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ABC

ÍDOLOS E MULTIDÕES

por Rubens Lemos

Impossível ignorar o saudosismo na guerra santa do ABC x América. O painel de emoções volta a brilhar no coração de cada privilegiado por ver jogos inesquecíveis no fim da Era Juvenal Lamartine e no frenesi de uma tarde de domingo no gigantismo ondulado do Estádio Castelão (Machadão).

Na década de 1970, há ligeira vantagem do ABC (6×4) em títulos conquistados. O alvinegro foi tetracampeão 1970/73, com destaque para o timaço do último ano, meio-campo eleito o melhor do século passado: Maranhão, Danilo Menezes e Alberi.

O ABC ganhou ainda em 1976 – primeiro ano contra o astro-rei Alberi no América e 1978 somando seis taças contra quatro do América. O time rubro foi bicampeão em 1974 e 75, aposentando boa parte do antes imbatível esquadrão do rival e apresentando um craque capaz de dividir o protagonismo com Alberi.

Era o gigante Hélcio Jacaré, que desafiava a Física com seu corpanzil de jogador de futebol americano, exibindo toques refinados, dribles curtos e chutes potentes.

Para vencer o ABC e quebrar o tabu de quatro anos, o América montou uma orquestra cujo maestro era o técnico Sebastião Leônidas, zagueiro do forte Botafogo de Gerson, Jairzinho e Paulo Cézar Lima, no final dos anos 1960.

O Castelão – nome dado em homenagem ao Marechal Castelo Branco, um dos presidentes do Regime Militar, superlotava a cada duelo. Se a decisão de 1972 levou apenas 10 mil pagantes ao novíssimo estádio, no ano seguinte, 43.144 torcedores ocuparam arquibancadas, gerais e cadeiras numeradas e especiais, para assistir aos 4×2 do ABC sobre o América na finalíssima.

Em 1974, o América conseguiu dois feitos importantes. Derrotou o ABC no Seletivo para o Campeonato Nacional, cujo tira-teima levou 42.119 pessoas para assistir à classificação vermelha na prorrogação, gol de cabeça do meia e ponta-esquerda David.

No estadual, sob o comando de Hélcio Jacaré e com o adversário envelhecido, o América ganhou dois turnos dos três disputados e levou seu primeiro troféu no gramado de Lagoa Nova com o empate por 0x0.

Mudanças

O América azeitava sua máquina e o ABC começava a trocar peças em 1975, substituindo o goleiro Erivan, o lateral-direito Sabará, o quarto-zagueiro Telino, o ponta-direita Libânio, o centroavante Jorge Demolidor e o ponta-esquerda Morais.

Trouxe nomes de qualidade, como os meias Samuel, do Ceará e Zé Roberto, do Palmeiras, mas o América desfilou para o bicampeonato vencendo a última partida por 3×1, gols de Washington, Hélcio Jacaré e Ivanildo Arara, com Samuel descontando para o ABC.

Em 1976, a apoteose popular. Fora de campo, os cartolas fermentavam a rivalidade com o América contratando Alberi e o ABC comprou o jovem atacante Reinaldo, nome principal da retomada da supremacia local. Reinaldo fez o ABC campeão e, antes da final, estava vendido ao Santos(SP).

Em nove pelejas ABC x América disputadas em 1976, 294.529 pessoas passaram pelas bilheterias do Castelão, como se 86% da população da capital tivesse ido às partidas. Natal, segundo o IBGE, contava 343.166 habitantes.

Em 1977, a famosa briga campal entre os 22 jogadores decidiu um campeonato acirrado, em que o ABC venceu o primeiro turno e perdeu os dois seguintes, dando América com o 0x0 no tumulto. Com um time renovado, o ABC ganhou em 1978. O América venceu nos pênaltis em 1979, ano em que pontificou o folclórico artilheiro Oliveira Piauí.

O América dominou a década de 1980 (6×2), conquistando um tetracampeonato nos primeiros anos e um tri no final. Foram seis canecos para a sede da Avenida Rodrigues Alves. O ABC ganhou em 1983 e 1984 e o Alecrim ressuscitou temporariamente levando os títulos de 1985 e 1986.

Os anos 1990 foram alvinegros em considerável maioria com sete conquistas, destaque para o primeiro tricampeonato no Castelão, rebatizado de Estádio João Machado(Machadão) em 1993/94 e 95 e para a vitória espírita de 1999(1×0), gol contra do zagueiro Marcelo Fernandes batendo de efeito contra as próprias redes.

Marcelo Fernandes errou quando tentava chutar a bola para o ataque. O América foi bicampeão em 1991/92 e venceu também em 1996, ano em que alcançou o primeiro acesso para a Série A do Campeonato Brasileiro.

SER ABC

por Rubens Lemos


Nova Holanda será dos sargaços, expulsos do mar, bêbados renitentes espancados, ao sol nascente. 

Preto e branco. 

A vida impõe ricos, remediados e pobres. 

Alguns sem culpa. 

O melhor é o rico, o remediado e o pobre na igualdade de escolher e gritar, na extrema alegria visionária da irmandade social: 

 ABC, exército de todos! 

Eu nasci, cresci, vivi, subi a ladeira existencial, joelhos doem na descida da alma envelhecida de orgulho: 

Sou ABC! 

Sou ABC desde a conjunção pai e mãe.

Sou ABC primeiro nas derrotas.

O fracasso testa e prova o amor.

Resisti.

O ABC é meu. 

Possessividade pacífica e contemplativa.


O ABC platônico. 

De quem já não vai a estádios. 

Nem passa por estágios de sociedade. 

Sou ABC. 

Por mim, pelos meus vivos, meus ídolos. Meus mortos. 

Pelo Castelão assassinado. Cada pedra no chão, um pranto. 

ABC. 

Termômetro sentimental da cidade.

AS MÃES DE HIPÓLITO

por Rubens Lemos


Em 1972, o ABC de Natal (RN) foi punido com dois anos de suspensão do Campeonato Brasileiro. Motivo: a escalação irregular do zagueiro Nilson Andrade, do lateral-esquerdo Rildo e do meia Marcílio na vitória sobre o Botafogo (RJ) por 2×1. O ABC acusou a federação que acusou a CBD.

Em 1973, passando uma banha, João Havelange conseguiu excursão alvinegra para a Europa e a África, que rendeu 102 dias longe de casa. Fama no exterior. O ABC chegou a empatar com a Romênia, de Dumitrache, que jogou duro contra o Brasil em 1970, na Copa do Mundo (3×2 para nós).

Pois bem, o ABC foi anistiado no início de 1974. Ficou o impasse. O ABC era tetracampeão e, tinha direito à vaga. O América havia representado o Rio Grande do Norte com brilho em 1973, conquistando a Taça Almir, melhor colocação entre clubes do Norte/Nordeste.

Fizeram um seletivo com três partidas: a primeira foi 0x0. Na segunda, vitória do América por 3×1. Na decisiva, ABC 2×1, jogo para a prorrogação, quando Davi, de cabeça, classificou o América para o Brasileirão/74. Vice outra vez no ano seguinte, ficaria de molho um semestre inteiro. Montou um expressinho. Chamado de Faz-Me-Rir, em alusão a uma melodia de dor de cotovelo dos anos 1960.

O zagueiro Hipólito, o ponta Aélio e um meia português barbudo, Luís Rodrigo, eram os ícones do timeco. Que juntava gente, porque abecedista nunca abandona seu time.

Hipólito, numa segunda-feira, aparece cabisbaixo na concentração em Morro Branco. Chama o supervisor Alberto Amorim:

– Seu Alberto, me arranje um vale. Minha mãe morreu e preciso mandar o dinheiro para Minas Gerais.

Comovido, Alberto Amorim providenciou a grana com a diretoria.

Um mês depois, Alberto Amorim adoece. Fica 15 dias longe do clube. Hipólito aborda o dirigente José Prudêncio Sobrinho, coração maior que o da torcida:

– Seu Pruda, estou em apuros. Minha mãe morreu. Preciso mandar um dinheiro para a Bahia. Me arrume um adiantamento.

Prudêncio tirou do próprio bolso o maço de notas e passou a Hipólito:

– Negão, gostei da sua sinceridade. E nem vai ser descontado o dinheiro.

Hipólito fez um singelo pedido a Pruda:

– Não fala pra ninguém, não. É assunto particular e o senhor sabe como é boleiro, gosta de mexer até em negócio de mãe.

O ABC vai disputar um jogo contra o Ferroviário, timeco do desportista Joãozinho Paiva, eterno secretário de esportes da cidade e conhecedor da psicologia da raça de chuteiras.

Hipólito está triste e o atacante Nilo, esperto, entra em seu quarto na concentração:

– Tô sabendo que você vai dar outro golpe nos “home”. Tu é famoso com essa história de mãe morta. Ela está vivinha da silva e eu vou trazer a velha aqui, para lhe desempregar. Quero o bicho dos próximos três jogos.

Ninguém entendia, só Nilo, a cena de vestiário depois das vitórias sobre três barangas: o Ferroviário, o Cosern e o Racing,do praiano bairro das Rocas. Hipólito, entregando o bicho, nota por nota, o dinheiro dos bichos recebidos logo após as partidas.

Hipólito apenas murmurava para o colega mais esperto:

– Filho da puta, filho da puta…

Nilo respondia:

– Posso até ser. Mas só de uma…

ABC, TERMÔMETRO SENTIMENTAL DE UM POVO

por Rubens Lemos


O Palmeiras da Segunda Academia ganhou o Campeonato Brasileiro de 1972 no bailado em câmera lenta de Ademir da Guia. Quando veio a Natal para jogar contra o ABC, dia 3 de dezembro, estava classificado por antecipação para a segunda fase e poupou quatro dos seus principais astros.

Ademir da Guia ficou descansando em São Paulo e o destaque era na artilharia para o meia-atacante Leivinha e o controvertido artilheiro César Lemos, o César Maluco, irmão de sangue dos também goleadores Caio Cambalhota e Luisinho Tombo, um dos principais ídolos do América do Rio de Janeiro.

Natal recebeu com indignação provinciana a decisão tomada pelo clube palestrino, hospedado no Hotel Internacional dos Reis Magos diante do mar da Praia do Meio.

O Palmeiras era campeão paulista e tivera três titulares entre os convocados para a seleção brasileira campeã da Minicopa, realizada naquele ano com jogos no recém-inaugurado Estádio Castelo Branco, o Castelão.


O público feminino tentava invadir o hotel, hoje aos escombros, pela boate Bambelô, brigando por um mero aceno do goleiro Emerson Leão, titularíssimo do gol do Brasil e dono, segundo a mídia especializada, do par de pernas masculinas mais bonito do país. Sua imagem em
propaganda de cueca aparecia em outdoors espalhados de Boa Vista a Porto Alegre.

Leão, conhecido pela antipatia pessoal, proporcional ao talento debaixo das traves, desceu à piscina de óculos escuros, estirou-se nas cadeiras para o bronzeado, olhou sem sorrir para as fãs, respondeu entrevistas aos monossílabos e voltou ao seu quarto.

O mais tranquilo era o veterano Dudu, remanescente da primeira versão da Academia, no início dos anos 1960, quando entrou no time para substituir o pernambucano Zequinha, campeão mundial na reserva da seleção brasileira na Copa do Chile.

Dudu era o ponto de apoio para os solos de Ademir da Guia. Carregava o piano para o craque de aspecto dispersivo e afinado como um violino Stradivarius. Ademir da Guia usava o cérebro em contraponto ao fôlego e a partida adaptava-se ao seu ritmo, não o contrário.

Dudu estava escalado junto a outro volante, Zé Carlos, seu conformado reserva, numa formação aparentemente defensiva, mas com quatro homens no ataque: Os dois insinuantes e dribladores pontas Edu e Nei, mais dois atacantes de área, o argentino Madurga e Fedato, que jogaria no Náutico de Recife quatro anos depois.

Para o lugar de Luís Pereira, o mítico técnico Osvaldo Brandão, discreto em suas caminhadas esguias, escolheu o jovem João Carlos, revelado pela Portuguesa Santista e de conteúdo oposto ao do titular. Era força e garra, nada do requinte e da vocação ofensiva de Luís
Chevrolet.

O ABC esperava se despedir com dignidade. Havia sido suspenso por dois anos de competições nacionais pela escalação irregular contra o Botafogo (RJ) do zagueiro Nilson Andrade e do lateral-esquerdo Rildo, expulsos contra o Ceará e do meia Orlando, sem autorização da CBD.

Os jogos do alvinegro motivaram Natal. O Castelão revelava-se o palco digno para os desfiles de Alberi, o rei da cidade, com atuações exuberantes que o levariam à conquista da Bola de Prata da revista Placar como melhor de sua posição no Brasileiro.

Uma atuação convincente aos jurados diante do Palmeiras seria crucial para a vitória na disputa contra Tostão do Vasco, Jairzinho do Botafogo, Palhinha do Cruzeiro e Doval do Flamengo, seus concorrentes diretos.

A cidade, que havia parado quatro dias antes para ver Pelé em discreta atuação na vitória por 2×0 sobre o representante potiguar, especulava sobre o interesse do Fluminense por Alberi, contratação que chegou a ser tratada pelo representante do clube em Natal, jornalista
Aluizio Menezes, e não concretizada.


Com a bola rolando, Leão perdeu a pose. Alberi queria o duelo com Ademir da Guia e adorou a solidão do brilho. Deslocou-se como pantera pelos dois lados e procurando tabela com o centroavante Petinha. Aos 25 minutos, caiu nas costas de Dudu e deu de cara com o zagueiro João Carlos.

Aplicou-lhe um drible seco e bateu rasteiro, com força, no canto esquerdo da trave voltada para a direita das cabines de rádio. Leão esticou-se e segurou sem rebote. Alberi dominou o primeiro tempo jogando por ele e pelo seu companheiro de criação, o meia-armador
Danilo Menezes, ausente por problemas médicos.

O Palmeiras abriu o placar aos 3 minutos do segundo tempo com Zé Carlos chutando fraco de fora da área. Falha do goleiro Tião. Em jogada individual, Madurga enganou a defesa alvinegra e chutou sem chances para o goleiro espigado e contratado ao Bonsucesso(RJ) para
caprichar em erros capitais ao longo da campanha do ABC.

No seu pragmático tático, Brandão recuou Madurga ao meio, o Palmeiras fechou-se e passou a tocar a bola para passar o tempo. Faltou apenas combinar com Alberi. Em nova arrancada, aos dribles, o Negão fintou João Carlos que cometeu pênalti. Alberi bateu forte e Leão foi buscar
no fundo das redes.

O ABC acordou e a Frasqueira eletrizou o estádio de arquitetura impecável. Alberi pediu bola. Recebeu na entrada da grande área. Vieram o humilhado João Carlos e o quarto-zagueiro Alfredo Mostarda. Numa finta, passaram os dois. Alberi  tentou driblar Leão, os dois se
enroscaram e a bola sobrou para Maranhão, que chutou fraco demais.


Bola de Prata/1972: Aranha (Remo), Marinho Chagas (Botafogo), Figueroa (Inter), Beto Bacamarte (Grêmio) e Piazza (Cruzeiro). Osni (Vitória), Alberi (ABC), Zé Roberto (Coritiba) e Paulo Cézar (Flamengo)

O lateral-direito Eurico tratou de empurrar para as próprias redes. O empate por 2×2 fez Leão cumprimentar e aplaudir Alberi. O encontro com Ademir da Guia só aconteceu durante a entrega da Bola de Prata (foto), que os dois receberam, cada um na sua posição. Alberi, guia do show do dia sem Ademir, eterna inspiração aos súditos de 46  anos depois. Viva o ABC, 103 anos do termômetro sentimental de Natal.

PS.Nesta sexta-feira(29 de junho), o ABC, recordista brasileiro de títulos estaduais(55), faz aniversário e a lembrança de seu craque maior é homenagem merecida.

UM ESCRITOR EM BUSCA DA POESIA PERDIDA


Rubens Lemos Filho

“Amigos, o Museu da Pelada é o que há de melhor nas redes sociais sobre futebol”. Fomos surpreendidos, recentemente, com uma baita mensagem na nossa caixa de entrada e faltaram palavras para agradecer o carinho. Ficamos mais contentes ainda ao saber que o autor do elogio era Rubens Lemos, jornalista e escritor de Natal-RN, com três livros publicados, e, como ele mesmo se define, “um saudosista e opositor das arenas, que tiraram o povão do esporte mais democrático”.

Além de “Danilo Menezes, O Último Maestro” (Biografia, 2001), “O Homem Óbvio” (Crônicas, 2009) e “O Rosto Alegre da Cidade” (Crônicas sobre o Centenário do ABC, 2015), obras publicas, o escritor lança em outubro “Memórias Póstumas do Estádio Assassinado, Gols, Craques e Saudades do Machadão” e já iniciou os trabalhos para escrever o livro de Geovani, um dos maiores ídolos do Vasco da Gama.

Dessa forma, não precisamos nem falar que houve uma grande identificação e, por isso, decidimos conhecer melhor o nosso novo parceiro, que, além de ter prometido incendiar as resenhas do Museu com suas crônicas, contou um pouco da sua relação com a bola, opinou sobre a perda do romantismo do nosso futebol e apontou uma solução para o esporte tentar recuperar parte daquela emoção do passado.

Confira a tabelinha com Rubens Lemos

Como surgiu sua paixão pelo futebol?


O futebol foi meu amigo de infância, confidente e irmão. Meu pai era jornalista e comentarista esportivo (Rubens Lemos, militante político torturado na Ditadura e falecido em 1999) e me apresentou ao amor que me encantou. Sempre torci, tal meu pai, pelo ABC de Natal e pelo Vasco da Gama. Sempre fui daqueles meninos chatos, intrometidos, piolho de Tabelão, de Globo Esporte, de resenha de rádio, ouvia a Rádio Globo 1220 até tarde da noite, discutia com adultos, decorava escalações. Era um péssimo jogador. Batia peladas na rua mesmo, fundei um time, o ABCzinho do Tirol, bairro onde até hoje vivo em Natal, ficava na defesa, dando chutões. Depois resolvi ser técnico e cartola e fundei um time de soçaite, o Rio Ave, que chegou a ser campeão norte-nordestino. Também fui dirigente de futsal do ABC. Fomos vice-campeões brasileiros contra a Malwee Jaraguá de Falcão em 2006 perdendo de 3×2 aqui em Natal. Tem o jogo inteiro no Youtube. Quebramos o recorde de público até hoje insuperável em jogos de futsal: 10.572 pagantes.

Quem é seu maior ídolo no esporte?

Meus maiores ídolos no futebol são Danilo Menezes, um uruguaio que jogou na Celeste e no Vasco antes de ser o maior meia-armador do ABC e o baixinho Geovani do Vasco, um estilista sensacional. Injustiçado por Lazaroni que não o levou para a Copa de 1990. Claro, Zico, apesar das raivas que me fez, jogava muita bola. Gênio.

Ainda joga peladas?

Acho que a última vez que chutei uma bola, Zandonaide ainda era meia reserva do Vasco, lá pelo começo dos anos 1980. PC Caju, o monsieur, andava por São Januário.

E o Jornalismo? Quando optou pela profissão e quem é seu maior ídolo?

Comecei em abril de 1988 e o maior texto que conheci até hoje é o de Carlos Heitor Cony. No esporte, João Saldanha. Cabra macho, como dizemos aqui no Nordeste.

Em que momento o futebol perdeu aquele romantismo que contagiava os estádios?


Os geraldinos (Foto: Reprodução)

Tenho que ser justo. Sem ser piegas. Quando descobri o Museu da Pelada no Facebook, vibrei. Disse: “porra, esse é o meu pessoal!”. Vejo todo dia, toda hora! Do cacete! Cada entrevista antológica, com PC, Riva, Zico, Dirceu Lopes, a de Gil ficou joia! Faz sete anos que não piso em estádio! Nunca fui numa arena, detesto todas elas! Artificiais, segregadoras! Num país como o nosso, como é que o cara que ganha salário mínimo, o geraldino de antigamente, vai pagar 100, 200 paus pra ver jogo? E ver o quê, mesmo? Correria, sujeito jogando de bunda no chão?  Eu gosto do futebol bonito, do drible, do lançamento, da caneta, do elástico, da firula, do golaço, da linha de passe! Isso tudo acabou quando tiraram do pobre o direito de frequentar escolinha, quando apagaram do mapa urbano os campos de várzea. Não tem mais neguinho (afrodescendente é hipocrisia!) nos times brasileiros! É tudo mauricinho, filhinho de papai! Cara com nome composto, nome de praça! Neymar brilha pois é rei em terra de chuteira cega! E já acham o menino um dos melhores de todos os tempos… Se alguém o escalar no lugar de Garrincha, eu infarto!

Como um bom vascaíno, qual foi o melhor time do Vasco que você viu atuar?

Vivi o período das porradas de Zico, Adílio e Andrade nos anos 1980. Sem abrir mão do amor ao Vasco. Vi de relance o Vascão de 1977, mas o melhor Vasco de minha vida foi aquele de 1987/88, com Geovani e Romário batendo no Flamengo cinco vezes consecutivas: Acácio; Paulo Roberto; Donato, Fernando e Mazinho; Dunga (Henrique), Geovani e Tita; Mauricinho (Luís Carlos); Roberto (Vivinho) e Romário. Outro belo time foi o de 1992, no Brasileiro, que tinha um goleiro fraco infelizmente: Régis; Luis Carlos Winck, Torres, Jorge Luís e Eduardo; Luisinho, Geovani, William e Bismarck; Edmundo e Bebeto. Fizemos uma grande campanha e estávamos invictos com Geovani jogando. Ele saiu por contusão. Aí, o título foi para eles, os flamenguistas.

Em outubro, você lança Memórias Póstumas do Estádio Assassinado, Jogos, Craques e Lembranças do Machadão. Poderia falar um pouco mais dessa obra? Como surgiu a ideia?


Obras no Estádio Castelão

O Estádio Castelão (Machadão) é a infância infinita de minha vida. E foi morto covardemente por assassinato. Derrubaram-no por quatro jogos de uma Copa do Mundo que terminou nos exemplares 7×1 da Alemanha que bem poderiam ter sido 14×2. Era um estádio tão lindo que chamavam de Poema de Concreto. Natal (com Cuiabá) foi uma das cidades que destruíram seus estádios para construir arenas. Havia um projeto apresentado à Fifa para adaptar o Machadão por cerca de 90 milhões de reais. A Fifa chegou a aceitar e, misteriosamente, apareceram com um projeto digno de Dubai. No papel. Resultado: acabaram com nosso patrimônio e gastaram meio bilhão de dólares numa arena que parece uma cebola gigante encravada num Estado onde só este ano foi batido recorde de assassinatos pois a polícia não está equipada, o principal hospital público está sucateado e com doentes no corredor e a educação está arrasada. Decidi resgatar cada ano do Machadão, nascido em 1972 e morto em 2011, onde pisaram Pelé, Rivelino, Tostão, Eusébio, Zico, Ademir da Guia, Sócrates, Romário, Geovani, Bebeto, nosso grande ídolo local, Marinho Chagas, a Bruxa (saiu antes de o Castelão ser inaugurado), Pedro Rocha, Manga, Jairzinho, Paulo Cézar Caju, Edu (os Edus, do Ameriquinha e do Santos). No Machadão, o Rio Grande do Norte ganhou sua única Bola de Prata com nosso maior craque, Alberi, em 1972, superando Tostão, Jairzinho e Dirceu Lopes. Tostão estava no Vasco. Quero resgatar para as novas gerações o que de fato foi o futebol, não essa sujeira que alguns chamam de “negócio”. Também derrubaram o Machadinho, ginásio onde jogamos (o futsal do ABC), a final contra Falcão em 2006. Vou lançar o livro dia 5 de outubro na AABB em Natal.

É verdade que a “máquina de escrever” já está produzindo o livro do Geovani? Qual é a sensação de escrever sobre o craque?


Desde 1982, Geovani é meu ídolo. O cara era o fino, a sofisticação, a inteligência, a essência de um criativo. O que jogava não está em nenhum compêndio. É um injustiçado. O Vasco mesmo não o coloca em quase nenhuma lista de melhores. Respeito muito Juninho Pernambucano, Zanata, mas o grande 8 vascaíno é o Geovani. Quem viu, viu. Enfrentava, sozinho, no toque, aquela meiúca fantástica do Flamengo (Andrade, Adílio e Zico). É um grande campeão (tem 5 títulos cariocas, uma Copa América, melhor do mundo de juniores e das Olimpíadas de Seul, que perdemos porque ele não jogou a decisão). Lançador emérito, driblador debochado. Teria arrebentado, não tenho a menor dúvida, na Copa do Mundo de 1990. Era o “homem de confiança” de Lazaroni e, no fim, foi descartado. Inexplicável. Nos tornamos amigos e pretendemos lançar o livro no ano que vem. Buscamos patrocínio, pois tenho que me deslocar daqui para Vitória, terra dele e ao Rio de Janeiro, para entrevistas. Ele merece. Venceu até a morte (câncer) e é um sujeito muito decente.

Por fim, consegue enxergar alguma solução para o futebol recuperar parte da emoção do passado?


É preciso repensar o trabalho de base. Devolver a bola a quem sabe jogar. Aos garotos habilidosos. Repensar essa Lei Pelé, que pune os clubes e enche empresário de grana. Hoje, o moleque fica rico muito cedo sem jogar essa bola toda e tem até razão em espetar o cabelo, de não se interessar em jogar pela seleção. Quer colecionar maria-chuteira, andar em iates e se cercar de puxa-saco em balada. Outro dia, vocês postaram o valor da venda de Paulinho para o Barcelona e questionaram quanto valeria um Nei Conceição, baita cracaço. E quanto custaria Pelé? Já imaginaram? Gosto do Tite, não é o ideal, mas é o possível. Embora o Brasil sempre tenha jogado (até Zagallo em 1974, depois com Telê 1982) para atacar. Os outros é que contra-atacavam. Temos Neymar, Coutinho e Jesus. Quem mais? Por favor não me venham com Renato Augusto vestindo camisa 8 que foi de Zizinho, Didi, Gerson, Dirceu Lopes, Sócrates e do meu ídolo Geovani. Um abração pra vocês do Museu da Pelada. Vocês não tem ideia da importância do trabalho que estão fazendo pelo bem do futebol verdadeiro, mágico e agregador. Futebol é a entidade cultural mais democrática do mundo. Ao menos, deveria voltar a ser.