por Eduardo Lamas Neiva
A deixa musical com “As feras do Saldanha”, cantada por Pedro Bento e Zé da Estrada, fez João Sem Medo dominar o jogo a partir dali.
João Sem Medo: – Meu time eram onze feras dispostas a tudo. Iriam comigo até o fim, pra glória ou pro buraco. A seleção estava precisando de impacto, e aquilo era uma tentativa de transmitir otimismo. Sem contato maior com o povo ia ser difícil. Havia aquele negócio de canarinho, mas eu achava meio fraco pros objetivos. Cobra estava barato demais. A maior fera é o homem. E pra ganhar a Copa, é preciso ter homens. Minha seleção tinha onze feras.
Sobrenatural de Almeida: – A direção da CBD não ficou muito satisfeita quando você anunciou os 11 titulares e os 11 reservas. Antônio do Passo chegou a reclamar que você deveria ter falado com ele antes.
João Sem Medo: – Eu disse pra ele que no meu time quem mandava era eu. E que qualquer garoto sabia que aquele time era o melhor.
Garçom: – E qual foi mesmo o time anunciado, o senhor se lembra?
João Sem Medo: – Félix; Carlos Alberto, Brito, Djalma Dias e Rildo; Piazza, Gérson e Dirceu Lopes; Jairzinho, Tostão e Pelé. E os reservas: Cláudio; Zé Maria, Scala, Joel Camargo e Everaldo; Clodoaldo, Rivellino e Paulo César Caju; Paulo Borges, Toninho Guerreiro e Edu.
Sobrenatural de Almeida: – Dirceu Lopes começou como titular e iria à Copa com você, João. Mas Zagallo assim que assumiu cortou ele e o Zé Carlos, os dois do Cruzeiro, e chamou cinco, um deles o Dario, que o Médici tanto queria.
Idiota da Objetividade: – Além de Dario, Zagallo chamou o goleiro Félix de volta, o zagueiro Leônidas, o centroavante Roberto Miranda e o ponta-esquerda Arilson. Leônidas e Arilson acabaram cortados depois e não foram ao México.
João Sem Medo: – Isso foi lá na frente, já na preparação para a Copa. O Havelange queria que eu chamasse o Dario pra ficar bem com os homens. Aí eu falei pro Havelange que se eu chamasse o Dario eu ia me abaixar e, quanto mais abaixasse, mais eles iam malhar. E pra cima de mim. Ele ainda insistiu, mas eu não me abaixei, porque senão eles me pisariam, me avacalhariam. Pobre Dario, entrou de gaiato nessa história.
Sobrenatural de Almeida: – O Dario ficou muito aborrecido com essa polêmica toda. Foi pra Copa com o Zagallo e se sagrou campeão mundial sem ficar no banco uma partida sequer. (dá sua risada medonha)
Idiota da Objetividade: – Zagallo também. Ele ficou magoado com você.
João Sem Medo: – Sem motivo. Foi meu jogador no Botafogo e o indiquei pro meu lugar pra seleção. Dei três nomes: o dele, o do Dino Sani e de Oto Glória. Zagallo foi um dos únicos jogadores que conheci que sabia ver futebol. Igual ao Gérson e ao Tim.
Sobrenatural de Almeida: – Zagallo disse que você era comunista, vermelho. E, como a maior parte da imprensa que cobria a seleção na época também era, criaram uma situação pra atacá-lo.
Idiota da Objetividade: – Zagallo achou que tinha jogador de meio-campo demais e que o esquema de 4-2-4 servia pras eliminatórias, mas pra Copa seria muito arriscado. E a primeira ideia dele era colocar o Roberto Miranda como referência no ataque, já que ele jogava assim no Botafogo, junto com o Jairzinho. Mas acabou escalando o Tostão.
Ceguinho Torcedor: – Como o João já fizera nas eliminatórias.
Garçom: – Voltamos a ser o país do futebol com o João Sem Medo no comando da seleção, não foi? Vamos ouvir, então, no nosso aparelho de som “Aqui é o país do futebol”, do Milton Nascimento e Fernando Brant, que aqui está.
Todos o aplaudem mais uma vez. E Zé Ary põe a música, na interpretação de Milton Nascimento pra tocar, e grande parte do povo do bar “Além da Imaginação” acompanha.
Encerrada a música, Sobrenatural de Almeida aproveitou pra provocar João Sem Medo.
Sobrenatural de Almeida: – Mas João, você barrou o Pelé!
João Sem Medo: – Ô, Almeida, pára de contar mentira. O negão não estava bem e tinha mesmo um problema de vista, estava usando óculos. Eu só quis preservá-lo pra Copa. Fiz o mesmo com outros, como o Gérson, por exemplo. Não adiantava ter os caras no auge antes, eles tinham de estar cem por cento na Copa. Os dirigentes da CBD foram covardes e pusilânimes e usaram o Pelé para tirar dinheiro dos banqueiros.
Garçom: – Pelé está ali sorrindo. Quer falar algo, Rei?
Pelé: – Como eu cheguei a gravar pro Canal 100 em 69, fui totalmente a favor do João Saldanha na seleção. Ele não era técnico de nenhuma equipe, não tinha vínculo com nenhuma equipe no Brasil, então ele podia fazer e desfazer, sem a preocupação de agradar A ou B.
João Sem Medo acena de sua mesa pra Pelé.
Pelé: – Depois, já em 70, surgiu essa história do problema na vista. Na época eu achei que foi até maldade sua, João. Mas você tinha de fazer alguma coisa, se apegar a alguma coisa e conseguiu, porque foi um tumulto danado. Mas pra mim aquela história está superada, né, João?
João Sem Medo faz que sim com a cabeça e o sinal de positivo com a mão direita.
Garçom: – Apesar dessa confusão toda, a troca de técnico em cima da hora, ganhamos a Copa com um timaço. E o Zagallo virá aqui depois pra falar sobre aquele que foi o melhor time que eu vi jogar.
João Sem Medo: – Olha, Zé Ary e amigos, antes da Copa disseram que o Brito não sabia amortecer uma bola, que Jairzinho não era ponta-direita nem no Botafogo, que Tostão e Pelé não podiam jogar juntos. Confesso que fiquei emocionado com aquela conquista no México. Aquela equipe do Brasil, que marcou 42 tentos em 12 jogos, na sua campanha no Mundial, contando com os jogos das Eliminatórias, foi um timaço de futebol, que adquiriu consistência em suas linhas, sem que lhe roubasse o seu estilo, a sua característica.
Idiota da Objetividade: – Uma média extraordinária de 3,5 gols por partida. Nas eliminatórias, em 69, com o time dirigido por João Saldanha, a seleção marcou 23 gols e sofreu apenas dois. O Brasil derrotou fora de casa a Colômbia, por 2 a 0; a Venezuela, por 5 a 0, e o Paraguai, por 3 a 0. Depois venceu em casa os colombianos, por 6 a 2; os venezuelanos, por 6 a 0, e os paraguaios, por 1 a 0.
Ceguinho Torcedor: – Amigos, o escrete do João era um criador de multidões. E o Mário Filho explodiu de gente contra o Paraguai. O empate bastava, mas o Brasil alcançou uma vitória sem nenhum problema. E o que importa ressaltar é que o Brasil tem sorte com 1 a 0.
Idiota da Objetividade: – É verdade. A seleção se classificou para a Copa de 58 com 1 a 0 sobre o Peru e acabou campeã na Suécia.
Garçom: – Foi uma grande festa, já antecipando o que veríamos no México no ano seguinte. Vamos aproveitar então para ouvir agora “Aqui é o país do futebol” com o grande Wilson Simonal vindo aqui ao palco pra cantar. Simonal, por favor?
Simona se levanta para ir em direção ao palco e é muito aplaudido durante todo o trajeto e, sorrindo muito, agradece os aplausos.
Wilson Simonal: – Muito obrigado, muito obrigado. Deixa cair, simbora, que pra virar cinza minha brasa demora!
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