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“UMA COISA JOGADA COM MÚSICA” – CAPÍTULO 65

6 / junho / 2024

por Eduardo Lamas Neiva

Após os aplausos a Tonico e Tinoco por cantarem a “Marcha do tri”, a brilhante campanha da seleção brasileira na Copa de 70 começou a ser revivida com objetividade e posteriormente também muita subjetividade e poesia, que era o que aquele timaço fazia dentro de campo.

Idiota da Objetividade: – A seleção brasileira estreou na Copa de 70 contra a Tchecoslováquia, no dia 3 de junho. De virada, o Brasil goleou por 4 a 1, gols de Rivelino, Pelé e dois de Jairzinho.

Ceguinho Torcedor: – Nenhum outro escrete do mundo podia oferecer o futebol que os nossos jogadores ofereceram na estreia. E olha que vários cronistas fizeram um verdadeiro terrorismo com o quadro da Tchecoslováquia. O nosso adversário era fabulosíssimo, ao passo que o nosso pobre jogo antigo, obsoleto como a primeira sombrinha de Sarah Bernhardt.

João Sem Medo: – Já havia escrito antes do início da Copa que achava a Tchecoslováquia a partida mais fácil do grupo 3, porque os tchecos deixavam jogar. Foi uma vitória muito fácil.

Ceguinho Torcedor: – Aqui, João, promoveram os tchecos como se fossem os fantasmas da Copa. E que vimos nós? Um desenho, uma pintura, um tapete bordado. Ganhamos de 4 a 1, sem sorte nenhuma.

Garçom: – Foi um baile. Jairzinho fez um golaço maravilhoso, dando um lençol no goleiro.

João Sem Medo: – Foi muito boa a nossa atuação, mas diria também que foi muito consentida pelos tchecos.

Sobrenatural de Almeida: – Assombroso foi Pelé. Não no gol espetacular que fez, mas naquele que não fez, do meio do campo.

João Sem Medo: – Se o Pelé conquistasse aquele gol num chute de 60 metros, quando o goleiro Viktor estava adiantado, acho que até os reservas da Tchecoslováquia teriam obrigação de ir cumprimentá-lo. Pelo menos o árbitro deveria ter feito isso.

Ceguinho Torcedor: – O que fez esse escrete que saiu daqui vaiado? Um jogo prodigiosamente articulado, sim, harmonioso, plástico, belo. Era uma música, meu Deus. Fizemos jogadas que foram para o futebol momentos de eternidade.

Garçom: – Foi uma festa tremenda no país inteiro desde o primeiro jogo.

Ceguinho Torcedor: – As cidades se levantaram em gigantesca apoteose. As pessoas se olhavam na rua e diziam umas às outras: “Somos brasileiros!” Eu vi a grã-fina das narinas de cadáver cair de joelhos, no meio da rua, e estrebuchar como uma víbora agonizante.

O povo no bar todo ri às gargalhadas imaginando a cena descrita pelo Ceguinho. Zé Ary aproveita a deixa.

Garçom (rindo ainda): – Gente! Amigos, como a seleção brasileira jogou os primeiros cinco dos seus seis jogos em Guadalajara, vamos tocar no nosso aparelho de som a homenagem que Murilo Caldas, irmão de Silvio Caldas, que aqui está e peço aplausos a ele (todos aceitam a proposta de Zé Ary), que os Demônios da Garoa gravaram em 1970. Chama-se “Guadalajara”, a música.

Após a execução da música, Idiota da Objetividade vai em frente.

Idiota da Objetividade: – O segundo jogo foi chamado pela crítica de a final antecipada da Copa. Brasil e Inglaterra se enfrentaram no dia 7 de junho e a seleção brasileira venceu por 1 a 0, gol de Jairzinho, após jogada espetacular de Tostão e Pelé.

Garçom: – Lembro até hoje como vibrei com aquele gol!

Ceguinho Torcedor: – Quando Jairzinho fez aquele gol maravilhoso, cada um de nós, depois de se apalpar várias vezes, concluiu: “Eu sou brasileiro!”. Realmente, por mais espantoso que pareça, nós somos brasileiros.

Mais risadas na plateia.

João Sem Medo: – Grande vitória do Brasil. A falta de Gerson, que foi substituído por Paulo César, criou problemas muito difíceis que foram resolvidos por muita garra. Jair foi o mapa da mina. No primeiro tempo, que foi muito agarrado, ele proporcionou grande jogada para grande cabeçada de Pelé e também grande defesa de Banks.

Sobrenatural de Almeida: – Aquele jogo teve pelo menos dois momentos assombrosos: a defesa de Gordon Banks, em cabeçada certeira de Pelé, no primeiro tempo, e a jogada de Tostão no gol do Brasil.

Garçom: – Dois lances de outro mundo, “seu” Almeida.

Sobrenatural de Almeida: – Sobrenatural. (todos riem)

Ceguinho Torcedor: – Tostão fez uma prolixa jogada de gênio no gol brasileiro. A área inglesa estava entupida de adversários. E ele teve de driblar um, depois outro, mais outro, devastando aquela floresta de botinadas. Depois deu um rodopio e entregou alto, para Pelé. O sublime crioulo estava cercado por não sei quantos adversários. Enfiou para Jairzinho. Este encheu o pé: gol do Brasil! Este gol é uma das relíquias da pátria. A Inglaterra levou uma lição de futebol.

João Sem Medo: – Dois adversários difíceis tinham de se respeitar e somente uma jogada de craques poderia burlar o verdadeiro muro da defesa inglesa. Foi uma jogada de gênio de Tostão, pela esquerda, a Pelé, que entregou de bandeja a Jair. Aí, Banks, o melhor goleiro do mundo na época, nada pôde fazer.

Ceguinho Torcedor: – Napoleão, o Grande, bem disse: “O que me faltou em Waterloo foi um Jairzinho”.

O povo se esbalda em mais gargalhadas.

João Sem Medo: – Depois do gol, os ingleses responderam com substituições e bolas altas na área. Surgiram jogadas de perigo, houve momento de nervosismo na defesa brasileira, mas ao mesmo tempo nosso contra-ataque se tornou mais perigoso. O Brasil mereceu a vitória, porque jogou melhor.

Músico: – Aquele timaço jogava por música!

Garçom: – É verdade. E músicas não faltaram pra lembrarmos eternamente daquela seleção e da grande conquista do tri. Agora, vou pôr aqui no som os Golden Boys cantando “Sou tri-campeão”, dos irmãos Valle, Marcos e Paulo Sérgio Valle.

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Um gol desse não se perde!

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2 Comentários

  1. Pedro Mayall

    Ótimo texto, como sempre. Mas o jogo com os tchecos não foi tão fácil assim. Vi o video completo há não muito tempo. O time deles era muito bom, em especial o atacante Petras. Abriram o placar e tiveram várias chances de ampliar. O Brasil empatou e a partida ficou lá e cá. Só depois do segundo e terceiro gols nossos, já no segundo tempo, os tchecos entregaram os pontos. Eles se cansaram e nós, não. Ficou evidente também que a nossa seleção, além de tecnicamente superior a todas as demais, estava muito bem preparada fisicamente. Já o encontro com os ingleses foi dificílimo. A seleção inglesa era magnífica, perfeitamente entrosada, cheia de cracaços de bola. Era um time até mais coeso taticamente do que o nosso, tiveram o domínio das ações por muito tempo e perderam várias chances claras. Nossa vitória não foi injusta, mas uma derrota tampouco teria sido.

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  2. Eduardo Lamas Neiva

    Caro Pedro, agradeço muitíssimo o seu elogio e o comentário. Só gostaria de ressaltar que as falas dos personagens João Sem Medo e Ceguinho Torcedor refletem a visão de João Saldanha e Nelson Rodrigues na época em que foram realizados os jogos (na série como um todo, um ou outro comentário opinativo – não é o caso destes jogos especificamente – pode ter sido dado pelos cronistas alguns meses ou anos após o evento, em texto ou em entrevistas ou comentários pra TV ou rádio, pois as fontes de pesquisa são vastíssimas). Volte sempre.

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