por Robson Aldir
Um clube de futebol vive de suas relações sociais, todos nós sabemos. São amizades, graus de parentescos e seriedades que são firmados ou aprofundados em torno de uma única paixão; o chamado esporte bretão. Mas no Rio de Janeiro há um caso ainda mais especial nas relações de afetividade, e isso é bom exaltar numa época em que o afeto anda um pouco em baixa no nosso cotidiano. Trata-se do América Football Club, para muitos o Mequinha, tratamento carinhoso, diga-se de passagem; e para outros tantos o Mecão, tratamento dado pelos conhecedores dos pilares do futebol brasileiro. O América desperta tanto carinho Brasil a fora que chega a comover, e isso tem um motivo bem pitoresco: ele é o pai de todos os Américas. O país tem diversos clubes de futebol com esse nome graças, claro, ao desbravador Américo Vespúcio e ao continente batizado com o nome dele. Porém, não há dúvidas, em se tratando de intituições de futebol, esses clubes, alguns bem populares como o mineiro e o de Natal, fazem homenagem ao “diabo” do Rio de Janeiro por ser o mais antigo e o mais iluminado de todos. Este verbete merece uma explicação diante da confusão geral do pensamento nacional atual. O simpático time da Rua Campos Sales, na Tijuca, tem esse apelido associado não ao antagonista do todo poderoso do céu e da terra, mas sim a traquinagem, a travessura, e a saudável molecagem de rua. Era um time de jovens travessos e os mais antigos da época diziam que eram “os garotos encapetados”. Nunca teve nada a ver com questões religiosas. Feito o esclarecimento, voltamos à crônica informando que neste texto você vai encontrar muitas vezes os subtantivos/adjetivos diabo, capeta, capetinha e enbiabrado sem qualquer conotação religiosa.
Esclarecida a relação de afetividade nacional do América, temos que aprofundar também os motivos da relação de carinho dos cariocas com este clube ante rivalidades tão acirradas na própria praça que abriga ainda grandes massas em torno de Flamengo, Botafogo, Fluminense e Vasco. O grande jornalista João Máximo defende uma tese que parece ser próxima da realidade. Ele diz que no coração acolhedor do carioca sempre coube mais de uma paixão. Algumas protagonistas, outras complementares, mas sempre paixões. O América é isso, é o complemento com total aceitação. Os corações cariocas são divididos pelo protagonismo dos quatro grandes, porém todos têm o América como complemento e sem rejeição. Na verdade, esse sentimento que une esses milhões de corações no Rio de Janeiro se revela uma gigantesca demonstração de afetividade explícita, talvez jamais vista no futebol do Brasil. O América é o grande irmão dos cariocas.
Esse grande irmão está passando por uma profunda transformação atualmente. Aliás, é a terceira tentativa histórica de resgate. A primeira aconteceu na virada dos anos 60/70 do século passado quando o lendário estádio da rua Campos Sales foi entregue a uma contrutora para um empreendimento imobiliário. Em troca, o diabo teria recursos para a montagem de um grande time. Um acanhado estádio foi contruído no bairro do Andaraí para abrigar o time endiabrado, mas a tentativa não foi próspera. Anos depois, a direção decide ceder o espaço do Andaraí para a contrução de um shopping em troca de um novo estádio na região de Édson Passos, na Baixada Fluminense, iniciativa que também não atingiu o sucesso esperado. Agora, a famosa sede da Rua Campos Sales foi demolida para dar lugar a um moderno shopping. A promessa é de uma nova sede social no terraço deste futuro centro comercial, reforma completa do estádio Giullite Coutinho, e quitação total da dívida do clube. O Museu da Pelada, plataforma de construção da memória do futebol brasileiro, esteve no local e registrou a transformação. Com erros e acertos, com críticas ou apoios, fica sempre a torcida para que desta vez dê certo. O início das obras do shopping e da nova sede celebra o aniversário de 115 anos do “capetinha” da Tijuca. Além da celebração, fica também um alerta às autoridades públicas, aos dirigentes esportivos da Federação do Rio e da CBF, e à imprensa esportiva para que o resgate deste símbolo do futebol e da cidade aconteça com consistência. A flagrante decadência do Rio está gerando terríveis incômodos na própria população e o levante de um símbolo tão cercado de afeto pode ser o deflagrador para uma virada maior.
Finalizando, eu cito o compositor Djalma Sabiá, fundador da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro: “Se o bairro da Tijuca fosse uma nação e tivesse uma bandeira, esta teria as cores vermelha e branca por causa dos seus maiores símbolos: Tijuca Tênis Club, Salgueiro e América”.
0 comentários