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VASCO, UM AMOR FORA DE SÉRIE

22 / fevereiro / 2021

por Marco Antonio Rocha


Nasci Vasco. Os laços de amizade começaram a se estreitar nos gols de falta do Dinamite, nos lançamentos do Geovani, nas arrancadas do Mauricinho, nos chutes certeiros do Romário. A mesa de botão, grande demais àquela altura, reproduzia lances fantásticos saídos da cabeça do menino com menos de 10 anos e do radinho de pilha. Quando José Carlos Araújo anunciava “casa cheia, casa cheia oi…”, logo imaginava o espetáculo das bandeiras com a Cruz de Malta e da chuva de papel na entrada do time em campo. No bate-bola com meu pai, eu era o Acááááááááácio, homem-elástico que, de São Januário, seria capaz de defender um chute certeiro no ângulo do Maracanã…

Não fazia ideia de quem eram Alexandre Campello, Jorge Salgado, Julio Brant e Leven Siano. Mas sabia de cor os times que conquistaram o Bicampeonato Carioca de 1987-1988. Comprei nas Casas Sendas um dos LP mais tocados na Ilha do Governador naquela década: de um lado, o Hino do Vasco; do outro, a gravação do Garotinho narrando o gol do Cocada. O disco se perdeu no tempo, talvez tenha se desintegrado de tanto rodar no três em um, com a caixa de som devidamente posicionada na janela de casa.


Não fazia ideia de quem eram Alexandre Campello, Jorge Salgado, Julio Brant e Leven Siano. Mas o sentimento pelo Vasco virou algo ainda mais forte quando acompanhei meu primeiro título de Campeonato Brasileiro, em 1989. Lá estavam Acácio, Winck, Quiñonez, Marco Aurélio e Mazinho; Zé do Carmo, Boiadeiro e Bismarck; Sorato, Bebeto e William. Comandados por Nelsinho Rosa, representavam o adolescente que não teve coragem de encarar a Dutra de ônibus, às escondidas, para ver a SeleVasco entrar para a história.

Não fazia ideia de quem eram Alexandre Campello, Jorge Salgado, Julio Brant e Leven Siano nos anos 90. Mas já estufava o peito para falar da luta contra o racismo, essência de nossas origens. De quebra, vi em São Januário e no Maracanã boa parte das vitórias que nos deram o Tricampeonato Carioca de 1992-1993-1994. Uma trinca marcada por momentos inesquecíveis e sucessivos: a estreia do Edmundo nos profissionais, a despedida do Dinamite e a trágica morte do Dener.

Não fazia ideia de quem eram Alexandre Campello, Jorge Salgado, Julio Brant e Leven Siano. Mas o Vasco já fazia parte da minha rotina. Dia e noite, noite e dia. Da Ilha até Niterói, dava tempo de sobra para devorar o Jornal dos Sports e a Placar antes de chegar à UFF. Na volta para casa à noite, sacolejando na Ponte ou cruzando suavemente a Baía, o radinho me contava as últimas. E o que começava a nascer não era um time, mas o time. Veio mais uma final de Brasileiro, e desta vez era só cruzar a Linha Vermelha, bem menos curta do que a Dutra… Espremido entre palmeirenses no Maracanã, vi Carlos Germano salvar de forma milagrosa uma cabeçada de Oséas. Não sei como cheguei em casa naquele dia, só sei que foi sem buzina – espécie de releitura do LP do Cocada…

Já fazia ideia de quem eram Alexandre Campello, Jorge Salgado, Julio Brant e Leven Siano quando me formei jornalista e passei a frequentar o clube na cobertura pelo Lance e, posteriormente, pelo Extra. Fui proibido de entrar em São Januário por Eurico Miranda, contrariado com reportagens que escrevi. Do lado de fora, sob sol e sob chuva, na calçada que dá para a arquibancada, tentava entrevistar os jogadores na saída do estádio. Poucos, muito poucos tinham coragem de parar o carro e desrespeitar a ordem do chefe. Mas jamais deixei de gritar o nome de todos eles nas partidas em dias de folga. Fui à loucura com o gol monumental de Juninho Pernambucano, festejei o quarto título do Brasileiro e experimentei uma das melhores sensações que senti na vida quando Romário sacramentou a Virada do Século.


Já fazia ideia de quem eram Alexandre Campello, Jorge Salgado, Julio Brant e Leven Siano nos rebaixamentos. E chorei. Não pelos cartolas ou candidatos derrotados em intermináveis eleições, mas pelo time que escolhi amar. Vejo gente promovendo campanhas de desassociação em massa, boicote aos produtos oficiais e à VascoTV. Somos pioneiros ao criar torcedores de dirigentes. E choro mais uma vez. A mesa de botão, agora, reproduz lances fantásticos saídos da cabeça do meu filho de 11 anos e das histórias que conto a ele. Como sempre, darei ao clube minha fidelidade incondicional. Seguimos um ao lado do outro, em uma relação de amor que não tem data (nem divisão) para acabar. Morrerei Vasco.

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