Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Alberi

ALBERI, ORFANDadE DO GÊNIO ETERNO

por Rubens Lemos Filho

O futebol potiguar está órfão desde o dia 28 de outubro de 2022, quando o corpo do gênio Alberi adormeceu para sempre. A falta dele está em todas as referências ao amor à bola.

Mesmo assim, ventos imaginários sopram fortes e uivantes, lenços brancos cruzam os portões ancestrais do Estádio Juvenal Lamartine e os céus sobre a paisagem do antigo Castelão(Machadão). Em festa, soam trombetas, tocam clarins, bandeiras são hastearás em heráldica fúnebre, ode ao Rei morto, Alberi José Ferreira Matos.

O espiritual e a ilusão tratam de cumprir o ritual que os humanos naturalmente não farão dentro da liturgia adequada. Há, nos bares decadentes, na aposentadoria e nos cemitérios, uma legião de gratos a Alberi pelos recitais de gênio negro esguio e solista, dono de corações que se unem na loucura superando limites lógicos, científicos, acadêmicos e teóricos. Alberi subvertia-os na intuição sanguínea.

Alberi, no Olimpo, faz 78 anos e corresponde, no Brasil, aos 79 anos de Ademir da Guia, aos 67 anos de Zico no Flamengo, de Roberto Dinamite no Vasco e aos 75 de Rivelino no Fluminense e no Corinthians.

O tempo passa e Alberi ficará para sempre. O maior dividindo polêmicas com o respeitável colégio eleitoral de Jorginho, o Professor, versão natalense do corintiano Luisinho, o Pequeno Polegar, que driblava e sentava na bola para humilhar o adversário. Tenho um amigo, o contabilista Eduardo Mulatinho, que não tem dúvidas.

Nem Garrincha – segundo o isento Mulato -, deu o drible aplicado por Jorginho em Bellini num amistoso ABC x Vasco em 1960. Bellini, dois anos após erguer a Jules Rimet no Estádio sueco de Rasunda, não caiu de bunda no acanhado JL porque se segurou no alambrado.

Ao passar, reverente, pelo estadinho salvo da especulação imobiliária, calculo Bellini, todo duro, arranhado pelos fios de arame farpado, enquanto Jorginho ria, de mãos na cintura, miniatura de açucareiro. O Vasco venceu de 6×2, mero e insignificante detalhe, segundo Mulato, que estava lá, na geral.

Alberi virou adjetivo de futebol no Rio Grande do Norte. Até 1972, dominava a cena, intocável, vindo de Pernambuco, nascido e criado na Praia do Pina, renegado pelo Santa Cruz que preferia o sergipano Mirobaldo. Sorte nossa. Alberi jogava muito mais e ao chegar a Natal descobriu-a berço e divisa. Aqui ele mandava e, ao sair, não repetia o deslumbre.

No primeiro Campeonato Brasileiro de Clubes, possível pela inauguração do Estádio de Lagoa Nova no bendito 1972, Alberi encontrou o tapete ideal para os seus desfiles.Dois ex-titulares do Vasco, o volante Maranhão e o meia-armador uruguaio Danilo Menezes, lhe permitiram liberdade total de atacar e triturar os marcadores famosos da fase fantástica do começo dos anos 1970, da febre do pós-tricampeonato da seleção no México.

Maranhão, Danilo Menezes e Alberi, escolhidos para o meio-campo do século passado, enfrentaram sem temer os grandes do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul e os rivais regionais. A maior exibição individual do Castelão, Alberi, aos 27 anos, fez contra o Flamengo, treinado por Zagallo.

Ponta de lança autêntico, em caça ao gol, descadeirou os volantes Liminha e Zé Mário em cortes bruscos e freadas inesperadas no gramado. “Marca a esquerda do Negão”, berrava Zagallo. Alberi desferia um torpedo de direita. “Marca a direita desse monstro”, Alberi mandava um canhão de canhota na trave do goleiro Renato, da seleção brasileira.

Atuação decisiva para que Alberi ganhasse a Bola de Prata, o Oscar do Futebol Brasileiro, superando nomes do nível de Jairzinho, Dirceu Lopes e Tostão. Recebeu proposta do Fluminense. Casa com piscina, carro, mas ficou. A raiz afetiva chamava-se Natal e o palco, o Castelão.

Alberi foi para o América em 1976. Em 1977, lá estava eu vendo-o ajudar o time rubro a conquistar o campeonato. Rodou por vários clubes. Foram busca-lo em Juazeiro do Norte(CE) para uma volta emocional ao ABC em 1981. Fez de pênalti, o gol do título do primeiro turno(1×1 com o América). Aos 78 anos, Alberi é concessão celestial ao Rio Grande do Norte.

Chegada
Alberi chegou ao ABC em 17 de janeiro de 1968.Nascido na comunidade pobre do Pina, vinha do Santa Cruz(PE).No primeiro treino, no Estádio Juvenal Lamartine, marcou três gols.

Estreia
Alberi estreou num 28 de janeiro e fez gol na derrota do ABC para o Santa Cruz por 3×2 no JL. Há 53 anos, quando cravava 23 de idade.

ABC
Com público de 3.567 pagantes, o ABC perdeu com Jarbas; Toinho Dantas, Piaba, Nivaldo Dantas e Otávio; Tonho Zeca e Jorge Segundo(Jairo); Cocó(Martinho), Elson, Alberi e Rocha. Técnico: Álvaro Barbosa.

Santa Cruz
O Santa Cruz: Naérsio; Agra, Reginaldo, Rivaldo e Jório; Norberto e Araponga (Luciano Veloso ou Coalhada, craque); Joel, Uriel, Erandy Montenegro(Fernando Santana) e Nivaldo (Fernando José). Técnico: Amaro Santos. Gols: Joel(2) e Uriel para o Santa Cruz, Cocó e Alberi para o alvinegro.

Títulos
Primeiro título em 1970, início do tetracampeonato no Castelão(Machadão). Em 1977, campeão no América. Na volta ao ABC, foi campeão em 1983 e 84, quase sem jogar.

O DIA EM QUE ZAGALLO FOI À LOUCURA

por Rubens Lemos


A maior atuação individual de um jogador no Rio Grande do Norte foi de Alberi, do ABC de Natal, 27 anos, contra o Flamengo, treinado por Zagallo. Alberi José Ferreira Matos nasceu no Pina, área pobre do setor praiano do Recife (PE). Começou no Santa Cruz (PB) e o ABC o trouxe em 1968, descobrindo um ilusionista da bola, um mágico provinciano de uma cidade-aldeia de pouco mais de 200 mil habitantes e de um estádio (Juvenal Lamartine), modesto e desconfortável.

Em 1972, com a construção do assassinado Estádio Castelo Branco, o Castelão, Alberi pelo ABC participou do Campeonato Brasileiro da Divisão Principal, depois de dar um tricampeonato ao alvinegro. Seria tetra. Em 1970, início da epopeia, jogou com um rapaz magro e loiro, abusado nos avanços ao ataque. Mas tarde, seria chamado de Marinho Chagas, trocado por um saco de chuteiras do Riachuelo, seu primeiro time, com o ABC. Em 1971, Marinho Chagas estava no Náutico e no ano seguinte, no Botafogo (RJ).

Alberi ficou, dando as cartas na sua Pasárgada, Manuel Bandeira em versos de chuteiras. Não era amigo, mas o próprio rei, teve as mulheres que quis, na camas que desejou. Alberi foi Bola de Prata da Revista Placar e um jogo foi marcante. No dia 04 de outubro de 1972, 32 mil pessoas assistiram uma exibição sobrenatural de Alberi, contra o Flamengo do técnico da seleção brasileira, Zagallo, do tricampeão Paulo César Caju e do rebelde argentino e artilheiro Narciso Doval.

Ponta de lança autêntico, em caça ao gol, descadeirou os volantes Liminha e Zé Mário em cortes bruscos e freadas inesperadas no gramado. “Marca a esquerda do Negão”, berrava Zagallo. Alberi desferia um torpedo de direita. “Marca a direita desse monstro”, Alberi mandava um canhão de canhota na trave do goleiro Renato, da seleção brasileira.

Atuação decisiva para que Alberi ganhasse a Bola de Prata, o Oscar do Futebol Brasileiro, superando nomes do nível de Jairzinho, Dirceu Lopes e Tostão. Recebeu proposta do Fluminense. Casa com piscina, carro, mas ficou. A raiz afetiva chamava-se Natal e o palco, o Castelão.


Aranha(Remo), Marinho Chagas(Botafogo), Figueroa (Inter), Beto Bacamarte(Grêmio), Leão (Palmeiras) e Piazza(Cruzeiro); Osni(Vitória), Alberi(ABC), Zé Roberto(Coritiba), Ademir da Guia(Palmeiras) e Paulo César Caju(Flamengo). Bola de Prata 1972.

Havia o tetracampeonato para vencer com Maranhão, Danilo, Libânio, Demolidor e Moraes. Havia a excursão para a Europa e África. Alberi encantou romenos e gregos. Todo de branco, o ABC cintilava como pequeno vestígio de um Santos desigual.

Alberi foi para o América em 1976. Em 1977, lá estava eu vendo-o ajudar o time rubro a conquistar o campeonato. Alberi fez um golaço em Carlos, da Ponte Preta e seleção brasileira, driblando Oscar e Polozzi, zaga que estaria na Copa da Argentina em jogo do Brasileirão. Vitória de 1×0. Rodou por vários clubes.

Seus companheiros paravam e ele resistia. Foram buscá-lo em Juazeiro do Norte (CE) para uma volta emocional ao ABC em 1981. Fez de pênalti, o gol do título do primeiro turno (1×1 com o América). Em Natal, sem blasfêmia, o Pelé é Alberi.

Pensava, criava, as companhias caíam de padrão, o fôlego diminuía. Em 1985, numa noite chuvosa e sem glória, deu adeus no túnel esquerdo do Castelão, vestindo a camisa 10 do ABC. Aos 74 anos, Alberi é um presente universal concedido ao Rio Grande do Norte.

FICHA TÉCNICA:

ABC 0x0 Flamengo

Data:04/10/1972

Árbitro: Romualdo Arppi Filho

Público pagante: 32.707

Local: Estádio Castelo Branco(Natal – RN)

ABC: Tião; Sabará, Edson, Nilson Andrade e Rildo(jogou Copa 1966); Maranhão e Danilo Menezes(dupla titular do Vasco anos 1960); Libânio, Alberi, Petinha(Everaldo) e Soares. Técnico: Célio de Souza(revelador de vários craques);

Flamengo: Renato; Moreira, Chiquinho Pastor, Tinho e Mineiro; Liminha e Zé Mário(Zanata); Vicentinho, Humberto, Doval e Paulo César Caju. Técnico: Zagallo.