por Valdir Appel
Um dia, resolvi acabar com o culto ao eterno traje cinza utilizado pelos goleiros vascaínos. Tradição que vinha desde os tempos do Barbosa. Mandei confeccionar uma camisa preta e bordar a cruz de malta no peito.
Comprei meias e calções da mesma cor.
Este uniforme era inspirado no lendário goleiro soviético Lev Yashin, que eu idolatrava e quem eu estava prestes a enfrentar.
Antes do Carnaval de 1969, embarcamos para Caracas, na Venezuela, para realizar dois amistosos.
Os sambistas e passistas Alcir e Brito, viajaram preocupados. Não queriam, de forma nenhuma, perder o desfile das escolas de samba na Presidente Vargas. Geralmente, saíam na Portela e na Mangueira.
O técnico Pinga levou a força máxima.
As partidas serviriam para definir o time que iniciaria o Campeonato Carioca
O primeiro jogo seria contra o Dínamo, de Moscou.
A equipe soviética tinha em seu elenco grandes nomes da seleção soviética e a sua grande estrela era o goleiro Yashin. Considerado o melhor camisa 1 de todos os tempos.
Impressionava pelo porte físico. Com 1,89 metro de altura e longos braços, trajando negro, o apelido Aranha Negra era perfeito.
Estava com 39 anos e em grande forma. Encerraria a carreira dois anos depois.
Na imprensa local, circulavam boatos de que havia um plano para sequestrar o extraordinário goleiro, que recebeu proteção 24 horas das autoridades venezuelanas.
O hotel que hospedou a nossa delegação, colocou à disposição belas recepcionistas, que fizeram questão de nos mostrar as atrações noturnas de Caracas.
Fomos a luxuosíssimas discotecas que exigiam dos frequentadores o uso de paletó.
O novo uniforme do clube combinava uma calça cinza clara com um paletó azul marinho sobre a camisa branca. Bastava tirar do peito o boton da cruz de malta para que as portas se abrissem para homens elegantemente trajados.
E a frouxa marcação da comissão técnica permitiu que circulássemos por várias casas, até por volta da meia-noite.
Para o jogo, as equipes entraram perfiladas e os jogadores foram apresentados um a um à torcida local, que lotou o estádio para ver, principalmente, Yashin, já que na Venezuela o futebol era um esporte menor.
Num país de forte influência da cultura americana, o basquete, o baseball e o futebol americano estavam furos à frente, na preferência do torcedor.
Para se ter uma idéia desta apatia pelo soccer, o gramado do estádio municipal apresentava sulcos e visíveis demarcações utilizadas no baseball e no futebol americano, e ficavam evidentes as adaptações para a prática do nosso futebol.
Feitas as apresentações das equipes, eu me dirigi com uma flâmula do Vasco até o goleiro russo.
Estava nervoso e emocionado. Estava frente a frente com o meu ícone e, não sabendo como cumprimentá-lo, arrisquei algumas palavras em inglês:
“Hi! It is a great honor to know you. I would like to want you a good game”.
Para minha surpresa, o goleiro respondeu em bom português:
“O prazer é todo meu. Gosto muito do futebol brasileiro e do Vasco, mas torço pelo Flamengo. Boa sorte!”.
Eu esquecera que o soviético, quatro anos antes, curtira as praias cariocas e dera aulas aos goleiros do Flamengo, adquirindo algum conhecimento da língua portuguesa. Afora o mico, fiz uma excelente partida, à altura do mestre, apesar da derrota por 2 a 0.
Depois do jogo, Carlos Alberto Parreira, preparador físico e treinador de goleiros, sugeriu irmos juntos ao vestiário soviético, onde batemos um papo com o Aranha Negra e de lá saímos, orgulhosos, com o seu autógrafo na flâmula do Dínamo.
Lev Yashin recebeu a Bola de Ouro como o melhor jogador da Europa em 1963.Nasceu no dia 22 de outubro de 1929 em Moscou, na Rússia, e faleceu no dia 20 de março de 1990.
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