por Eduardo Lamas Neiva
Enquanto Paulinho Nogueira ainda voltava à sua mesa, Idiota da Objetividade não perdeu a deixa de João Sem Medo.
Idiota da Objetividade: – E já que falamos dos ingleses, que eram os campeões mundiais de então, a Inglaterra caiu nas quartas de final, sendo derrotada pela Alemanha Ocidental, numa reedição da final de 66. Os alemães venceram numa virada espetacular, por 3 a 2. E na semifinal, o Brasil derrotou o Uruguai, por 3 a 1, de virada, gols de Clodoaldo, Jairzinho e Rivelino.
Garçom: – Jairzinho fez gols em todos os jogos. O Furacão da Copa!
Ceguinho Torcedor: – Quando acabou o jogo, o Espectro de 50 foi varrido a pontapés. Está certo, varrido a pontapés?
Sobrenatural de Almeida: – Bem estranho isso, Ceguinho. Assombroso!
Ceguinho Torcedor: – Se não está certo, paciência. Vai assim mesmo. Nós torcemos com as costeletas, os bigodões, o penacho e as esporas do perfeito Dragão de Pedro Américo. Lembro que depois daquela vitória, eu vi a grã-fina das narinas de cadáver, também de penacho e também de esporas. Quanto aos bigodões, Rivelino já o usava.
O público ri das tiradas do Ceguinho Torcedor.
João Sem Medo: – Aquela partida teve um início muito nervoso, mas o Uruguai se acalmou primeiro que o Brasil e teve merecimento em marcar primeiro que nós, apesar de ter sido numa falha dupla de nossos defensores. Mas, depois, o Uruguai passou a jogar para pura e simplesmente manter o um a zero.
Ceguinho Torcedor: – Vocês querem saber por que trememos nos primeiros minutos? Porque éramos artistas e os artistas têm uma larga, uma generosa, uma insuperável emotividade. Nós marcamos um gol e choramos. E daí? E vocês gostariam de ser uns impotentes do sentimento, como Belzebu, o Abominável Pai da Mentira? A maior frustração de Satã é não ter, em sua biografia, uma única e escassa lágrima. Quando vocês estiverem comovidos, não façam cerimônia: sentem-se no meio-fio e comecem a chorar. Mas todos devem ter reparado naqueles dias, a alegria é mais profunda que a dor. Aquele escrete brasileiro foi o melhor que olhos mortais já contemplaram.
Garçom: – Até mesmo os olhos de um Ceguinho. Olha, já que falamos daquela derrota, em 50, pro Uruguai, vou chamar a nossa banda aqui no palco pra tocar uma música de 1958, mas que cai muito bem pra relembrarmos a vitória sobre os uruguaios na semifinal de 70. Não é, Angenor Rosa?
Músico: – É isso mesmo, Zé Ary! A letra da música de Denis Brean e Osvaldo Guilherme pra conquista do Mundial de 58 é perfeita pra comemorarmos de novo a vitória sobre o Uruguai em 1970. Chama-se “Vingamos Maracanã” e vamos a ela.
Após a apresentação, o povo do bar aplaude muito a banda Além da Imaginação. E sem deixar a bola cair, Sobrenatural de Almeida domina a pelota e sai se gabando novamente, ainda sobre Brasil 3 x 1 Uruguai.
Sobrenatural de Almeida: – O Espectro de 50 andou se assanhando pelo estádio Jalisco, em Guadalajara. Porém, fui eu que o expulsei a pontapés. E não foi com a vassoura. Na verdade, nem tive muito trabalho, é só rever os gols do Brasil pra vocês entenderem.
João Sem Medo: – Assombroso, Almeida!
O povo ri.
João Sem Medo: – O primeiro foi uma jogada genial do Tostão e um “despregamento” audacioso de Clodoaldo que terminaram com a bola na rede.
Ceguinho Torcedor: – O nosso gol, antes de ser bola nas redes, era obra de arte.
João Sem Medo: – Naquela altura do jogo, o Brasil já era mais equipe e dificilmente o Uruguai, que sentia falta do notável Pedro Rocha…
Idiota da Objetividade: – Que foi ídolo no São Paulo.
João Sem Medo: – Dificilmente o Uruguai alcançaria a vitória. Sem Pedro Rocha o ataque uruguaio ficou muito fraco, mesmo com as boas jogadas de Cubilla.
Ceguinho Torcedor: – Claro que é uma dureza disputar uma semifinal com o Uruguai. E mais ainda quando o juiz é um Rafles de galinheiro que nos negou dois pênaltis ululantes.
João Sem Medo: – Pouco a pouco a pressão aumentava e Jairzinho, uma das atrações daquela Copa, conseguiu a vantagem para o Brasil. O Uruguai se desesperou e começou a atirar bolas altas. Nada de positivo.
Ceguinho Torcedor: – Em campo, o nosso escrete fez suas obras-primas e passeou por obras-primas. Só uma coisa eu deploro na partida contra o Uruguai: é que não tenha entrado o quarto gol, de Pelé. Com uma ginga, driblou o goleiro uruguaio. Correu, apanhou a bola e encheu o pé. A bola, rente à grama, tirou um fininho da trave inimiga.
Garçom: – Um lance de antologia como aquele de Pelé merece ser revisto muitas vezes. Vamos ao telão.
O público aplaude de pé e Pelé se levanta pra agradecer.
Garçom: – Que maravilha! Uma obra de arte como essa, que infelizmente não terminou em gol, merece mais uma música, não acham? O que acha, Pelé?
Pelé (de sua mesa): – Eu vou sempre gostar e agradecer por tudo que tive em minha vida, dentro e fora do campo, a todas as homenagens que graças a Deus recebi e ainda venho recebendo, entende. Muito obrigado, Zé Ary, muito obrigado a vocês todos.
O público aplaude.
Garçom: – Então, já que Pelé está agradecido, vamos pôr aqui no aparelho de som uma música muito especial, composta pelo próprio Rei do Futebol, que foi gravada originalmente em 1971 por Moacyr Franco: “Pelé agradece”.
Quer acompanhar a série “Uma coisa jogada com música” desde o início? O link de cada episódio já publicado você encontra aqui (é só clicar).
Saiba mais sobre o projeto Jogada de Música clicando aqui.
“Contos da Bola”, um time tão bom no papel, como no ebook.
Tire o seu livro da Cartola aqui, adquira aqui na Amazon ou em qualquer das melhores lojas online do Brasil e do mundo.
Um gol desse não se perde!
Caro Edu, essa musiquinha (no bom sentido) “Vingamos Maracanã”, de 1958, se referia ao título na Suécia como vingança de 1950?
Àquela altura, ou naquelas circunstâncias, o Uruguai não tinha nada a ver com isso. Estou certo?😛