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VOZES DA BOLA: ENTREVISTA PC CAJU

4 / janeiro / 2021


Ícone do movimento Black Power no futebol brasileiro, Paulo Cézar Lima ou PC Caju, como ficou conhecido ao longo da carreira, soube conquistar seu espaço sempre com posicionamentos firmes e atitudes irreverentes.

Com a autoridade de quem simbolizou o futebol habilidoso e provocador, PC Caju quebrou as correntes da pobreza que aprisionavam seus desejos e seu talento, e liberto, deixou de ser escravo do próprio sonho que um dia tornaria-se realidade: ser jogador de futebol!

Preso ao Glorioso, que tem como escudo uma Estrela Solitária, reluzente em seu peito em tantas e tantas partidas, PC Caju encobre seu coração alvinegro nas doces lembranças que vai contando por aí.

Versátil, saía-se bem no meio e na ponta. Jogou na seleção do Tri, no melhor Botafogo de todos os tempos, foi peça luxuosa na engrenagem da ‘Máquina Tricolor’ e bicampeão pelo Flamengo.

“No Vasco, fui vice”, diverte-se.

PC Caju nasceu no Rio de Janeiro, em 1949. Meia-armador de estilo elegante e ponta-esquerda driblador. Na infância, ia para General Severiano admirar seus ídolos. Adolescente, já treinando entre eles, encantou nada mais, nada menos do que Gérson, Canhotinha de Ouro, que convenceu o treinador Admildo Chirol a selecioná-lo entre os profissionais para uma excursão que o Botafogo faria a Europa.

Foi bem e sendo sucesso para gringo ver. Na volta, estreou no Maracanã com três gols na vitória por 3 a 2 contra o América, no Maracanã, na decisão da Taça Guanabara. Ficou conhecido nacionalmente como jogador do Botafogo, sendo várias vezes campeão e inclusive da Taça Brasil de 1968.

Na Copa do Mundo do México, em 1970, no auge de sua forma física e técnica, entrou no lugar de Gérson, contundido – o mesmo Gérson que apostou todas as suas fichas no garoto – em duas ocasiões: contra a Romênia e Inglaterra, partida em que fez sua melhor exibição. O Brasil venceu por 1 a 0, gol de Jairzinho e Zagallo ainda ouviu do perplexo Alf Ramsey, treinador inglês: “How is such a player a reserve on your team? (Como um jogador desse é reserva em seu time?). O Velho Lobo engoliu a seco e uivou em silêncio.

Nascido e criado no Morro dos Tabajaras em Botafogo, PC Caju conheceu países na palma das mãos, ou melhor, na sola dos pés.

Sem condições financeiras de comprar uma bola de futebol, torcia para que as meias-calças de dona Esmeralda, sua mãe, rasgassem para serem jogadas fora. E do lixo, nasceu um sonho. As meias eram recheadas com jornal e transformavam-se em bolas, o início de tudo, o nascimento de um gênio.

O Museu da Pelada traz PC Caju em corpo e alma para mais uma entrevista da série Vozes da Bola, nessa primeira semana do Ano Novo que se inicia.

Por Marcos Vinicius Cabral

Edição: Fabio Lacerda


Nascido em uma favela carioca, você tinha o sonho de fazer sucesso no futebol e sair da miséria. Como se deu o início da sua carreira?

Eu nasci na Favela dos Tabajaras, em Botafogo. Não conheci meu pai biológico, fui criado por Dona Esmeralda, minha mãe, e tive uma vida pobre. Desde moleque, pegava no lixo as meias-calças que minha mãe usava como touca e as transformava em bolas de meia para jogar na rua com meus amigos. O futebol esteve comigo desde a minha infância. Eu sempre quis ser jogador, mas não imaginava que fosse ter a carreira que eu tive. Mas sempre sonhei e sabia que tinha condições para isso. Comecei a jogar futebol de salão no Flamengo, aos 10 anos de idade, e foi aí que a vida começou a mudar. Havia um menino que jogava lá comigo chamado Fred e a gente se identificou muito. Eu sempre ia para a casa dele e numa dessas idas ele sugeriu ao seu pai, o senhor Marinho Oliveira, treinador do Flamengo, à época, que me adotasse. E foi o que ele fez. E dos 10 aos 12 anos, comecei a viajar com ele, pois ele era treinador e teve uma carreira respeitável no Equador e Honduras, onde dirigiu a seleção local. Lembro que Dona Esmeralda, minha mãe, entendeu que essa mudança seria o melhor para mim e fui morar com eles sem me afastar dela. Passamos a morar em Tegucigalpa, capital de Honduras. Eu treinava com os jogadores hondurenhos que iam servir à seleção. Isso foi por dois anos e meio. Aos 15 anos de idade, chegamos na Colômbia e comecei a jogar profissionalmente, primeiro no União Magdalena, de Santa Marta, cidade natal do Valderrama, e depois no Junior Barranquilla. Em minha estreia, ao lado de Dida e Escurinho, vencemos o Millionarios por 5 a 2 e fiz três gols.

Como surgiu o apelido Caju, que tornou-se quase um sobrenome?

Surgiu na volta de uma excursão com o Botafogo para o Estados Unidos. Fiquei encantado com o movimento negro. Gostei do estilo, de como se posicionavam e se vestiam, com calça boca de sino, cabelos black power coloridos. Antes de pegarmos o voo de volta decidi entrar em um salão e pedi para pintar o meu cabelo de um tom alaranjado. Quando desembarcamos em São Paulo, alguns torcedores gritaram “Caju” e o apelido pegou. Eu devo ter sido o jogador mais perseguido pela imprensa. Vaiavam-me muito porque eu falava o que pensava, agia da forma que eu achava que tinha que agir, não abaixava a cabeça nunca e tive confrontos seríssimos com a imprensa, principalmente a paulista. Hoje eu não me importo tanto, mas não gosto. Sou Paulo Cézar Lima e o Caju, não é que me incomode, mas eu prefiro ser chamado de Paulo Cézar Lima.

Aos 17 anos, você tornou-se jogador do time principal do Botafogo e participou de sua primeira temporada no Glorioso. Era a realização de um sonho?

Claro que era a realização de um sonho jogar no time que eu admirava. Recordo-me que eu ia para General Severiano assistir os treinamentos e ficava pegando bolas atrás do gol. Realmente, era o time dos sonhos, e logo em seguida, eu pude estar ali participando junto a eles, formando o ataque com Roberto Miranda, Jairzinho e Rogério. Realmente, foi a realização de um sonho. Estreei no Botafogo aos 17 anos a pedido do Gérson. Eu já jogava profissionalmente em excursões e ele sabia disso. Eu não passei pelas categorias de base, de onde Zagallo era o treinador Não sei qual seria o meu futuro com Zagallo e, por isso, meu pai sugeriu ao presidente do clube que eu fosse testado no time de cima, comandado por Admildo Chirol. No primeiro treino meti três e no dia seguinte mais três. O Gerson praticamente intimou o Chirol a me levar na excursão que os profissionais fariam. Eu fui e me saí muito bem ao lado de feras como o próprio Gérson, Sebastião Leônidas, Carlos Roberto e Jairzinho, entre outros. Voltamos e minha estreia, no Maracanã, foi na decisão da Taça Guanabara, na vitória por 3 a 2 contra o América, em que marquei os três gols da vitória.

Você era reserva na Copa do Mundo de 1970, no México, e segundo o técnico Zagallo, em princípio, tentou encaixá-lo no time, mas depois percebeu que, com o esquema que pretendia usar, você e Pelé não poderiam jogar juntos. Isso é verdade mesmo? Na sua opinião, você não poderia jogar com ele?

Isso não é verdade. Na verdade, o João Saldanha vinha com um time que tinha o Edu como titular. Tanto que o Edu nunca se conformou e não perdoa o Zagallo até hoje por ter sido barrado, pois ele vinha voando nas eliminatórias e fazendo gols. O Zagallo entrou e fez algumas mexidas, construiu seu próprio quebra-cabeça. O Zagallo gostava muito de mim, pois me conhecia do Botafogo. Acreditava em mim, mas na verdade, ele tinha que dar um jeito de colocar vários camisas 10 em um time só e cortar outros. Isso aconteceu com o Dirceu Lopes, o Edu, o Ademir da Guia, o Silva Batuta, o Toninho Guerreiro e o Natal. Era uma missão difícil ter que cortar, barrar e escalar apenas 11 titulares com tanta gente boa. De cara, recuou o Piazza para a zaga. Piazza era um líder em campo, querido pelo grupo. Depois, decidiu tirar o Marco Antônio, que era muito mais técnico do que o Everaldo, mas avançava demais. Everaldo dava mais segurança ao time, que era muito ofensivo. Eu fiquei na reserva, mas naquele grupo, na verdade, não tinha muito isso de reserva ou titular, pois todos tinham que estar muito preparados para jogar. O Rivellino foi deslocado para a esquerda e o Edu, sacado. O Tostão funcionou como centroavante e o Rogério machucou-se entrando o Jairzinho. Mas tive a primeira oportunidade como titular no jogo contra a Inglaterra, pois Gerson se machucou. Essa foi considerada a partida mais importante daquela campanha e ganhamos com um gol do Jairzinho. Naquele dia, joguei muita bola, mas muita bola mesmo. Inclusive, Alf Ramsey, técnico da Inglaterra, questionou Zagallo, perguntou como um jogador como eu poderia ser reserva. Mas essa resposta era fácil: bastava ele olhar para o time titular. Muitas pessoas não lembram, mas entrei no lugar do Gérson novamente, dessa vez contra a Romênia. Nesse jogo, Piazza jogou de volante, sua posição original. Respondendo a sua pergunta, eu poderia jogar com Pelé e com qualquer outro. A dificuldade era o Zagallo conseguir encaixar todo mundo.


Você foi responsabilizado pela perda do título carioca para o Fluminense em 1971 e teve que deixar o Botafogo. O que aconteceu de fato nesse episódio?

O Botafogo ganhou facilmente os dois primeiros turnos e não teria um terceiro. Então o Otávio Pinto Guimarães, que era presidente da CBD (Confederação Brasileira de Desportos) cismou de inventar um terceiro turno. Muitos jogadores reclamaram, consideraram essa decisão um absurdo. Como o regulamento poderia ser modificado? Mas, foi. Mas o Botafogo tinha um timaço e estava indo super bem até essa final contra o Fluminense. Na época, eu estava tão confiante em nossa vitória que posei para a capa da Placar com a faixa de campeão. Errei, claro. Mas tudo teria se concretizado se não fosse aquele lance em que o Marco Antônio empurra o Ubirajara e o Lula faz o gol do Fluminense. Foi um erro grosseiro da arbitragem, tanto que o José Marçal Filho, árbitro da partida, foi colocado na geladeira. Foi uma injustiça esse jogo e se tivesse VAR na época o gol seria facilmente anulado. O Botafogo era muito mais time que o Fluminense e o gol foi roubado, basta reverem o lance. Mas por conta dessa minha atitude fui afastado do clube. Fui jogar no Flamengo e me sagrei bicampeão.

Em 1972, você transferiu-se para o Flamengo, time pelo qual jogou até 1974. Como foi vestir a camisa rubro-negra?

Jogar no Flamengo, time do meu irmão Fred, foi especial. Fomos bicampeões. Joguei com Fio Maravilha, Caio Cambalhota e o próprio Rogério, meu parceiro de Botafogo e seleção. Era um time bom, competitivo. Adorei ter jogado no rubro-negro e a minha ida para o time da Gávea foi por meio de uma grande mobilização que envolveu o Carlinhos Niemeyer, do Canal 100, e alguns empresários da cidade para comprar o meu passe. Eu lembro que o Zico estava começando. Foi um uma fase muito boa e que não vejo problema nenhum nessa história de rivalidade envolvendo Botafogo e Flamengo. Isso é saudável. Mas na verdade, todo mundo sabe que sou Botafogo assumidamente. No entanto, jogar no Flamengo foi um capítulo especial no livro da minha vida como jogador de futebol.

O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas primeiras lembranças como jogador no estádio?

Eu vivi momentos maravilhosos, tanto como torcedor, quando ia, criança, levado por meu pai adotivo, para ver jogos sensacionais, e como jogador. O Santos usava demais o Maracanã, então assisti muitos jogos do Peixe. Aplaudi ídolos que logo depois me juntaria a eles. Mas o Maracanã foi um templo e hoje transformou-se em uma arena, infelizmente. Essa mudança foi um crime contra o patrimônio cultural, contra a memória afetiva da cidade, contra tudo e, principalmente, contra os torcedores. Hoje, perdemos a pureza e a alegria dos torcedores, pois sumiram com a Geral e com ela os torcedores fantasiados. O Maracanã tornou-se um estádio para ricos. As baterias foram proibidas, assim como os bandeirões. O Maracanã está desfigurado, é uma caricatura. Mas, ali, vivi momentos maravilhosos, fui campeão pelo Botafogo, pelo Fluminense com a ‘Máquina Tricolor’. Não há como esquecer quando o Francisco Horta foi me buscar na Europa, no Olympique de Marseille, e meu jogo de estreia foi 1 a 0 contra o Bayern de Munique, base da seleção alemã, em uma partida que o Cafuringa e o Mário Sérgio comeram a bola. Essa foi mais uma passagem inesquecível minha no Maracanã. Pelo Flamengo, joguei o Torneio de Verão, que reuniu o Benfica, de Eusébio, o Santos, de Pelé e nós fomos campeões. No Vasco, fui vice, e apesar da ausência de títulos, como esquecer do meio de campo com Dudu, Pintinho e Guina tendo o Roberto Dinamite na frente? Meu Deus, que time gostoso de jogar. O Maracanã era isso, esse encanto, essa magia. Muitas vezes, minhas namoradas iam assistir os jogos e costumava prometer gols para elas. Corria, mandava beijinhos e os torcedores da Geral me xingando! Lembro que eu colocava as mãos na cintura e os torcedores ficavam irritados (risos). Mas o Maracanã me proporcionou viver momentos inesquecíveis que não existem mais.

Como você avalia sua titularidade na seleção na Copa do Mundo de 1974, na Alemanha?

Acho que a minha participação na Copa do Mundo de 1974, na Alemanha, foi boa. Eu tive uma chance muito grande ali e a gente podia ter sido campeão, mas paramos na Holanda. É um jogo que sempre vem na recordação, pois eu tive uma chance clara de gol, que eliminaria a vice campeã mundial. A Holanda era a grande novidade, com o famoso e surpreendente ‘Carrossel Holandês’, com o Johan Cruijff. Nosso jogo foi técnico, mas muito pegado. A gente teve a chance de ganhar nos meus pés, mas não fiz o gol e isso me atormenta até hoje. Lembro que vivia uma fase excepcional e havia fechado o meu contrato para ir para o Olympique de Marseille. Então a imprensa falava que eu já estava vendido e que não estava nem aí! A imprensa sempre pegava no meu pé. Dei uma entrevista revoltado com a situação. Nosso grupo teve uma relação péssima com a imprensa que viajou para cobrir a Copa do Mundo. Eram mais de 100 jornalistas. Tinha muita fofoca, muita divisão no grupo, tinha os paulistas, os cariocas, os mineiros, os gaúchos, e cada um sentava em uma mesa separada. Realmente, foi uma chance de ouro desperdiçada. Mas considero que meu auge seria em 1978 quando fui cortado pelo Almirante Heleno, presidente da Confederação Brasileira de Desportos. Essa foi minha grande frustração no futebol. Em virtude de uma desavença interna, o técnico Cláudio Coutinho também não chamou o Falcão. Acho que nós poderíamos ter feito a diferença nessa Mundial.

Quem foi sua grande inspiração no futebol?

Minha inspiração foi meu pai. Ele era um excelente técnico, jogou muita bola também, e o vi comandar grandes gênios do futebol, no início da década de 60. Posso citar os goleiros Manga e Cao, Moreira, Dirceu Lopes, Tostão, Eusébio. Eram jogadores geniais. Tirando meu pai, que foi a grande alavancada que tive no futebol, eu acho que o Didi simbolizou tudo que eu penso de futebol. Ele carregava a essência, a beleza, a leveza, e a poesia desse esporte. Hoje, você não vê mais jogadores fazendo lindos lançamentos, dominando uma bola no peito com aquela categoria, driblando e indo a linha de fundo. Acho que o Didi é o retrato de um futebol que não existe mais.

“Sempre troquei de time por interesses profissionais”, disse à revista Placar em 1979, e completou: “E acho que deve ser assim mesmo, pois a carreira é curta. Hoje, minha situação financeira é apenas razoável, ao contrário do que muitos podem pensar. Contrato excepcional mesmo só fiz com o Olympique de Marseille. Os outros foram apenas bons”. Como foi jogar na França?

Obviamente, você tem que jogar por amor ao clube. Mas é uma profissão, e em muitos casos, o clube não nos trata com o devido respeito. Aí, você tem que sair de um clube por conta de desavenças. Se você me perguntar se eu queria sair do Botafogo, eu digo que não, que não queria ter saído. Assim como acredito que o Gérson não queria ter saído do Fluminense e ido para São Paulo. Às vezes ocorre muito disso. Mas se você conseguir um contrato melhor e mais rentável, você tem que ir e levar isso em consideração. Quando fiz 18 anos, por conta de meu primeiro contrato assinado, comprei um apartamento e dei para minha mãe, pois havia feito a promessa de tirá-la da favela. Todos os contratos que eu fiz ao longo da carreira foram dessa forma. Mas se você me perguntar o motivo de ter retornado ao Brasil para jogar no Fluminense eu respondo: seleção brasileira. Foi o grande erro na minha carreira. Passado tanto tempo, acho que não devia ter saído do Olympique de Marseille, pois havia feito uma temporada maravilhosa no campeonato francês sendo o primeiro jogador campeão do mundo a jogar naquele país. Depois foi o Jairzinho. Lembro com grata felicidade que o Stade Vélodrome, estádio do Olympique de Marseille, teve que ampliar a capacidade, pois o número de torcedores dobrou. Mas resolvi voltar. Financeiramente foi bom, mas para minha carreira, não. Por isso, acho que todo jogador tem que defender seus interesses com bons contratos. Se der para conciliar com um clube que você ama, melhor ainda.


Você fez parte da lendária equipe que ficou conhecida como Máquina Tricolor que foi bicampeão carioca em 1975 e 1976. Como foi ter jogado nessa equipe?

A ‘Máquina Tricolor’ foi realmente uma equipe maravilhosa. Na verdade, o Didi começou a treiná-la e depois ela foi tendo uma transformação. O Francisco Horta era um dirigente visionário e para ele o marketing era muito importante. O pensamento dele era para que uma competição fosse atrativa era importante todos os clubes fortes. Acreditava que a concorrência proporcionava mais torcida nos estádios. Por esse motivo, acredito que ele brincava, provocava, fazia troca-troca, sempre com o intuito de movimentar o mercado. Eu participei da ‘Máquina’ com Rivellino, Carlos Alberto Torres, Marinho Chagas, Edinho, Pintinho, Doval, e fomos campeões cariocas. Ficou um gostinho de quero mais. Eu não joguei, estava machucado, mas podíamos ter sido campeões brasileiros. Teve aquele jogo contra o Internacional… Tivemos duas oportunidades. Mas havia uma fórmula de campeonato que não nos favorecia. Nós acabamos sendo um pouco prejudicado com isso. Como a ‘Máquina Tricolor’, não foi campeã brasileira? Isso mostra como era nivelado a competição. Nessas duas ocasiões que citei, poderíamos ter uma sorte melhor, pois o Internacional era um timaço, mas o Corinthians eu discordo. Ganharíamos fácil se não tivesse chovendo. Deu tudo errado, essa é a verdade! O próprio Francisco Horta provocou muito isso e fez o Maracanã lotar. Foi a São Paulo, vendeu milhares de ingressos para o Vicente Matheus com a finalidade de promover o jogo, e o Fluminense se prejudicou. Mas a ‘Máquina’ está na memória dos tricolores até hoje, mesmo não tendo sido um papa títulos. Isso comprova que o torcedor gosta de equipes que marcam. Sendo campeão é melhor, mas algumas equipes não ganharam e marcaram, como a seleção brasileira de 1982. A ‘Máquina Tricolor’ será lembrada para o resto da vida.

O que o futebol representou para você?

O futebol é a minha vida até hoje. Eu jogava com bola de meia nas ruas de Botafogo e o futebol me fez crescer como ser humano, me ajudou a quebrar algumas barreiras. O racismo foi uma delas. Eu fechava os olhos para as segregações racial e social e as enfrentava de peito aberto. Troquei a favela por uma família de classe média, minhas relações mudaram. Minha ligação com a bola começou jogando futebol de salão e futebol de praia. Aos 20 anos, campeão do mundo, desfilava pelo Leblon, com meu Fiat Spider abóbora, que importei da Itália. Só andava com belas mulheres, namorava o Rio de Janeiro inteiro, frequentava as boates e era normal o torcedor reclamar de minhas atuações, na praia ou nas festas do Morro da Urca. O futebol me deu isso. Mas me deu também amigos que carrego comigo. Ainda me irrito com o futebol, desde a Copa do Mundo de 1994 quando o Brasil foi campeão. No entanto, é bom que fique claro, que após ter perdido em 1982, na Espanha, e 1986 no México, ambas com Telê Santana, nossa essência foi enterrada ali. Passamos a viver de resultado. Nesse momento, a chave girou para o lado errado. O futebol é a minha vida e por ele me entrego de corpo e alma.

Você passou pelo Vasco da Gama e Corinthians, antes de se sagrar campeão da Copa Intercontinental em 1983. Como foi jogar nesses clubes?

O Vasco foi um momento muito bom na minha carreira. Joguei com Roberto Dinamite e formamos uma dupla interessante. Não joguei aquela final do Brasileiro de 1984 contra o Fluminense, suspenso. Mas fizemos excursões pela Europa toda, jogamos partidas maravilhosas em torneios internacionais, na Espanha, no Tereza Herrera, e enfrentamos o River Plate, base da seleção argentina na Copa do Mundo de 1982. Gosto muito de ter tido a oportunidade de jogar com Dudu, Guina, Pintinho, Paulinho Pereira, meu amigo até hoje. Já no Corinthians não foi diferente. Fui jogar lá, em seguida tive que enfrentar um problema sério de família e precisei encerrar meu contrato. Rasguei o cheque que eles haviam me dado. Mas, apesar de gostar muito de Sócrates, não me adaptaria à Democracia Corintiana, pois os cariocas ficavam de lado, era uma tremenda panelinha. Tanto que Rondinelli, o ‘Deus da Raça’, foi para lá e também não se deu bem. Havia muita panela no clube e voltei.

Qual foi o melhor treinador com quem você trabalhou?

Sem dúvidas que foi o meu pai Marinho. Ele olhou para mim e viu que eu tinha condições. Aos 15 anos, por suas mãos, já estava jogando como profissional. Então, não tem como apontar outra pessoa que não seja o meu pai. Obviamente que o Didi foi um excelente técnico, o João Saldanha, maravilhoso, e Zagallo, espetacular, mas o Marinho não tenho o que falar dele (emocionado).

Certa vez você disse que esperava mais do Pelé em relação ao preconceito racial. E o que você acha que o Pelé poderia fazer para ajudar no combate ao racismo no futebol?

Eu falei sobre isso. Eu acho que o Pelé deve se posicionar mais. Não que ele tenha obrigação disso, no entanto, acho que os negros devem aproveitar essa chance quando atingem um certo status. É diferente um negro anônimo falar, dar um grito e ser ouvido. Um negro desempregado tem que penar para falar sobre o racismo e ter eco na sociedade. Mas se a gente chega a um nível de reconhecimento mundial e a nossa voz é ouvida, a gente tem que se aproveitar disso. Confesso que nunca vi o Pelé ser contundente com esses temas ditos polêmicos. Vi o Muhammad Ali e recentemente os jogadores de basquete, nos Estados Unidos. Acho que o jogador de futebol tem e deve se posicionar sim, de todas as formas, fazendo campanha publicitária, indo para a TV, se mobilizando, dando a cara. O Pelé é uma pessoa maravilhosa, o nosso Rei do futebol, sei de quantas pessoas ele ajuda, mas acho que nesse quesito ele poderia ser mais contundente.

Em 2016, o presidente da França, à época, François Hollande, entregou-lhe, no Rio de Janeiro, a medalha da Legion d’Honneur. Queria que nos contasse o que isso representou na sua vida?

Eu acho que essa entrega da Legion d’Honneur, pelo presidente François Hollande, foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida. São essas homenagens que a gente passa a entender que, às vezes, você é mais reconhecido em outro país do que no nosso. Mas isso já aconteceu comigo algumas vezes. Certa vez, estava com o Jairzinho, no Maracanã, e passou o Sérgio Cabral, na época governador. Sequer nos cumprimentou, e nesse mesmo evento o príncipe Albert de Monaco nos convidou para dividirmos uma mesa com ele. Ou seja, essa é a forma como os ídolos aqui são tratados. E isso diz muito, conta muito para história de um país e a gente vê hoje onde está o Sérgio Cabral e todos os outros que vieram atrás dele. Na França, sempre me posicionei, sempre falei o que eu pensava, sempre briguei pelos direitos dos jogadores e não deixava de fazer minhas coisas todas como ir nas minhas festas e tudo mais. Mas sempre com profissionalismo. Mas receber essa comenda ao lado de queridos amigos e ouvir o belo discurso do presidente foi inesquecível. O governo francês me enxerga como um porta-voz, um garoto propaganda de seu país. A França é um país que eu adoro e estará sempre no meu coração.

No meio desse ano, você falou para um veículo esportivo do Rio sobre Jorge Jesus: “Não deixa de ser um técnico mediano”. Por que você acha isso do português?

Eu falei que o Jorge Jesus é mediano, sim. No Brasil, ser mediano é estar acima de praticamente todos os outros técnicos que são abaixo. É aquele ditado que diz que em terra de cego quem tem um olho é rei. É bem por aí. Jorge Jesus não fez absolutamente nada demais no Flamengo a não ser escalar os jogadores em suas reais posições. Intensificou os treinamentos, cortou mordomias e passou emoção à beira do campo. Ah, e ele colocou o time para jogar ofensivamente enquanto hoje o futebol brasileiro é dominado por retranqueiros que fazem um gol e se defendem para garantir o resultado e consequentemente o emprego. Sem falar que pegou um elenco milionário. Vejam o destino de seu conterrâneo Ricardo Sá Pinto, no Vasco. Falsos heróis não me fisgam.


Você teve a oportunidade de defender os quatro grandes clubes do Rio de Janeiro. Mas o Museu da Pelada quer saber: Paulo Cézar Caju, qual é o seu time?

Sou Botafogo. Mas este time Botafogo me irrita e talvez seja o pior de sua história! Para se ter uma ideia como são as coisas, uma eleição para definir o novo presidente do clube com 500 pessoas votando mostra bem o interesse dos torcedores. Eu acho que a diretoria deve investir mesmo em sua memória, em seus ídolos, tratá-los com o devido respeito, preservar essa história, porque são os jogadores do passado que mantém vivo e forte o Botafogo. Enquanto o clube não se organizar, administrativamente é crucial que as as novas gerações saibam quem foi o Botafogo e sua relevância na história do futebol brasileiro. Mas do jeito que está aqui, me desculpem, não dá para torcer.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Tenho me cuidado muito. Saio cedinho de manhã para poder caminhar e fazer as compras. Quando viajo é sempre com um casal de amigos para Angra dos Reis. E sem largar a máscara. Estou torcendo que essa vacina chegue logo, mas me sentindo muito triste com o que estamos passando, pois a pandemia virou uma guerra política sem nenhum sentido. Mas esse isolamento social, tenho enfrentado de forma tranquila. Sempre gostei de concentração, ou seja, ficar isolado não é complicado para mim. Mas, claro, por esse tempo todo é um suplício. Mas tenho aproveitado esse momento para ler, ver jogos das primeira, segunda e terceira divisões de todos os países possíveis. Tenho acompanhado tudo, vorazmente. Mas esse ano de 2020 foi difícil não só pela pandemia, mas pelos amigos que perdi como o ator Eduardo Galvão, Nicette Bruno e, claro, o Maradona, que foi uma perda irreparável para quem jogou bola como eu. Sobre o trabalho, o home office que todos falam, suspendi provisoriamente minha participação na rádio Tupi porque estúdio fechado é um problema e fazendo de casa não estava rendendo o que eu acho que poderia.

Defina Paulo Cézar Caju em uma única palavra?

Determinação. Passei minha vida toda sendo atacado pela imprensa e se não fosse a minha determinação eu teria desistido no meio do caminho. Mas te confesso, nunca abaixei a cabeça para os críticos, para a torcida, principalmente a paulista. Era impressionante, bastava tocar na bola pela Seleção Brasileira e era vaiado o jogo inteiro. Os próprios jogadores da seleção não entendiam como eu aturava aquilo. E ainda teve a história de meu vício, que me afetou assim que parei de jogar. No entanto, muita gente acha até hoje que eu me drogava no período em que era profissional, o que não é verdade. Já estava na Europa, jogando em um time da terceira divisão da França chamado Aix-en-Provence. Certa vez, participando de um cruzeiro promovido por um amigo, experimentei cocaína. Gostei e fiquei quase 20 anos mergulhado nela. Mas graças a Deus tive a ajuda de amigos como o jornalista Elso Venâncio, o dirigente tricolor Francisco Horta, o advogado Nélio Machado e Cláudio Adão e a sua mulher Paula, casal que me abrigou em sua casa por um ano até que me sentisse seguro para seguir sozinho. Graças a Deus, me livrei sem precisar ser internado, sem ajuda psiquiátrica e sem utilizar nenhuma medicação, apenas pela minha determinação. Na verdade, eu não tinha escolha: viver ou morrer. Então, acho que a determinação é a minha palavra, pois ela pavimentou a história de minha vida.

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