por Elso Venâncio
Nas tardes de sábado, quando não havia futebol, a Rádio Globo-AM, do Rio de Janeiro, produzia uma longa jornada esportiva, com entrevistas ao vivo e os repórteres setoristas participando ativamente dos clubes.
O telefone toca e o segurança na portaria, me avisa:
“Tem um uruguaio dizendo que é campeão do mundo e que quer porque quer conhecer os estúdios”.
Desço e um senhor, de uns setenta e poucos anos, me estende a mão:
“Yo soy Obdulio Varela, fã do futebol brasileiro”.
Por segundos, imaginei a Copa de 1950, que ocasionou a maior depressão popular no país. Alto, forte, corcunda, com pescoço longo e grosso, cabelos crespos e grisalhos, não tive dúvida que eu estava diante do grande carrasco da história do nosso futebol.
Com leve sorriso e falando baixo, ele me contou que ouvia os programas de esporte da Globo, em Montevideo.
No elevador, Obdulio se mostrou descontraído:
“Venho ao Brasil uma vez por ano, e me hospedo no Paysandu Hotel, local da nossa concentração naquela Copa. Sou amigo do Zizinho e do Ademir”.
O capitão do ‘Maracanazo’ era arredio à imprensa. Lembrei de José Maria de Aquino, mestre do Jornalismo, que considera a matéria que fez com Obdulio, na capital uruguaia, a mais difícil, porém uma das mais importantes publicadas na Revista Placar. Notei que estava alegre; logo, ele concordou em nos dar uma entrevista.
”Toda vez que estou no Rio uma cena me vem à cabeça. Fomos para o Hotel, como bicampeões do mundo, e havia a recomendação para que ninguém saísse.”
Nas ruas, havia brigas, discussões e aglomerações.
“Resolvi tomar umas cervejas e levei nosso massagista, o Carlos Alatle”.
O ‘Caudilho Uruguaio’ caminhou pela Rua Paissandu e dobrou à esquerda, na Senador Vergueiro. Ameaçou entrar no Restaurante Recreio, localizado onde hoje fica a estação de metrô do Flamengo, e, ao ser reconhecido, algumas pessoas se puseram de pé.
Obdulio observou que muitos choravam. De repente, foi aplaudido por todos, a ponto de ter uma forte crise de choro.
“Foi nesse momento que passei a idolatrar o país e os brasileiros”, me contou ‘El Negro Jefe’, que tinha 32 anos, 1m83, era volante e vestia a camisa 5.
Líder sindical, ajudava a paralisar campeonatos no Uruguai, atitude logo copiada pelos argentinos.
Naquele dia, o Brasil jogava pelo empate. O Uruguai venceu por 2 a 1, de virada, gols marcados no segundo tempo. O do título eternizou Ghiggia, faltando onze minutos para o término da partida, diante de mais de 200 mil torcedores presentes no recém-inaugurado Maracanã, ‘O Maior Estádio do Mundo”.
Aquela derrota marcou uma geração de craques, dentre eles Zizinho, o ídolo do Pelé. O mais importante jogador da história do Uruguai exigiu a garra da ‘Celeste’ em campo, mandando até na arbitragem, sendo o principal personagem da conquista.
Obdulio Varela faleceu ao sofrer uma parada cardíaca, aos 78 anos, em 1996. Hoje é craque imortal no mundo do futebol.
O Obdúlio Varela foi o grande Capitão da Celeste Olímpica na Copa de 50. O time uruguaio era tão bom quanto o time brasileiro.
Numa jogada bem construída, a partir de Schiaffino, no meio campo uruguaio, Ghiggia finalizou.
Foi um jogo de futebol super importante, e, não uma guerra, como “pintaram” alguns canalhas, políticos, comentaristas e torcedores, que, depois, xingaram e perseguiram o nosso Técnico e os nossos Jogadores.
O relatado pelo Obdúlio Varela mostra que, embora triste, a maioria do povo brasileiro respeitou o adversário, aplaudindo-o pela vitória, e, mostra, também que o adversário, não foi o nosso carrasco, e, sim, um oponente que obteve uma grande vitória.
Muito bonita essa comovente história !
Que texto emocionante, Elso. Parabéns! Viva Obdulio, el gran capitan!