por André Luiz Pereira Nunes
O ponta-esquerda Miraldo Câmara de Souza, o Ado, sensação do Bangu na década de 80, tinha como característica o físico delgado, mais próximo de um maratonista do que de um jogador de futebol. Paraibano de nascimento, passaria por intensas agruras até se destacar no inesquecível time cujo patrono era o bicheiro Castor de Andrade. Com certeza, quem viveu os anos 80, se lembra com muito carinho da equipe cujo maior destaque era o ponta-direita Marinho, atleta completo e extremamente talentoso.
Ado foi levado para testes nas divisões inferiores do Vasco. Porém, lhe disseram que era muito franzino. Além disso, não queriam custear as suas despesas. Mas ele não desanimaria. Um amigo o levou até Marechal Hermes, em 1977, quando já tinha 15 anos. Outra decepção. O treinador Jair, das divisões inferiores do Botafogo, o achou raquítico e não quis sequer que mudasse de roupa. Alegou que não tinha corpo para jogar futebol. O companheiro que o tinha acompanhado ficou com pena e resolveu fazer uma última tentativa, dessa vez no Madureira, que o acabou projetando.
– Foi em Conselheiro Galvão que eu tive a melhor recepção. E devo tudo a dois treinadores. O primeiro foi Plínio Guedes, que me deixou treinando um ano, antes de jogar, para pegar corpo. Depois foi Célio de Souza que não cansou de elogiar meu futebol, alegando que era jogador para a Seleção Brasileira, relatou anos depois ao Jornal dos Sports.
De fato a ascensão foi meteórica. O atleta só permaneceria seis meses na categoria juvenil do Tricolor Suburbano. Com 16 anos foi convocado para a Seleção Carioca de juniores, dirigida por Joel Martins, mas o clube de Conselheiro Galvão não o liberou. Fora requisitado para o elenco de juniores do time, onde só atuaria por 4 meses. Jorge Ferreira, o treinador dos profissionais, o quis logo em suas fileiras.
Com 18 anos, Ado já era o destaque da equipe principal do Madureira. Mas a vida ainda era penosa. Nessa época ainda labutava numa obra em Copacabana. Treinava de manhã e misturava massa à tarde para poder viver dignamente. Trabalhava com seu pai. Ele conta que certa vez, quando passava pelas ruas de Copacabana, com duas latas de tinta, foi visto por dois jogadores do Madureira que estavam de carro. Ficaram com pena e lhe deram carona. Apesar do começo difícil, nem ele nem os colegas de profissão ficaram constrangidos com o fato de ser pedreiro.
– Estava fazendo o certo. Trabalhando. Jamais poderia ter vergonha disso, pois não estava cometendo nenhum crime. Tenho muito orgulho do meu passado, reitera.
Ado jamais se esqueceria dos dias que perdeu virando concreto. O garoto, que migrara de Campina Grande, munido de esperanças de se tornar um craque dos gramados brasileiros, olhava as mulheres, com seus biquínis mínimos, tomando sol no Posto 2, enquanto suava para conseguir uma grana extra.
Mas foi graças ao treinador Célio de Souza que não esmoreceu. Tudo mudaria quando certa feita ocorreria uma partida entre Bangu e Madureira, em São Januário. O treinador o chamou num canto e lhe disse que não se preocupasse com o placar. O adversário era favorito. O importante é que jogasse bem e demonstrasse o seu talento. Realmente o Bangu se saiu muito melhor, vencendo o rival pelo placar de 4 a 0, mas Ado, o melhor do time, levou pânico à defesa adversária, chegando a deixar o experiente Renê e o cabeça de área Índio caídos ao chão por conta de seus dribles desconcertantes.
A ótima atuação levou Carlinhos Maracanã, que assumira o cargo no Bangu de diretor de futebol, a comprar o seu passe junto ao Madureira. Na época, o treinador banguense era Jorge Vieira e Vilmar, o dono da posição. Durante um jogo-treino contra o Bonsucesso, o comandante chamou o titular num canto e lhe informou que gostaria de dar uma chance ao garoto estreante.
– Entrei no segundo tempo e me destaquei. Depois houve um amistoso contra o Guarapari, no qual entrei de cara e novamente fui o melhor em campo, marcando até gol. Nunca mais saí do time, recorda.
No início de 1985, o Bangu contratou o experiente Gílson Gênio, um dos destaques do America, campeão dos campeões, em 1982. Pela primeira vez desde que assumira a posição de titular, Ado teve que ir para o banco. Mas por muito pouco tempo. Logo recuperaria a posição, sendo peça determinante para que o time, de maneira surpreendente e inédita, chegasse ao vice-campeonato brasileiro e estadual. Em 1987, foi campeão da Taça Rio. Ainda conquistou a Bola de Prata, em 1985.
A carreira sempre foi marcada por grandes atuações e uma enorme infelicidade: o penal perdido durante a disputa de pênaltis na fatídica decisão do Brasileiro, de 1985, contra o Coritiba no Maracanã.
A ligação com o alvirrubro carioca é longa. Foram seis anos, entre 1983 e 1987, uma segunda passagem, em 1994, e ainda uma terceira, em 1997. Na temporada 1987/88, esteve no Espinho, de Portugal, intercalando um breve período no Internacional, no fim de 1988. Ao retornar a Portugal, jogou no Espinho por mais três temporadas. A carreira iria até 2002, pontuada por times como Friburguense e Barreira, e alguns da Indonésia e Peru, e finalmente encerrada no Campo Grande.
Foi considerado, em 2019, o técnico-revelação do Bangu, após promover uma excelente campanha à frente dos mulatinhos rosados de Moça Bonita.