“Quem vai a Belém do Pará, desde a hora em que sai não se esquece de lá, quer voltar.
Lembrar o açaí, o tacacá, que saudade que dá de Belém do Pará!
Orar na Matriz de Belém,
conversar com alguém,
como é bom recordar!
Jesus em Belém foi nascer, eu quisera morrer em Belém do Pará.
Tá aqui tucupi, tem mais o jambu, também camarão. Quem quer tacacá?”
Os versos da letra de “Tacacá”, de Luiz Gonzaga (1912-1989), são relações sentimental e sensorial para um filho da terra que brilhou com “as cores que traduzem a tradição”. Graças a ousadia de sair do Norte do país pelo Brasil afora.
Incertezas pavimentaram o caminho de Paulo Victor. Conviveu com todas elas durante seis anos. Este foi o tempo que o arqueiro levou até chegar ao clube e se tornar campeão carioca.
Mas quem ama, ama na pluralidade de um sentimento verdadeiro. De 1981 até 1987, quando completou 30 anos, Paulo Victor Barbosa de Carvalho, deixou as Laranjeiras. Foi embora fisicamente para seguir a carreira, e colocou o coração nas mãos dos tricolores.
Amparado por Paulo Goulart e, sendo incorporado à equipe campeã carioca, Paulo Victor assume a camisa 1 após um ano de Fluminense. E começa a escrever lindas páginas que seriam, meticulosamente, exploradas, com toda aquela conotação poética e sarcástica de Nélson Rodrigues (1912-1980).
Imaginem! Da camisa tricolor à Copa do Mundo do México, em 1986. E cheio de títulos na bagagem.
O Vozes da Bola está voltando do Departamento Médico para trazer uma entrevista que não vai deixar passar nada! Nem pensamento. O arqueiro tricolor, recebido por Félix Miélli Venerando, o Félix (1937-2012), em 1981, encarnou a camisa do Fluminense. Vibrante e atuante naquele time de 1983 até 1985.
E, cá para nós: se Romário fez 1.002 gols, tenham certeza leitores! Nenhum foi feito em Paulo Victor, nosso 45° personagem da série Vozes da Bola!”.
Por Marcos Vinicius Cabral
Edição: Fabio Lacerda
Como era a adolescência do Paulo Victor antes de iniciar a carreira no extinto Centro Esportivo Universitário de Brasília (CEUB) do Distrito Federal, em 1974. Como foi este período na sua vida?
Antes de iniciar carreira como jogador de futebol, era jornaleiro e engraxate em Brasília. Estes trabalhos serviam para ajudar meus pais nas despesas de casa, já que nossa família era composta por sete irmãos. Aos 11 anos já vendia jornais na feira livre e engraxava sapatos dos frequentadores de lá e dos andarilhos da cidade. Depois do trabalho é que batia minha bolinha em um campo de terra no Cruzeiro Velho, em Brasília.
Como surgiu a oportunidade em jogador de futebol?
Foi natural. Sem pressão. Comecei jogado futebol no bairro, e em seguida, no clube Cariocas. As coisas foram acontecendo e surgiu a oportunidade de jogar no Novacap, time da capital que tinha boa estrutura. Eu, Jorge Luiz e Marco Antônio éramos meninos do bairro e destaques no Novacap. Acabou que o destinou nos separou. O Jorge Luiz foi jogar no Olaria, e o Marco Antônio no Vasco. Eu fui para o CEUB, Operário e Brasília. Daí surgiram outras oportunidades de jogar futebol em grandes metrópoles.
Por que escolheu a posição de goleiro?
Eu era zagueiro (risos). Mas certa vez, atuando como defensor no time do Cruzeiro, o goleiro faltou e acabei indo por vontade própria para substituí-lo. Dali em diante nunca mais deixei a pequena e a grande área!
Depois de peregrinar no futebol brasileiro, você acabou indo para o Fluminense, antes do início da década de 1980, no ano do título carioca. Relembre o momento, volte no tempo!
Estava passando férias em Brasília e jogando a pelada do Marreta que era realizada todos os anos. De repente, gritaram lá da arquibancada que estava sendo vendido para o Fluminense. Desconfiei. Quando terminou o primeiro tempo fui lá para ver se era verdade. E não é que era! O Fluminense estava me contratando junto ao Vitória-ES. Fui no clube, uma segunda-feira, para me despedir dos companheiros. Na terça-feira, viajei para o Rio e me apresentei.
Como surgiu o interesse na contratação de Paulo Victor?
Foi na preliminar da partida entre a Seleção Carioca e a Seleção Capixaba de juniores. A gente abria o clássico da cidade, que era Vitória e Desportiva. Nesse dia, estavam nas arquibancadas, Paulo Alvarenga e Roberto Alvarenga, ambos do Fluminense. Eles foram observar o Geovani, que veio a se destacar no Vasco. Mas decidiram me contratar e aconteceu desta forma. Agradeço muito ao Félix, tricampeão do mundo pela Seleção Brasileira, que me recepcionou muito bem e era meu ídolo. Foi uma das maiores alegrias que tive como jogador profissional.
Quais as circunstâncias que levaram você a ter oportunidade de titular? Contusão do goleiro titular ou escolha técnica?
Na verdade, foi escolha técnica. Tivemos um jogo contra o River-PI e perdemos por 3 a 0. Em seguida, já fui comunicado pelo Nelsinho que enfrentaria o Paysandu e entrei no time.
Como foi ser tricampeão carioca em 1983/1984/1985 e campeão brasileiro de 1984?
Os anos de 1981 e 1982 foram muito ruins. Fomos eliminados na derrota por 2 a 1 para o Grêmio, em pleno Maracanã, e não chegamos à final do Brasileiro. Coisas do futebol. Mas na montagem do time de 1983, eu e Deley éramos os únicos remanescentes. E conquistamos títulos. O Brasileiro foi inesquecível. E no ano seguinte fechamos com o tricampeonato carioca, o último do clube.
No Brasileiro de 1984, você sofreu 12 gols em 24 jogos. Média de 0,5 gols. O fato o coloca como um dos goleiros que menos levaram gols no Campeonato Brasileiro. O que você atribui impressionante marca?
É uma marca histórica. Acho que nenhum goleiro da atualidade vai conseguir bate-la. Particularmente, fico feliz em conseguir alcançar meta e sei que só foi possível devido aos treinamentos e a Ricardo Gomes, Vica e Duílio que foram zagueiros excepcionais com quem joguei. Não tenho dúvidas disto!
Você foi o único goleiro do Rio e do Brasil que enfrentou Romário e não tornou-se vítima do Baixinho. O que tem a dizer?
Jogar contra Romário não era fácil. Primeiro, porque estava iniciando a carreira, era um jovem de 18 anos. O camisa 11 era um atacante muito inteligente e veloz, o que dificultava ainda mais enfrentá-lo. Graças a Deus, nunca tomei gol dele. Isto é, até hoje, motivo de alegria em ter enfrentado um dos maiores atacantes de todos os tempos e não ter sofrido nenhum gol dele.
Difícil falar do Fluminense e não lembrar de alguns ídolos, como você. Qual é a relação que você mantém com a torcida tricolor?
Tenho uma identificação muito grande pela torcida do Fluminense, e o carinho dela comigo é recíproco. Sempre respeitei o torcedor tricolor e eles sempre me respeitaram também. Foi uma troca. Na verdade, continua sendo. Um ídolo não se faz apenas dentro de campo, mas também fora dele. É bem por aí, minha paixão por eles, torcedores, e a paixão deles por mim.
Você é o segundo goleiro que mais defendeu as cores do Fluminense, atrás apenas de Castilho. O que tem a dizer da marca?
Sou o segundo goleiro que mais vestiu as cores do Fluminense. Fico feliz por isto, mas quero enfatizar aqui nesta entrevista que o Vozes da Bola me proporciona: não vi o Castilho jogar, mas vi o Félix. Com todo respeito ao Castilho que tem um história linda no Fluminense, mas para mim, Paulo Victor Barbosa de Carvalho, Félix foi o maior de todos. E a galeria de goleiro do clube é fantástica com Marcos Carneiro de Mendonça, Batatais, Veludo, Paulo Goulart e outros tantos. O clube sempre foi uma escola de grandes goleiros do futebol brasileiro.
Fábio, aos 43 anos, é titular do Fluminense. E você saiu do clube aos 30. Qual foi o impasse para permanecer por mais tempo na meta tradicional tricolor?
Não vencemos em 86, 87 e 88. O time começou a ser desfeito. Simplesmente por isto. Mas cumpri meu papel e, graças ao trabalho que realizei no Fluminense, me tornei ídolo da exigente torcida tricolor.
Paulo Vitor, você enfrentou o Flamengo 23 vezes, com oito vitórias, dez empates e cinco derrotas. Relembre este período que o Fluminense crescia para cima do Flamengo?
Para mim, o Flamengo sempre foi freguês. Sempre ganhei mais do que perd. Basta ver as decisões que tive contra eles. Refiro aos anos consecutivos de.1983 e 1984. Nada se compara a um Fla-Flu. Nada! É o maior clássico do mundo. E para mim, sempre foi marcante enfrentar o Flamengo.
Aproveitando que estamos falando do clássico que “começou 40 minutos antes do nada”, como dizia Nelson Rodrigues, qual foi o Fla-Flu inesquecível para você?
O de 1984. Participei de forma decisiva naquele jogo, pois fui muito exigido e com grandes defesas, me saí bem. Depois, o Assis fez o gol e consegui com minhas defesas assegurar o título.
Você jogou contra grandes craques do futebol. Quais deles você mais respeitava quando ficava cara a cara com o “homem-gol”?
Havia muito respeito da minha parte pelos grandes craques que enfrentei durante a carreira. Falo de jogadores como Zico, Roberto Dinamite, Luizinho, Éder, Leandro, Junior, Mendonça, Marinho, uma infinidade de grandes craques. Não teve um apenas que respeitei, mas muitos. Graças a Deus, muitos se tornaram amigos.
Você disputou jogos pela Seleção Brasileira e foi à Copa do Mundo de 1986, no México, como reserva de Carlos. O que faltou para disputar uma Copa do Mundo como titular?
Era titular com Evaristo de Macedo , em 1985. A entrada do Telê Santana, eu acabei perdendo espaço para o Carlos, que era um baita goleiro. Mas fazer parte do grupo que esteve no México foi bom demais.
Como foram os dias após a eliminação da Copa do Mundo de 1986 antes de retornar ao Brasil?
No dia da eliminação foi uma tristeza muito grande. Lembro como se fosse hoje. A concentração parecia um velório e, ironicamente, o lugar que vivia cheio de gente estava sem uma única pessoa. A eliminação para a França foi um dos episódios mais tristes que presenciei em toda carreira.
Já veterano, você defendeu pela primeira vez equipes da terra natal, jogando pelos dois principais clubes do Pará? Como foi a experiência jogar junto aos seus conterrâneos?
Boas trajetórias. Subimos o Remo, em 1992, para a elite do futebol brasileiro, e no ano seguinte, o mesmo feito com o Paysandu.
Em 1994, último ano antes de pendurar luvas e chuteiras, jogando pelo Volta Redonda, você defendeu um pênalti contra o Fluminense, cobrado pelo atacante Ézio, e foi ovacionado pela torcida tricolor. Qual a sensação?
Esse é um jogo inesquecível para mim. Passei boa parte da minha vida treinando nas Laranjeiras e defendendo as cores do Fluminense. Surpresas que o futebol apronta na vida da gente! Estava no Volta Redonda e vivi um momento difícil ao ter que enfrentar o clube do meu coração. E o pior foi eliminar o Fluminense dentro das Laranjeiras, que considero minha casa. Nesse jogo, vivi a felicidade de pisar novamente no gramado do Estádio Presidente Manoel Schwartz, e triste por eliminar o clube que tanto amo. E teve um momento especial nesta partida em que o confronto estava empatado em 1 a 1, e aos 42 minutos do segundo tempo, foi marcado um pênalti contra nós. Caminhei lentamente em direção ao Ézio e disse a ele: você não vai fazer! Ele disse que faria, pois a torcida estava pegando no pé dele. Dito e feito. Ele bateu e defendi. Ao invés de vaiarem o camisa 9 tricolor, o torcedor aplaudiu de pé o camisa 1 do Volta Redonda. Naquele momento, percebi o amor que a torcida do Fluminense tem por mim. Não deu para conter as lágrimas.
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