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andré felipe de lima

DIRCEU, O CRAQUE INCANSÁVEL

por André Felipe de Lima

Zagallo, que sempre andava pelas bandas de General Severiano, nos idos de 1974, viu aquele rapaz bom de bola, cujo futebol lembrava ao “Velho Lobo”, de certa forma, a mesma mobilidade que ostentou quando ponta-esquerda nas Copas de 58 e 62. O tal pontinha corria o campo inteiro, ia à linha fundo e cruzava a pelota. A bola não entrava. Voltava ele para ajudar a defesa. Incansável. Enquanto muitos com a língua de fora, aquele, vá lá, formiguinha [apelido que ficaria para o resto da carreira], inteirinho da silva. Após performance tão convincente, o que Zagallo deve ter pensado: “Vou levá-lo para a Copa de 74… vai que dá certo e ele surpreende, zanzando entre ataque e defesa, na ponta, no meio…”.

Dirceu José Guimarães, o Dirceuzinho, foi à Copa, mas quem surpreendeu foi a Holanda, com um futebol revolucionário. Quem disse, porém, que no Brasil não havia um craque com a mesma mentalidade e atitude de um Cruyff, um Neeskens, um Repp… Dirceu era o cara. O que o tal “carrossel holandês” fez na Alemanha, em 74, Dirceu já fazia pelos campos do Paraná, com a camisa do Coritiba, e depois nos campos do Brasil, pelo Botafogo, quando sensibilizou Zagallo e remexeu na memória do treinador do escrete nacional. Dirceu estava além do seu tempo.

No Coritiba, nos primeiros momentos de sua carreira, Krüger — eterno ídolo da torcida — estava parando e o “formiguinha”, despontando. “Justamente por esta condição física acima da média que ele, há trinta anos, já praticava o futebol que hoje se exige”. Palavras do próprio Krüger, em reportagem de Valdelis Gubiã Antunes.

Outro treinador de escrete, o já falecido Cláudio Coutinho, endossou a fé de Zagallo em Dirceu. O extrema-esquerda àquela altura já estava no Vasco, conquistando títulos aqui e no exterior. Coutinho estava decidido a recuperar a imagem da seleção brasileira, arranhada após as eliminatórias para a Copa da Argentina, em 1978. Foi duro chegar ao Mundial, mesmo tendo em campo Zico, Reinaldo, Falcão, Júnior, Rodrigues Neto, Jorge Mendonça, Roberto Dinamite, Amaral, Gil… foi difícil pra caramba.

Mas o Brasil de Cláudio Coutinho era aguerrido, destemido. E tinha uma alma: Dirceu, que disse publicamente antes de embarcar: “Serei eu e mais dez”. O camarada jogou horrores. Fez três gols, um deles o da virada, 2 a 1, contra a Itália na disputa pelo terceiro lugar. Nelinho fez o outro, de falta. Cobrança sobrenatural, que curva…

Garfados pela lambança dos peruanos, que abriram as pernas e tomaram seis dos argentinos, ficamos de fora da final. De consolo, os gols de Roberto Dinamite e Dirceu, que acabou como terceiro melhor jogador da Copa.

Em campo, uma lady, como os cronistas das antigas se referiam aos jogadores no ponto para beliscar um Belfort Duarte, aquele prêmio destinado ao de maior lisura em campo, sem cartão vermelho ou amarelo. Dava gosto ver algum cartola da antiga CBD — apesar dos tempos de subserviência de Heleno Nunes aos generais de Brasília — premiando um craque como Dirceu. Brilhante em campo, técnico, raçudo, mas sem cartão. Sem ser expulso. Nada de vestiário antes da hora. Em 25 anos de carreira, sequer um vermelho. E jogou em mais de 10 times… com toda essa bagagem, nada de Belfort Duarte, que, aliás, está cada vez mais raro com o futebol chinfrim dos dias atuais, no qual prevalece a força. O mundo parece um grande “campeonato italiano”. Feio, insosso. Sem sal.

Dirceu nasceu em Curitiba, no dia 15 de junho de 1952. Quem o descobriu foi Ernesto Marques, pai do ex-jogador Cláudio Marques. Já nos tempos em que servia o Exército, Dirceu corria à beça. Era o campeão. Ninguém o superava. Nas divisões de base do Coxa jogou ao lado de Levir Culpi, hoje treinador. Permaneceu até 1972 no Alto da Glória, o bastante para conquistar dois campeonatos estaduais [1971 e 72] e o Torneio do Povo, no início de 1973; marcar apenas um gol em todos os Atletibas que disputou e assinar o seu nome na galeria de imortais do Alviverde pelo que representou para o futebol brasileiro.

Curitiba ficou pequena para Dirceuzinho.

Lembram do início da crônica? Da profecia do Zagallo… Dirceu cansou de gastar a bola no Botafogo. Deixou a ponta-esquerda do Coritiba aberta para Aladim, outra legenda do time paranaense. Com o Alvinegro carioca, onde chegou em 73, passeou pelos gramados do Maracanã, do Morumbi, do Mineirão… e foi à Copa no ano seguinte. Como o Botafogo tinha bom time, mas não erguia troféu algum, pintou a chance de ouro para, enfim, Dirceu se firmar no futebol carioca. O Fluminense, a máquina tricolor de Francisco Horta, com Rivellino, Pintinho, Gil, Carlos Alberto Torres, Edinho. Timaço. E Dirceu pôde comemorar. Foi campeão estadual e do badalado Torneio quadrangular de Paris, ambas competições realizadas em 1976.

O Vasco entrou em sua vida. O Vasco cedeu Luis Carlos ao Francisco Horta e levou Dirceu para São Januário. Mais títulos. Estadual, no qual disputou os 30 jogos da campanha vascaína e marcou 4 gols, e Torneio Teresa Herrera, todos em 1977, e Torneio Ramón de Carranza, durante a sua segunda e última passagem pelo time da colina.

A grande vitrine para Dirceu foi, no entanto, a seleção brasileira. Além das Copas de 74 e 78, também disputou a de 82, na Espanha, mas poucas vezes foi escalado por Telê Santana para o banco de reservas. Mesmo assim, contabilizou 44 jogos pelo escrete, com sete gols no currículo.

A Copa de 78 foi um divisor de águas para o ponta-esquerda. Logo após a performance irretocável nos gramados argentinos, a oferta de dólares do América do México foi irrecusável. Ficou apenas um ano por lá para, mais uma vez, ousar. Ou seja, Dirceu embarcou para o futebol europeu, uma decisão considerada, no final dos anos de 1970, um tiro no pé para qualquer jogador que almejasse chance na seleção brasileira. Afinal, os cracaços ficavam aqui mesmo, ao lado de suas torcidas. Zico, Falcão, Reinaldo… tudo bem que vários deles, após a aventura de Dirceu no Atlético de Madrid, optaram pelo mesmo caminho do “formiguinha”, mas em verdade vos digo: a frase célebre “amor à camisa” terminou com aquela geração.

Dirceu ficou no Atlético até 1982, trocando a Espanha pela Itália. Iniciou um verdadeiro tour pela vecchia bota. Do Verona foi para o Napoli, em 1983. Estranhou-se com os cartolas napolitanos por causa do contrato e arrumou as malas para o Ascoli em 1984. Um ano apenas, já estava em outro clube, o Como. Dali, em 86, partiu para o Avellino

Retornou ao futebol brasileiro em 1988, quando atuou mais uma vez pelo Vasco da Gama. Lembro-me de Dirceu quando chegou ao Brasil e concedeu várias entrevistas. O craque falava mais esperanto que qualquer outra coisa, tamanha a convergência idiomática [português, espanhol e italiano] que desenvolveu após a peregrinação pelos campos mexicanos, espanhóis e italianos.

Mesmo na reserva do time vascaíno, fez parte do grupo bicampeão estadual. A segunda passagem dele por São Januário durou pouco tempo e ainda no mesmo ano ele voltou ao exterior para defender o Miami Sharks [88], Empoli [89, 90 e 91], Bologna [90], Ancara [93 e 94] e Yucatán do México [95]. Quando regressou mais uma vez ao Brasil, não conseguia se desvencilhar do futebol.

Tornou-se peladeiro em pequenos campos da Barra da Tijuca, bairro da zona oeste do Rio. Na volta de uma destas peladas, no dia 15 de setembro de 1995, um grave acidente automobilístico na Avenida das Américas matou nosso “formiguinha”. O Puma dirigido por Dirceu, parado inocentemente na faixa, foi atingido por um Monza, que avançou o sinal vermelho. Jogador atento em campo e driblador, Dirceu não conseguiu escapar do impiedoso marcador de qualquer um de nós: a imprudência no trânsito.


i GUBIA ANTUNES, Valdelis. Dez anos sem Dirceuzinho. Reportagem veiculada em www. futebolpr.com.br, em setembro de 2005.
ii O único gol de Dirceu em Atletiba foi durante o empate [1 a 1], que aconteceu no estádio Belfort Duarte, no dia 6 de fevereiro de 1972. Ver:
revista Os grandes clássicos: números e histórias dos
22 maiores confrontos estaduais.
Editora Abril/ Placar: maio de 2005, p. 101.

FIM DE COPA E O ‘JANTAR’ DO COUTINHO

por André Felipe de Lima

Cláudio Coutinho é o que podemos definir como o ápice da militarização na seleção brasileira. Ou, ao menos, a efetivação dela no escrete. Muitos dos conceitos (inclusive táticos) que empregara no time que foi à Copa do Mundo de 1978, na Argentina, tiveram como embriões modelos militares. Coutinho, afinal, era capitão do Exército e o país ainda respirava o fétido ar da ditadura militar. Isso tudo é fato. Mas a verdade é que, no campo, aquela seleção foi eficiente e só não chegou à final daquele Mundial devido à mutreta (inquestionável) naquele jogo entre argentinos e peruanos, que terminou 6 a 0 para os anfitriões, que acabariam campeões daquela que é a mais obscura de todas as Copas já realizadas. Fim de papo em Buenos Aires, Coutinho, jogadores e toda a delegação arrumaram as malas para regressarem ao Brasil com a pecha de “campeões morais”.

Mas há uma inusitada história descrita pelo saudoso repórter Tárlis Batista (1940-2002), um carioca de Pilares, que sempre entendeu (e muito!) de samba e futebol. Trabalhou na TV Manchete, onde cobria o desfile das escolas de samba e comandara um programa esportivo (cujo nome não me recordo) que recebia inúmeros craques da época. Zico, entre eles. O Galinho era uma de suas fontes principais no dia a dia do futebol.

Tárlis cobriu a Copa de 78 pela revista Manchete Esportiva — ele, aliás, trabalhou em praticamente todas elas da antiga editora Bloch. É dele a história de uma “homenagem” que os jogadores da seleção queriam prestar ao Coutinho. A ideia pintou ainda no avião que transportava todos de volta. Zico, Edinho, Rivelino, Gil, Toninho, Abel, Roberto Dinamite e Dirceu combinaram de promover um jantar para Coutinho no badalado restaurante Castelo da Lagoa, que já não existe mais. Foi fechada a umas três décadas, creio.

No dia combinado, Edinho foi o primeiro a chegar. “Chegou, olhou, procurou e concluiu que estava absolutamente só”, escrevera Tárlis Batista. A hora avançara. O relógio apontava 22 horas e o jantar estava marcado para as 21h. O zagueiro do Fluminense, que foi improvisado por Coutinho na lateral-esquerda da seleção, levantou-se e foi embora. Zico chegara logo após a saída do Edinho. Estava acompanhado de Sandra, sua esposa. “Ficou ali, parado, aguardando, durante duas horas, mas nem mesmo Cláudio Coutinho, o homenageado, apareceu. Então, cansado de tanto esperar, Zico jantou e foi embora, mancando, apoiando-se no ombro da sua mulher, grávida de quatro meses”, descrevera Batista.

A “homenagem” não rolou e a tentativa de “gratidão” ficou restrita ao Zico e ao Edinho. Nunca se soube quais foram os motivos que fizeram a maioria dos jogadores melarem o tal jantar. Somente Zico, Edinho e, sobretudo os que fizeram forfait podem explicar a repentina mudança de agenda.

O MEU LATERAL-ESQUERDO

por André Felipe de Lima

Marco Antonio Feliciano foi daqueles laterais esquerdos fora da curva. Foi campeão com a seleção brasileira na Copa de 70 e conquistou títulos pelo Fluminense e o Vasco. Minha relação com Marco Antonio é especial porque foi ele o lateral esquerdo, também, do meu time de botão quando eu tinha uns nove anos de idade. Era o Orlando Lelé na direita e ele na canhota. Não abria mão de ambos. E esta reverência ao Marco Antonio é ainda maior porque o jogador esteve na final do campeonato carioca de 1977. Vibrei feito um doido, um menino maluquinho, encantado com aquela escalação campeã que sei de cor e salteado. Nunca a esqueci: Mazzaropi, Orlando, Abel, Geraldo e Marco Antônio. Zé Mário (estupendo! O craque do jogo), Zanata (depois entrou o Helinho) e Dirceu. Wilsinho (depois o Zandonaide), Roberto Dinamite e Paulinho (que jogou no lugar do Ramon, o titular). O treinador era o “Titio” Orlando Fantoni. Marco Antonio esteve soberbo naquele jogo sem dar mole para as avançadas do Ramirez (depois as do Tita) e do Toninho, um lateral desesperadamente improvisado na ponta direita. Fomos campeões, e isso é que importa. Dona Agripina tinha muito orgulho do filho Marco Antonio. Afinal, era um garoto ajuizado que a ajudava entregar quentinhas e que um dia quis ser detetive, mas foi como jogador que Marco Antonio brilhou à beça e enchia de lágrimas os olhos da mãe extremosa. O cara foi cinco vezes campeão carioca. Quatro pelo Fluminense e uma pelo Vasco. Isso é para poucos. Lembro até o hoje o dia em que abri uma embalagem do chiclete Ping Pong com alguns cartões da coleção Futebol Cards. Deparei-me com o do Marco Antonio. Foi uma felicidade indescritível. Hoje, dia 6, é aniversário dele. Parabéns, Marco Antonio, o meu lateral-esquerdo.

COMO CONSTRUÍ UM AMOR

por André Felipe de Lima

Eu tinha, sei lá, uns quase seis anos. Vivo confundindo minha idade. Ter nascido em um dia 31 de dezembro sempre deixou-me um pouco (às vezes até muito) confuso. E é assim até hoje. Só tenho certeza de que o ano era 1974 e o mês era julho. Ano e mês em que comecei a compreender que o futebol entrara em minha vida para não mais sair dela. Um dia em que, ao lado do meu pai, assisti, numa TV colorida (raridade na época), da tribuna dos profissionais do Hipódromo da Gávea, o jogo em que o Brasil perdera da Holanda, sim, a “Laranja mecânica”, de um tal “Cruyff”. Meu pai via o jogo e conversava comigo como se eu lá entendesse alguma coisa daquilo que se passava na TV. Solitários, eu e papai, em um jóquei clube completamente vazio, sem vivalma sequer, vimos o Brasil tomar um baile. Eu, e faço questão de frisar, não entendia nada do que acontecia em campo, mas achava do cacete aquele monte de maluco (sim, para mim todos uns doidos varridos) cabeludo (sim, cabeludos, porque era moda, na época, ostentar cabeleiras) chutando a bola um para o outro e os que vestiam camisa de cor azul tentando roubar a bola do pé dos camaradas que vestiam blusa laranja. Comecei a me dar conta de que aquilo ali, além de ser muito divertido, chamava-se futebol. Essa emoção aumentaria no mês seguinte. Eu explico o porquê. Meu pai tinha tudo para ser botafoguense. O pai dele, meu avô, o levava a jogos do Botafogo, isso lá nas décadas de 1940 e de 50. Mas havia um certo “Expresso da Vitória”, cuja camisa era ora branca, com faixa diagonal preta e uma cruz de malta no coração, ora o contrário, ou seja, preta com faixa branca, porém com a cruz sempre em vermelho. Havia também naquele “Expresso da Vitória” um cara chamado Ademir, com um queixo proeminente, mas com uma imagem quase bíblica nas fotos. Papai mostrou a foto dele para mim. Bom, por causa do tal Ademir o meu pai ignorou a “pressão” do vovô, deixando para lá o Botafogo. Voltando a minha particular história, eu, no mês seguinte aquele jogo dos caras de azul contra os caras de laranja, voltei a me empolgar com o futebol. Estavam em campo, aquele time da cruz de malta e outro com cabeludos de azul. Sabia que meu pai gostava do time que tinha a cruz de malta. Tentara me explicar isso algumas vezes, a história dele com o vovô. Mas não demoraria para que eu a compreendesse. Daquela vez não assistimos ao jogo pela TV. Não tínhamos TV em casa. Ouvimos, então, pelo rádio. E, naquele dia de agosto de 1974, passei a amar três coisas, e todas, harmoniosamente como uma trova, entrelaçadas: o time da cruz de malta, o futebol e as transmissões pelo rádio. O jogo terminara e recordo a alegria do meu pai, que gritava: “É campeão! É campeão! O Vasco é campeão!”. Eu não entendia rigorosamente nada, mas gritei com ele. “Campeão, papai! Campeão, papai! Vasco! Vasco! Vasco!”. No dia seguinte, logo cedo, pela manhã, peguei minha caixinha de lápis de cor e desenhei, tentando copiar o que via no jornal do meu pai, o escudo que se tornaria amor da minha vida, e encantei-me com a foto, em especial, de um cabeludo, de proeminentes dentes frontais e de sorriso farto, que no jornal se encontrava. As imagens daquele escudo e do cabeludo de sorriso farto jamais saíram da minha memória. E da minha caixinha de lápis de cor nasceu o que eu entendia como “O meu Vasco, o meu amor”. Obrigado, Ademir, pelo meu pai; obrigado Roberto Dinamite, por mim.

LEMBRA DO RODRIGUES NETO? FOI O CASCA-GROSSA NA COPA DE 78

Foi ídolo no Flamengo, no Fluminense e no Inter. Hoje, faria anos o lateral-esquerdo que encantou os argentinos no Mundial de 1978

por André Felipe de Lima

Foto de J.B.Scalco, Copa de 78

Ele curtia os atores Gary Cooper, John Wayne (e porque ninguém é de ferro) a estonteante Sônia Braga. Diziam que gostava de churrasco com farofa e de um carteado com amigos, mas apenas para passar o tempo, sem grana na jogada. Esse perfil está na antiga coleção Futebol Cards, com a qual a garotada, hoje na casa dos cinquentinha, se divertia entre 1979 e 1980. Réu confesso, fui um daqueles “fominhas” pelos disputadíssimos cartões com chiclete. Mas o camarada do cartão a que me refiro chama-se José Rodrigues Neto, um mineiro que hoje completaria 73 anos.
Foi um lateral-esquerdo valente, excelente marcador. O estilo seduziu Claudio Coutinho, que, além de técnico da seleção brasileira, também treinava o Flamengo, onde o titular da posição era o incomparável Junior. Coutinho ignorou Junior e levou Rodrigues Neto para a Copa do Mundo de 1978, na Argentina.
Começou na reserva, mas com o ímpeto nos treinos convenceu Coutinho de que seria importante para a defesa, onde também se destacava Amaral. Aliás, como esquecer aquela rebatida na bola, em cima da linha do gol, no jogo contra os espanhóis? Amaral era sensacional. Mas o papo (e prossigamos) é com o Rodrigues Neto, que também foi um leão na grande campanha do Brasil naquela Copa do Mundo fajuta, arranjadinha pela ditadura argentina para que eles, os hermanos, fossem os campeões.

Ficamos com um honroso terceiro lugar, e Rodrigues Neto lavou a alma com os apupos que justamente recebera. Afinal, ele teria ido para a Copa do Mundo de 1974, na Alemanha, não fosse uma até hoje mal explicada história em que o jogador abandonou o escrete durante uma excursão à Europa, no ano anterior. Ao dar de ombros para a delegação, que se encontrava em Berlim, o lateral selara seu destino longe da seleção brasileira. Pelo mesmo enquanto Zagallo fosse o técnico. Pelo menos até o fiasco do Brasil na Copa de 74.
Inventaram de tudo como motivo para Rodrigues Neto ter abandonado a seleção em 73. Citaram, inclusive, a trágica morte da primeira esposa dele, ocorrida em 1970, durante um parto prematuro. Rodrigues não estaria bem psicologicamente e por isso andava fazendo bobagens; também maldosamente comentaram que estaria enrabichado com amantes e que até teria se recusado a fazer um tratamento psiquiátrico sob recomendação do Flamengo após a morte da esposa. Porém o próprio jogador desfez o emaranhado de especulações e disse que decidiu deixar a seleção porque estava machucado e de nada adiantaria brigar pela posição com Marinho “Bruxa” Chagas e Marco Antônio, o reserva do Everaldo na Copa de 70.

A vida seguiu. O lateral impressionou os argentinos na Copa seguinte e ficou por lá mesmo, em Buenos Aires. Poucos meses após a vexatória competição organizada pela Fifa, o Ferro Carril Oeste, que na época peitava os grandões Boca Juniors, River Plate, Independiente, San Lorenzo e Racing, contratou o brasileiro. Rodrigues Neto estava com 29 anos: “Aqui, na Argentina, o jogador é mais respeitado como ser humano. No Brasil, você é considerado acabado quando passa dos 27 anos. Mesmo assim, não entendo como lá, no Brasil, possam se surpreender com meu sucesso no Ferro Carril Oeste. Ora, em julho de 1978 eu era titular da seleção brasileira!”

Veja só o que César Luiz Menotti, técnico da seleção da Argentina campeã da Copa de 78, dizia do Rodrigues Neto: “Lástima que El Negro Neto no sea argentino”. Pois bem, ele era respeitadíssimo e sempre garantiu jamais ter sofrido alguma cena de racismo na temporada que passou em Buenos Aires. Já “coroa”, com 35 anos, defendeu o Boca Juniors, mas a passagem pela Bombonera durou muito pouco. Nem um ano inteiro.

Rodrigues Neto jogou pelo Flamengo. Chegou à Gávea após ser “descoberto” pelo olheiro e massagista Mineiro, em 1965. Com o Rubro-negro, foi campeão carioca de 72 e de 74. No troca-troca da dupla Fla-Flu, ele acabou indo para as Laranjeiras no ano seguinte. No Fluminense, foi o lateral canhoto titular da Máquina montada por Francisco Horta, e foi campeão carioca de 1976. Do Tricolor foi para o Botafogo, em fevereiro de 1977, ocupar a lacuna deixada pelo Marinho Chagas. Não ganhou nada lá. Era um tempo difícil demais para o Alvinegro, que mesmo assim montou um timaço, que incluía Paulo Cezar Lima e outros cobras sensacionais. Mas Rodrigues Neto queria ser novamente campeão, e foi com Inter, em Porto Alegre, ser feliz novamente, erguendo taças.

O futebol é generoso para quem o leva a sério e é, sobretudo, competente com a bola nos pés. Rodrigues Neto foi tudo isso e um pouco mais.

Do sucesso nos gramados a um susto tremendo muitos anos depois. Em 2015, Rodrigues Neto descobrira, pela imprensa, que havia… morrido. Vários jornais, sobretudo da Bahia, e sites esportivos conceituados publicaram a notícia, com obituário, lástimas e tudo o mais. Mas o Rodrigues que verdadeiramente morrera foi um ex-ponta-esquerda que defendeu o Flamengo, a Portuguesa de Desportos e o Cruzeiro.

Após dias internado no Hospital de Bonsucesso, na zona norte do Rio, Rodrigues Neto nos deixou, no dia 28 de abril de 2019, em decorrência de uma trombose que, por sua vez, foi intensificada pela diabete.