Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Abel Braga

FUTEBOL É MOMENTO

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha

Esta frase sintetizava o pensamento do nosso professor da bola, João Baptista Pinheiro, que nos treinou dos 16 aos 20 anos nas divisões de base das Laranjeiras. Entre seus alunos, a nossa turma de 68 tinha, entre outros, Nielsen Elias, Abel Braga, Rubens Galaxie, Carlos Alberto Pintinho, Erivelton, Kleber, Marco Aurélio, Gilson Gênio, Marinho, Té, eu, e que se tornaram profissionais. Para ele, Pinheiro, quem estava melhor jogava. Quem não estava no ponto, que sentasse no banco e esperasse a sua vez. Porque o futebol não pode esperar. Futebol é momento, afirmava todo santo dia.

Hoje, vendo o Fluminense disputar um campeonato presente com um time futuro, pergunto: será que o Abel esqueceu as lições do nosso mestre? Contra o Corinthians entramos em campo novamente com os meninos do amanhã que só lhe abastece de desculpas. “Calma, gente, são garotos!”. Até quando? Mas e a torcida e as gozações? E a zona de rebaixamento se aproximando perigosamente no presente?


No domingo, no natural impulso adolescente que corre em suas veias, correram também com a bola e erraram o dobro dos passes do time adversário. No lugar de valorizar sua posse, rifam a criança por impulso, só mesmo o tempo do Jô, a rodagem do Fagner, a experiência do Romero para mostrar a cada um a importância de mantê-la sob sua guarda e posse. Ao perdê-la vem contra-ataque, e mesmo tendo a juventude ao seu lado para tentar recuperá-la, muitas vezes vão buscá-la no fundo das suas redes. E dar nova saída para outras precipitações da idade. Novos erros de passe. Sei que faz parte do aprendizado, mas os torcedores tricolores não querem mais bancar este estágio. Querem um time concretado em bases sólidas, que o defenda no momento presente. E volte a sonhar com uma vaga na Taça Libertadores da América.

Soluções? Emprestar o Scarpa e o Wendell para buscar experiência fora do clube e trazer o Conca de volta. Sem chances no Flamengo, nada como ter a humildade de reconhecer o valor de um grande ídolo e convidá-lo a vestir a camisa que melhor lhe cabe. Avançar o Henrique para o meio campo para levar sua experiência para uma área de raciocínio habitada por inexperientes, e escalar no seu lugar um zagueiro alto que pelo menos suba com os Balbuenas. Como ele, dez centímetros mais baixo que cada zagueiro que desce nos escanteios, não consegue fazer.


Aprendemos, Abel, com nosso treinador, além do fato do futebol ser vivido no momento presente, que não basta apenas apontar os erros. Temos que, pelo menos, mostrar possíveis soluções. Que tal as minhas? Afinal, estava na carteira ao lado e quem sabe prestei mais atenção naquele momento da preleção do que você?

TU CONTINUAS O MESMO

por Zé Roberto Padilha

A partida entre Fluminense e Flamengo pelo estadual juvenil de 1969 era realizada no Maracanã, acreditam? Era bom para todo mundo, menos para o gramado padrão FIFA, porque o atleta ia se acostumando com o burburinho do estádio (no primeiro tempo, só os familiares) e os torcedores que vinham chegando descobriam os novos valores que lhe dariam futuras alegrias. Quando éramos lançados no time de cima não tinha o impacto psicológico que os juvenis de hoje sentem por lá.


O placar era de 1×0 para o Fluminense quando, aos 23 minutos do segundo tempo, tentando salvar uma situação de perigo dentro da área, nosso zagueiro central Abel Carlos da Silva Braga, o Abelão da Vila da Penha, optou pela forma mais bonita, dando um chapéu no meia-direita que vinha em velocidade contrária. Fez isso em vez da jogada mais condizente com o futebol que praticava, segundo o qual um bico para frente cairia bem.

O Maracanã, templo sagrado do futebol, sempre atordoou seus atores ao fechar sobre cada um deles aquele toldo de cimento armado, no qual o eco do torcedor soa como uma bomba relógio – nas grandes jogadas e pixotadas também. Ao realizar o chapéu, Abelão calculou mal a batida na bola e o atacante rubro-negro, portador de um topete louro, rápido e franzino de apelido Zico, conseguiu evitar o drible, tocando de cabeça, invadindo a área e empatando a partida.


Todo o elenco tricolor era traumatizado pelo enorme pito das segundas. Nosso treinador, João Baptista Pinheiro, reunia todo mundo no centro do campo, sentava sobre uma bola Drible, e mesmo quando ganhávamos de goleada sobrava uma dura para alguém. Naquela segunda Abelão era pule de 10. E seu Pinheiro jogou pesado como sempre, contando a história daquele “meninão” empolgado, que veio do subúrbio e, no lugar de seguir suas limitações, ficava tentando fazer gracinhas dentro da área para as meninas da zona sul. Com seu lençol furado, havia comprometido todo o elenco. Rigoroso, exigente, ajudou a formar junto a Roberto Alvarenga, José de Almeida, Dr. José Rizzo Pinto uma geração de homens sérios e desportistas corretos, entre eles Rubens Galaxe, Edinho, Pintinho, Cléber, Gilson Gênio, Mário, Zezé, Paulinho, Edvaldo, Tadeu, Silvinho e tantos mais.

Bem, o tempo passou, nós crescemos, trocamos de clubes e o futebol do Abel evoluiu mais do que o de todo nós, tanto que ele chegou a seleção brasileira jogando exatamente como o Lúcio: aplicado, fazendo o simples como Pinheiro queria e com enorme eficiência. Mas quis o destino que no limiar das nossas carreiras, 14 anos depois, quatro personagens daquele episódio se reencontrassem uma nova equipe, o Goytacaz FC, então disputando a primeira divisão carioca. Pinheiro era o treinador, Abel era o zagueiro central depois de um longo período na França, Rubens Galaxe também após rodar bastante foi contratado e eu vinha do Americano, tentando uma sobrevida com meu joelho tri operado. Nada de ficção, tenho fotos ilustrativas acompanhando o texto.


Tínhamos uma boa equipe, com o Petróleo de centroavante fazendo a diferença ao lado do seu xará que trazia riqueza para aquele região na Garoupa. Totonho na lateral direita e um impressionante Índio na cabeça de área. Eu e o Abelão estávamos casados de novo, e saíamos sempre juntos para jantar. Por conta da sua temporada na França, o amigo nos apresentou o vinho no lugar da cerveja, um saudável hábito que cultivo até hoje. Então veio o clássico contra o Bangu. Casa cheia e nas arquibancadas a presença das nossas novas mulheres. De repente, o Abelão toca para o Totonho e dá um pique para receber de volta às costas do lateral esquerdo do Bangu e no lugar de cruzar para o Petróleo tentou mais um drible. E perdeu a bola. Veio o contra ataque e só não tomamos porque o Rubens entrou no túnel do tempo e realizou a cobertura.

Não era, de fato, uma jogada ensaiada, foi improvisada, mas aquele filme do Maracanã me veio logo à mente e na descida para o intervalo comentei com o Rubens:

– Você está pensando o mesmo que eu?


Abel Braga com a camisa do Flu em 1971

Rubens discordou na hora, deu uma risada e retrucou:

– Agora tudo é diferente, éramos garotos, somos todos casados e seu Pinheiro cresceu com a gente!

Chegamos ao vestiário, recebemos nossas laranjas, águas e quando a preleção começou, seu Pinheiro, implacável, virou-se para o Abel e disparou:

– Tu continua o mesmo!

Poucos ali entenderam o sentido da dura. Reza a lenda que a pau cantou, houve empurra-empurra, não sou mais aquele moleque que ouvia suas merdas calado e….. quantas saudades dos meus amigos. Sem o Pinheiro e suas cobranças, muito antes da era Bernardinho, não seríamos os cidadãos que somos. E sem o vinho, o piano do Abel, não teria aquela taça na mesa na hora do almoço, e sem a cobertura e aplicação tática do Rubens teríamos perdidos para o Bangu. E ganhamos de 1×0.

ABEL E CAIM

por Zé Roberto Padilha



Abel Braga vocês conhecem. Trata-se de um bom zagueiro central revelado pelo Fluminense e que, ao defender o Vasco e preparar o terreno para se tornar treinador de futebol, teve uma ideia brilhante, digna do melhor jeitinho brasileiro: convidou seu Diretor de Futebol, Eurico Miranda, para ser seu padrinho de casamento. E o Vasco, através do seu eterno mandatário, lhe abriu não uma, mas várias portas até que seus gritos à beira do campo, potencializados pela altura e visibilidade das cordas sonoras e suas bases de sustentação, alcançassem o país. E ele atingiu seus objetivos, já aí com méritos, diga-se de passagem, e sem precisar de doações da Odebrecht: foi campeão estadual, brasileiro e mundial.

Mas no livro Gênesis do futebol, corroído de traições e ciúmes, Abel tinha um irmão mais velho, Caim, que se tornou cartola tricolor. Caso o Fluminense o contratasse, cairia sempre com ele. E assim aconteceu no Brasileirão de 2013, Caim (Rodrigo Caetano) e Abel Braga apresentaram diferentes ofertas ao todo poderoso local (Peter Siemsen). O filho mais velho queria resultados imediatos e o mais novo um trabalho de renovação com as ovelhinhas ordenhadas em Xerém. Mas ao perder para o Grêmio por 2×0, completar cinco derrotas consecutivas e deixar o time na zona do rebaixamento (17º lugar), Caim, com o aval do comandante do Éden, demitiu Abel.


Abel Braga conversa com Rodrigo Caetano nas Laranjeiras

Se na Bíblia “o tempo é o senhor da razão”, nos Jardins das Laranjeiras ele, tempo, não passa de um adolescente em pura emoção. Porque a nova versão de Caim e seu criador eleito, apoiados por Peter, traz de volta, menos de três safras depois, Abel para dirigir suas ovelhas. O que leva, então, um treinador demitido há pouco retornar como solução? Mudou o Abel, que vai buscar resultados imediatos, Caim, que vai permitir que o gramado das Laranjeiras receba os meninos e aposente as velhas raposas, como Magno Alves, ou foi o paraíso que de vez se perdeu?


Acabo de abrir os jornais em busca de respostas. E acabaram de delatar todo o Éden. Do presidente e seus comparsas, sem exceção, todos levaram um trocado para manter erguida uma farsa chamada Brasil. Perante tal inferno dantesco seria muito exigir lisura, ética, correção em um mero clube de futebol. Então que venha esta nova versão da gênesis da bola. Pois se Caim matar de novo Abel na primeira rodada da Taça Guanabara e não voltarmos às ruas para retirar estes canalhas do poder, vai ficar provado que por lá habitava não um povo. Mas uma horda de cidadãos e torcedores tão frouxos e passivos como aqueles que empossaram para julgar seu juízo final.