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VOZES DA BOLA: ENTREVISTA MAURICINHO

29 / dezembro / 2020


Enquanto Fluminense e Vasco se enfrentavam pelo Campeonato Carioca naquele domingo, 13 de março de 1988, o ponta-direita Mauricinho sofria em silêncio no vestiário do Maracanã.

Olhos marejados e vermelhos como a cor da Cruz de Malta no peito que há minutos antes era aplaudido pelos 33.501 torcedores nas arquibancadas do estádio. Suas lágrimas que escorriam faziam ele se despedaçar em mil pedaços.

“Ele foi covarde. Não precisava entrar na minha perna daquela maneira. Ainda mais faltando apenas dois minutos para terminar o jogo”, lamentou ao lembrar do lance em que Jandir, cabeça de área tricolor, acertou de maneira criminosa o seu joelho direito aos 43 minutos do primeiro tempo.

O lance trouxe sérios problemas para a carreira de um dos maiores pontas do futebol brasileiro. Já com pré-contrato assinado com o Corinthians, Mauricinho vivia a incerteza de voltar aos gramados. E trouxe também à vida do pequeno ponta-direita veloz de dribles insinuantes um processo evolutivo de reconstrução dos ligamentos do cruzado anterior nos 120 dias em que realizou tratamento específico na clínica de fisioterapia Nivaldo Baldo em Campinas, São Paulo, após passar por uma intervenção cirúrgica no Hospital Samaritano, em Botafogo.

Muita coisa passou na cabeça de Mauricinho quando usou seu hipocampo – pequena região do cérebro responsável pelas lembranças – naquelas 2.880 horas longe da bola.

Família, amigos, saudades dos treinos e jogos, e um amor incondicional à carreira foram importantes nesse período em que pode demonstrar que um vencedor vence a dor.

No entanto, sentiu uma dor maior do que a ruptura dos ligamentos do joelho direito: o coração queria bater mais feliz com um pedido de desculpa do camisa 5 tricolor, autor da entrada criminosa.

“Nos enfrentamos algumas vezes e nem um pedido de desculpa foi feito por parte dele”, lamenta. “Mas é a vida”, diz o aniversariante do dia que completa 57 anos de vida de uma carreira recheadas de atuações inesquecíveis, dribles desconcertantes, jogadas memoráveis, títulos marcantes e cenas de pugilato naquelas extremidades do campo todas as vezes que o pequeno gigante camisa 7 recebia a bola e partia para cima de seus marcadores.

“Tenho uma história no Vasco, onde conquistei tudo que podia imaginar. O único título que não consegui foi o do Mundial de Clubes, quando perdemos para o Real Madrid (1 a 2 para o time merengue)”, destacou o ex-jogador, fazendo uma referência a quem tem um carinho especial.

Assim podemos descrever a história do inesquecível Mauricinho, que vive atualmente em sua Ribeirão Preto ao lado da esposa Adriana, com quem é casado há 32 anos, dos filhos Marcelo de 29 e Gabriela de 24 e da pequena Manuela de 4, xodó do vovô babão.

O Museu da Pelada conversou com um dos expoentes pontas-direita do futebol brasileiro da década de 1980 na série Vozes da Bola.

Por Marcos Vinicius Cabral

Edição: Fabio Lacerda

Como foi sua infância em Ribeirão Preto, antes de atuar profissionalmente com 17 anos, em 1981, no Comercial?

Na verdade o meu primeiro jogo no Comercial-SP, como profissional, foi com 16 anos, mas felizmente, até chegar lá, eu tive uma infância maravilhosa. Pude brincar de carrinho de rolemã, jogar bolinha de gude, estilingue, jogar bola na rua e desenvolver minha habilidade no ‘terrão’, campinho aqui em Ribeirão Preto, no bairro da Vila Seixas, e que a gente chamava de ‘Vilão. 

Destaque da Seleção Brasileira no Mundial de Futebol Sub-20 de 1983, o título coroou aquela geração. Foi o momento mais alto da sua carreira como jogador de futebol?

Foi um dos momentos mais felizes da minha vida. Foi ali o pontapé inicial para eu partir para os clubes grandes e para a Europa e Japão. Mas não tenha dúvida que ali começou tudo. Fomos campeões sul-americanos e mundial invictos, e me elegeram o melhor jogador da América. Depois desse Mundial, a minha carreira deu a largada.

Você não teve o mesmo sucesso na seleção principal como teve no Mundial Sub-20. Na sua opinião, porque você não teve o mesmo desempenho?

Eu tive o azar de algumas lesões no momento errado, principalmente, no Pan-Americano de 1984. Estávamos na semifinal, e eu quebrei o quinto metatarso após receber uma pancada de um argentino. O Brasil fez a final com Uruguai e foi vice campeão. Em seguida, tive algumas lesões em 1984 e 1985 e, principalmente, no ano da Copa do Mundo do México, em 1986. Vivia grande fase no Vasco. 


Em 1983, o Vasco da Gama te contratou mesmo você sendo alvo de grandes clubes de São Paulo. Como surgiu a equipe Cruzmaltina em sua vida?

Isso. Foi em 1983 que pisei em São Januário pela primeira vez. É verdade, recebi inúmeras propostas. Posso te revelar em primeira mão que alguns clubes da Europa quiseram me contratar, vários clubes de São Paulo também, e o Flamengo. Recusei todos os clubes e suas propostas, para jogar no Vasco da Gama e não me arrependo da escolha.

Você fez parte de uma geração vitoriosa do clube na segunda metade dos anos 80, que tinha, Geovani, Romário e o veterano Roberto Dinamite. Como foi jogar com esses jogadores?

Verdade. Eu fiz parte de grandes times do Vasco da Gama ao longo de sua história a começar com a minha chegada em São Januário, onde já estavam Cláudio Adão, Roberto Dinamite, Edevaldo, Acácio, Arturzinho e outros grandes jogadores. Logo em seguida a minha chegada, subiu Romário. Tive a oportunidade de jogar em um dos melhores times do Vasco da Gama que era formado por Acácio, Paulo Roberto, Donato Fernando e Mazinho; Dunga, Geovani e Tita; Mauricinho, Roberto e Romário. Isso não tem preço!

Você conquistou os Cariocas de 1987 e 1988 contra o Flamengo, últimos títulos do Vasco sobre o rival. Como era enfrentar a equipe rubro-negra e como foi vencê-lo duas vezes seguidas?

Fomos bicampeões estaduais em 1987 e 1988. Ganhamos a Taça Guanabara, Taça Rio, e havíamos perdido um Brasileiro, em 1984, para o Fluminense. Mas no Vasco não existe nada melhor do que você ganhar um título sobre o Flamengo. Imagina ganhar dois consecutivos? O próprio Eurico Miranda fazia questão de dizer publicamente que era um campeonato à parte quando jogava contra o Flamengo.

Ainda no ano de 1988, você foi vítima de uma ríspida e violenta entrada do volante Jandir no clássico contra o Fluminense que era sempre osso duro de roer na década de 80. O que tem a dizer do lance?

Um dos mais difíceis da minha vida. Como você mesmo frisou na pergunta foi uma entrada criminosa e que poderia ter acabado com a minha carreira. Te confesso que foi um dos piores momentos que vivi no futebol e acho que me prejudicou demais, já que eu estava praticamente negociado para o Corinthians, clube em que o Jair Pereira era o treinador e queria me levar para o Parque São Jorge. Com minha contusão no joelho, eu fiquei quatro meses afastados dos gramados. A negociação deu para trás. No retorno ao futebol acabei indo jogar no Louletano, em Portugal. Mas dei a volta por cima, anos depois. Voltei ao Vasco, conquistei um Troféu Ramón de Carranza, e graças a Deus, pude voltar a jogar futebol, que era a coisa mais importante para mim.

Depois disso, voltou a enfrentá-lo?

Enfrentei várias vezes depois e em nenhum momento houve um pedido de desculpas. Nas vezes em que nos enfrentamos, nem olhei para a cara dele.

Em 1989, você havia saído para jogar no Palmeiras. Como foi essa experiência em ter jogado no Verdão e ser comandado pelo Leão?

Foi maravilhoso fazer parte dessa equipe. Uma equipe vitoriosa e com Leão no comando que era um baita treinador. Ficamos 24 jogos sem perder. Me recordo que o Leão não queria que eu saísse do Palmeiras e chegou a oferecer o Neto para o clube lá de Portugal, mas eu acabei mesmo assim me transferindo para o Espanyol-ESP.

E como foi formar ataque com Neto, Gaúcho e Edu Manga?

Foi uma experiência muito boa. O Palmeiras não ganhava um título há anos e tinha uma grande equipe. Mas, infelizmente, uma derrota para o Bragantino no triangular de turno e returno, que ainda tinha o Novorizontino, não permitiu sermos campeões. Mas o Palmeiras daquela época era um timaço, ficou invicto 24 jogos, teve o melhor ataque e a defesa menos vazada. Velloso foi eleito o melhor goleiro da competição, e Gaúcho terminou como artilheiro. Mas bastou sermos derrotados para o Bragantino, treinado por Vanderlei Luxemburgo, para perdemos o Campeonato Paulista.

Por dois anos, você atuou no Espanyol, de Barcelona, e em seguida, no Louletano (time das divisões inferiores de Portugal). Como foi viver essas experiências jogando em dois clubes que não figuraram entre os grandes dos seus respectivos países?

Não vejo assim. Em primeiro lugar, acho que jogar na Espanha é o sonho de qualquer jogador e a valorização de todo atleta. A capital da Catalunha é uma cidade maravilhosa. Joguei no rival do Barcelona, então, eu não me arrependo de nada que eu fiz e das escolhas tomadas. Já em Portugal, eu joguei no clube que disputava uma divisão de honra, ou seja, não era a primeira e nem a segunda. Mas ali é porque o meu passe estava preso e fiquei durante três anos dessa forma, sendo emprestado para o Palmeiras, depois para o Espanyol, clube em que acabei retornando para encerrar o meu contrato.


Em 1991, na segunda passagem pelo Vasco, você não foi tão bem e acabou dispensado indo jogar no Bragantino, Remo e Ponte Preta. Ser dispensado do clube que viveu a melhor fase da carreira foi o momento mais triste na carreira?

Olha, se o Eurico ler essa pergunta, vai se remexer no caixão. Não teve nada disso. Vou explicar o que de fato aconteceu. Eu peguei meu passe no Louletano, e o Eurico Miranda perguntou se eu queria voltar. Aceitei de imediato. Lembro como se fosse hoje. Eu fiz um contrato de seis meses, e durante esse período, tive um problema no púbis. A cada intervalo de jogo eu tomava um antinflamatório para aguentar o segundo tempo das partidas. Quando terminou meu contrato, eu ainda estava não estava recuperado. O Eurico deixou as portas abertas para continuar o tratamento no Vasco, mesmo sem contrato, mas eu agradeci e não quis. Fui para Ribeirão Preto. Foi então que recebi uma ligação do Nei, um amigo que subiu comigo no Comercial e era zagueiro do Bragantino, à época, perguntando o que havia acontecido. Eu expliquei que estava com um sério problema no púbis e ele me indicou um fisioterapeuta muito bom chamado Rozan que trabalha em conjunto com o médico Márco Aurélio. Em 40 dias estava recuperado, comecei a treinar no próprio Bragantino para manter a forma e o Candinho, treinador do clube, não deixou eu ir embora. Fiz um contrato de risco de seis meses e renovei por mais um ano. Foi isso o que ocorreu nessa minha passagem por Bragança Paulista. 

O bom futebol e Mauricinho fizeram as pazes em General Severiano, no Botafogo. Por que essa primeira passagem durou pouco?

Sinceramente, não acho que minha passagem no Alvinegro tenha durado pouco. Eu havia disputado o Campeonato Paulista pela Ponte Preta e assinei com o Botafogo para disputar o Brasileiro em 1994. Nesse ano, lembro perfeitamente, que o Túlio foi artilheiro com 19 gols e 14 desses foram com assistências minhas.

Em seguida, já veterano, você ‘fez as malas’ e foi se aventurar no Japão, para jogar no Kyoto Purple Sanga. Foi o lado financeiro que falou mais alto ou foi pelo desafio mesmo de jogar na Terra do Sol Nascente?

Eu não vou falar veterano, pois teve muitas histórias depois disso. Mas te garanto que eu fui porque nessa época, que falei do Botafogo e do Túlio, artilheiro do meu lado, ficamos seis meses jogando com salários atrasados. Mesmo assim, fiz um dos meus melhores contratos indo para o Japão, em 1995, e retornando ao Botafogo em 1996.


Aos 32 anos, na volta ao Brasil, retornou ao Botafogo, e novamente ficou por lá durante pouco tempo. Como foi ter jogado com a camisa 7 do Fogão?

Eu não fiquei por pouco tempo, apenas cumpri o meu contrato. Foi isso. Havia feito um contrato de um ano, e te garanto sem arrependimento que foi maravilhoso! Eu tenho um carinho muito grande pela torcida do Botafogo e acredito que ela tenha um carinho por mim também. Sobre a camisa 7, foi uma honra vestí-la, ainda mais sendo de Garrincha, Jairzinho e o próprio Túlio, com quem joguei. Mas graças a Deus, acredito que representei bem essa histórica camisa e pude honrá-la como ela mereceu ser honrada.

Pela terceira vez no Vasco, conquistou seus últimos títulos: o Brasileiro de 1997 e a Libertadores de 1998, o mais importante da história do clube. Na sua opinião, pelas contusões que teve, entre idas e vindas no Cruzmaltino, conquistar esses títulos foi uma maneira de fazer justiça pelo grande jogador que você foi?

Em 1997, 1998 e 1999, conquistamos o Brasileiro, o Carioca, a Libertadores e o Torneio Rio-São Paulo, respectivamente. No entanto, infelizmente, eu não pude fechar minha passagem no Vasco com chave de ouro porque perdemos a final do Mundial para o Real Madrid. Imagina, se ganhássemos do Real Madrid? Aí sim, eu seria muito mais feliz. Mesmo assim fico muito feliz em ter participado do maior título da história do Vasco da Gama que foi a Libertadores.

Quem foi seu ídolo no futebol?

Eu não vou falar apenas um, pois tenho alguns nomes que eu poderia falar e que jogaram ao meu lado. No entanto, escolher um é muito difícil, já que tem tanta gente que poderia ser considerado meu ídolo. Mas vou citar três, dos quais eu tive a felicidade de jogar com dois e enfrentar o terceiro: Roberto Dinamite, Romário e Sócrates.

Qual foi o marcador mais difícil de ser driblado por você?

Tive bons marcadores mas o Wladimir do Corinthians, foi o melhor. Além de ser um excelente lateral, muito bom de bola, excelente marcador, baixinho e que corria muito também, assim como eu (riso).

Na sua opinião, quais pontas-direitas eram os três melhores na época em que você jogava?

Eu vivi uma grande fase no Vasco, o Marinho no Bangu e o Renato Gaúcho no Grêmio. Inclusive na Copa do Mundo do México, em 1986, havia uma expectativa grande da gente ser convocados.


Quem foi seu melhor treinador?

Eu trabalhei com muitos treinadores top e posso citar alguns como Otto Glória, Carlos Alberto Parreira, Ênio Andrade, Antônio Lopes e Jair Pereira. Desses cinco eu destacaria Jair Pereira que foi um cara que me convocou do Comercial para a Seleção Brasileira e depois tentou me levar para alguns clubes em que ele trabalhou, como Corinthians, que acabou não dando certo. Já Antônio Lopes, que nas três passagens pelo Vasco da Gama, tivemos o prazer de conquistar vários títulos. Então, o Jair Pereira e Antônio Lopes, além de serem meus amigos até hoje, eu costumo chamá-los de pai.

Do que você sente mais saudades quando era jogador?

Eu me preparei muito bem para esse momento difícil na carreira de jogador de futebol. Então, vou abrir meu coração para contar uma coisa para o Museu da Pelada: a única saudade que tenho hoje é de São Januário. Lá, sempre foi e será a minha casa.

A gente sempre faz essa pergunta e com você não podemos deixar de fazê-la: O que o futebol representou para o Mauricinho?

O futebol foi tudo na vida do Mauricinho. Realizou o sonho dele, que era ser jogador de futebol. Depois que encerrei a carreira, tive a experiência de ser auxiliar técnico do Vagner Mancini no Botafogo-RJ, auxiliar técnico de Vagner Mancini, diretor de futebol no Olé Brasil Futebol Clube e presidente do Votoraty Futebol Clube por dois anos e meio. Vale ressaltar que o Fernando Diniz, treinador do São Paulo, líder do Brasileiro e semifinalista da Copa do Brasil, iniciou sua trajetória como técnico de futebol quando recebi indicação do Mancini e dei a ele a primeira oportunidade em sua carreira para dirigir uma equipe.

Defina Mauricinho em uma única palavra?

Realizado.

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