O GRINGO DAS LARANJEIRAS
texto: Marcello Pires | fotos: Marcelo Tabach | vídeo e edição: Daniel Planel
Os tricolores nascidos até a década de 60 certamente nutrem um carinho todo especial pelo atacante Narciso Doval, autor do gol contra o Vasco que deu à famosa Máquina Tricolor o bicampeonato carioca de 76, já os mais jovens são – ou eram, pelo menos até Conca se transferir para o Flamengo – quase unânimes em apontar o meia argentino como o principal estrangeiro a atuar pelo Fluminense. Mas nenhum outro gringo fez tanto sucesso nas Laranjeiras como o paraguaio Julio César Romero, que completa 57 anos hoje. Carismático, Romerito uniu todas as gerações e se tornou um dos maiores ídolos da centenária história do clube. Independentemente da idade, não há um tricolor vivo que não idolatre o herói do título brasileiro de 1984, também numa decisão contra o clube de São Januário.
Isso ficou claro no último dia 20 de julho, véspera do aniversário de 115 anos do Fluminense Football Club. Entre um pedido de autógrafo ou de uma simples foto, Dom Romero atendeu gentilmente a reportagem do Museu da Pelada. Com uma camisa grená com o escudo do clube do lado esquerdo, a simplicidade de sempre e um portunhol que já virou sua marca registrada, o paraguaio foi para o ataque e não se esquivou de nenhuma entrada mais forte.
Nem mesmo a lembrança da famosa frase “Eu quero meu dinheiro”, que virou praticamente um hit entre os torcedores de todos os clubes na década de 80 e que até hoje o persegue, foi capaz de tirar o bom humor do eterno ídolo tricolor.
– Não tem nada de verdade! Isso foi uma invenção do Washington Rodrigues, que há uns dois ou três anos me ligou para pedir desculpa por essa frase. O Fluminense nunca me deveu um tostão. Ao contrário, eu que devo tudo ao Fluminense. Mas têm sempre os dois lados da moeda. Enquanto muitos levavam isso na brincadeira, outros falavam com maldade sim e ficou chato. Isso nunca foi verdade e ficou parecendo que eu era um mercenário. Por isso que sempre desminto essa história e digo que sou grato ao Fluminense – explicou Romerito.
Se esse episódio fez muito barulho na época e ficou marcado na vida do paraguaio, o que pouca gente sabe é que se não fosse o prestígio de Carlos Alberto Torres, seu ex-companheiro no Cosmos, dos Estados Unidos, de 1980 a 1983, provavelmente Romerito teria desembarcado em outro endereço do Rio de Janeiro. Curiosamente São Januário, sede do clube que ele mais maltratou na sua passagem pelo Brasil.
– O Torres tinha conversado comigo nas férias do Cosmos e disse que queria me trazer para o Fluminense. Falei que seria uma honra não só pela oportunidade de jogar num clube do Brasil como o Flu, mas principalmente pelo que ele representava para mim. Era como meu pai e uma pessoa muito querida. Ele me disse que em dois dias me ligaria novamente para confirmar os valores da proposta, e eu respondi que estava tudo certo e que só precisava falar com meu pai e minha mãe, pois naquela época não tinha nenhum representante. Até que duas horas depois me ligou o Calçada se apresentando como presidente do Vasco e dizendo que queria me levar para São Januário. Não sei como ele soube que o (Manoel) Schwartz queria me trazer para o Flu, porque foi uma situação sigilosa. Agradeci o interesse e disse que em dois dias daria uma resposta porque primeiro tinha que falar com o Carlos Alberto Torres. Mas quando o Calçada voltou a me ligar eu disse que já tinha acertado com o Fluminense. Acho que foi por duas horas de diferença que acabei nas Laranjeiras. E um dos gols mais importante da minha carreira foi justamente o do título brasileiro (risos) – lembrou o carrasco vascaíno na decisão do Campeonato Brasileiro de 1984.
Mas não foi só para o Vasco que Romerito disse não. Um ano antes de praticamente ser obrigado pelos dirigentes tricolores da época a se transferir para o Barcelona, da Espanha, em 89, o paraguaio se recusou a jogar pelo Flamengo.
– Eu nunca quis sair do Fluminense, por mim teria encerrado a carreira nas Laranjeiras, mas o Fábio Egypto e o José Carlos Vilella me obrigaram a ir para o Barcelona. Assim como um ano antes eles quiseram que eu fosse para o Flamengo. Mas disse que no Rio eu não iria nem para o Flamengo, nem para o Vasco e nem para o Botafogo, por respeito à torcida tricolor. Eu amo o Fluminense e jamais iria jogar no Flamengo, aí sim que eu seria mercenário – afirmou Romerito, que condenou a ida de Conca para o rival, mas aliviou a escolha de Fred pelo Galo.
– Eu não aceitei pelo carinho que tinha pela torcida e a torcida por mim. Eu falei para a diretoria do Flamengo na época, “me desculpa, mas no Flamengo eu não vou jogar”. Eu acho que o Conca errou. Não como profissional, mas como pessoa, porque ele é um ídolo do clube. Ele foi por muito tempo um espelho para as crianças e de toda a torcida tricolor. Não gostei porque sempre o admirei muito e ele era uma representação muito grande do Fluminense. A saída do Fred me deixou triste também, mas sorte que ele não foi para o Flamengo (risos). Foi para o Atlético-MG, aí tudo bem, ele é profissional e não é um rival direto do Fluminense.
Se das arquibancadas Romerito sofre e corneta como qualquer torcedor, em campo ele afirma que só se divertia. Mais do que os 57 gols em 211 jogos com a camisa tricolor e os títulos do Campeonato Brasileiro de 84 e do bicampeonato carioca de 84 e 85, ficaram as lembranças, as amizades e a imensa saudade de Assis e Washington, que infelizmente partiram muito cedo
Mas a parceria com o Casal 20 não foi a única que deixou saudade em Romerito. Para quem considera o Fluminense maior do que o Barcelona, aquele elenco que teve Carlos Alberto Parreira, Carlos Alberto Torres e Nelsinho como principais comandantes no início da década de 80 está eternizado no coração do ídolo paraguaio.
– Não só o Assis e o Washington. Tive outros grandes parceiros como Branco, Jandir, Paulo Victor, um amigo que considero como um irmão, Vica, Aldo, Leomir, esse grupo era muito unido. Nós éramos amigos, mas o Casal 20 deixou muita saudade pelo que ele representava para o Fluminense e pelo carinho que tinha pelo clube e pela torcida. Aquele grupo foi muito especial, o melhor que conheci dentro do ambiente do futebol. São pessoas sensacionais e que eu nunca vou esquecer. O Fluminense é o clube que mais amo e me fez torcedor, o Fluminense representa tudo para mim. Esses jogadores eram espetaculares e eu acho que nenhum outro clube vai ter um elenco tão espetacular de pessoas como aquele que teve o Fluminense na década de 80 – recorda, saudoso, o ex-camisa 7.
Mas nem só de conquistas e lembranças inesquecíveis foi a passagem de Romerito pelo Fluminense. A campanha decepcionante na Libertadores de 85, quando o clube acabou eliminado ainda na primeira fase, está engasgada na garganta até hoje.
– Podíamos ter ganhado a Taça Libertadores se o pessoal tivesse se envolvido realmente com a competição. Naquela época a Libertadores no Brasil não tinha a mesma importância de hoje. O Brasileiro e o Estadual eram muito mais importantes e eu acho que o clube precisava de mais profissionalismo naquele momento. Tanto nós jogadores como os dirigentes. Mas tenho certeza que se existisse a Copa do Brasil naquela época nós iríamos ganhar também – disse o craque paraguaio, que também não esconde a frustração por nunca ter marcado contra o Flamengo, seu adversário favorito em terras brasileiras.
– O time que eu mais tinha vontade de ganhar era o Flamengo, apesar de nunca ter feito gol no Flamengo. Isso me incomodava, mas sempre jogava muito. Chutei na trave, dei cabeçada, corria o campo todo como louco, mas pelo menos conseguimos muitos títulos em cima deles. O Vasco era freguês, assim como América, Botafogo e Bangu, O Fla-Flu é diferente, o maior clássico do mundo. O Maracanã fica diferente, as pessoas, os jogadores, o Flamengo saiu do Fluminense, tem muita coisa envolvida dentro de um Fla-Flu.
A trajetória de Romerito com as cores verde, branca e grená foi tão significante que a bola que teimou em não entrar contra o Flamengo pelo visto só fez falta para ele mesmo. O torcedor tricolor pouco se importa, tanto que até personagem de livro o paraguaio virou. Mais que isso, o eterno camisa 7 do time tricampeão carioca de 83/84/85 é atualmente um dos embaixadores do clube nos jogos fora do Rio e do Brasil, iniciativa, que, segundo o próprio, surgiu de uma sugestão sua ao ex-presidente Roberto Horcades.
No entanto, talvez nada tenha sido tão significativo quanto um pedido feito ao então presidente Arnaldo Santhiago. A vontade de retornar ao clube nos anos 90 era tão grande, que Romerito chegou a se oferecer para jogar de graça.
– Eu sempre pensei em voltar e falei uma vez com o Arnaldo Santhiago que jogaria sem receber salários, que se precisasse dormiria nas Laranjeiras. Eu queria ajudar o Fluminense jogando, estava bem ainda, mas eles não quiseram. Ele nem cogitou a possibilidade. O Fluminense mudou minha vida, minha forma de pensar em relação ao futebol brasileiro, mudou tudo. O carinho que tenho pela torcida e pelas pessoas dentro do Fluminense é muito grande. Eu adoro o Fluminense. Sofro muito mais como torcedor. Quando jogava eu me divertia, agora não me divirto mais. Não posso ajudar do lado de fora, só xingando mesmo (risos). Fico muito agradecido por não ter jogado em outro clube – finalizou Romerito, que quase não tem tempo para jogar uma peladinha e que sequer pensa em se tornar dirigente e tampouco treinador de futebol.