por Marcos Vinicius Cabral
O mês de março passou a ter um sentido especial na vida dos flamenguistas. Além de Zico e Júlio César Uri Geller, que aniversariaram no último dia 3, hoje é a vez de Leandro soprar velinhas.
Além da energia do terceiro mês do ano, vale lembrar que os anos 50 e 80 marcaram e muito os 40 milhões de torcedores da nossa Nação.
Os anos 50, porque foi a década que alguns desses heróis, ídolos do Flamengo, deram seu primeiro choro em vida, com exceções do goleiro Raul, nascido em 1949 e do zagueiro Mozer, nascido em 1960.
Nessa epopeia, até chegar a década de 80 – o ápice na história do clube de 121 anos – aqueles atletas passaram por algumas experiências que os tornaram vencedores. Cada um dono de uma história de obstinação e de um profissionalismo irretocável, legado para as próximas gerações.
Graças ao meu avô José, que faleceu em 83, me tornei flamenguista ainda quando morava em Nova Friburgo. Era criança ao presenciar a maratona que ele fazia, mesmo doente, pra ouvir os jogos com seu companheiro: o radinho de pilha.
Meu saudoso avô, era apaixonado pelo Zico! Era uma obrigação minha retribuir e agradecer àquele jogador, que foi o maior camisa 10 que tive o privilégio de ver jogando.
No ano de 92, enquanto o ‘vovô’ Júnior pulava e saía comemorando feito criança seu gol, eu pulava também e comemorava aquele pentacampeonato. Meu Deus, como o Júnior jogou bola naquele ano!
Mas daquele belo time de 81, que colocou os ingleses do Liverpool na roda naquele 13 de dezembro, um, em especial, marcou de forma mais intensa e deixou marcas profundas em minha vida: José Leandro de Souza Ferreira, ou, simplesmente, Leandro!
Em 76, de férias no Rio, foi levado a contragosto por seu primo Nonato, que lhe arrumou chuteiras maiores que seus pés e um par de meiões enlarguecidos e, mesmo assim, aquele garoto de 17 anos encantou a todos e deixou uma boa impressão nos testes.
Jogou na lateral esquerda na ocasião e treinou como se estivesse em Cabo Frio, no Tamoyo ou no Santos, clubes de sua cidade natal, onde deu seus primeiros chutes numa bola. Aprovado no Flamengo, virou sensação nos juvenis e alguns jogadores da equipe profissional faziam questão de chegar mais cedo à Gávea para vê-lo treinar.
– Era sobrenatural o que ele fazia naqueles treinos com a bola” – me contou, certa vez, Júnior, quando eu e Gustavo Roman o entrevistamos para a biografia do “Peixe Frito”.
Por sua causa e por ser fonte de inspiração, comecei a jogar peladas no Barreto, em Niterói, com o número 2 mal costurado às costas. Lembro perfeitamente, com 9 ou 10 anos: ouvia no radinho os jogos do Flamengo para saber como ele havia jogado.
Nas vezes que atuou nas laterais – fosse direita ou esquerda – Leandro inovou na posição. Fez coisas sobrenaturais por ali, era mais uma opção ofensiva do que (mesmo sendo exímio marcador), um simples defensor. Foi a primeira vez que vi, com certa incredulidade, os pontas voltarem para marcá-lo.
Eu, que seguia à risca seus passos, me desdobrava naquela lateral de terra batida ou no cimento com imensas rachaduras na Praça do Barreto. Ali, naquela arena noturna, enfrentar Flavinho, Willian, Wellington, Boulevard e cia era uma missão impossível para qualquer garoto da minha idade.
Em cada domínio de bola, subia uma poeira que escondia nossos pés e, em cada chute, algumas pedras iam ferindo nossos dedos. Não foram poucas as vezes que sofri para marcar o Guina (apelido de Marcelo, garoto de extrema habilidade que era carinhosamente chamado assim pela família vascaína).
– Graças a Deus eu não marquei o Uri Geller – revelou, certa vez, ao Museu da Pelada, por não ter enfrentado o endiabrado ponteiro.
Eu não poderia dizer o mesmo, pois o Guina era a personificação do camisa 11 rubro-negro, fazendo diabruras com seus marcadores e para pará-lo, só dando com a mão. Foi a época que mais sofri nas peladas, mas quem mandou se espelhar no Leandro e querer jogar nas posições que o gênio das pernas arqueadas jogava?
Bem feito para mim!
Quando deslocado à cabeça de área, havia nele, a regularidade do Andrade, um monstro da posição; a habilidade do Falcão, simplesmente o Rei de Roma; e a eficiência do Cerezo, um dos maiores meio campistas do futebol brasileiro, que foi injustamente crucificado em 82, na Copa da Espanha.
Até hoje, não sabemos quem mais sofreu com a culpabilidade do fracasso em uma Copa do Mundo: Barbosa, em 50, ou Cerezo, em 82… Acredito que nem os deuses do futebol ousariam responder.
Mas, enquanto o Leandro era cabeça de área, eu tentando mostrar aptidão para o negócio, buscava (em vão), ter metade de sua desenvoltura, quando era obrigado a marcar Patinho (nome de batismo de Márcio), um moleque tão habilidoso quanto o Guina, porém, mais decisivo.
É, querer ser Leandro não é mole…
Já no meio campo, o lateral que, em 80, fora reprovado nos exames médicos pelo Inter/RS (graças a Deus), se saía tão bem distribuindo o jogo, lançando os companheiros, pensando nas jogadas, assim como arquitetando as táticas, que pela técnica contida em seu DNA, aquilo que para muitos era difícil, ele tornava fácil. Ali, me sentia melhor o imitando, com exceção de ter que marcar, o que nunca foi meu forte.
Apesar de ter sido referência em sua posição, Leandro foi compelido a se deslocar e ficar, em definitivo, com a camisa 3 (em homenagem ao zagueiro rubro-negro Figueiredo, falecido em um acidente aéreo em Nova Friburgo), na metade da década de 80.
Por conta dos problemas em seus joelhos, algumas características foram perdidas como o arranque, a velocidade, a polivalência… mas soube, como poucos, preencher os espaços vazios com uma colocação inigualável.
Na verdade, com suas limitações, formou com Edinho, uma zaga impenetrável e sagrou-se campeão brasileiro de 87. Em 90, só não disputou sua segunda Copa do Mundo, porque Sebastião Lazaroni não teve ‘culhões’ para levá-lo.
Seria sua segunda Copa, pois em 86, refutou ir ao México por achar que seus joelhos não suportariam jogar na lateral e, também, por solidariedade a Renato Gaúcho. Sorte a dele, que numa das piores Copas da história, teria que ficar à frente daquele sistema defensivo falido. Seria um desserviço ao grande jogador que foi. Graças a Deus, que o “Lazarônes” levou Ricardo Gomes, Mozer e Mauro Galvão, que com todo respeito, não tinham bola para botar o “Peixe Frito” no banco.
Conseguiu a proeza de, mesmo jogando apenas no Flamengo, em 415 jogos como profissional, ter sido expulso uma única vez, contra o Bangu, em 90, seu último ano de uma carreira vitoriosa.
Hoje, mesmo longe dos gramados há 27 anos, continua sendo para mim, referência até hoje nas minhas peladas, aqui em São Gonçalo. Portanto, nenhuma homenagem ao gênio das pernas tortas, seria suficiente para dizer o meu muito obrigado!
Que nesse 17 de março você desfrute seu aniversário na companhia de sua família, de seus pais, de seus amigos e possa sempre saber: de todos, você foi para mim e continuará sendo o maior!
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