PONTA INTELIGENTE
entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | vídeo e fotos: Guillermo Planel | edição de vídeo: Daniel Planel
Se educação e futebol parecem trilhar caminhos opostos no Brasil, Zé Roberto Padilha é um grande exemplo de que nem tudo está perdido. Ponta da poderosa Máquina Tricolor, o craque já publicou cinco livros, se formou em Jornalismo e, recentemente, começou a dar aulas de História do Brasil. Nosso parceiro recebeu a equipe do Museu da Pelada em Três Rios, município 145 km distante da capital do Rio de Janeiro, para um papo divertido, recheado de bons causos e muita emoção.
Quem acompanha o Museu da Pelada já deve ter lido algum de seus belos textos e, com certeza, reparou que não se trata de um simples ex-jogador. Com análises pontuais e histórias emocionantes de um passado glorioso, Zé Roberto é de uma época áurea do futebol brasileiro, em que não bastava ser um bom jogador para figurar entre os titulares de um time de ponta. Por conta disso, fazia questão de ser diferenciado, sobretudo no quesito dedicação.
– Não fui pra noite, não bebi, não curti minha adolescência. Tive uma vida inteira dedicada ao futebol. Troquei a cerveja pela vitamina. Treinava mais que todo mundo por conta própria.
Tamanha determinação garantia ao ponta uma velocidade e resistência muito acima dos marcadores e isso, obviamente, agradava aos técnicos. Destaque do América de Três Rios, Zé passou a ser assediado por clubes de ponta, mas ouviu o coração na hora de escolher o novo destino. Se já era apaixonado pelo Fluminense na infância, os anos vestindo a camisa tricolor só reforçaram seu fanatismo.
Acontece que Zé Roberto era apenas uma promessa de um clube do interior do Rio e chegava a uma consagrada equipe. Se já não fosse o bastante, o presidente Francisco Horta montou uma verdadeira máquina ao contratar craques renomados como PC Caju, Rivellino e Mário Sérgio.
– O Fluminense faz parte da minha vida. É como se fosse uma família. Um garoto que sai do interior para capital precisa de um apoio como eles me deram.
A entrega nos treinamentos cativou o novo treinador, Carlos Alberto Parreira, que arranjou um espaço para o menino no meio daquelas estrelas. Com muita humildade, Zé Roberto era o carregador de piano do elenco e, se não marcava muitos gols, estava sempre dando assistências maravilhosas para os medalhões.
Após cinco anos gloriosos defendendo o clube de coração, foi envolvido, contra sua vontade, em um troca-troca que estampou as páginas dos jornais e movimentou o Campeonato Carioca. Tratava-se de uma negociação entre Flamengo e Fluminense para tornar o campeonato rentável.
– Era um momento que eu estava me firmando no Flu. Fiquei anos sem falar com o presidente Horta, porque nunca imaginei defender outro clube. Mas anos depois eu entendi aquela negociação e o perdoei!
No Flamengo também não teve vida fácil e teve que disputar posição com jogadores que, alguns anos depois, entraram para a história ao conquistarem o mundo. Uma das lembranças mais vivas na passagem do Flamengo, no entanto, ocorreu fora de campo e até hoje embarga a voz do craque. Ao desembarcar no aeroporto de Itabuna, onde o poderoso Flamengo enfrentaria o time da cidade, Toninho Baiano disparou em tom depreciativo:
– Já pensou, Zé, você chegando nesta “babinha” não mais para jogar, mas de mala, para ficar de vez por aqui?
Embora não tenha respondido ao colega de equipe, Zé Roberto não se perdoa por ter ficado calado. De acordo com ele, o silêncio foi de uma cumplicidade e arrogância do mesmo tamanho. É que alguns anos depois, após ser reprovado nos exames médicos do Bahia por uma grave lesão no joelho, o Itabuna fez uma proposta oferecendo o mesmo salário, lhe dando uma nova oportunidade no futebol.
– O clube que eu subestimei me acolheu! Isso tem que ficar de exemplo para os jogadores dos clubes grandes. Nós temos que ser humildes sempre, mesmo com aquela camisa pesada! Tenho muito carinho pelo Itabuna!
No memorial de sua casa, Zé guarda todas as lembranças da brilhante carreira e a camisa do Itabuna é, sem dúvidas, um dos objetos prediletos do ex-ponta. Outra preciosidade guardada por ele é uma camisa da seleção brasileira da década de 70, usada pelo craque na conquista do Torneio de Cannes sub-20.
Depois de pendurar as chuteiras, Zé não só passou a estudar como também se arriscou na carreira de treinador e conseguiu a façanha de levar o Entrerriense F.C. à primeira divisão do Carioca. Apesar de ser uma equipe com muito menos investimento, fez jogos duros com os times grandes.
Hoje, para a tristeza de Zé Roberto e dos amantes do futebol, o Entrerriense F.C. suspendeu as atividades por tempo indeterminado e a sede do clube abriga um parque de diversões, fato que foi duramente criticado por Zé em um programa de rádio local.
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