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ZICO, fagner, emoção

17 / abril / 2023

por Rubens Lemos

O clip do Fantástico bateu recordes de audiência naquele domingo de fevereiro. Vestíamos o coração do amarelo da seleção de 1982, a última do balé-bola, e surgiam Raimundo Fagner com a sua voz indolente de mar nordestino e o melhor jogador brasileiro, Zico, camisa 10 daquele timaço de Telê Santana, tão luminoso em virtudes quanto tenebroso nos poucos e fatais defeitos.

Nem havia para nós, meninos, o menor indício do que seria Paolo Rossi e sua companhia assombrosa dali a cinco meses no gramado do Estádio Sarriá, vitória italiana por 3×2, de um jogo que o tempo me ensinou: nem sempre é o Brasil que perde, os adversários também ganham e a Azzurra era brilhante.

Aos 29 anos por fazer, Zico estava no fio da forma, na flor do encantamento. E Fagner interpretava minhas quimeras e paixões inocentes desde uns três anos antes, meu pai colecionava seus discos de vinil.

Zico e Fagner lançavam um compacto, uma versão pequenina do LP, com a marcha de carnaval Batuquê de Praia. Fagner cantava, Zico dava caneladas vocais.

Letra menos que inofensiva: “Não é qualquer carnaval, não é qualquer litoral, que faz a minha cabeça não, não é qualquer fuzuê não é qualquer não sei quê, que vem bater no meu coração, tem que ter um quê, pode ser você, que rebola a saia e faz um fuzuê, no batuque de praia.” Importante era a dupla, cada qual campeoníssimo em sua arte.

A Globo mostrava imagens de Zico fazendo, uma, duas, três embaixadinhas na areia de Itapararica(BA) e inventando outro truque impensável, senão nos estupendos.

Tocava a bola com o peito do pé e a envolvia no ar, por baixo da perna, num repente ilusionista, até apará-la novamente no lugar onde iniciou a jogada. Impressionante o repertório de Zico.

No dia seguinte, um personagem de minha infância, aqui e acolá presente na coluna, juntava a patota ao seu redor, todo mundo boquiaberto.

Em menos de 24 horas, o craque de nossa rua, Flávio Tércio, imitava o lance de Zico nos detalhes sumários. Ele era nosso Zico presencial. Todos à sua volta, deslumbramento puro.

A infância é a melhor parte e a mais triste da vida. Quando a vivemos, queremos deixá-la, quando envelhecemos, imploramos para reencontrá-la, joelhos postos sobre migalhas memoriais indescritíveis. Feito as lembranças, de Zico e Fagner na televisão e a do meu amigo craque, original como uma joia, sem falsificação.

Na terça-feira, 12 de abril, terminei de assistir a uma série na Paramount e, por acaso, sintonizei a Band no Programa do Faustão. Sinto náuseas da TV aberta brasileira, raramente assisto qualquer programa, dentro do ritual diário de desgraças que me fazem implorar pelo mergulho de volta no redemoinho do tempo.

Poderia parecer prece, mas a fé é guardada a destinatários de maior importância afetiva e psicológica. Ainda nas comemorações dos 70 anos de Zico, feitos dia 3 de março, ele e Fagner se apresentavam. Fagner cantando canções dele e de outro poeta, Gonzaguinha, morto novo, em acidente de carro.

Faustão ressaltando o que todo o ser humano de mediano entendimento sabe decorado: que Zico, muito mais que um artesão das quatro linhas, sempre foi um homem decente, de caráter intocável, admirado por todos os (normais) que o viram atuar.

Fagner relembrando episódios de uma amizade de cinco décadas. E a emoção mexendo comigo. Zico de pernas mais arqueadas, ao fundo o telão com fotografias suas na seleção brasileira, no Flamengo e no Kashima Antlers, do Japão.

Ao fim do quadro com o Faustão, Zico puxa o disquinho com Batuquê de Praia. Ele e Fagner tabelam versos. Vou repassando em segundos os dias mais felizes, em pé, de pijama, abobalhado.

Ridículo? Talvez. Valeu por Fagner, por Zico. De voleio, a recordação de Roberto Dinamite, que completaria 69 anos no dia seguinte. Dinamite falecido dia 8 de janeiro. Meus heróis estão morrendo. Dinamite, saudade e inspiração para uma melodia de Fagner, com Zico, o rival mais parceiro, tabelando.

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