por Marcos Fábio Katudjian
Verão no Rio de Janeiro. No maior estádio de futebol do mundo, uma multidão se acotovela para assistir ao chamado “jogo do século”. No gramado, os esquadrões de Flamengo e Palmeiras opõe a maior rivalidade do país, Rio de Janeiro contra São Paulo. Cariocas contra paulistas. Aos olhos do menino, o Maracanã, colossal, fazia todos os sonhos e desejos parecerem o que realmente são. Pequenos.
O dia épico iniciara-se na noite anterior. O garoto e seu pai partiram de São Paulo na viagem que durara toda a noite de sábado. Já no estádio, a caminho das cadeiras, entram num elevador enorme que sobe até o último nível da arquibancada. Ouvem-se as respirações das pessoas, num crescendo de ansiedade. O menino, último a entrar, fica mais perto da porta. O elevador sobe lento e ininterrupto. A tensão cresce entre as mais de vinte pessoas, na expectativa do palco que está para surgir. Um silêncio quente e uma sensação de iminência pairam no ar. O elevador para. A porta enfim se abre. E a paisagem maravilhosa apresenta-se como a própria verdade aos olhos do garoto. Grandiosa! … O Maracanã lotado! Um bafo de som e calor invade o elevador. O canto da torcida do Flamengo em tarde de verão carioca é grave e lento e rubro e negro. Sob o sol, imensas e muitas bandeiras marcam o compasso surdo da batucada que rima com o pulso das cento e cinquenta mil pessoas.
O menino paralisa. Não se sabe quanto tempo ficou ali bloqueando, à porta do elevador, a saída dos demais. Seu pai o resgata do estado cataléptico e ambos vão sentar-se que o jogo já está para começar.
Oprimidos atrás de um dos gols, a brancaleone torcida paulista é como um ponto verde no estádio vermelho e preto. Entre cantos e danças, a fanática torcida flamenguista entoa a previsível vitória do seu time. Canta especialmente o seu amor maior, Zico, o “Galinho de Quintino” ladeado por uma entourage invejável, Júnior, Adílio, Andrade e Tita. A escalação do time e todo o palco como fora armado faz ver que a derrota desse time beira a impossibilidade.
O Palmeiras, por outro lado, conhecido em São Paulo como a “Academia do Futebol”, confia no seu maestro, o meio-campista Jorge Mendonça, para quem a bola é uma parceira de dança. Além dele, Jorginho, o ponta direita vindo de Marília e os laterais Pedrinho e Rosemiro, com passagens pela seleção brasileira, são as principais atrações. A grande estrela dessa equipe, porém, não estava em campo, mas sentado no banco, o técnico Telê Santana, que duelaria com o treinador da própria seleção brasileira, Cláudio Coutinho.
O apaixonado garoto aguarda o inicio do jogo espremido entre os adultos. Suas pernas tremem em delírios de ansiedade. A grande verdade rodrigueana finalmente revelada: o Maracanã era o mundo, nascido cinco minutos antes do nada.
Começa o jogo, o Flamengo vem para cima. A defesa tira. A pressão continua. O jogo é maravilhoso, ferve. De ataques e contra ataques. A cada descida do Flamengo o coração do menino parecia parar. E passava a bater novamente quando o Palmeiras tinha a bola. Afinal, era certo que a sorte e o azar eram responsabilidades suas. O menino de 13 anos acredita de verdade que um movimento em falso de sua parte poderia alterar todo o devir dos acontecimentos.
Assim, entre a vida e a morte, desenrolava a peleja. Enquanto o Flamengo se fazia todo entusiasmo e pressão, o Palmeiras, absolutamente frio, gelado, não deixava o calor das arquibancadas entrar no gramado. No contra ataque, gol! Gol do Palmeiras! Jorge Mendonça! O menino explode, soca o ar. Afinal os sonhos são possíveis!
Logo a seguir, gol do Flamengo! Zico de pênalti. Tudo ruiu. Toda a esperança vira pó. A torcida do Flamengo, em fúria e paixão, vaticina o que dizia saber: a vitória seria certa no segundo tempo. Todo intervalo para roer as unhas. Para o segundo tempo, Telê Santana faz duas alterações. Uma delas é Jorge Mendonça, que sai contundido pela violência da defesa adversária. Com a perda do supercraque tudo ficara mais difícil. Quase impossível.
E justamente nesse momento, quando as esperanças parecem todas perdidas é que surge espaço para o sublime, para o verdadeiramente magnífico e belo. Num instante de extrema superação, em menos de cinco minutos, o Palmeiras faz dois gols e a vitória se define brotando do improvável. Carlos Alberto e Pedrinho marcam, o menino explode, delirando de alegria. No estádio só se ouve a pequena torcida verde e branca. Quase cento e cinquenta mil adversários se calam, batidos. O Maracanã se transformava afinal no “Recreio dos Bandeirantes”.
No último minuto ainda o quarto gol! O menino explode! Canta, vibra, grita e se joga ao chão, molhando de lágrimas o cimento da arquibancada, pois tanta alegria só pode ser expressa com lágrimas!
*
Naquele dia, como em nenhum outro momento, acreditei em todas as ilusões. As tive todas em minhas mãos. Realizáveis, mais que possíveis. A certeza que o mundo nasceu com uma função principal. O de ser conquistado. Por mim.
Não me passaria jamais pela cabeça que depois de cinco dias meu supertime fosse eliminado do campeonato por outra equipe de nem tanta categoria. Tampouco acreditaria se alguém me dissesse que depois de um ano o grande rival seria campeão do mundo.
Mas essas são outras estórias, que não diminuem, e ficam até pálidas, diante do dia mais feliz da minha vida.
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