por Rubens Lemos
Lembro que era sábado 21 de junho e fazia 16 anos do tricampeonato mundial do México, onde o Brasil brilhou com Pelé, Tostão, Gerson, Rivelino e Jairzinho. Naquele dia, eu estava tenso. Enfrentaríamos, lá no México, a tinhosa França, timaço com meio-campo harmônico igual a um coral parisiense: Tiganá, Giresse, Platini e Fernandéz.
Brasil x França em 1986 parou o mundo. Valia vaga para a semifinal e a nossa seleção estava alquebrada e em nada parecia com a de 1982, a dos desfiles espetaculares na Espanha. Telê Santana era o técnico.
Vascaíno, 15 anos, sofrera porque meu time não tivera um só convocado. O Vasco estava tinindo, campeão da Taça Guanabara. Pelo menos quatro jogadores poderiam estar entre os 22. Acácio era melhor goleiro do que Gilmar. Paulo Roberto cumpriria bem a função de lateral-direito, desnecessária pela explosão do macunaímico Josimar do Botafogo.
No meio-campo, é cristalina verdade, Geovani superava Elzo, Alemão e Valdo, este último levado apenas para passear. Se convocaram o péssimo de bola Casagrande, por que não Roberto Dinamite em plena forma ou Romário resplandecendo? Telê não gostava do Vasco.
Desfigurava-se o timaço de 1982. Leandro abandonou o grupo na hora do embarque para o México, alegando falta de condições de jogar na lateral, por conta dos sofridos joelhos. Estava impecável de zagueiro-central no Flamengo, o que nada significava para Telê. Cerezo foi cortado. Falcão refletia cansaço, Sócrates, tédio. A comoção chamava-se Zico.
O Galinho de Quintino, melhor jogador que assisti ao vivo, fora criminosamente atingido em 1985 pelo carrasco Márcio Nunes, do Bangu, que esfolara seu joelho. Um lance que, visto no Youtube, em mim provoca assombro e ódio. Márcio Nunes foi o primeiro responsável pelo fracasso que viria.
Zico treinava, Zico reforçava a musculatura da perna, Zico uivava de dor, Zico fazia o Brasil rezar, Zico extrapolava na fibra dos guerreiros, Zico lutava para jogar parcos minutos que a dor lhe permitisse. Zico me emocionava.
O sábado começou cedo na resenha de nossa patota no bairro do Tirol, em Natal. O medo era unânime. Como analgésico emocional, dizíamos: eles têm Platini, Zico é nosso. O gênio da Gávea havia entrado contra a Irlanda do Norte e a Polônia e imposto categoria, dribles, lançamentos, enxergado espaços que os antecessores não viam.
Acompanhei o jogo sozinho diante do aparelho de TV de minha avó. Estar só é uma decisão do destino sobre minha vida. A tensão deu vez ao grito histérico quando Muller, Júnior e Careca triangularam para Careca fuzilar o goleiro Batts:1×0. O Brasil tocava a bola pondo os bléus para rodar. Até que uma falha coletiva da defesa proporcionou o empate, gol de Platini.
Grande goleiro, Carlos sempre foi um tremendo azarado. Até ali, não passara nada para dentro de suas redes. O gol de Platini era a esperança, combustível dos pobres, indo embora. Um baque.
Até Telê botar Zico em campo no lugar de Júnior. Ao receber o primeiro passe, enfia na medida para Branco, derrubado por Batts. Pênalti que valeria estátua. Zico bateu e perdeu. Eu chorei. Por Zico, não pela seleção.
Torturantes minutos na prorrogação e a detestável disputa por pênaltis. Sócrates, em acesso de irresponsabilidade soberba, bateu e Batts pegou. Sócrates encostava o pé à bola, em rebolado imperdoável e batia no canto para o qual olhava. Batts se jogou e espalmou.
Júlio César também perdeu. A França comemorou a vitória, ainda que Platini tenha chutado a sua cobrança para o alto. Zico, que tantos massacram moralmente, bateu o seu e marcou. Ninguém fala, ninguém lembra ou quer lembrar.
Ao fim de tudo, relutei em ir a um aniversário de criança. Queria um travesseiro e um interruptor capaz de me desligar do mundo. O jeito de Zico olhar o céu após a derrota, ele e o infinito, acabou de me matar aos 15 anos.
“Nunca verei o Brasil campeão!”, berrei em prantos. Queria dar um abraço em Zico. Queria repetir que, se ele não seria campeão da Copa, problema dela, a Copa. Tive que ir ao aniversário à força. Fui de corpo. Minha alma estava em Zico.
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