por Rubens Lemos
Lágrimas rolavam grossas, sinceras. Copos tremulavam em mãos vacilantes. Homens em fracasso choravam suas dores de cotovelo de infância e mocidade, como chamavam a adolescência, sem nenhum pudor, obstáculo afastado pelo álcool tomado desde as primeiras horas da manhã. Assim que Zeca, o sapateiro, abria o Café Nice, trincheira da boemia de Natal nos elásticos rivelinísticos anos 1970.
A caminho ou entregues ao redemoinho silencioso da cirrose, aqueles homens aguardavam às 18 horas para explodir no pranto que escondia cada frustração vivida e ali exposta no sábado em que procuravam o bar como refúgio e solidão multiplicada numa imensa mesa lotada.
Era à boca da noite que o Galego Pintor, a voz mais aguardada, soltava a Volta do Boêmio, tão presente como a imagem mítica que os papudinhos guardavam na idolatria a Nelson Gonçalves. “Ele voltou, o boêmio voltou novamenteeeeeeee….”, ecoavam suas vozes solidários no pretexto da saideira: “Viva o Velho Nelson! Só tem o Velho Nelson!”.
Em qualquer canto, esquecido na poeira e, provavelmente no desgosto comum para aqueles homens, Adelino Moreira, português que compôs o hino dos beberrões brasileiros. Adelino Moreira era citado por ou por outro, jamais reverenciado. Fizera tudo, queimara os neurônios e não usufruíra nada, pois o imaginário diz que só vale o que é cantado e por quem, analogia com o que está escrito no Jogo do Bicho.
Adelino Moreira é o nome que vem de um baú mofado, cheio de relíquias sem charme para a grande massa que só vê o que está na ribalta, no palco, o encanto a primeira vista, daí Erasmo nunca ter sido Roberto, embora Carlos. Junto a Adelino estão Capinam, Maysa, Hermínio Belo de Carvalho, Beto Guedes, Elomar, Guinga, Lô Borges, Ednardo, Torquato Neto.
O futebol tem centenas de Adelinos Moreiras. Esquecidos, não passam de notas de rodapé de livros e complementos em pôsteres de times campeões. Danival, do Atlético-MG, é o Adelino-Símbolo. Meia-Armador esguio, clássico, acadêmico, como eram chamados os lentos pelos comentaristas dos anos 1970. Danival jogou no grande time do Galo entre 1974 e 1979. Com Cerezo, Paulo Isidoro, Marcelo, Marinho (aquele ex-ponta do Bangu), Ângelo (outro Adelino ludopédico) e Ziza, filho de Pinga, na ponta-esquerda. Com Reinaldo, o Rei de Centroavante.
Todo mundo fala em Reinaldo, Paulo Isidoro, Marcelo, Cerezo e esquece Danival, firuleiro nato, de toques românticos, viradas de jogo que duravam semanas, cabeça erguida como um songa-mongas habilidoso. Saudades de você, Danival, que depois acabou no Santa Cruz (PE).
Por citar o Santa Cruz, recordamos Henágio, um ponta-de-lança de talento, sergipano, rápido, felino, driblador, ídolo e cervejeiro. Goleador. Chegou ao Flamengo e por aquelas injustiças que ninguém sabe, ninguém viu, amarelou, não sem antes ensaiar imitações de Adílio. Saudades adelinistas de você, Henágio, que morreu tão cedo.
Mário Sérgio Pontes de Paiva. Fecho questão também no seu adelinismo puro, por jamais ter jogado uma Copa do Mundo, tamanho o talento que tinha, orquestrando, tramando, armando jogadas sensacionais com a perna esquerda.
Mário Sérgio, o Vesgo, olhava para um lado e dava de trivela para o outro, bola caindo direto na chuteira do atacante. Mário Sérgio do Vitória, do Fluminense, do Botafogo, do Palmeiras, do Internacional, do Grêmio e do Adelino Moreira Futebol Clube.
Gilmar Popoca (Flamengo), Elói (América-RJ e Vasco), Adilson Heleno (Flamengo, Grêmio, Criciúma, Avaí, ABC) Luvanor (Goiás), Nélio (Flamengo), William (Vasco), Erivelton (Fluminense e Cruzeiro), Mário (Fluminense, Bangu e Vasco), Djair (Botafogo, Internacional, Lazio, Fluminense e Madureira), Ailton Lira (Santos), Enéas (Portuguesa e Palmeiras), Toinzinho (Santos e Bahia), Robertinho (Fluminense), Jair (Internacional) e Moreno do Ameriquinha.
Estão todos no baú. Esquecidos, como numa masmorra de memória. Se vivo fosse, Adelino Moreira, em hipotético rasgo de revolta e irmandade., comporia outra marcha de roer concreto: Lágrimas de Renegado.