dava mais para Belfort continuar jogando bola. Cedera à dor física, abandonando definitivamente os gramados, porém não abandonara a vida esportiva, pois atuava como dirigente nos dois Américas, o do Rio de Janeiro e o de São Paulo. Não era a toa que gozava de respeito. Durante uma partida do América, o craque cometeu um pênalti. O árbitro não viu o lance e deixou o jogo prosseguir, mas Belfort foi até ele para avisá-lo do penalty.

A despedida do craque foi na derrota de 4 a 2 para o Flamengo, no dia 11 de julho de 1915.

Por sempre jogar na defesa, marcou apenas 12 gols pelo clube alvirrubro. Deixou os gramados, mas não o América. Foi o treinador da equipe que conquistou o título estadual de 1916.

Quando o comandante do América pendurou as chuteiras, aposentou também a pecha de “Madama”, alcunha desagradável que recebeu por gritar histericamente com os jogadores quando era o capitão (quase dono) do time.

Mas o fato de se transferir para a cidade de Rezende não o demoveu da missão de líder do América. Escolheu Paula Ramos, o novo capitão, como mensageiro de cartas aos craques americanos, que as ouviam como se fosse um “conselho paterno”.

Às vezes, Belfort Duarte aparecia em treinos e em pelejas. Em dia de jogo, silenciava nos primeiros 40 minutos. No intervalo, aparecia no vestiário e dizia o que o agradou ou não. O que falava, era sagrado. “Por isso, todas as tardes, chegando ao América, perguntavam se havia carta de Belfort Duarte. Quando não havia carta nova, Paula Ramos lia, outra vez, a última carta, sempre guardada no bolso, conservada como relíquia”, escreveu Mario Filho. Todos se uniam em torno de Belfort, em torno do América. Os dois eram uma só entidade.

Belfort Duarte, o craque-cartola – Do campo, o craque foi também ser craque na sala da diretoria. E na política esportiva mostrou ser um dos melhores exemplos. Foi responsável pela oficialização das regras do futebol no Brasil. O primeiro a trazer para cá a legislação do esporte bretão e traduzi-la, com a ajuda da esposa, Aída, para a Língua Portuguesa. Trouxe um time estrangeiro para jogar no País, no caso, a seleção chilena. E fez do América um clube para banir o preconceito ao aceitar o ingresso de atletas negros. Partiu dele a iniciativa de criar, em 1915, um campeonato de terceiros times para popularizar ainda mais o futebol no Rio de Janeiro.

Todos esses feitos de Belfort Duarte foram traduzidos na medalha que é entregue ao melhor desportista brasileiro. O primeiro a receber a medalha foi “half-direito” Antonio Motta Espezim (1914–2010), o Tonico, do Coritiba EC, no dia 25 de junho de 1948. Já o primeiro grande craque de Seleção Brasileira a ser agraciado com o prêmio foi Jaime de Almeida, no dia 24 de novembro de 1949. Tal premiação tornou-se cada vez mais escassa devido ao excessivo número de faltas que o futebol passou a ter.

O ex-craque também influenciou politicamente o Palestra Itália, o hoje Palmeiras.

O terreno do Parque Antarctica, que atualmente pertence ao alviverde paulistano, já foi da Companhia Antarctica Paulista de Bebidas, que o alugava, primeiramente ao Germânia, do craque alemão Hermann Friese, e, depois, ao América – braço do América carioca na capital paulista —, que não conseguiu arcar sozinho com as despesas de locação. Em 1917, o clube do Rio de Janeiro fez um contrato de aluguel com o Palestra Itália, que também passou a utilizar o campo para treinar e disputar jogos. Em 1920, o Palestra fez uma posposta de compra do estádio à empresa de bebidas, que não se opôs ao negócio desde que Belfort Duarte, que na época já morava em Rezende, no Pico do Itatiaia, concordasse.

Vasco da Gama Stella Farinello, um dos líderes políticos do Palestra, tomou um trem no qual viajou durante dez horas, até a casa de Belfort. A proposta seria uma ajuda ao América para obter uma vaga na Associação Paulista de Esportes Atléticos, o que não aconteceu porque o América paulista encerrou as atividades meses após o encontro entre os dois dirigentes. Belfort aceitou os argumentos de Vasco da Gama e o Palmeiras, graças ao craque do América e ao cartola Vasco da Gama, ganhou o seu estádio.

O Coritiba também homenageou Belfort Duarte. O estádio Couto Pereira foi batizado inicialmente com o nome do inesquecível craque americano. Reconhecimento justo pelo que Belfort representa para a história do futebol brasileiro.

O América crescera, e o craque foi se afastando aos poucos do clube, mas sem mágoas. A figura altiva e dominadora não cabia mais naquele cenário.

Vítima de uma gripe muito forte (há quem diga tuberculose), Belfort refugiou-se em seu sítio, no distrito de Campo Belo, município de Rezende, interior do Estado do Rio de Janeiro. Afinal, todo o cuidado era pouco, pois a temida gripe espanhola, uma epidemia que matou milhões de pessoas no Brasil e um terço da população mundial, acabara de chegar por aqui.

Na estada em Campo Belo, na região de Itatiaia, no sul fluminense, o ex-ídolo do América foi assassinado por Antonio Monteiro de Sá Freire devido a uma briga por posse de terras, segundo o testemunho de sua filha, Mary.

Como descreveu reportagem do jornal “O Imparcial”, Sá Freire era o zelador do núcleo de fazendas da região de Itatiaia. Quando fazia uma inspeção, constatou que Belfort estava construindo uma cerca que contrariava as normas de administração do local. Sá Freire o repreendeu. O ex-craque ofendido, iniciou uma áspera discussão com o zelador. Sentindo-se acuado, Sá Freire sacou sua arma. Bastou um tiro para que Belfort Duarte tombasse na terra, deixando-a banhada de sangue.

Após o crime, Sá Freire desceu de Itatiaia até Campo Belo e entregou-se à Polícia, alegando ter agido por legítima defesa. “O morto ha muito que era colono do Nucleo e apezar de ser cavalheiro distincto, era malquisto pelos seus vizinhos devido às contendas que com elles mantinha”, descreveu “O Imparcial”. Mas o mesmo jornal mudou de opinião dias depois: “As primeiras noticias fornecidas à imprensa desta capital sobre o bárbaro crime de Itatiaya, deturparam propositalmente os factos, com o intuito de facilitar a defesa do assassino (…). Com effeito, desde logo ressalta a má-fé de taes informações, que emprestam ao Dr. Belfort Duarte, grande antipathia em relação aos colonos de Itatiaya, quando é sabido que o distincto ‘sportman’, portador de excellente cultura, era geralmente estimado em todas as rodas sociaes aqui como naquelle recanto fluminense”.

O jornal frisou que Sá Freire estava empolgado com a ideia de “mandonismo”, embora o núcleo de terra nada mais tinha de influência do poder público.

Mais adiante, a reportagem destaca que Sá Freire, na manhã do crime, segundo parentes do algoz de Belfort e de outras testemunhas, vociferava que deveria matar alguém. “Effectivamente, o Sr. Sá Freire, que assim se expandia, armou-se de revólver, carregando, nos respectivos pentes, 18 balas e horas depois, esbarrando seu cavallo à porta da chácara do Dr. Belfort Duarte, o chamou, com voz alterada, como quem intima”.

Belfort Duarte, que estava no quintal, atendeu ao chamado de Sá Freire, que o teria proibido de colher inhame para os porcos. Belfort ponderou que o legume colhido prejuízo algum causaria à fazenda. Sá Freire e Belfort intensificaram a discussão e o desfecho foi o mais trágico possível.

Belfort Duarte morreu no dia 27 de novembro de 1918, no dia em que completava 35 anos. Na trágica ocasião, lenda ou não, há testemunhos de que estaria vestido com a camisa rubra do América. A diretoria do clube tentou trazer o corpo do ídolo para o Rio de Janeiro, mas o estado de decomposição do cadáver já estava bastante adiantado. Às 8h, Belfort Duarte foi enterrado na pacata Campo Belo. Tombou brigando, exatamente como sempre fez pelo seu querido América.

‘ELE FOI MELHOR QUE MARADONA, DI STÉFANO E PELÉ’

por André Felipe de Lima


Tínhamos Friedenreich, e eles Héctor Scarone, o “mago charrua”, o “Gardel da pelota”. Um gênio, porém esquecido. Por estas plagas pouco (ou nada) se ouve falar daquele uruguaio ambidestro e de um drible impiedoso e chutes fortíssimos. A poeira do tempo encobriu sua história. Creio que mesmo nossos vizinhos lembram-se dele como realmente merecia. Nós, brasileiros, não fugimos a triste regra. Os mais jovens sequer citam Friedenreich no rol de ídolos. Hoje, as gerações regidas pelo imediatismo e o prazer efêmero e fugaz deixam escapar-lhes pelas mãos a história e o passado. A memória se esvai. Não se apreendem origens que certamente justificam muito do que somos atualmente. Ora, se há na atualidade um avante como Gabriel, cujos gols deram dois títulos ao Flamengo em menos de 24 horas, foi preciso termos antes dele outros centroavantes memoráveis, que de gol em gol foram construindo um estilo, uma trajetória peculiar, e isso começou com Friedenreich, passou por Leônidas da Silva, Ademir de Menezes, Baltazar, Quarentinha, Reinaldo, Romário e Ronaldinho chegando, enfim, ao Gabriel. Mas ignoramos essa estrada. É a tal da “era líquida” sobre a qual o pensador polonês Zygmunt Bauman tanto alertara.

Scarone e Friedenreich tornaram-se “líquidos” para a história do futebol. Quando falam no Uruguai de um centroavante goleador da seleção citam imediatamente Luis Suárez, Cavani e Forlan, respectivamente os três primeiros do ranking dos artilheiros. Mas esquecem de que até 2011 nenhum outro superara Scarone, que marcou 31 gols em 51 jogos. Os outros três precisaram disputar mais de 100 pelejas para superá-lo. No Nacional, o mítico craque marcou 301 gols em 369 jogos. Hoje, dia 26 de novembro, o ídolo maior deveria ser festejado por tudo isso, especialmente em Montevidéu, onde nasceu em 1898.

Scarone, cujo pai Giusseppe torcia pelo CURCC (antecessor do Peñarol), era franzino e relativamente baixo. A compleição pouco favorável para um jogador de futebol era compensada com impetuosidade, perseverança e, acima de tudo, técnica. Felizes eram os torcedores do Nacional de Montevidéu que puderam ver o craque vestindo o manto branco, azul e vermelho por cerca de 15 anos. Com o “mago” no time, que começou a defender em 1916, o Nacional foi várias vezes campeão nacional. O escrete uruguaio, obviamente, também foi privilegiado. Tendo em campo Scarone conquistou campeonatos sul-americanos, duas medalhas olímpicas de ouro (em 1924 e 28) e a primeira edição de uma Copa do Mundo, em 1930. Nasceu naquele momento a mística da “Celeste olímpica”, com Scarone, seu irmão Carlos, o “marechal” José Nasazzi, o parceiro de tabelinhas Petrone e o estupendo Leandro Andrade, a “maravilha negra”. O Uruguai tornara-se o primeiro “país do futebol”. O mundo reverenciava seus ídolos. Scarone, em especial. Afinal, o craque mor era o baixote bom de bola.


Scarone abriu portas europeias para os jogadores sul-americanos logo após a medalha de ouro olímpica em 1924. Foi convidado para defender o Barcelona. Não permaneceu muito tempo por lá. Diziam que sofria boicote do ídolo local Samitier. Ambos desmentiram a rusga, mas os bastidores pareciam mais críveis. O futebol espanhol se profissionalizara. O mago teria de assinar um contrato, que o impediria de defender a Celeste na Olimpíada de 1928. Optou pelo amor pátrio. Regressou ao Nacional e à seleção para manter a série interminável de conquistas. A Taça Jules Rimet seria o seu épico e inesquecível limite.

O extraordinário goleiro espanhol Zamora o descrevia como “o símbolo do futebol” e o italiano Giuseppe Meazza, que seria campeão mundial em 1938, definia Scarone como “o jogador mais fantástico” que viu atuar, pelo menos até se deslumbrar com Garrincha e Pelé: “Sinceramente, já enfrentei muitos oponentes e vi muitos jogadores na minha vida, mas para mim Hector Scarone foi o melhor de todos”, dizia Meazza.

O famoso cronista uruguaio Luis Alfredo Sciutto, cujo pseudônimo era “Diego Lucero”, que trabalhava no jornal argentino Clarín, jamais titubeou: “Olhe, nem Pelé, nem Maradona, nem Di Stéfano; o melhor de todos os tempos foi Héctor Scarone. Nada como ele. Tinha tudo: inteligência, drible, habilidade, físico (aí, nem tanto) e coragem, muita coragem.”

Torcedor fanático do Nacional e um dos mais singulares contistas do futebol, o poeta e ensaísta uruguaio Mario Benedetti enxergava o esporte bretão como um fenômeno transcendental, sem amarras sociais ou econômicas. Para ele, era algo inerente à alma humana. Igualmente a outros gênios homólogos, dentre os quais Gabriel Garcia Márquez e Nelson Rodrigues, ele começou a carreira nas letras escrevendo crônicas de futebol nos jornais. Nascido em 1920, o poeta cresceu encantando-se com Scarone. Era o seu ídolo a quem conferiu uma espécie de altar em suas santas memórias juvenis. Benedetti não admitia que naquele tapete verde tão lindo servisse de tela para que falsos artistas o borrassem com jogadas feias e mal desenhadas. Nunca acreditou neles, nos falsos artistas da pelota. Mas sim na arte do Scarone, um “Rembrandt” com a bola nos pés.

Após a Copa de 30, o craque charrua defendeu os italianos Internazionale de Milão e Palermo. Em 1934, ele voltou ao Nacional, onde conquistou seu oitavo campeonato uruguaio. Permaneceu até 1939, quando aos 41 anos decidiu se aposentar no Montevideo Wanderers para tocar a carreira de treinador. Ensinou muita gente a jogar bola de verdade. Era uma unanimidade no meio futebolístico. Vivia com o salário que recebia dos clubes que treinava, mas nunca abandonou o emprego nos Correios de Montevidéu, onde trabalhou como carteiro até se aposentar. Sofreu o trauma da perda do único filho. Isso o abalou muito. O futebol era o seu refúgio emocional.

No dia 23 de abril de 1967, o genial Héctor Scarone foi ao estádio Centenário, acompanhado do amigo Pedro Cea, com quem jogou a Copa de 30 pela Celeste. Sentaram-se no camarote. Era uma tarde fria. Mais fria que o normal para aquele começo de outono. O Nacional entrara em campo para enfrentar o paraguaio Guarany, em jogo da Taça Libertadores da América. Os adversários fizeram o primeiro, mas o tricolor virou, com sobras, o placar. Scarone estava exultante. Voltou para casa bastante feliz naquela tarde. Poucas horas após chegar a sua residência, percebera que aquela felicidade era um convite de Deus. O coração de Scarone parara de bater. A história dele, não. Diante do seu túmulo Nasazzi, outro companheiro de 30, despediu-se do amigo: “Éramos jovens, vencedores, unidos, e nos imaginávamos indestrutíveis”.

Nassazi não estava errado. Scarone é indestrutível. É imortal.